SUMÁRIO:
I – A norma contida no artigo 3º, nº1 do CIUC, na versão que vigorou até à aprovação do Decreto-Lei n.º 41/2016 sempre foi pacífica e uniformemente interpretada pelos nossos Tribunais superiores e arbitrais como estabelecendo uma presunção legal iuris tantum, ou seja, suscetível de prova em contrário, sobre quem se considera ser o proprietário do veículo.
II- O despacho impugnado, proferido sobre o pedido de revisão dos atos tributários identificados nos autos, não analisou criticamente a documentação junta pela Requerente, limitando-se a manter as liquidações de imposto com base na informação constante do registo automóvel e no entendimento segundo o qual o artigo 3º, nº1, na versão então em vigor (anterior às alterações introduzidas pela LOE para 2016) continha uma regra de incidência subjetiva e não uma presunção ilidível, o que consubstancia violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que conduz à anulação do despacho de indeferimento e das respetivas liquidações de imposto subjacentes.
III – Não pode ser assacada responsabilidade à AT pela falha do atempado registo das transmissões da propriedade das viaturas. Em conformidade com esta factualidade não se pode concluir pela existência de erro imputável à AT nas liquidações em crise. Porém, após a apresentação do pedido de Revisão oficiosa pela Requerente, a AT teve oportunidade de verificar a factualidade correta e concluir que o imposto previamente liquidado e pago, era indevido. Nesse momento tendo em conta as informações de que dispunha, devia ter reparado o erro. Ao não o fazer e tendo decidido como decidiu pela improcedência parcial da reclamação, tornou-se responsável a partir desse momento pelo pagamento de juros indemnizatórios, a calcular, note-se, apenas após a data em que tomou conhecimento dessa factualidade, ou seja, desde 22-06-2020, data em que a Requerida decidiu o pedido de revisão, aí com pleno conhecimento da factualidade relevante. Só a partir deste momento podemos considerar preenchidos os pressupostos contidos no artigo 43º da LGT.
DECISÃO ARBITRAL
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RELATÓRIO
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No dia 21/09/2020, A..., S.A., sociedade comercial com o número de pessoa coletiva ..., com sede na Rua ..., doravante designado por Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos e ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), com as alterações subsequentes, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, e do disposto no artigo 99º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), para impugnação da decisão de indeferimento parcial do pedido de revisão das liquidações de Imposto Único de Circulação (IUC) que juntou em anexo ao pedido arbitral e que se dão por reproduzidas.
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Alega a Requerente que o indeferimento do pedido de revisão das liquidações ilegais de IUC, consubstancia uma violação de lei, por violação do artigo 3.º, n.º 2 do CIUC, referente aos veículos objeto do presente pedido arbitral. Vem, nestes termos, apresentar impugnação do ato de indeferimento (parcial) do pedido de revisão das liquidações de IUC que pretende ver anuladas.
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Para fundamentar o seu pedido a Requerente alega que a Requerente A..., S.A. (doravante designada por Requerente), ao tempo dos factos tributários subjacentes às liquidações impugnadas já não era a proprietária dos veículos em causa, embora estes se encontrassem registados em seu nome. Alega ainda que o registo constitui mera presunção de propriedade que pode ser afastada por prova em contrário. Vem requerer ao Tribunal Arbitral a ilegalidade do despacho de indeferimento parcial do pedido de revisão oficiosa com o nº ..., de 2020, referente aos atos de liquidação de Imposto Único Circulação (IUC), relativos a anos de tributação compreendidos entre 2009 e 2015 referente aos veículos automóveis, identificados no processo administrativo junto aos autos, no valor global de €50.727,05.
A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa referente aos atos de liquidação impugnados, tendo a mesma sido deferida parcialmente. A Requerente invoca que é uma sociedade comercial que tem por objeto social a compra e venda de veículos automóveis, tendo no âmbito dessa atividade alienado os veículos identificados no Anexo 1 ao despacho de indeferimento impugnado, conforme cópia de faturas que juntou no pedido de revisão oficiosa.
Alega que as transmissões dos veículos ocorreram em momento anterior às respetivas datas-limite de pagamento das correspondentes liquidações de IUC, concluindo que à data da exigibilidade do imposto, os veículos a que respeitavam as presentes liquidações já haviam sido objeto de transmissão para terceiros, não sendo por esse motivo sujeito passivo deste imposto, pelo que as liquidações ora impugnadas são ilegais. No âmbito do presente pedido de pronúncia arbitral a Requerente alicerça a sua pretensão com base no fundamento de que nas datas a que se reportam os factos tributários que originaram as liquidações de IUC aqui em causa, a Requerente já não era proprietária dos veículos a que as mesmas se referem. Requer o reembolso do montante pago a título de IUC e o pagamento de juros indemnizatórios e juros de mora.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, apresentado em 20/09/2020, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 22-09-2020 e automaticamente notificado à AT. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, no dia 13/11/2020, designou a ora signatária como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram notificadas dessa designação, que aceitaram. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 17/12/2020. Nessa mesma data foi proferido despacho arbitral, notificado à Requerida, para apresentar a sua resposta, nos termos do disposto no artigo 17.º do RJAT.
No dia 27/01/2021, a Requerida apresentou a sua Resposta e juntou o respetivo Processo Administrativo (PA). Na sua resposta, que se dá por integralmente reproduzida, veio a AT pugnar pela legalidade do ato tributário impugnado, reiterando o mesmo entendimento vertido no ato de deferimento parcial do pedido de revisão
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Considerando que a questão a decidir se configura como questão exclusivamente de direito, o tribunal arbitral proferiu despacho arbitral, em 01/02/2021, para as partes se pronunciarem sobre a possibilidade de dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT. Em 19-04-2021 foi proferido despacho arbitral a dispensar a realização da reunião e a fixar o prazo de 10 dias, igual e sucessivo, para apresentação de alegações escritas. No mesmo despacho foi indicado que a decisão arbitral seria proferida no prazo fixado no artigo 21º, nº1, do RJAT.
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A Requerente juntou as suas alegações aos autos em 30-04-2021, as quais se dão por integralmente reproduzidas. A Requerida não juntou alegações.
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Em 05-07-2021 foi proferido o seguinte despacho arbitral:
«Esclarecimento sobre prazo para prolação da Decisão arbitral.
