Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 442/2021-T
Data da decisão: 2021-11-29  IRS  
Valor do pedido: € 24.041,80
Tema: IRS – Mais-valias imobiliárias auferidas por não residente fiscal
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 

I.             RELATÓRIO

 

1.            A…, doravante “Requerente”, contribuinte fiscal número …, com residência fiscal na Rua …, … Faro, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, com vista à declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), no valor de € 24.041,80, referente ao ano de 2018, identificada com o n.º 2021 ….

 

2.            É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

3.            Em 13 de julho de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação da AT nessa mesma data.

 

4.            Em conformidade com os artigos 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do Tribunal Arbitral Singular a Exma. Sra. Dra. Susana Constantino, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação em 26 de agosto de 2021, não manifestaram vontade de a recusar, nos termos dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

5.            O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 14 de setembro de 2021.

 

6.            A Requerida foi notificada através de despacho arbitral, de 18 de setembro de 2021, para os efeitos previstos no artigo 17.º do RJAT.

 

7.            A Requerida, a 21 de setembro de 2021 juntou requerimento com cópia do Despacho proferido pela Subdiretora-Geral do Rendimento, de 13 de setembro de 2021, que revogou o ato de liquidação objeto de impugnação.

 

8.            A 4 de outubro o Requerente apresentou requerimento dado que, tendo sido devidamente notificado do Despacho da Direção de Serviços do IRS – Divisão de Administração com a anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2021… referente ao período de tributação de 2018 cuja anulação se solicitou nos presentes autos, refere não se opor à inutilidade superveniente da lide por falta de objeto. Não obstante, requer, muito respeitosamente, que seja a Ilustre Representação da Fazenda Pública, responsável pelo pagamento dos eventuais encargos com as custas de arbitragem, por a anulação do ato ter sido posterior à constituição do tribunal.

 

9.            O Tribunal Arbitral, por despacho de 6 de outubro de 2021, em face das posições manifestadas pela Requerente e Requerida, e julgando desnecessária a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e bem assim a fase de alegações, uma vez que a Requerida não revogou o ato no prazo previsto no artigo 13.º n.º 1 do RJAT, considera imperativa a prolação de decisão arbitral. Nesta medida, notificou a Requerente para, e até à data da prolação da decisão arbitral, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

 

II.            SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos atos liquidação de IS, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

1.            MATÉRIA DE FACTO PROVADA

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

A)           A matéria relativamente à qual foi suscitada a apreciação do Tribunal Arbitral reporta-se à tributação da totalidade da mais-valia imobiliária apurada aquando da venda, em 2018, pelo ora Requerente, considerado não residente fiscal em Portugal no ano em causa.

B)           A Requerida, relativamente à quantificação da mais-valia tributária, considerou, aquando da emissão da nota de liquidação de IRS n.º 2021 …, a mais-valia imobiliária auferida na sua totalidade, sem consideração do regime de exclusão de tributação previsto no artigo 43.º n.º 2 do Código do IRS, aplicando, portanto, uma taxa de 28% à totalidade do valor da mais-valia obtida.

C)           Solicitando o Requerente a exclusão de 50% do saldo das mais-valias como se verifica no caso de contribuintes considerados residentes em território nacional uma vez que a não aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS aos residentes de outro Estado-Membro da União Europeia não pode deixar de determinar a anulação da liquidação de IRS em causa por incompatibilidade deste normativo com o direito da União Europeia, em particular, com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º e seguintes do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), constituindo uma discriminação injustificada entre residentes em Portugal e residentes noutro Estado-membro da União Europeia.

D)           Por Despacho de 13 de setembro de 2021 da Subdiretora-Geral do Rendimento foi revogado o ato de liquidação de IRS n.º 2021 …, referente ao ano de 2018, entendendo a Requerida que deverá ser aplicada na liquidação do imposto em causa (IRS) o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 43º do Código de IRS, considerando o saldo das mais-valias imobiliárias apenas em 50% do seu valor, restituindo-se o imposto pago em excesso acrescido de juros indemnizatórios.

 

2.            FACTOS NÃO PROVADOS

 

Com relevo para a decisão da causa não existem factos que devam considerar-se não provados.

