Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 251/2021-T
Data da decisão: 2021-12-02  ISV  
Valor do pedido: € 2.976,31
Tema: ISV. Veículos usados provenientes de outros Estados-Membros. Incidência sobre a componente ambiental.
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DECISÃO ARBITRAL

I - Relatório

1. A…….., titular do número de identificação fiscal ………, residente na Rua ………., ….., ……-….São Mamede de Infesta (doravante designado por “Requerente”) apresentou, em 26-04-2021, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

2. O Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial do ato de liquidação do Imposto sobre Veículos (ISV) ordenando-se o reembolso ao Requerente da quantia indevidamente paga no valor total de € 2.976,31 (dois mil novecentos e setenta e seis euros e trinta e um cêntimos) acrescida ainda de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento até à data do efetivo reembolso.

3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) (adiante designada por “Requerida”).

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 28-04-2021.

5. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.

6. O Requerente foi notificado, em 16-06-2021, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

7. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 06-07-2021.

8. A Requerida foi notificada através do despacho arbitral, de 07-07-2021, para os efeitos previstos no artigo 17.º da RJAT.

9. A Requerida não apresentou a Resposta e remeteu o Processo Administrativo, em 28-10-2021.

10. O Tribunal Arbitral por despacho, de 28-10-2021, determinou: (i) considerar-se habilitado a decidir a matéria de facto com os elementos que já constam dos autos sem necessidade de produção de prova testemunhal; (ii) dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, a simplificação e a informalidade processuais, de acordo com o disposto nos artigos 19.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, tendo em conta que não foi invocada matéria de excepção, requeridas outras diligências probatórias adicionais, nem existem questões que obstem ao conhecimento do pedido; (iii) notificar as partes para proferirem alegações escritas, caso queiram, no prazo de 10 dias, com caracter sucessivo, a partir da notificação do presente despacho; (iii) indicar o dia 29 de novembro de 2021 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral; (iv) notificar o Requerente para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente até à data indicada na alínea anterior.

11. O Requerente, em 02-11-2021, informou o Tribunal Arbitral que não apresentava alegações.

12. A Requerida não apresentou alegações.

13. A posição do Requerente, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral é, em síntese, a seguinte:

13.1. O Requerente introduziu em Portugal, em 10-04-2017, o veículo automóvel de passageiros, usado, marca Mercedes-Benz, proveniente da Bélgica tendo a AT procedido à liquidação do ISV no valor global de € 8.205,29 (€ 2.481,61 corresponde ao valor da componente cilindrada e € 5.722,68 ao valor da componente ambiental).

13.2. Apesar do Requerente ter procedido ao pagamento do ISV, sem o que não poderia legalizar o veículo para poder circular em Portugal, considera que a liquidação efetuada do ISV está ferida de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental ou CO2.

13.3. Efetivamente, a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – artigo 11.º do Código do Imposto sobre Veículos (a seguir abreviadamente designado por “CISV”) – viola o artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE).

13.4. À data da criação do ISV, em 2007, o legislador nacional considerou que os veículos usados admitidos em Portugal, provenientes de outros Estados-membros, apenas se desvalorizavam, relativamente aos veículos novos, após 1 ano de uso e que a partir do 5 ano não sofriam mais nenhuma desvalorização.

13.5. Considerar que um veículo proveniente de um Estado-membro só sofria uma desvalorização ao fim de um ano, não respeitava a realidade do mercado automóvel e penalizava injustificadamente os veículos usados importados. O mesmo se diga relativamente aos veículos com mais de cinco anos de uso, porque um veículo com mais de cinco anos continua a desvalorizar-se nos anos seguintes.

13.6. Acresce ainda que na redação inicial o artigo 11.º do CISV esta redução apenas se aplicava à componente cilindrada dos veículos e não à componente ambiental (CO2) provocando, por este motivo, um critério desigual no cálculo do ISV relativamente a veículos usados matriculados em Portugal e aos veículos admitidos em Portugal, matriculados noutros Estados-membros. Já que, relativamente aos veículos originariamente matriculados em Portugal, a desvalorização incidia sobre as duas componentes. Daí resultava que um veículo usado proveniente de outro Estado-membro pagasse mais ISV, relativamente aos veículos idênticos matriculados em Portugal.

