DECISÃO ARBITRAL
A – RELATÓRIO
1. A..., SA., pessoa colectiva n.º …, com sede na Rua …, Lisboa, veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos art. 2º, n.º 1, a) e 10º, n.º 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no DL 10/2011, de 20 Janeiro, doravante designado “RJAT” e dos artigos 1º e 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, tendo em vista a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto Único de Circulação, referentes aos anos de 2011 e 2012, e o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios, sendo requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT”).
2. Admitido o pedido de constituição do tribunal arbitral singular, e não tendo a requerente optado pela designação de árbitro, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro.
As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, tendo, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral ficado constituído em 22-04-2014.
3. Notificada, a AT veio apresentar resposta em que não suscitou qualquer excepção.
4. Foi dispensada, com a anuência das partes, a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT.
5. A requerente apresentou alegações escritas.
6. Pretende a requerente que seja declarada a ilegalidade e inerente anulação dos actos de liquidação do Imposto Único de Circulação referentes aos anos de 2011 e 2012, com a consequente restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, alegando em síntese:
a) As liquidações em causa foram efectuadas em nome da sociedade A... SA – SUCURSAL EM PORTUGAL (A...), contribuinte ..., entretanto extinta e cuja matrícula foi cancelada em 10-01-2007.
b) O conjunto de activos e passivos que era detido por aquela sucursal foi incorporado, antes da sua extinção, na ora requerente, entre os quais os contratos de leasing que se encontravam em vigor na esfera jurídica da A....
c) As liquidações reclamadas respeitam a veículos automóveis que foram objecto de contratos de ALD celebrados pela A....
d) Tendo a requerente assumido a condição de locadora de entidade locadora dos referidos veículos é ela que detém legitimidade processual para apresentar o pedido de pronúncia arbitral.
e) A requerente é uma instituição de crédito com forte presença no mercado nacional.
f) De entre as suas áreas de actividade, assume especial relevância o financiamento ao sector automóvel que se reconduz à celebração de contratos de locação financeira.
g) Os veículos automóveis a que respeitam as liquidações impugnadas foram dados em ALD pela A..., tendo os respectivos clientes adquirido no termo dos contratos os veículos automóveis sobre os quais os mesmos incidiam.
h) A requerente foi notificada para proceder ao pagamento dos IUC a que respeitam as liquidações em crise, tendo procedido ao seu pagamento.
i) No momento em que o IUC se tornou exigível, os veículos automóveis já tinham saído da esfera jurídica da requerente, por já não ser sua proprietária.
j) Da circunstância de a transmissão dos veículos aos seus anteriores locatários não ter sido registada junto da Conservatória do Registo Automóvel, não resulta a responsabilidade para a requerente proceder ao pagamento do IUC, cuja liquidação se contesta.
k) A partir do momento em que a locatária adquire o veículo é apenas a si, enquanto proprietária do mesmo, que incumbe pagar o IUC e demais encargos associados
l) Muito embora a ausência de registo não afecte a aquisição da qualidade de proprietário - uma vez que o registo não é condição de validade do contrato de compra e venda, nem condição de produção do efeito translativo do mesmo – ela impede a eficácia plena daquele mas não quanto a todas as entidades.
m) Não cabendo a AT no conceito de terceiro para efeitos de registo, uma vez que não adquire do mesmo transmitente direitos total ou parcialmente incompatíveis com os direitos do comprador, não pode aquela escudar-se na ausência de registo da transmissão para exigir o pagamento do imposto devido ao anterior proprietário, seja este uma locadora ou qualquer outra pessoa.