Dispõe o artigo 21º, nº 1 do RJAT que a decisão arbitral deve ser proferida no prazo de seis meses, sem prejuízo das possíveis prorrogações de prazo, quando se justifique, conforme previsto no nº 2 do mesmo artigo.
Assim, nos presentes autos, considerando que a data de constituição deste tribunal arbitral ocorreu em 17-12-2020, bem assim como o período da suspensão dos prazos judiciais e arbitrais, ocorrido entre 22-01-2021 e 06-04-2021, decorrente da aplicação da legislação COVID 19 (durante o qual se suspendeu a contagem do prazo para decisão), constata-se que o prazo previsto no artigo 21º, nº 1 para prolação da decisão arbitral termina no próximo dia 31/08/2021. Assim, considerando o supra exposto, fixa-se como data previsível para a prolação da decisão arbitral, sem necessidade de prorrogação justificável neste momento, o próximo dia 31-08-2021, sem prejuízo de poder ser proferida antes desta data.»
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Em 31-08-2021 foi prorrogado o prazo para decisão, usando da possibilidade prevista no nº2 do artigo 21º do RJAT, foi proferido o seguinte despacho arbitral:
“Considerando o despacho de 05-07-2021, o prazo previsto no artigo 21´, nº1 do RJAT, para prolação da decisão arbitral terminaria em 31-08-2021. Estando em curso, e não terminado, o processo de elaboração da decisão final por este Tribunal, e tendo em conta a tramitação processual verificada, os períodos de férias judiciais decorridos na pendência do presente processo, o disposto no art.º 17.º-A do RJAT, bem como a acumulação de processos em fase de decisão final, decorrente da situação de pandemia que assola o país, nos termos e para os efeitos do art.º 21.º/2 do RJAT, prorroga-se por dois meses o prazo para emissão e notificação daquela, a que se refere o n.º 1 do mesmo artigo.
Cumpra-se o disposto no n.º 3 do artigo 11.º do Código Deontológico, na redação em vigor desde 02-10-2017”
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Em 29-10-2021 foi proferido novo despacho de prorrogação, com a seguinte fundamentação: “Uma vez a decisão final está em preparação, mas ainda não concluída, tendo em conta a tramitação processual verificada e a prova documental em análise, prorroga-se por dois meses o prazo para emissão e notificação daquela, usando da prerrogativa prevista no artigo 21º, nº 2 do RJAT.”
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Posto isto cumpre decidir
A Posição do Requerente
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A Requerente formula o seu pedido, invocando, em síntese que apesar de ter procedido àquele pagamento dos valores de IUC correspondentes às liquidações de imposto impugnadas, não concorda com tais autoliquidações, na medida em que não era, ao tempo dos factos tributários, o sujeito passivo do imposto. A Requerente alega que as liquidações, bem assim como o despacho de indeferimento parcial do pedido de revisão, padecem de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito em que assentam, dado que a propriedade das viaturas referenciadas nas liquidações se encontrava transmitida para os respetivos adquirentes, em momento muito anterior ao das liquidações impugnadas.
Segundo a Requerente a AT, no indeferimento do pedido de revisão, bem assim como nas liquidações emitidas e disponibilizadas no Portal das Finanças, baseou-se única e exclusivamente na presunção do Registo Automóvel resultante da informação constante do Registo Automóvel (IRN – Instituto de Registos e Notariado, e IMTT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres), designadamente a falta de “averbamento” de qualquer transmissão de propriedade a favor de terceiro.
A Requerente convoca em defesa da sua posição a abundante jurisprudência arbitral e, ainda, alguma jurisprudência dos nossos tribunais superiores. Conclui, peticionando a anulação do despacho de indeferimento do pedido de revisão e, em consequência, das liquidações de IUC e de juros compensatórios subjacentes.
A Posição da Requerida AT
12. Segundo a Requerida AT, a Requerente devia IUC e JC com referência aos veículos discriminados na PI, por ser a titular no registo automóvel doesses veículos, em conformidade com o disposto nos artigos 3º nº 1, 4º nº 2, 6º nº 1 e 3 do CIUC. Assim, na ótica da AT, por constar no registo automóvel como proprietária das viaturas em causa é esta a devedora do imposto. Do seu ponto de vista, o legislador tributário ao estabelecer no artigo 3º, nº 1 quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no nº 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontram registados. Realça que o legislador não usou a expressão “presume-se”, como poderia ter feito, caso fosse sua intenção estabelecer uma presunção.
Assenta a sua alegação no disposto nos n.ºs 1 e 2, do artigo 3.º do CIUC, salientando que o legislador não usou a expressão “presumem-se”, como poderia ter feito, aliás à semelhança do que sucede em outros normativos legais, exemplificando algumas situações previstas na lei. Entende, por isso, que nos casos em que o legislador fiscal utiliza a expressão “considera-se”, não está a estabelecer uma presunção, mas sim uma opção legislativa de considerar como proprietários aqueles que figurem como tal no registo; entender que o legislador consagrou aqui uma presunção, seria inequivocamente efetuar uma interpretação contra legem.
Conclui, pois, que no caso dos presentes autos, o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal e que outra interpretação seria ignorar o elemento teleológico de interpretação da lei: a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC- Reforça esta alegação invocando que este é o entendimento seguido pela jurisprudência dos nossos tribunais expressa na sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, no âmbito do Processo n.º 210/13.0BEPNF. Convoca em suporte da sua posição alguma Jurisprudência baseada no entendimento anterior e posterior à alteração legal introduzida pela Lei do Orçamento de Estado (LOE) para 2016. Alega, ainda que existe jurisprudência divergente da que é invocada pela Requerente, sendo que a AT está obrigada ao cumprimento da lei e não da jurisprudência, ainda que dominante. Pugna, enfim, pela validade dos atos tributários impugnados e pela improcedência total dos pedidos formulados pela Requerente e conclui, que o artigo 3º do CIUC não comporta qualquer presunção legal, e pela improcedência do pedido arbitral, porquanto os atos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de lei, na medida em que à luz do disposto no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do CIUC e do artigo 6.º do mesmo código, era a Requerente, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC, tal como atesta a Informação relativa ao histórico da propriedade dos veículos em causa, emitida pela Conservatória do Registo Automóvel. Segundo a AT outra interpretação seria ignorar o elemento teleológico de interpretação da lei; seria, ainda, uma interpretação desconforme à Constituição e à Lei.
Em síntese, estas são as posições em confronto nos autos, das quais emerge a questão de direito fundamental a decidir e que é a de saber quem está obrigado a pagar o IUC das viaturas identificadas nos autos.