13.7. Na sequência da instauração pela Comissão Europeia de um processo por infração com o n.º 2009/2296 contra a República Portuguesa, o legislador português antecipando a instauração de uma ação de incumprimento pela Comissão Europeia aprovou uma alteração ao Código do ISV e pôs termo à ilegalidade que esteve na origem deste processo por infração.

13.8. Com esta alteração ficou resolvida uma parte da ilegalidade não ficando, contudo, sanada a ilegalidade que dizia respeito à desvalorização dos veículos até final do 1.º ano de uso e após os 5 anos de uso. A manutenção desta divergência levou à instauração pela Comissão Europeia de uma ação por incumprimento contra a República Portuguesa, que correu termos sob o n.º C-200/15.

13.9. O Acórdão do Tribunal de Justiça, em 16-06-2016, declarou o incumprimento pela República Portuguesa do artigo 110.º do TFUE, tendo o legislador nacional introduzido nova alteração no CISV, através da Lei do Orçamento do Estado para 2017, alargando as percentagens de redução ao 1 º ano de uso do veículo e prolongando-a até aos 10 e mais anos de uso. Só que foi introduzida uma outra alteração bem mais gravosa para o cálculo do ISV.

13.10. Assim, com a nova redação dada ao artigo 11.º do CISV, que esteve na base da liquidação do ISV pago pelo Requerente, voltou-se a limitar a aplicação das percentagens de redução para calculo de ISV apenas à componente cilindrada, excluindo-a da componente ambiental (emissão de CO2) o que viola frontalmente o artigo 110.º do TFUE, porque permite que o Fisco cobre um imposto sobre os veículos importados, com base num valor superior ao valor real dos veículos, onerando-os com uma tributação fiscal superior à que é aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional.

13.11. Esta ilegalidade foi objeto de queixa apresentada, em 20-07-2017 junto da Comissão Europeia e deu origem à instauração de um processo de infração contra Portugal, sob o n.º CHAP (2017) 2326, no qual foi emitido um parecer fundamentado pela CE, na sequência do qual foi interposta, em 23-04-2020, contra Portugal uma nova ação no Tribunal de Justiça da União Europeia, que corre os termos com o n.º C-169/20.

13.12. O reconhecimento desta ilegalidade levou o legislador nacional através da Lei do Orçamento do Estado para 2021 a alterar o artigo 11.º do CISV mediante a qual reintroduziu nesta nova redação uma tabela de desvalorização pelo número de anos de uso dos veículos também relativamente à componente CO2.

13.13. Esta alteração não repõe a legalidade na sua plenitude, já que a percentagem de desvalorização desta componente é menor, relativamente à componente cilindrada, mantendo uma discriminação negativa dos veículos usados introduzidos em Portugal. Só que existe claramente um reconhecimento da ilegalidade da anterior redação daquela norma legal, reconhecimento esse em clara contradição com a posição que a AT tem mantido nas liquidações do ISV.

13.14. Todavia se subsistirem dúvidas sobre a interpretação e aplicação do disposto no artigo 110.º do TFUE deve este Tribunal Arbitral proceder ao reenvio prejudicial desta questão ao Tribunal de Justiça para a interpretação da mesma à luz do Tratado nos seguintes termos: a norma constante do artigo 11.º do CISV, viola ou não o disposto no referido artigo do Tratado, porquanto discrimina negativamente os veículos usados admitidos no espaço português, provenientes de um outro Estado membro, relativamente aos que são matriculados e comercializados em Portugal.

13.15. Em suma, os cálculos do ISV constante da DAV relativamente à componente cilindrada demonstram que o ISV foi liquidado pelo valor € 5.170,02 – 2.688,41 enquanto na componente ambiental foi liquidado por € 5.723,68, sem qualquer redução. Ora, deveria ter sido também aplicada à componente ambiental a redução aplicada à componente cilindrada, que totalizaria € 2.976,31. Dessa forma baixaria o valor relativo desta componente ambiental para o valor de € 2.193,71 e o respetivo ISV global baixaria para o valor de € 5.228,98. Assim, deve ser restituído ao Requerente o montante de € 2.976,31 acrescido dos juros indemnizatórios devidos nos termos do artigo 43.º da LGT.

13.16. O Requerente, em 15-03-2021, requereu junto da Alfândega de Leixões, ao abrigo do disposto na 2ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, a revisão da liquidação que foi indeferida, por despacho proferido pelo Diretor da Alfândega de Leixões, em 15-04-2021. Tendo o Requerente efetuado o pedido de revisão e tendo este sido indeferido está em tempo de, nos termos do artigo 99.º do CPPT, impugnar esta liquidação.