7. Por seu turno a requerida veio em resposta alegar, em síntese:
a) A requerente é sujeito passivo do imposto por ser à data dos factos tributários em apreço a entidade em nome de quem os veículos estavam registados, sendo o registo e a alteração de propriedade de veículos automóveis da competência do Instituto dos Registos e Notariado, IP (ITN), a que acresce o facto de também naquelas datas não constar o cancelamento das referidas matrículas no Instituto de Mobilidade e dos Transportes Terrestres, IP (IMTT), entidade competente para o seu cancelamento, concluindo-se que a AT não se substitui a quaisquer daquelas entidades e que o imposto em causa é devido.
b) Não consta provado que a requerente tenha procedido à alienação dos referidos veículos nas datas das facturas, não sendo, por conseguinte, a proprietária dos mesmos à data dos factos tributários, nem que tenha procedido ao cancelamento das respectivas licenças para utilização daqueles veículos.
c) As facturas não constituem documentos idóneos a efectuar a prova pretendida de que a requerente não era a proprietária nos aludidos períodos de tributação.
d) Foi intenção do legislador tributário, inequivocamente expressa no n.º 1 do art. 3º do CIUC, a de considerar como sujeitos passivos do IUC as pessoas em nome das quais se encontram registados os veículos.
e) Os legislador não usou a expressão “presumem-se”, como poderia ter feito, por exemplo, nos seguintes termos: “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontram registados.”
f) O edifício fiscal está repleto de previsões análogas à consagrada na parte final do nº1 do artigo 3º, em que o legislador fiscal, dentro da sua liberdade de conformação legislativa, expressa e intencionalmente, consagra o que deve considerar-se legalmente, para efeitos de incidência, de rendimento, de isenção, de determinação e de periodização do lucro tributável, para efeitos de residência, de localização, entre muitos outros.
g) Conjugando a norma controvertida com outras do sistema jurídico-tributário, resulta que o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como proprietários as pessoas aí enunciadas em nome das quais os mesmos se encontram registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal.
h) Outra interpretação da norma colocaria em causa os princípios da segurança e certeza jurídicas legal e constitucionalmente consagrados, o instituto deixaria de proporcionar a segurança e certeza que constituem as suas finalidades principais, assim como colocaria em causa o poder/dever da AT liquidar o IUC.
i) O CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública.
j) A interpretação veiculada pela requerente mostra-se contrária à Constituição.
k) Pugnando pela condenação, em qualquer circunstância, da requerente pelo pagamento das custas decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral, uma vez que não foi a requerida quem deu azo à dedução do mesmo.
* * *
8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), resultando a legitimidade
Legitimidade da requerente que resulta do facto de esta ter adquirido a posição comtratual que era detida pela A... nos contratos que incidiam sobre os veículos automóveis a que a presente pronúncia respeita, em resultado de operação de aumento do seu capital social, concretizada com aquele bem em espécie (vidé arts. 89º e 28º do Código das Sociedades Comerciais
B. DECISÃO
1. MATÉRIA DE FACTO
1.1. FACTOS PROVADOS
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) As liquidações objecto da presente pronúncia arbitral foram efectuadas em nome de sociedade A... SA – SUCURSAL EM PORTUGAL (A...), contribuinte ..., entretanto extinta e cuja matrícula foi cancelada em 10-01-2007.
b) O conjunto de activos e passivos que era detido por aquela sucursal, entre os quais os contratos que se encontravam em vigor na sua esfera jurídica, foi incorporado, antes da sua extinção, na ora requerente.
c) As liquidações em causa respeitam a veículos automóveis que foram objecto de contratos de ALD celebrados pela A....
d) No termo dos referidos contratos de ALD a requerente vendeu aos clientes/locatários os veículos automóveis objecto de tais contratos.
e) A requerente emitiu facturas relativas à venda de todos os veículos automóveis a que respeitam as liquidações impugnadas com datas anteriores às datas-limite de pagamento do IUC dos anos de 2011 e 2012.
f) Todavia, os respectivos compradores não registaram a sua propriedade.
g) As liquidações objecto dos autos resultam de liquidações oficiosas efectuadas pela AT, em que a requerente não exerceu o direito de audição prévia.
h) A requerente procedeu ao pagamento do imposto a que respeitam os presentes autos.
i) Em 14-02-2014 a requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem aos presentes autos.