Resulta da análise da posição das partes vertida nos autos que a sua divergência não se reporta à matéria de facto, pacificamente reconhecida como correta. A sua divergência reporta-se exclusivamente quanto à questão de direito subjacente, essencial para a decisão do pedido da Requerente, a qual se restringe à questão da incidência do imposto.
O pedido de pronúncia arbitral visa a declaração de ilegalidade do indeferimento parcial do pedido de revisão e, consequentemente, a anulação das liquidações de IUC subjacentes, porquanto a Requerente considera que à luz da norma de incidência do imposto não era, ao tempo dos factos tributários, sujeito passivo do imposto, por não ser a proprietária das viaturas em causa, pese embora constasse ainda como proprietária das mesmas no registo automóvel. Já a AT considera que o sujeito passivo é o proprietário à luz do que consta no registo automóvel, dado que considera que o artigo 3º, nº 2 do CIUC não estabelece uma presunção mas antes uma norma de incidência do imposto.
Esta é, pois, a questão a decidir por este Tribunal arbitral.
II – Saneamento do Processo
13.O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, do artigo 5.º e da alínea a), do n.º 2 do artigo 6.º, todos do RJAT.
14.As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e no artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
15.O processo é o próprio e as partes são legítimas, têm personalidade e capacidade jurídica e judiciária. O processo não enferma de nulidades.
16.A cumulação de pedidos cumpre os pressupostos legais para a sua admissibilidade.
Nesta conformidade o Tribunal está em condições de conhecer do pedido.
Posto isto, cumpre decidir sobre a matéria de facto e de direito, cuja apreciação foi suscitada neste pedido arbitral.
III - Decisão sobre a matéria de facto
17.O Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT), atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova produzida.
Assim, face aos elementos constantes dos autos, aos meios de prova documental juntos pela Requerente e a constante do processo Administrativo (PA) junto pela Requerida, importa firmar a matéria de facto provada e não provada.
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Factos Provados:
18.Como matéria de facto relevante, o Tribunal arbitral dá por provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade comercial que tem por objeto social a compra e venda de veículos automóveis, encontra-se registada com o CAE 45190 – R3 («comércio de outros veículos automóveis»);
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No âmbito da sua atividade a Requerente alienou as viaturas constantes do Anexo I junto com o pedido de revisão oficiosa, constante do processo administrativo junto aos autos pela AT, o mesmo que vem mencionado no pedido arbitral, no qual constam as matrículas das viaturas, ano a que se reporta cada liquidação, início e fim do registo de propriedade de cada viatura, facto tributário e data de cancelamento da matrícula, como a seguir consta:
c) Estas transações foram devidamente faturadas e registadas na contabilidade da Requerente;
d) As liquidações de imposto cuja anulação foi requerida no procedimento tributário de revisão oficiosa parcialmente indeferido, respeitam às viaturas identificadas do Quadro transcrito na alínea b), como bem consta do processo administrativo junto aos autos pela AT;
e) O despacho impugnado, proferido em 22.06.2020, indeferiu parcialmente o pedido formulado pela Requerente, tendo anulado apenas as liquidações de IUC referentes às viaturas ... e ...;
f) O valor global das liquidações cuja anulação foi indeferida no despacho de 22.06.2020 é de €50.727,05;
g) A Requerente transmitiu a propriedade dos veículos identificados no Quadro transcrito na alínea b) (aludido Anexo I), ocorreram em momento anterior às respetivas datas-limite de pagamento das correspondentes liquidações de IUC, como resulta da análise do processo administrativo junto aos autos pela AT;
h) Os adquirentes (novos proprietários) não efetuaram o registo da propriedade dos veículos junto da Conservatória do Registo Automóvel, pelo que a Requerente continuou a constar no registo como proprietária das viaturas;
i) A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações impugnadas para evitar a instauração de processos de execução fiscal;
j) Em 22-06-2015 a Requerente apresentou pedido de revisão das liquidações, o qual foi apenas parcialmente deferido, conforme despacho notificado à Requerente em 22.06.2020, com os seguintes fundamentos:
k) Em 21-09-2020 a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.
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FACTOS NÃO PROVADOS
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Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
C) FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
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Os factos descritos nas alíneas a) a k) foram dados como provados com base na prova documental junta pela Requerente em anexo ao pedido arbitral e, predominantemente, ao pedido de revisão oficiosa dos atos tributários, o qual consta do Processo Administrativo (PA) junto aos autos pela AT. O Tribunal arbitral valorou especialmente os elementos de prova documental constantes deste PA, que comprovam a veracidade dos factos descritos pelo Requerente. Acresce que, no caso, não existe qualquer divergência entre as partes quanto aos factos, mas apenas quanto à questão de direito. Pelo que, os factos provados resultam também do reconhecimento da sua veracidade, considerando a posição assumida pelas partes nos respetivos articulados. O facto constante na alínea k) resulta provado pela informação registada no sistema de gestão processual do CAAD.
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Importa referir que, quanto à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada, como bem resulta do disposto no artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.
IV – DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO
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Assente a matéria de facto, importa delimitar a(s) questão(ões) de direito a decidir, sendo que no caso dos presentes autos, considerando os factos descritos, a causa de pedir e o pedido formulado, constata-se que o Requerente convoca o tribunal arbitral para decidir uma única questão de direito: determinar a incidência do IUC, nas circunstâncias de facto supra descritas.
Cumpre decidir.
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Efetivamente, a questão de direito essencial suscitada pela Requerente, consiste em apreciar os termos da configuração da incidência subjetiva do IUC à luz do disposto no artigo 3º do Código do Imposto Único de Circulação (CIUC), na versão em vigor ao tempo em que ocorreram os factos tributários. A questão é saber se a incidência subjetiva assenta estritamente na inscrição da titularidade do veículo no Registo Automóvel, ou se, o registo opera apenas como uma presunção de incidência tributária, ilidível, em conformidade com o disposto no artigo 73.º, da Lei Geral Tributária. Em conexão com esta questão essencial sucedem-se as questões de saber se, tratando-se de mera presunção, como poderá esta ser ilidida pelo sujeito passivo, a quem cabe o ónus da prova.