14. A Requerida não apresentou Resposta nem alegações (vd., n.ºs 9 e 12 supra), a sua posição expressa no Processo Administrativo, junto aos presentes autos, pode ser sintetizada no seguinte:

14.1. Conforme consta da redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, à data dos factos, a desvalorização dos veículos no mercado nacional, é calculada tendo por referência a desvalorização comercial média dos veículos, mediante uma tabela de reduções que varia em função do tempo de uso do veículo.

14.2. De acordo com a referida tabela, entendeu o legislador aplicar as percentagens de redução apenas ao imposto resultante da componente cilindrada, ficando de fora a componente ambiental, pretendendo-se com isso, imprimir coerência entre a tributação dos veículos novos e usados.

14.3. O ato de tributação visado foi praticado nos termos do artigo 11.º do CISV, na redação à data dos factos, e a AT não pode deixar de aplicar a norma com base num “julgamento” de conformidade com o direito comunitário, designadamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE.

14.4. A Administração Tributária uma vez vinculada ao princípio da legalidade (cfr. artigo 266.º, n.º 2, da CRP e artigo 53.º da LGT) limitou-se a aplicar a legislação vertida no CISV.

14.5. Atendendo a que a Administração Tributária se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre com base no princípio da legalidade, e não tendo a prerrogativa de poder desaplicar normas com base num “julgamento” de pretensa desconformidade com o direito comunitário (atribuição reservada aos tribunais) o ato praticado não enferma de qualquer ilegalidade.

II – Saneamento

15. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.ºs 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

16. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

17. O Tribunal considera tempestivo o pedido de pronúncia arbitral, apresentado na sequência do indeferimento do pedido de revisão oficiosa do ato tributário interposto pelo ora  Requerente. O referido pedido de revisão oficiosa do ato tributário foi apresentado, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, pelo ora Requerente dentro do prazo previsto para que pudesse ser apreciado pela AT o erro de direito imputável aos serviços, por alegada violação de norma comunitária.

Não foram suscitadas exceções de que cumpra conhecer.

Não se verificam nulidades nem quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

III - Matéria de facto

18. Factos dados como provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

A)           O Requerente apresentou a Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) 2017/…….., de 12/03/2021, na qual declarou o veículo da marca Mercedes-Benz, movido a gasóleo, n.º de motor ………., cilindrada 2143 cc e com emissão de gases CO2 de 144 g/km e de emissão de partículas 0.0001 g/km.

B)           O veículo, identificado na alínea anterior, é proveniente da Bélgica (data da 1ª matrícula: 16-09-2011) entrou no território nacional, em 03-04-2017, com 82401 kms percorridos, tendo sido emitida, em 10-04-2017, a matrícula ..-ST-.. pelo Instituto de Mobilidade dos Transportes – Delegação Distrital de Viação de Aveiro.

 

C)           No Quadro R da DAV, identificada na alínea A) supra, foi efetuado o cálculo do ISV, com recurso à aplicação da tabela aplicável aos veículos ligeiros de passageiros (Tabela A), tendo sido apurado um valor total de € 8.205,29.

 

D)           O montante respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente cilindrada é de € 5.170,02 ao qual foi deduzida a quantia correspondente a 52% do seu montante, ou seja, € 2.688,41, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D, prevista no n.º 1 do artigo 11.º do CISV, aplicável aos veículos usados.

 

E)            O montante respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental é de € 5.723,68, ao qual não foi aplicada qualquer percentagem de dedução.

 

F)            A liquidação do ISV, conforme consta do Quadro T da DAV, sob o n.º 2017/……. foi efetuada, em 10-04-2017, devendo o montante de € 8.206,19 ser pago até 26-04-2017.

 

G)           O Requerente procedeu ao pagamento do imposto.

 

H)           O Requerente, em 16-03-2021, apresentou, junto da Alfândega de Leixões, um pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação do ISV, que recebeu o n.º …………….

 

I)             Através do ofício n.º 2021…………, de 12-04-2021, o Requerente foi notificado do projeto de decisão relativo ao pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação do ISV para efeitos do direito de audição, nos termos previstos no artigo 60.º da LGT.

 

J)            O Requerente exerceu o seu direito de audição.