1.2 Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos ao processo pela requerente, cuja autenticidade não foi posta em causa pela requerida.
1.3 FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos dados como não provados com relevância para a apreciação do pedido.
1.4 O DIREITO
A questão de fundo a apreciar reside na interpretação a dar ao n.º 1 do art. 3º do CIUC no sentido de apurar se a norma de incidência subjectiva, nele contida, estabelece uma presunção legal juris tantum – e, como tal, susceptível de ilisão (como sustenta a requerente) ou, pelo contrário, uma definição expressa e intencional da incidência pessoal, no sentido de que é necessariamente sujeito passivo do imposto aquele em nome de quem o veículo automóvel está registado como proprietário.
Dispõe o n.º 1 do art. 3º do CIUC: “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares e colectivas, de direito público ou privado, em nome dos quais os mesmos se encontrem registados”.
Com base na redacção deste preceito, sustenta a requerida - AT - que a base de incidência pessoal, que este define, não comporta hoje qualquer presunção legal, uma vez que aquele transmite de forma expressa e intencional o pensamento do legislador tributário, no sentido de se considerar, de modo irrefutável, como sujeitos passivos do IUC as pessoas em nome das quais os veículos automóveis se encontrem registados.
Aduz em abono da sua tese, razões hermenêuticas de interpretação da lei, com apelo não só à sua literalidade, como aos elementos sistemático e teleológico.
Invocação plena de sentido, na medida em que, de acordo com o disposto no art. 11º da LGT, “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”. É que, como referem Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues, J. Lopes de Sousa – LGT 4ª ed., em anotação a tal artigo, “… sem afastar a letra da lei, que tem de ser a principal referência e ponto de partida do intérprete, se exclui a sua aplicação automática, supondo que nas leis há uma racionalidade operante que o intérprete se deve esforçar por reconstruir”.
É, pois, dentro deste quadro de interpretação da lei fiscal, no caso o art. 3º, n.º 1 do CIUC, que teremos de encontrar a resposta ao antagonismo de posições entre a requerente e a AT.
Para a AT é decisivo para a determinação do sujeito passivo do IUC o registo de propriedade do veículo automóvel, de modo a que será considerado como tal, de modo irreversível, aquele em nome de quem este está registado.
O registo de propriedade de veículos é, face ao disposto no art. 5º, n.º 1, a) e n.º 2 do DL 54/75, de 12 de Fevereiro, obrigatório, pelo que, qualquer direito de propriedade que incida sobre a viatura está sujeito a registo, com o que se pretende a segurança do comércio jurídico, bem como a publicidade da situação jurídica dos mesmos.
Tal registo goza, nos termos do disposto no art. 7º do Código do Registo Predial (aplicável ao registo automóvel por força do art. 29º do referido DL 54/75), da “… presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.
Temos, por isso, que a inscrição de registo de propriedade do veículo é, também ela, uma presunção de que o direito de propriedade sobre o mesmo existe nos termos constantes do registo.
Quer dizer, o registo de propriedade automóvel não constitui qualquer condição de validade dos contratos a ele sujeitos, à semelhança do que ocorre com o registo predial (cujo regime, como já apontamos, é extensivo ao registo automóvel); o registo tem uma função meramente declarativa.
Acontece que o art. 5º, n.º 1 do Código do Registo Predial, impõe que “os factos sujeitos a registos só produzem efeito contra terceiros depois da data do respectivo registo”. Do que parece resultar que tal bastaria para que a AT invocasse a ausência de registo para fazer funcionar de imediato o art. 3º, n.º 1 do CIUC, exigindo o pagamento do imposto àquele em nome de quem o veículo está registado, por ser o sujeito passivo do imposto.