Sobre esta matéria é já abundante e bastante definida a jurisprudência arbitral vertida em diversas decisões arbitrais, salientando que em cada caso há que atender às especificidades próprias resultantes da matéria de facto provada. Por último, dependendo da decisão das questões anteriores, importará decidir a questão colocada pela Requerente quanto a juros indemnizatórios. Vejamos pois.
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A título prévio, refira-se que o regime de contencioso previsto no RJAT é de mera legalidade, visando-se apenas a declaração de ilegalidade de atos dos tipos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do seu artigo 2.º. Por isso, tem de se aferir da legalidade dos atos impugnados tal como foram praticados pela AT, com a fundamentação que neles foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros atos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o ato praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o ato cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo jurisdicional.
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Por outro lado, deve mais uma vez assinalar-se que os Tribunais (em que se incluem obviamente os arbitrais) não têm que apreciar todos os argumentos formulados pelas partes, mas tão só os determinantes para a decisão da causa. (Cfr., inter alia, Ac. do Pleno da 2ª Secção do STA, de 7 junho 95, recurso 5239, in DR – Apêndice de 31 de Março de 97, págs. 36-40 e Ac STA – 2ª Série – de 23 abril 97, DR/AP de 9 Out 97, p. 1094).
Posto isto, cumpre decidir as questões de direito essenciais à decisão final a proferir sobre a (i)legalidade dos atos impugnados: o indeferimento parcial do pedido de Revisão oficiosa das liquidações de IUC, cuja anulação a Requerente pretende alcançar.
Quanto à questão da incidência subjetiva:
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Sobre esta questão, este tribunal segue a numerosa Jurisprudência arbitral tributária, maioritária, vertida em numerosos processos arbitrais, designadamente, as decisões proferidas nos processos arbitrais com os números 14/2013-T, 26/2013-T, 27/2013-T, 73/2013-T, 170/2013-T, 154/2014-T, 212/2014-T e, mais recentemente, nos processos nºs 539/2016-T, 580/2016-T, 623/2016-T, 109/2017-T; 145/2017-T, 185/2017-T e 141/2018-T, todos proferidos com referência à aplicação da versão em vigor antes da alteração operada com a LOE para 2016.[1] A estes acrescem, entre outras, as decisões arbitrais invocadas pela Requerente no seu pedido arbitral, as quais confirmam o entendimento vertido em todas as anteriormente referidas.
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Quanto à jurisprudência invocada pela AT, convêm dizer o seguinte: a sentença de 1ª. instância proferida pelo TAF de Penafiel, manifestamente, não foi secundada por nenhuma outra decisão de Tribunais Administrativos superiores. Não convenceu nem venceu na jurisprudência dos nossos Tribunais superiores nem arbitrais, porquanto na questão essencial de qualificação da norma contida no nº 1 do artigo 3º do CIUC, assenta num erro de interpretação que foi reconhecido por todas as decisões posteriores. Na verdade, a jurisprudência dissonante alegada pela Requerida apenas diverge quanto à questão do ónus da prova, da validade dos meios de prova para demonstração da alienação/transmissão das viaturas, além da matéria de facto subjacente em todas essas decisões nem sempre se aproximar da que está em análise nos presentes autos. Mas, como se demonstrará de seguida a divergência jurisprudencial refere-se a questões acessórias e não à questão essencial, ou seja, à questão da incidência subjetiva do imposto. Por último, há que ter em conta que em relação a estas questões acessórias, embora determinantes para a decisão final (como a do ónus da prova ou do valor probatório das faturas) o entendimento vertido nas decisões arbitrais invocadas pela Requerida é discutível, controvertido e minoritário.
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Sobre esta questão resulta do disposto no artigo 3º do CIUC (Código do Imposto único de Circulação), na versão em vigor ao tempo dos factos tributários, o seguinte:
“Artigo 3º
Incidência subjetiva
1 – São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
2 – São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.
Quanto à interpretação da norma jurídico-fiscal estabelece, o nº1 do artigo 11º da LGT que “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais da interpretação e aplicação das leis”.
Nesta conformidade, promovendo a necessária atividade interpretativa das normas em presença, há que escrutinar a melhor interpretação[2] do artigo 3º, nº 1 do CIUC, à luz dos princípios hermenêuticos fundamentais. Assim, e em primeiro lugar, deve atender-se ao elemento literal, ou seja, aquele em que se visa detetar o pensamento legislativo que se encontra objetivado na norma, para se verificar se a mesma contempla uma presunção, ou se determina, em definitivo, que o sujeito passivo do imposto é o proprietário que figura no registo.
A questão que se coloca é a de saber se a expressão “considerando-se” utilizada pelo legislador no CIUC, em vez da expressão “presumindo-se”, que era a que constava nos diplomas que antecederam o CIUC, terá retirado a natureza de “presunção” ao dispositivo legal em apreço.
A nosso ver e ao contrário do que defende a AT, a resposta tem necessariamente de ser negativa, uma vez que da análise do nosso ordenamento jurídico se retira de forma clara que as duas expressões têm sido utilizadas pelo legislador com sentido equivalente, seja ao nível de presunções ilidíveis, seja no quadro das presunções inilidíveis, pelo que nada habilita a extrair a conclusão pretendida pela Autoridade Tributária por uma mera razão semântica.
Na verdade, assim acontece em diversas normas legais que consagram presunções utilizando o verbo “considerar”. Veja-se, a título de exemplo, no âmbito do direito civil, - o nº 3, do artigo 243º do Código Civil, quando estabelece que “considera-se sempre de má-fé o terceiro que adquiriu o direito posteriormente ao registo da ação de simulação, quando a este haja lugar”.
Também no âmbito do direito da propriedade industrial o mesmo se passa, quando o art. 59º, nº 1 do Código da Propriedade Industrial dispõe que “(…) as invenções cuja patente tenha sido pedida durante o ano seguinte à data em que o inventor deixar a empresa, consideram-se feitas durante a execução do contrato de trabalho (…)”.
Ora, também no âmbito do direito tributário, quando os nºs 3 e 4 do artigo. 89-A da LGT dispõem que incumbe ao contribuinte o ónus da prova que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que, não sendo feita essa prova, presume-se (“considera-se” na letra da Lei) que os rendimentos são os que resultam da tabela que consta no nº 4 do referido artigo.
Esta conclusão de haver total equivalência de significados entre as duas expressões, que o legislador utiliza indiferentemente, satisfaz a condição estabelecida no artigo 9º, nº 2 do Código Civil, uma vez que se encontra assegurado o mínimo de correspondência verbal para efeitos da determinação do pensamento legislativo.