 

K)           O pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação do ISV foi indeferido, por despacho, de 15-04-2021, proferido pelo Diretor da Alfândega de Leixões

 

L)            O despacho de indeferimento, referido na alínea anterior, foi notificado ao Requerente através do ofício da Alfândega de Leixões com n.º 2021…………, de 16-04-2021.

 

19. Factos dados como não provados

Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

20. Fundamentação da matéria de facto

Relativamente à matéria de facto, atendendo ao disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e no artigo 607.º, n.º 3, do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada.

Assim, de acordo com o disposto no artigo 596.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida tendo em conta as questões de Direito suscitadas.

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT e a prova documental, junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Na formação da convicção do Tribunal quanto à prova foram ainda relevantes o processo administrativo instrutor bem como os demais documentos juntos aos autos e que o Tribunal analisou criticamente em conjugação com a posição do Requerente expressa no pedido de pronuncia arbitral e a posição da Requerida constante do processo administrativo instrutor.

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou, em qualquer caso, cuja apreciação seria inútil (vd., artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

IV. Matéria de Direito

21. A principal questão decidenda nos presentes autos arbitrais diz respeito a saber se o disposto no artigo 11.º do CISV, mais precisamente as percentagens de redução constantes da Tabela D do n.º 1 que apenas incidem sobre a componente cilindrada excluindo a componente ambiental (emissão de CO2), ao contrário do que sucede com os veículos usados já matriculados no território nacional, viola ou não o direito da União Europeia, e, consequentemente, se a liquidação impugnada se encontra, ou não, ferida de ilegalidade.

 

 

A questão do reenvio prejudicial suscitada pelo Requerente no pedido de pronuncia arbitral (vd., n.º 13.14 supra) será tratada, por razões de economia na exposição e fundamentação da presente decisão, no n.º 32 infra.

Cumpre apreciar.

22.  É necessário começar por referir o enquadramento legal da questão, a nível de direito da União Europeia. O artigo 110.º do TFUE dispõe o seguinte:

“Nenhum Estado-Membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares. Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indirectamente outras produções"

Importa salientar que a vinculação da administração tributária ao cumprimento das normas de direito comunitário deriva de imperativo constitucional, nos termos dos artigos 8.º, n.º s 2 e 3 e 266.º, n.º 2, da CRP.

23. O contexto em que surge o imposto sobre veículos é descrito por A. BRIGAS AFONSO e MANUEL T. FERNANDES nos seguintes termos: “Em Portugal sempre se tributaram fortemente os veículos na fase da aquisição, sendo a tributação mais suave na fase da circulação. De qualquer modo, o modelo de tributação dos veículos automóveis na fase da aquisição tem sofrido várias alterações ao longo do tempo. O primeiro imposto especial de consumo sobre os veículos, denominado imposto sobre a venda de veículos automóveis (IVVA), foi aprovado pelo DL n.º 667/73, de 27 de Dezembro, sendo o modelo de tributação idêntico ao que vigorou em Espanha até 2007, embora com taxas muito mais elevadas. As taxas eram ad valorem, tal como sucede com o IVA, mas variavam em função de escalões de cilindrada, sendo a taxa mais elevada de 100% para os veículos com uma cilindrada superior a 2000 cm3. O DL n.º 405/87, veio instituir taxas específicas ou ad rem, variáveis em função da cilindrada, situação que se manteve com o DL n.º 152/89, de 18 de maio, e com o DL n.º 40/93, de 18 de fevereiro, foi revogado com a aprovação do Código do Imposto sobre Veículos (CISV)” .

24. De acordo com o disposto no CISV, a incidência objetiva deste imposto abrange os “veículos automóveis ligeiros de passageiros”, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e no plano de incidência subjetiva  estão incluídos  os “sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares (…) que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando -se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos”, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 3.º.

Relativamente aos automóveis de passageiros a base tributável está definida nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º.

De acordo com o artigo 5.º, n.º 1, o facto gerador do imposto constitui “(…) o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal”. O legislador define o conceito de admissão dos veículos em território nacional, de acordo com a alínea a) do n.º 3 do mesmo artigo, como “(…) a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-Membro da União Europeia em território nacional”.

Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º o imposto torna-se exigível “(…) no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada (…) no momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares”.

A introdução no consumo e a liquidação do imposto “(…) são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV)”, nos termos do n.º 1 do artigo 17.º, e “para efeitos de matrícula, os veículos automóveis ligeiros (…) ficam sujeitos ao processamento da DAV”, segundo o n.º 3 do mesmo preceito.