 

3.            MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida tendo em conta as questões de Direito suscitadas. Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental, junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

IV.          FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

 

1.            QUESTÕES DECIDENDAS

 

A principal questão que importa apreciar e decidir respeita à inutilidade superveniente da lide por revogação do ato objeto de impugnação por parte da Requerida.

 

2.            ANÁLISE

 

O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este último, um meio processual de mera legalidade, que visa a declaração de ilegalidade de atos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT e a eliminação dos efeitos jurídicos por eles produzidos, anulando-os, através de uma pronúncia constitutiva e cassatória, ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º daquele diploma].

 

Por isso, sendo o objeto de apreciação do Tribunal Arbitral o ato praticado, a sua legalidade tem de ser apreciada à face do seu teor, tal como foi praticado, não podendo o Tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua atuação poderia basear-se noutros fundamentos .

 

Por outro lado, e em essência, sendo sido o ato impugnado objeto do processo revogado, está em causa apreciar se poderá o Tribunal concluir pela inutilidade superveniente da lide. Volvendo ao caso concreto, veio o Requerente referir não se opor à inutilidade superveniente da lide por falta de objeto.

 

De notar que ainda que o ato de revogação tenha ocorrido em momento anterior à constituição do Tribunal Arbitral - que ocorreu a 14 de setembro de 2021, a Requerida apenas juntou cópia do Despacho proferido pela Subdiretora-Geral do Rendimento, de 13 de setembro de 2021, a 21 de setembro de 2021.

 

Ora, o artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, estatui que a instância se extingue com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.

 

A impossibilidade da lide ocorre em caso de morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objeto do processo ou por extinção de um dos interesses em conflito. A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.

 

A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide traduz-se, assim, numa impossibilidade ou inutilidade jurídica, cuja determinação tem por referência o estatuído na lei.

Mais ainda, segundo José Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 555), “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.

 

Mais ainda, no âmbito do processo n.º 170/08.0TTALM.L1.S1, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu a 8 de maio de 2013, acórdão referindo que “(…) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, enquanto causas determinantes da extinção da instância (…) resultarão de circunstâncias acidentais/anormais que, na sua pendência, precipitam o desinteresse na solução do litígio, induzindo a que a pretensão do autor não possa ou não deva manter-se: seja, naqueles casos, pelo desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, seja, nestes, pela sua alcançada satisfação fora do esquema da providência pretendida. A inutilidade do prosseguimento da lide verificar-se-á, pois, quando seja patente, objectivamente, a insubsistência de qualquer interesse, benefício ou vantagem, juridicamente consistentes, dos incluídos na tutela que se visou atingir ou assegurar com a acção judicial intentada.”

 

Parece, assim, resultar que a inutilidade superveniente da lide se verifica quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, em virtude de uma de duas situações: ou porque não é possível reconhecer a pretensão/argumentação/fim que o demandante quer fazer valer no processo, ou porque o propósito visado com a ação foi atingido por outra forma.

 

Volvendo ao caso concreto, temos que o referenciado ato de liquidação IRS do ano de 2018 foi objeto de revogação nos termos acima enunciados. Nessa medida, a pretensão formulada pela Requerente, quanto à declaração de ilegalidade e anulação do mencionado ato de liquidação, ficou prejudicada por aquela atuação administrativa.

Face ao exposto, considerando que a pretensão do Requerente se encontra satisfeita, em virtude da revogação do ato tributário impugnado e a sua consequente revogação, e não se vislumbrando a utilidade ou interesse na manutenção da pronúncia arbitral, por ter operado a inutilidade superveniente da lide, deve a decisão do presente Tribunal ser no sentido de declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide relativamente ao pedido de pronúncia realizado, em conformidade com o previsto no disposto na alínea c) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

V.           DECISÃO

 

De harmonia com o supra exposto, decide o árbitro deste Tribunal Arbitral declarar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, em virtude da revogação do ato tributário.

 

VI.          VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 24.041,80, indicado pelo Requerente e não contestado pela Requerida, correspondente ao valor da liquidação de IRS objeto de revogação – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

VII.         CUSTAS

 

                O montante das custas é fixado em € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros) a cargo da Requerida, nos termos da Tabela I do RCPAT, em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 29 de novembro de 2021

 

O Árbitro,

(Susana Constantino de Carvalho Furtado)