De resto, sobre esta questão é já tão abundante a jurisprudência arbitral, acompanhada pela jurisprudência dos nossos Tribunais superiores. Aliás, veja-se o que consta do Acórdão do TCAN invocado pela Requerida AT, quando se refere à interpretação da versão do artigo 3º nº 1 do CIUC anterior à introduzida pela LOE para 2016:
«… No tocante à incidência subjetiva de imposto, dispunha à data dos factos o art. 3.º daquele Código:
‘1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados. (...)’.
Ulteriormente, mediante a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março de 2016 (Orçamento de Estado para 2016) a Assembleia da República conferiu ao Governo a seguinte autorização legislativa, através do seu art. 169.º: ‘(...)
O Orçamento do Estado para 2016 autoriza que se efetuem, também, alterações ao Código do Imposto Único de Circulação. Sendo estas, igualmente, conexas com a necessidade de ultrapassar dificuldades interpretativas que surgiram com redações anteriores deste Código, importa clarificar-se quem é o sujeito passivo do imposto. (...)’. O art. 3.º daquele Decreto-Lei conferiu a seguinte redação ao art. 3.º, n.º 1, do CIUC: ‘1 - São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos. (...)’»
Com referência a esta nova formulação da norma contida no artigo 3º, nº1 do CIUC o TCAN é muito claro ao afirmar que se trata de norma inovadora com aplicação apenas para o futuro, Assim, afirma o TCAN que:
«Em face da nova redação conferida ao preceito, dúvidas não subsistem que o legislador pretende que seja sujeito passivo de imposto o proprietário constante do registo, independentemente de poder não ser o titular do direito real de propriedade sobre veículo. (...) Ora, não se julga que a supratranscrita seja uma norma verdadeiramente interpretativa. Dúvidas não existem de que a lei habilitante, a LOE, no seu artigo 169.º, classifica a alteração legal a efectivar quanto ao artigo 3.º do CIUC como tendo carácter meramente interpretativo. Já a norma habilitada se limita a estabelecer, no seu preâmbulo, o seguinte: «(...) Finalmente, o artigo 169.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016 autoriza que se efetuem, também, alterações ao Código do Imposto Único de Circulação. Sendo estas, igualmente, conexas com a necessidade de ultrapassar dificuldades interpretativas que surgiram com redações anteriores deste Código, importa clarificar-se quem é o sujeito passivo do imposto. (...)» Porém, não classifica a norma como tendo natureza interpretativa, apesar de o diploma assumir que a alteração legal veio ao encontro da necessidade sentida pelo legislador de «ultrapassar dificuldades interpretativas». Da redacção dada ao n.º 1 do artigo 3.º do CIUC pelo Decreto-Lei n.º 41/2016 conclui-se que veio o legislador afastar qualquer presunção legal quanto a quem pode ser considerado proprietário de um veículo, vindo antes determinar que passará a ser sujeito passivo do imposto a pessoa em nome da qual os veículos se encontrem registados. [...].»
Com relevância para a decisão dos presentes autos releva, sobremaneira, o que o TCAN afirma logo a seguir: «[…] A norma que vigorou até à aprovação do Decreto-Lei n.º 41/2016 nunca suscitou dúvidas, ao intérprete ou outros interessados, não sendo fonte de incerteza ou insegurança jurídica a definição do seu âmbito de aplicação. Contrariamente, sempre foi pacífica e uniformemente interpretado o referido artigo 3.º, n.º 1, do CIUC, como estabelecendo uma presunção legal iuris tantum, ou seja, susceptível de prova em contrário, sobre quem se considera ser o proprietário do veículo.» (sublinhado nosso)
Continua ainda o TCAN no Acórdão em análise:
«Sublinhe-se que as normas de interpretação legal sempre impuseram a classificação de que era sujeito passivo deste tributo o proprietário do veículo, servindo a referida presunção para estabelecer que se considera como tal a pessoa singular ou colectiva que como tal figurar no registo automóvel, solução que bem se entende num sistema jurídico em que o registo tem como objectivo dar publicidade ao acto em questão, que não qualquer natureza constitutiva. [cfr. Acórdão do STA, de 08/07/2015, processo n.º 0606/15]. Esta posição vem sendo reiterada pelos tribunais superiores, designadamente, pelo nosso mais alto tribunal – cfr., entre outros, o Acórdão do STA, de 18/04/2018, proferido no âmbito do processo n.º 0206/17. É, portanto, certo que o artigo 169.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016 autorizou a alteração da redacção do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC. O que foi cumprido pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, passando esta norma a prever que «São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos». Trata-se de norma claramente inovadora, uma opção legislativa diversa da anterior, e, como tal, a nova redacção do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC só se aplica para futuro.”
Trata-se, pois, de uma jurisprudência perfeitamente alinhada com o entendimento defendido na jurisprudência arbitral e dos nossos Tribunais superiores que nunca subscreveram o entendimento invocado pela AT (e contido na invocada decisão do TAF de Penafiel), bem pelo contrário, sempre consideraram que a norma contida no nº1 do artigo 3º do CIUC (na antiga formulação) consagrava uma presunção ilidível. Isso mesmo resulta claro do teor do Acórdão do TCAN que se acaba de transcrever.
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Acresce que esta conclusão é igualmente reforçada quando revisitados os demais elementos de interpretação, ou seja, o elemento histórico, o racional ou teleológico e o de ordem sistemática.
