Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 335/2021-T
Data da decisão: 2021-11-26  IRS  
Valor do pedido: € 126.029,24
Tema: IRS – Mais-Valias mobiliárias. Exclusão da incidência de imposto. Aumento de Capital. Aplicação da lei no tempo.
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SUMÁRIO:

 

I.             Nos termos do art. 43.º, n.º 6, al. a), do Código do IRS, para efeito de apuramento de mais-valias, a data de aquisição dos valores mobiliários por alteração do valor nominal corresponde à data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem.

 

II.            Tendo uma sociedade comercial sido constituída antes da entrada em vigor do Código do IRS, a mais-valia resultante da alienação de quota ocorrida já na sua vigência, encontra-se excluída da incidência do imposto por efeito do disposto na norma transitória do art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 448-A/88, de 30 de novembro.

 

III.          Mantém-se aquela exclusão de tributação em mais-valias ainda que tenha ocorrido reforço do capital social através de novas entradas em dinheiro após a entrada em vigor do aludido Código.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Juiz Poças Falcão, Presidente, Dra. Marisa Almeida Araújo e Dr. Paulino Brilhante Santos, árbitros adjuntos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 10 de agosto de 2021, decidem o seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

1.            A..., contribuinte fiscal n.º..., residente na Rua ..., ..., ...-... Porto; B..., contribuinte fiscal n.º..., residente na..., n.º ..., ..., ...-... Vila do Conde; e C..., contribuinte fiscal n.º..., residente na Rua ..., ..., ...-... Porto, (adiante abreviadamente designados por “Requerentes”), apresentaram nos termos legais, pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com a alínea a) do art. 99.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por “Requerida”, ou “AT”).

 

2.            Os Requerentes peticionam a anulação do ato de liquidação de IRS com o n.º 2021 ... referente ao ano de 2017.

 

3.            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 04/06/2021 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nessa mesma data.

 

4.            Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os aqui signatários que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 21/072021 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar no prazo e nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 10/08/2021.

 

7.            A Requerida deduziu Resposta que introduzida no sistema eletrónico da CAAD no dia 28/09/2021 e juntou, na mesma data, o respetivo processo administrativo.

 

8.            Por despacho de 07/10/2021 foi concedido o contraditório para a questão prévia suscitada pela AT na sua resposta, i.e., após a constituição do tribunal a AT revogou parcialmente o ato impugnado, tendo os Requerentes respondido em 13/10/2021 manifestando interesse no prosseguimento dos autos em relação à parte do ato não revogada.

 

9.            Por despacho da mesma data, foram as partes notificadas da dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo-lhes sido concedido prazo para apresentação de alegações escritas, o que os Requerentes fizeram em 5 de novembro de 2021, e a Requerida em 9 de novembro de 2021.

 

10.          Foi fixada a data de 19/01/2022 como data-limite para a prolação de decisão arbitral final.

 

 

11.          Do pedido dos Requerentes:

 

Os requerentes são, respetivamente, cônjuge e filhos, os únicos herdeiros de D..., falecida em 08.04.2020.

Em 24.02.2017, D... e o primeiro Requerente, casados no regime da comunhão geral de bens, eram detentores de uma quota do valor nominal de 22.500,00 €, titulada em nome da primeira, no capital social de 165.000,00 € da sociedade E..., Lda., NIPC..., D... foi sócia fundadora da E..., Lda., tendo outorgado a escritura de constituição em 18.12.1974, com o capital social de 5.000.000$00 (24.939,89 €), cabendo então a D... uma quota do valor nominal de 500.000$00 (2.493,98 €). Entretanto, por escritura pública outorgada em 04.06.1991, o capital da sociedade foi aumentado da cifra de 5.000.000$00 (24.939,89 €) para 33.000.000$00 (164.603,30 €), pelo reforço em dinheiro de 28.000.000$00 (139.663,41 €), tendo a sócia D... subscrito e realizado a importância de 4.000.000$00 (19.951,91 €), que se adicionou à sua quota, elevando-a, assim, para 4.500.000$00 (22.445,90 €).

Em 21.12.2001, o capital social da E..., Lda. foi de novo aumentado para a cifra de 165.000,00 €, mediante incorporação de reservas livres no montante de 396,70 €, tendo, em consequência, sido aumentado o valor nominal da quota da sócia D... para 22.500,00 €.

Em 24.02.2017, D... e o primeiro requerente cederam a quota do valor nominal de 22.500,00 € que detinham no capital social da E..., Lda. à sociedade F..., S.G.P.S., S.A., pelo preço de 500.000,00 € tendo, em 24.05.2018 os requerentes apresentado declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2017, onde declararam a venda da quota no Anexo G-1, destinado às mais-valias não tributadas, indicando dezembro de 1974 como data de aquisição.