As taxas a aplicar para efeito de cálculo do ISV estão previstas nos artigos 7.º a 11.º do Código do ISV sendo estruturadas em taxas normais, taxas intermédias, taxas reduzidas e taxas para veículos usados.

 

A base tributável a aplicar no cálculo do ISV tem duas componentes. A componente cilindrada prevê uma taxa a aplicar consoante a cilindrada e o tipo de veículo. A componente ambiental estabelece uma tributação progressiva em função do nível de emissões de CO2 g/km.

25. As normas do Código do ISV, com a redação à data da ocorrência do facto tributário constante dos autos, relevantes para a análise da questão decidenda são as seguintes:

Artigo 7.º

Taxas normais – automóveis

1 - A tabela A, a seguir indicada, estabelece as taxas de imposto, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, e é aplicável aos seguintes veículos:

a) Aos automóveis de passageiros;

b) (...)”

TABELA A

Componente cilindrada

 

Escalão de Cilindrada

(centímetros cúbicos)    Taxas por centímetros cúbicos

(euros) Parcela a abater

(euros)

Até 1 000             0,99        767,50

Entre 1 001 e 1 250         1,07       769

Mais de 1 250    5,06        5 600,00

 

Componente ambiental

Veículos a Gasóleo

 

Escalão de CO2

(gramas por quilómetro)              Taxas

(euros) Parcela a abater

(euros)

Até 79   5,22       396,88

De 80 a 95           21,20     1 671,07

De 96 a 120        71,62     6 504,65

De 121 a 140      158,85   17 107,60

De 141 a 160      176,66   19 635,10

Mais de 160        242,65   30 235,96

 

Artigo 11.º

Taxas – veículos usados

1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional:

 

Tabela D

Tempo de uso   Percentagem de redução

Até 1 ano            10

Mais de 1 a 2 anos          20

Mais de 2 a 3 anos          28

Mais de 3 a 4 anos          35

Mais de 4 a 5 anos          43

Mais de 5 a 6 anos          52

Mais de 6 a 7 anos          60

Mais de 7 a 8 anos          65

Mais de 8 a 9 anos          70

Mais de 9 a 10 anos        75

Mais de 10 anos               80

 

2 - Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por «tempo de uso» o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respectivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos.

3 - Sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado dos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto:

ISV=((V/VR) x Y) + C

em que:

ISV representa o montante do imposto a pagar;

V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor, apresentadas pelo interessado;

VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez;

Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto;

C é o «custo de impacte ambiental», aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela.

4 - Na falta de pedido de avaliação formulado nos termos do número anterior presume-se que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.º 1.”

 

26. A redação das normas transcritas no n.º anterior foi introduzida pelo artigo 217.º da Lei n.º 42/2016, de 27 de dezembro, Lei do Orçamento de Estado para 2017.

Essas alterações no CISV foram motivadas pelo disposto no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia  (C-200/15), de 16-06-2016,  relativo à ação por incumprimento interposta pela Comissão Europeia contra a República Portuguesa, o qual declarou a desconformidade da anterior redação das normas do CISV com o artigo 110.º do TFUE.

No referido Acórdão o Tribunal de Justiça decidiu “ A República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.° TFUE.”

O legislador, através da Lei n.º 42/2016, de 27 de dezembro, e em conformidade com o acórdão supra identificado alargou as percentagens de redução ao primeiro ano de uso do veículo, prolongando-a até aos dez e mais anos de uso.

27. Importa referir que com a alteração legislativa verificada em 2016 e à revelia do disposto no artigo 110.º do TFUE, Portugal deixou de considerar as percentagens de redução de ISV relativas à depreciação das viaturas no que diz respeito à componente ambiental. Assim, apesar das alterações contidas na Lei n.º 42/2016, de 27 de dezembro, as referidas normas do CISV, continham uma diferenciação relativamente aos veículos com origem noutros Estados-Membros, com impacto no cálculo do ISV. Efetivamente, o artigo 11.º do CISV limita a aplicação das percentagens de redução apenas à componente cilindrada, excluindo-a da componente ambiental (emissão de CO2), ao contrário do que sucede com os veículos usados já matriculados no território nacional. Em consequência, na liquidação de ISV, em causa nos presentes autos arbitrais, a percentagem de redução (no caso, 52%), aplicada em função do número de anos de uso do veículo incidiu apenas sobre a componente cilindrada, não tendo sido aplicada à componente ambiental (vd., alíneas C), D) e E) do n.º 18 supra).