Dissertando sobre a atividade interpretativa diz FRANCESCO FERRARA que esta “é a operação mais difícil e delicada a que o jurista pode dedicar-se, e reclama fino trato, senso apurado, intuição feliz, muita experiência e domínio perfeito não só do material positivo, como também do espírito de uma certa legislação. (…) A interpretação deve ser objetiva, equilibrada, sem paixão, arrojada por vezes, mas não revolucionária, aguda, mas sempre respeitadora da lei (…) “A finalidade da interpretação é determinar o sentido objetivo da lei, a vis potestas legis.(…) A lei não é o que o legislador quis ou quis exprimir, mas tão somente aquilo que ele exprimiu em forma de lei. (…) Por outro lado, o comando legal tem um valor autónomo que pode não coincidir com a vontade dos artífices e redatores da lei, e pode levar a consequências inesperadas e imprevistas para os legisladores. (…) O intérprete deve buscar não aquilo que o legislador quis, mas aquilo que na lei aparece objetivamente querido: a mens legis e não a mens legislatoris. (…) Entender uma norma jurídica não é somente aferrar de modo mecânico o sentido aparente e imediato que resulta da conexão verbal; é indagar com profundeza o pensamento legislativo, descer da superfície verbal ao conceito íntimo que o texto encerra e desenvolvê-lo em todas as suas direções possíveis” [3]
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Refere, a este propósito, BAPTISTA MACHADO que: “a disposição legal apresenta-se ao jurista como um enunciado linguístico, como um conjunto de palavras que constituem um texto. Interpretar consiste evidentemente em retirar desse texto um determinado sentido ou conteúdo de pensamento. O texto comporta múltiplos sentidos (polissemia do texto) e contém com frequência expressões ambíguas ou obscuras. Mesmo quando aparentemente claro à primeira leitura, a sua aplicação aos casos concretos da vida faz muitas vezes surgir dificuldades de interpretação insuspeitadas e imprevisíveis. Além de que, embora aparentemente claro na sua expressão verbal e portador de um só sentido, há ainda que contar com a possibilidade de a expressão verbal ter atraiçoado o pensamento legislativo – fenómeno mais frequente do que parecerá à primeira vista “[4]
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Com o objetivo de desvendar o verdadeiro sentido e alcance dos textos legais, o intérprete lança mão dos elementos interpretativos que são essencialmente o elemento gramatical (o texto, ou a “letra da lei”) e o elemento lógico, o qual, por sua vez, se subdivide em elemento racional (ou teleológico), elemento sistemático e elemento histórico. [5]
Entre nós, é o artigo 9º do Código Civil (CC) que fornece as regras e os elementos fundamentais à interpretação correta e adequada das normas. O texto do nº 1 do artigo 9º do CC começa por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir, a partir dela, o “pensamento legislativo”. Sobre a expressão “pensamento legislativo” diz-nos BAPTISTA MACHADO que o artigo 9º do CC “não tomou posição na controvérsia entre a doutrina subjetivista e a doutrina objetivista. Comprova-o o facto de se não referir, nem à “vontade do legislador” nem à “vontade da lei”, mas apontar antes como escopo da atividade interpretativa a descoberta do “pensamento legislativo” (artº. 9º, 1º). Esta expressão, propositadamente incolor, significa exatamente que o legislador não se quis comprometer”.[6]
No mesmo sentido se pronunciam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA em anotação ao artigo 9º do CC.[7] Sobre o nº 3 do artigo 9º do CC refere o autor que: “(...) este nº 3 propõe-nos, portanto, um modelo de legislador ideal que consagrou as soluções mais acertadas (mais corretas, justas ou razoáveis) e sabe exprimir-se por forma correta. Este modelo reveste-se claramente de características objetivistas, pois não se toma para ponto de referência o legislador concreto (tantas vezes incorreto, precipitado, infeliz) mas um legislador abstrato: sábio, previdente, racional e justo(...)”. Logo a seguir, chama a atenção de que o nº 1 do artigo 9º, refere mais três elementos de interpretação a “unidade do sistema jurídico”, as “circunstâncias em que a lei foi elaborada” e as “condições específicas do tempo em que é aplicada”.
Quanto às “circunstâncias do tempo em que a lei foi elaborada”, explica BAPTISTA MACHADO que esta expressão “(...)representa aquilo a que tradicionalmente se chama a occasio legis: os fatores conjunturais de ordem política, social e económica que determinaram ou motivaram a medida legislativa em causa(...)”.[8]
Relativamente às “condições específicas do tempo em que é aplicada” diz este autor que este elemento de interpretação “tem decididamente uma conotação atualista (loc. cit., p. 190) no que coincide com a opinião expressa por PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA nas anotações ao artigo 9º do CC.
No que respeita à “unidade do sistema jurídico”, BAPTISTA MACHADO considera este o fator interpretativo mais importante: “a sua consideração como fator decisivo ser-nos-ia sempre imposta pelo princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica” (loc. cit., p. 191). É também este autor que nos diz, relativamente ao elemento literal ou gramatical (texto ou “letra da lei”) que este “é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei. Mas cabe-lhe igualmente uma função positiva, nos seguintes termos: se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma – com a ressalva, porém, de se poder concluir com base noutras normas que a redação do texto atraiçoou o pensamento do legislador”[9]
Referindo-se ao elemento racional ou teleológico, diz este autor que ele consiste “na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma. O conhecimento deste fim, sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (políticas, sociais, económicas, morais, etc.,) em que a norma foi elaborada ou da conjuntura política-económica-social que motivou a decisão legislativa (occasio legis) constitui um subsídio da maior importância para determinar o sentido da norma. Basta lembrar que o esclarecimento da ratio legis nos revela a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles traduzida pela solução que a norma exprime”.[10]
É ainda BAPTISTA MACHADO que nos diz, agora no que respeita ao elemento sistemático (contexto da lei e lugares paralelos) que “(...)este elemento compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico. Baseia-se este subsídio interpretativo no postulado da coerência intrínseca do ordenamento, designadamente no facto de que as normas contidas numa codificação obedecem por princípio a um pensamento unitário(...)” [11]
Como ensina JOSEF KOHLER, citado por MANUEL DE ANDRADE “(…) em particular havemos de tomar em consideração o encandeamento das diversas leis do país, porque uma exigência fundamental de toda a sã legislação é que as leis se ajustem umas às outras e não redundem em congérie de disposições desconexas (...)”.[12]
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Em conclusão, por tudo o que vem exposto, resulta que, desde a entrada em vigor do Decreto-Lei 59/72, de 30 de Dezembro, o primeiro a regular a matéria, até ao Decreto-Lei nº 116/94, de 3 de Maio, o último a anteceder o CIUC (cfr Lei nº 22-A/2007, com as alterações da Lei 67-A/2007 e 3-B/2010), foi consagrada a presunção dos sujeitos passivos do IUC serem as pessoas em nome das quais os veículos se encontravam matriculados à data da sua liquidação.
Retornando ao caso dos autos é à luz desta versão do CIUC que o Tribunal terá de decidir o pedido da Requerente.