Na sequência de procedimento inspetivo de análise interna, realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, em cumprimento da ordem de serviço n.º OI2019..., o primeiro requerente veio a ser notificado de relatório de conclusões dessa inspeção no qual a AT, segundo os Requerentes, conclui que, tendo ocorrido um aumento de capital social, por entradas em dinheiro (e não por incorporação de reservas), a data de aquisição a considerar na parte da quota subscrita com o referido aumento de capital, seria a data da respetiva operação, ou seja, agosto de 1991. Daí retirando que estaria sujeita a tributação a parte da mais-valia realizada correspondente à fração da quota de D... e do Primeiro Requerente resultante do aumento de capital efetuado em 1991. O que, segundo o primeiro Requerente, esta posição o induziu em erro e levou à apresentação da declaração modelo 3 de substituição em 17.03.2021. Após o que foi notificado da demonstração de liquidação de IRS com o n.º 2021..., bem como de demonstrações de liquidação, de liquidação de juros e de acerto de contas, importando um valor a pagar de 126.029,24 €, incluindo já os juros compensatórios pelo retardamento da liquidação, no valor de 12.671,24 €.

Entendem os Requerente que esta conclusão da AT é errada uma vez que resulta de uma, também ela errada, interpretação do artigo 43.º, n.º 6, alínea a) do CIRS.

Por outro lado, e para além disso alegaram os Requerentes que a E..., Lda. era, em 2016, como em 2017, uma pequena empresa tal como definida no Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007 de 6.11, não cotada nos mercados regulamentado ou não regulamentado da Bolsa de Valores, uma vez que empregava menos de 10 pessoas e o seu volume de negócios anual ou balanço total anual não excedia 2.000.000,00 €.

Sendo assim uma microempresa, de acordo com o artigo 2.º, n.º 3, do dito Anexo, a mais-valia realizada na operação, a ficar sujeita a IRS – o que os Requerentes não aceitam–, só poderia considerar-se por 50% do seu valor, face ao disposto no artigo 43º n.ºs 3 e 4 do CIRS.

Desta forma, pugnam os Requerentes pela anulação da liquidação em apreço nos autos.

 

 

12.          Da resposta da Requerida:

 

Em resposta, a Requerida no que tange ao facto da E..., Lda. ser, em 2016, como em 2017, uma pequena empresa tal como definida no Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007 de 6.11 e, por isso, a mais-valia realizada na operação só poder considerar-se por 50% do seu valor, face ao disposto no artigo 43.º n.ºs 3 e 4 do CIRS, veio, após a constituição do tribunal arbitral, a revogar parcialmente a liquidação.

Quanto ao mais, a AT impugnou de mérito, propugnando pela legalidade do ato alegando sumariamente que:

No âmbito da ação de inspeção titulada pela ordem de serviço OI2019... resulta que o aumento do capital social da sociedade referida foi efetuado por entradas em dinheiro (e não por incorporação de reservas) pelo que foi proposta a correção da data de aquisição referente à parte da quota subscrita com o referido aumento do capital, ou seja, agosto de 1991 – não tendo sido aplicado o regime transitório previsto no art. 5 do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou o Código do IRS.

Tendo em consideração que a alienação de partes sociais adquiridas antes da entrada em vigor do Código do IRS, isto é, antes de 1989, não se encontra sujeita a tributação de IRS, e que o aumento de capital efetuado em 1991, por reforço de capital em dinheiro, está sujeito a tributação o valor de alienação global de 500.000,00€, foi repartido proporcionalmente, em função dos dois momentos de aquisição.

Concluindo que, os valores mobiliários alienados consideram-se adquiridos em momentos diferentes, pelo que o valor da respetiva transmissão deve ser dividido em várias parcelas. As referentes aos valores constantes do título constitutivo, na respetiva data de aquisição, cujos ganhos se encontram excluídos da tributação, nos termos do regime transitório da categoria G, estabelecido no artigo 5.º do Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de Novembro e, por seu lado as resultantes de aumentos de capital realizados em 1991, por entradas em dinheiro, são sujeitas a tributação.

Desta forma, conclui a AT pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

II.            DO SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciarias, mostram-se legitimas e encontram-se regularmente representadas, (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

Considerando que a AT, depois de constituído o Tribunal Arbitral, veio revogar parcialmente o ato de liquidação em apreço nos autos e não se tendo a isto oposto os Requerentes, sem prejuízo da tramitação subsequente em relação à parte não revogada, expurga-se, como thema decidendum, a parte do ato de liquidação que foi revogada, i.e., em relação ao facto da sociedade E..., Lda. ser, em 2016, como em 2017, uma pequena empresa tal como definida no Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007 de 6.11 e, por isso, a mais-valia realizada na operação só poder considerar-se por 50% do seu valor, face ao disposto no artigo 43º,  n.ºs 3 e 4, do CIRS, fixando-se como causa de pedir e pedido a restante matéria que resulta do ato de liquidação, conforme fixada pelos Requerentes na sua peça processual.