28.  A jurisprudência comunitária tem dado particular atenção à tributação dos veículos usados, a este respeito A. BRIGAS AFONSO e MANUEL FERNANDES afirmam: “A tributação dos veículos usados tem sido objeto de vários acórdãos do TJCE. No caso de Portugal, os dois acórdãos mais importantes e que firmaram jurisprudência em matéria de tributação dos veículos usados, provenientes de outro Estado Membro, são o denominado Acórdão Nunes Tadeu e o Acórdão Gomes Valente, cuja doutrina se procurou acolher no Código do ISV. No caso Nunes Tadeu contestava-se o facto de o IA se aplicar aos veículos usados importados e não se aplicar aos veículos usados transaccionados no mercado nacional o que, na opinião do autor do processo, contrariava o então artigo 95.º do Tratado CEE. Embora o TJCE não tenha respondido afirmativamente à questão colocada, considerou que o IA então aplicável em Portugal aos veículos usados e que, na altura, apenas permitia uma redução de 10% do montante a pagar pelos veículos usados, sem tomar em consideração a depreciação efetiva de cada veículo, implicava uma tributação discriminatória dos veículos usados importados.

No Acórdão Gomes Valente o TJCE vai mais longe na sua análise, considerando que a depreciação não implica, necessariamente, uma peritagem casuística e podia ser fixada, através de tabelas fixas, determinadas por disposições regulamentares ou administrativas, desde que estas tivessem em conta a idade, a quilometragem, o estado geral do veículo, o modo de propulsão, a marca e o modelo do veículo. Esclarece ainda o referido acórdão que as tabelas podem referir-se a “preços médios dos veículos usados no mercado nacional ou uma lista de preços correntes médios utilizados como referência no setor”. Sublinha ainda o TJCE que as referidas tabelas devem ser organizadas de modo a excluir “todo e qualquer efeito discriminatório”. No caso concreto, o TJCE, embora admita a possibilidade de se fixar a depreciação dos veículos através de tabelas fixas, considerou que as tabelas então vigentes em Portugal não excluíam toda e qualquer discriminação em detrimento dos veículos usados importados” .

A evolução das questões entre Portugal e a União Europeia relativas à carga fiscal incidente sobre os veículos usados, a nível de ISV, encontra-se detalhadamente descrita na decisão arbitral do CAAD n.º 572/2018, de 30 de abril de 2019, cuja posição sufragamos integralmente .

29. O Tribunal de Justiça da União Europeia tem reiteradamente afirmado que, atendendo ao disposto no artigo 110.º do TFUE, um imposto automóvel não deve onerar mais os produtos provenientes de outros Estados-Membros do que os produtos nacionais similares.

No caso em análise nos presentes autos arbitrais  verifica-se que as normas do CISV ao  não terem em conta a componente ambiental do imposto de matrícula aplicável aos veículos usados importados de outros Estados-Membros para fins de depreciação determinam, em consequência, que esses veículos são sujeitos a uma carga tributária superior em comparação com os veículos usados adquiridos no mercado português, porque a sua depreciação, para efeitos de calculo da liquidação do imposto, não é plenamente considerada.

As normas do Direito da União Europeia, no caso o artigo 110.º do TFUE, têm efeito direto e primado sobre o Direito Nacional, não podendo o artigo 11.º do CISV contrariar aquela disposição. Ora, de acordo com a jurisprudência comunitária existe uma clara violação do artigo 110.º TFUE sempre que o montante de imposto que incide sobre um veículo usado proveniente de outro Estado-Membro exceda o montante do referido imposto aplicado aos veículos usados similares já matriculados no território nacional, o que é o caso.

30. Nestes termos, julga-se incompatível com o direito da União Europeia a norma do artigo 11.º do CISV, na medida em que sujeita os veículos usados importados de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior ao do imposto residual contido nos veículos usados similares transacionados no mercado nacional.

31. No mesmo sentido, a jurisprudência do CAAD tem decidido uniformemente que a redação do artigo 11.º do CISV viola o disposto no artigo 110.º do TFUE (vd., a título exemplificativo as decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 572/2018, 391/2020-T, 393/2020-T, e 414/2020-T).