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Constata-se que a lei teve, desde sempre, o objetivo de tributar (para o caso que ora interessa) o verdadeiro e efetivo proprietário[13] e utilizador do veículo, por força do princípio da equivalência subjacente ao IUC. Assim, o legislador ao adotar o princípio da equivalência, optou por onerar o sujeito utilizador da viatura na medida do custo provocado devido às externalidades negativas provocadas pelos veículos motorizados. Na letra da lei estabelece apenas a presunção de que o proprietário constante no Registo automóvel, coincida também com o seu utilizador e que o registo evidencia a realidade afeta à utilização do veículo. Esta opção de política extrafiscal justifica, ainda, a solução vertida no nº 2 do art.º 3º do CIUC quanto aos locatários, eleitos pelo legislador como os sujeitos onerados pelo pagamento do imposto mesmo durante a vigência de um contrato de locação do qual pode não resultar, necessariamente, a aquisição da propriedade da viatura. Com efeito, o atual e novo quadro da tributação automóvel consagra princípios que visam sujeitar os proprietários dos veículos a suportarem os prejuízos por danos viários e ambientais causados por estes, como se alcança do teor do art. 1º do CIUC. Ora, a consideração destes princípios, designadamente, o princípio da equivalência, que merecem tutela constitucional e consagração no direito comunitário, e são também reconhecidos em outros ramos do ordenamento jurídico, determina que os aludidos custos sejam suportados pelos reais proprietários, os causadores dos referidos danos, o que afasta, de todo, uma interpretação que visasse impedir os presumíveis proprietários de fazer prova de que já não o são por a propriedade estar na esfera jurídica de outrem[14].
Assim, também, da interpretação efetuada à luz dos elementos de natureza racional e teleológica, atento aquilo que a racionalidade do sistema garante e os fins visados pelo novo CIUC, resulta claro que o nº 1 do art. 3º do CIUC consagra uma presunção legal ilidível. Pelo que, também a interpretação de natureza racional ou teleológica nos conduz a idêntica conclusão.
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Em face do exposto, importa concluir que a ratio legis do imposto, tal qual consta da versão da lei vigente ao tempo dos factos tributários, todas anteriores a 2016, aponta no sentido de serem tributados os efetivos proprietários-utilizadores dos veículos pelo que a expressão “considerando-se” está usada no normativo em apreço num sentido semelhante a “presumindo-se”, razão pela qual dúvidas não há que está consagrada uma presunção legal. Posto isto, há que atender, por último, mas com enorme acuidade para o caso concreto, o disposto no artigo 73º da LGT, o qual estabelece que “(…) as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, pelo que são ilidíveis (…)”.
Pelo que, consagrando o artigo. 3º, nº 1 do CIUC uma presunção ilidível, a pessoa que está inscrita no registo como proprietária do veículo e que, por essa razão foi considerada pela Autoridade Tributária como sujeito passivo do imposto, pode apresentar elementos de prova visando demonstrar que o titular da propriedade, na data do facto tributário, é outra pessoa, para quem a propriedade foi transferida ou que a sua utilização se encontra, ao abrigo de contrato de mútuo, locação ou equiparado, cedida a outrem.
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No caso dos autos, analisada a prova documental constante do processo administrativo junto pela AT, com base na qual foi analisado o pedido de revisão, constata-se que a AT aceitou como válidas as faturas juntas pela Requerente, que considerou como tal para todos os efeitos legais tributários, nomeadamente em sede de IRC. Sendo assim, a mesma prova documental tem de ser reconhecida como adequada como meio de prova das transações efetuadas, ou seja, das vendas das viaturas automóveis identificadas no Anexo I.
No caso dos autos, como resulta da matéria assente, verifica-se que o averbamento no registo automóvel permaneceu no nome da Requerente, uma vez que os adquirentes não procederam ao registo das mesmas no seu nome. Segundo as regras aplicáveis no procedimento de registo, a Requerente não tinha legitimidade para alterar a titularidade do registo automóvel, mas tinha meios para garantir que os novos proprietários procedessem ao registo no momento da formalização da transmissão da propriedade. Essa falha é imputável à Requerente. Mas, ainda assim, estamos perante uma presunção ilidível, pelo que, a Requerente pode provar por qualquer meio de prova adequado que ao tempo dos factos tributários já não era a proprietária das viaturas. E, na verdade, alcançou essa demonstração pelos documentos de prova juntos ao processo administrativo de revisão dos atos tributários. Ora, a emissão das autoliquidações baseou-se na obrigação gerada automaticamente pelo sistema constante no Portal das Finanças, que levou a Requerente a proceder à respetiva autoliquidação. Sendo que até esse momento o SF não tinha conhecimento, nem podia ter, dos verdadeiros utilizadores das viaturas. Apenas com a apresentação do procedimento de revisão oficiosa a Requerente deu conhecimento e fornece toda a documentação e informação relativa à situação contratual das viaturas automóveis objeto de tributação em IUC.
O afastamento da presunção legal obedece à regra constante do artigo 347º, do C. Civil, nos termos do qual a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto. Ora, a documentação junta pela Requerente com o pedido de revisão, constante do processo administrativo, evidencia que à data dos factos tributários a propriedade das viaturas já tinha sido transferida para os compradores ou adquirentes identificados nas respetivas Faturas.
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Analisando agora o despacho de indeferimento do pedido de revisão impugnado, verificamos que os fundamentos convocados pela AT, como consta da alínea j) da matéria assente, se restringem ao deferimento parcial quanto às viaturas cujas matrículas já haviam sido canceladas. Quanto a todas as restantes, o pedido de revisão foi indeferido apenas e só porque as mesmas se encontravam registadas em nome da Requerente. Constata-se que apesar de toda a documentação junta com o pedido de revisão e a explicação detalhada sobre a situação de cada viatura em concreto, a AT valorou apenas a informação constante do registo automóvel e nada diz quanto à prova junta pela Requerente para afastar a presunção. Isto porque não era seu entendimento que o artigo 3º, nº1 do CIUC, na versão então em vigor consagrasse uma presunção ilidível. Assim, na falta de outra fundamentação expressa contida no despacho subentende-se que manteve as liquidações apenas e só porque as mesmas se encontravam, ainda, registadas em nome da Requerente.
O despacho impugnado, na verdade, fundamenta com mais pormenor o deferimento do pedido quanto às viaturas cuja matrícula se encontrava cancelada do que o indeferimento do restante pedido deduzido pela Requerente. Certo é que, à luz do despacho proferido sobre o pedido de revisão dos atos tributários identificados nos autos, conclui-se que o mesmo não analisou criticamente a documentação junta pela Requerente, limitando-se a manter as liquidações de imposto com base na informação constante do registo automóvel e no entendimento segundo o qual o artigo 3º, nº1, na versão então em vigor (anterior às alterações introduzidas pela LOE para 2016) continha uma regra de incidência subjetiva e não uma presunção ilidível, o que consubstancia violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que conduz à anulação do despacho de indeferimento e das respetivas liquidações de imposto subjacentes.