Sucede que o n.º 4 do art. 5º do Código do Registo Predial restringe tal entendimento, ao determinar que “terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si”. Donde resulta que, por essa via, nunca a AT estaria habilitada a invocar a falta de registo, na medida em que não preenche o conceito de terceiro.
Posto isto em termos gerais, há que apurar se, pese embora o que vem de referir-se, o n.º 1 do art. 3º do CIUC contém, ou não, uma presunção legal.
Tudo está, em suma, em determinar se a expressão “considerando-se”, ali utilizada, tem a natureza de presunção legal.
Como ponto de partida, a resposta parece-nos ser negativa.
Parece ofensivo à unidade do sistema jurídico-legal – e até, com as devidas adaptações, em oposição aos n.º 2 e 3 do art. 11º da LGT - que um indivíduo venha a considerar-se como não proprietário de um bem para efeitos civis e tenha de o ser necessariamente para efeitos tributários.
Ao que acresce o facto de a AT dever nortear a sua actividade pela observância dos princípios da legalidade, do inquisitório e descoberta da verdade material, ínsito ao ditame constitucional da capacidade contributiva.
Seja como for, parece evidente que, quer do ponto de vista sistemático, quer teleológico, a expressão “considerando-se”, adoptada no n.º 1 do art. 3º do CIUC contempla uma verdadeira presunção, a isso não se opondo a aparente literalidade da expressão, nem o ordenamento tributário.
A este propósito, referem Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues, J. Lopes de Sousa – LGT 4ª ed., em anotação ao art. 73º, pag. 651: “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão “presume-se” ou semelhante, como sucede, por exemplo, nos n.º 1 a 5 do art. 6º, na alínea a) do n.º 3 do art. 10º, no art. 19º e 40º, n.º 1, do CIRS. No entanto, as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real …”, enumerando-se depois um conjunto de exemplos.
Entendemos que é precisamente esse o caso que o art. 3º, n.º 1 do CIUC contempla: uma presunção implícita. Presunção, aliás, que sempre existiu no domínio do imposto de circulação automóvel, pese embora anteriormente definido de forma explícita.
Por outro lado, em cumprimento dos princípios - com consagração no nosso ordenamento comunitário - do poluidor-pagador e da equivalência, o CIUC importa preocupações de ordem ambiental e energética, pretendendo que os custos decorrentes dos danos ambientais provocados pela utilização dos veículos automóveis sejam suportados pelos reais proprietários (e não pelos presumidos proprietários). Não podemos, por isso, concordar com a requerida quando defende que são “sujeitos passivos do impostos os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública” (sublinhado nosso).
É, pois, forçoso concluir que o art. 3º, n.º 1 do CIUC consagra uma presunção de incidência subjectiva.
Ora, o n.º 2 do art. 350º do Código Civil estabelece que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos expressamente previstos na lei.
E, no que respeita à ilisão das presunções, temos por boa a doutrina a que o STJ recorreu na fundamentação do Assento n.º 1/91 de 03-04-1991 (DR n.º 114, de 18 de Maio) - para classificar como juris tantum uma presunção estabelecida num diploma laboral - defendida por Vaz Serra [Provas (direito probatório material), BMJ 110-112, pag. 35], bem como por Mário de Brito (Código Civil Anotado, pag. 466) e Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, pag. 429): “… as presunções juris tantum constituem a regra, sendo as presunções jure er de jure a excepção. Na dúvida, a presunção legal é juris tantum, por não se dever considerar, salvo referência da lei, que se pretendeu impedir a produção de provas em contrário, impondo uma verdade formal em detrimento do real provado”.
Por seu turno, no âmbito do direito tributário, o art. 73º da LGT dispõe que “as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”. O que significa que todas as presunções em matéria de incidência tributária, como a que o n.º 1 do art. 3º do CIUC consagra, são juris tantum e, como tal, ilidíveis.