32.O Requerente no pedido de pronuncia arbitral afirma que, se subsistirem dúvidas sobre a interpretação e aplicação do disposto no artigo 110.º do TFUE,  deve o Tribunal Arbitral proceder ao reenvio prejudicial desta questão ao Tribunal de Justiça para a interpretação da mesma à luz do Tratado nos seguintes termos: se a norma constante do artigo 11.º do CISV, viola ou não o disposto no referido artigo do Tratado, porquanto discrimina negativamente os veículos usados admitidos no espaço português, provenientes de um outro Estado membro, relativamente aos que são matriculados e comercializados em Portugal (vd., 13.14. supra).

Relativamente à competência do tribunal nacional em matéria de reenvio prejudicial, a jurisprudência do TJUE tem salientado a competência exclusiva do juiz nacional para decidir sobre a necessidade do pedido de reenvio prejudicial e sobre a pertinência das questões a submeter ao TJUE, nos seguintes termos:

“(…) há que recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, é da competência exclusiva do juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade da decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça” (Acórdão do TJUE, de  6 de março de 2018, SEGRO e Horváth, C-52/16 e C-113/16, EU C:2018:157, n.º 42)

Cumpre sublinhar que o TJUE no ponto 12. das recomendações aos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/01) , afirma que o reenvio prejudicial para o TJUE não deverá ocorrer quando: (i) já exista jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto); ou (ii) quando o modo correto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoca.

O Tribunal Arbitral, no presente caso, não considera que uma decisão sobre a interpretação do artigo 110.º do TFUE seja necessária para proferir a sua decisão. Efetivamente, como se pode comprovar (vd., n.º 29  supra), a jurisprudência do TJUE esclarece, em termos que este Tribunal considera suficientes, as questões suscitadas nos presentes autos arbitrais e, em consequência, permite a este Tribunal decidir da interpretação correta do direito da União Europeia e a sua aplicação à matéria de facto provada. Deste modo, afigura-se que a situação em análise, que já se encontra suficientemente tratada pela jurisprudência do TJUE, não suscita nenhuma dúvida fundada quanto à aplicação da norma comunitária ao caso concreto, concluindo-se pela desnecessidade de reenvio prejudicial.

33. Em conclusão, o ato de liquidação em causa nos presentes autos arbitrais, ao desconsiderar a redução na vertente relativa à componente ambiental do ISV não está em conformidade com o direito da União Europeia, designadamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE, aplicável por força do artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), encontra-se, nessa parte, ferido de ilegalidade devendo ser parcialmente anulado.

34. O Requerente procedeu ao pagamento da liquidação em causa nos presentes autos arbitrais (vd., alínea G) do n.º 18 supra) e solicita que lhe seja restituído o montante pago e que também que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” Conforme decorre do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o direito aos mencionados juros pode também ser reconhecido no processo arbitral.

A condição necessária para a atribuição dos juros indemnizatórios consiste na demonstração da existência de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável aos serviços da Administração Fiscal.

No presente caso, a AT tinha pleno conhecimento da jurisprudência do TJUE acerca da aplicação do artigo 110.º do TFUE a nível da tributação automóvel. Ao ter negado provimento ao pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação do imposto a atuação da AT traduziu-se num “erro imputável aos serviços”, conforme o disposto no artigo 43.º da LGT.

Nestes termos, o Requerente tem direito a ser reembolsado das quantias que pagou, nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT, por força da anulação parcial do ato de liquidação e, ainda, a ser indemnizado pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso.

 

V – Decisão

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e consequentemente, determinar a anulação parcial da liquidação n.º 2017/……, de 10-04-2017;

 

b)           Julgar procedente o pedido de reembolso do montante indevidamente pago pelo Requerente acrescido de juros indemnizatórios;

 

c)            Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo no montante abaixo indicado.

 

VI - Valor do Processo

Atendendo ao disposto nos artigos 32.º do CPTA, 306.º, n.º 2, do Código do Processo Civil e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se o valor do processo em € 2.976,31 (dois mil novecentos e setenta e seis euros e trinta e um cêntimos).

 

VII - Custas

O montante das custas é fixado em € 612,00 (seiscentos e doze euros) a cargo da Requerida, nos termos da Tabela I do RCPAT, em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do RCPAT.

 

VIII - Notificação ao Ministério Público

Notifique-se o Ministério Público, representado pela Senhora Procuradora-Geral da República, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 280.º, n.º 3, da CRP, 72.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional e 185.º-A, n.º 2, do CPTA, subsidiariamente aplicável.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 2 de dezembro de 2021

 

O Árbitro

(Olívio Mota Amador)