Quanto ao pedido de juros indemnizatórios:
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No pedido arbitral vem a Requerente peticionar, como consequência da ilegalidade e anulação das liquidações impugnadas, o direito a juros indemnizatórios. Há, assim, que apurar se, ao abrigo do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente (Cfr. art. 43.º da LGT e 61.º do CPPT), deve proceder.
Quanto a esta questão, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. Há, pois, que apurar, se os motivos de anulação se fundam ou não em erro imputável aos serviços. Ora, no caso dos presentes autos foi a Requerente que procedeu, num primeiro momento, por sua iniciativa, às autoliquidações constantes no portal das finanças e notificadas automaticamente pelo sistema (evitando o prejuízo e perda de direitos decorrentes da existência de dívidas fiscais registadas no sistema). Procedeu seguidamente ao seu pagamento e, só posteriormente, veio em sede de procedimento de revisão oficiosa expor as suas razões de facto e de direito pelas quais reclama a anulação das liquidações, previamente autoliquidadas e pagas. Não pode ser assacada responsabilidade à AT pela falha do atempado registo das transmissões da propriedade das viaturas. Em conformidade com esta factualidade não se pode concluir pela existência de erro imputável à AT nas liquidações em crise.
Porém, após a apresentação do pedido de Revisão oficiosa pela Requerente, a AT teve oportunidade de verificar a factualidade correta e concluir que o imposto previamente liquidado e pago, era indevido. Nesse momento tendo em conta as informações de que dispunha, devia ter reparado o erro. Ao não o fazer e tendo decidido como decidiu pela improcedência parcial da reclamação, tornou-se responsável a partir desse momento pelo pagamento de juros indemnizatórios, a calcular, note-se, apenas após a data em que tomou conhecimento dessa factualidade, ou seja, desde 22-06-2020, data em que a Requerida decidiu o pedido de revisão, aí com pleno conhecimento da factualidade relevante. Só a partir deste momento podemos considerar preenchidos os pressupostos contidos no artigo 43º da LGT.
No caso, os erros que afetam as liquidações são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, na medida em que devia ter reparado o ato quando foi confrontada com essa realidade e com a prova subjacente.
Por outro lado, há lugar a reembolso do imposto pago pela Requerente, por força do disposto nos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
Em conclusão, tem a Requerente direito a ser reembolsada da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e n.º 1 do artigo 24.º do RJAT) e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data do indeferimento do pedido de reclamação graciosa do ato tributário, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 43.º e n.º 10 do artigo 35.º da LGT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.
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Por último, quanto às custas do processo, resulta que o pagamento das custas no final do processo cabe à parte vencida, na proporção em que o for. Só não será, porém, se apesar de vencida, esta parte não deu causa à ação, o que não é o caso, pois a AT teve, como se disse no ponto anterior, a oportunidade de revogar o ato após ter sido chamada a decidir a questão em sede de procedimento de reclamação graciosa. Logo, ao optar por não o fazer, deu origem ao presente pedido arbitral, e, nessa medida, é responsável pelo pagamento das custas do processo.
Consequentemente terá de ser a AT a suportar integralmente as custas.
V - Decisão
De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral:
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Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade do indeferimento parcial do pedido de Revisão oficiosa dos atos tributários consubstanciados nas autoliquidações de IUC, no valor total de €50.727,05, com a consequente anulação do despacho de indeferimento e das respetivas liquidações de IUC;
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Julgar procedente o pedido de reembolso do valor de imposto indevidamente pago pela Requerente, bem assim como a condenação no pagamento de juros indemnizatórios, a calcular a partir da data do indeferimento do pedido de Revisão oficiosa (22-06-2020) até integral pagamento;
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Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do presente processo.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor da causa em €50.727,05€ (cinquenta mil, setecentos e vinte e sete euros e 5 cêntimos), nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por remissão das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VII. CUSTAS
Ao abrigo do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 2.142,00 € (dois mil cento e quarente e dois euros), a cargo da parte vencida.
Notifique-se.
Lisboa, 27/12/ 2021
O Tribunal Arbitral singular,
(Maria do Rosário Anjos)
[2] A génese da relação jurídica de imposto pressupõe a verificação cumulativa dos três pressupostos necessários ao seu surgimento, a saber: o elemento real, o elemento pessoal e o elemento temporal. (Neste sentido veja-se, entre muitos outros autores, Freitas Pereira, M. H., Fiscalidade, 3ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009).
[3] Cfr. Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, tradução de MANUEL DE ANDRADE, (2ª ed.), Arménio Amado, Editor, Coimbra, 1963, p. 129, 134-135.
[4] Cfr. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pp.175/176).
[5] Cfr. BAPTISTA MACHADO, loc. Cit., p. 181; J. OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral 2ª Ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, p.361
[6] Ibidem. Ob. cit., p. 188.
[7] Cfr. Código Civil Anotado – vol. I, Coimbra ed., 1967, p. 16.
[8] Ibidem, ob. Cit. pp 190.
[10] Ibidem, ob. cit., pp 182.
[11] Ibidem, ob. cit., pp. 183.
[12] Cfr. Ensaio, ob. Cit. pp. 27.
[13] Ou equiparados como é o caso dos locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação (artigo 3º-2, do CIUC).
[14] Sob a epígrafe “princípio da equivalência” estabelece o artigo 1º do CIUC: “O imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”. Sobre a noção do princípio da equivalência diz-nos SÉRGIO VASQUES: “Em obediência ao princípio da equivalência, o imposto deve ser conformado em atenção ao benefício que o contribuinte retira da atividade pública, ou em atenção ao custo que imputa à comunidade pela sua própria atividade” (Cfr. Os Impostos Especiais de Consumo, Almedina, 2000, p. 110).E, mais à frente, explica este Professor, relativamente aos automóveis: “um imposto sobre os automóveis assente numa regra de equivalência será igual apenas se aqueles que provoquem o mesmo desgaste viário e o mesmo custo ambiental paguem o mesmo imposto; e aqueles que provoquem desgaste e custo ambiental diverso, paguem imposto diverso também.