Dos elementos probatórios trazidos aos autos pela requerente, resultará que a requerente não era a proprietária dos veículos a que a respeitam as liquidações objecto do presente pedido arbitral, nas datas limite dos respectivos pagamentos.
Neste ponto, a requerida põe em causa que facturas titulando contratos de compra e venda sejam aptas a comprovar a efectiva transmissão de propriedade dos veículos.
Não questiona, todavia, a veracidade dos documentos juntos. Sendo certo que em matéria tributária vigora a presunção de verdade dos elementos constantes da contabilidade do contribuinte, como é o caso das facturas.
Temos por isso como assente, não ter sido colocado em causa que os negócios que as facturas juntas pela requerente tenham sido concretizados, sendo certo que o contrato de compra e venda é consensual, não se lhe exigindo qualquer forma especial.
Provada a transmissão de propriedade e uma vez que a AT não tem legitimidade para opôr a ausência de registo, por não ser para tais efeitos tida como terceiro, impõe-se a anulação das liquidações de IUC objecto do presente pedido arbitral.
juros indemnizatórios
Além da restituição do imposto indevidamente pago, pretende a requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.
Tal direito vem consagrado no art. 43º da LGT o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial - ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.
No caso em apreço, parece-nos indiscutível que nenhum erro pode ser imputável à requerida, AT.
Pelo contrário, actuou a AT no escrupuloso cumprimento da lei, liquidando imposto àquele que presumidamente seria o sujeito passivo do mesmo, incumbindo, sim, à requerente levar a cabo procedimento tendo em vista a ilisão de tal presunção.
Pelo que não assiste à requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios.
***
No que respeita à responsabilidade pelo pagamento das custas.
Entendemos, em suma, que o art. 3º contempla uma presunção legal que, por ser juris tantum, é susceptível de ser ilidida.
A AT actuou no escrupuloso cumprimento da lei, liquidando imposto àquele que presumidamente seria o sujeito passivo do mesmo, incumbindo à requerente, como já se referiu, levar a cabo procedimento tendo em vista a ilisão de tal presunção.
Sendo indiscutível que nenhum erro pode ser imputável à AT nas liquidações objecto do pedido.
Para ilidir as presunções previstas em normas de incidência tributária, pode o interessado socorrer-se do procedimento administrativo próprio previsto art. 64º do CPPT, como forma alternativa à reclamação graciosa ou impugnação judicial.
A AT não dispunha de quaisquer elementos que lhe permitissem obstar às liquidações oficiosas que promoveu.
A requerente não promoveu, em sede de eventual procedimento administrativo prévio, a ilisão da presunção que sobre si impendia, nem sequer fez tal esforço no âmbito do exercício do direito de audição das liquidações oficiosas.
Do que resulta que a responsabilidade pelas liquidações do IUC só à requerente pode ser imputada.
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a regra da causalidade constitui o primeiro critério para a distribuição da responsabilidade pelo pagamento das custas processuais, sendo a vantagem ou proveito processual, critério subsidiário. Tendo sido a requerente a dar causa à propositura do presente pedido, é ela a responsável pelo pagamento das respectivas custas.
3. DECISÃO
Face ao exposto, decide-se:
a) julgar procedente, por vício de violação de lei, o pedido de anulação dos actos tributários objecto do pedido arbitral correspondentes às liquidações de IUC referentes aos anos de 2011 e 2012;
b) julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, absolvendo-se a Autoridade Tributária e Aduaneira do respectivo pedido;
c) condenar a requerente no pagamento das custas do processo.
VALOR DO PROCESSO: De acordo com o disposto nos art. 306º, n.º 2 do Código de Processo Civil, art. 97º-A, n.º 1, a) do Código do Processo e de Procedimento Tributário e art. 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 244,74 € (duzentos e quarenta e quatro euros e setenta e quatro cêntimos).
CUSTAS: Nos termos do disposto no art. 22.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 306,00 € (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 20 de Novembro de 2014
O árbitro
(António Alberto Franco)