 

 

III.          Matéria de facto:

 

A.           Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

1.            A sociedade E..., Lda. foi constituída em 18 de dezembro de 1974, com o capital social de 5.000.000$00.

2.            Aquando da constituição da sociedade, o cônjuge do primeiro requerente, entretanto falecido, D..., detinha uma quota de 10% do respetivo capital social, i.e., 500.000$00.

3.            Em agosto de 1991 foi realizado um aumento de capital, “mediante reforço de 28.000.000$00, em dinheiro”, tendo o cônjuge do primeiro Requerente subscrito o montante de 4.000.000$00.

4.            Em 2001 foi efetuada a redenominação do capital social, de escudos para euros, em virtude da qual, o cônjuge do primeiro Requerente passou a deter uma quota no valor de 22.500,00 €.

5.            Por escritura de fevereiro de 2017, o primeiro requerente e o cônjuge, casados no regime de comunhão geral, cederam a referida quota à sociedade F... a, S.G.P.S., S.A., pelo valor de 500.000,00 €.

6.            Na declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS do ano de 2017, inscreveram a alienação da quota no anexo G1, indicando que aquela havia sido adquirida em dezembro de 1974.

7.            No âmbito da ação de inspeção titulada pela ordem de serviço OI2019..., e porque o aumento do capital social foi efetuado por entradas em dinheiro (e não por incorporação de reservas), foi proposta a correção da data de aquisição referente à parte da quota subscrita com o referido aumento do capital, ou seja, agosto de 1991.

8.            Como consequência foi emitida a liquidação de IRS n.º 2021..., referente ao ano de 2017 tendo sido repartida proporcionalmente, em função dos dois momentos – aquisição da quota e aumento de capital -, o valor de alienação global de 500.000,00 € da seguinte forma:

1) Proporção da quota adquirida a 18 de dezembro de 1974: 11%:

i. Valor de aquisição: € 2.500,00

ii. Valor de realização: € 55.500,00

2) Proporção da quota imputável ao aumento do capital social realizado em 1991: 88,89%

i. Valor de aquisição: € 20.000,00

ii. Valor de realização: € 444.450,00.

 

B.            Factos não provados

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.

 

C.            Fundamentação da matéria de facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa ou que não foram impugnados e no acervo probatório carreado para os autos, essencialmente constituído pelos projetos e relatórios da Inspeção Tributária, reclamações, requerimentos, revisões oficiosas, os quais foram objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

 

V.           Do Direito

 

Considerando o objeto do processo resulta a seguinte questão decidenda:

Se os aumentos de capital realizados mediante entradas em dinheiro na vigência do Código do IRS mas relativamente a sociedade comercial constituída antes da entrada em vigor deste diploma, devem ser excluídas da tributação em mais-valias sobre valores mobiliárias por efeito do disposto na norma transitória do art. 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88.

 

A sociedade E..., Lda. foi constituída em 18 de dezembro de 1974, com o capital social de 5.000.000$00 sendo que, aquando da constituição da sociedade, a cônjuge do primeiro requerente, entretanto falecida no ano de 2020, D..., detinha uma quota de 10% do respetivo capital social, i.e., 500.000$00.

Em causa nos presentes autos está o aumento de capital realizado em 1991, “mediante reforço de 28.000.000$00, em dinheiro” tendo o cônjuge do primeiro Requerente subscrito o montante de 4.000.000$00.

Entendeu a AT que estes dois momentos são relevantes para efeitos de tributação de mais-valias resultantes da cessão de quotas, realizada por escritura de fevereiro de 2017, entre o primeiro requerente e o cônjuge, casados no regime de comunhão geral, e a sociedade F..., S.G.P.S., S.A., pelo valor de 500.000,00 €.

Entende a Requerida que estando incluídas na alienação quota constituída anteriormente à entrada em vigor do CIRS, portanto não sujeitas a imposto (n.º 1 do art.º 5.º do D.L. 442-A/88 de 30 de Novembro), mas objeto de aumento de capital ocorre por entradas em dinheiro, então este deve ser considerado como valor de aquisição e, portanto, nesta parte, sujeito a tributação.

I.e., a Requerida seguiu o entendimento que os valores mobiliários alienados consideram-se adquiridos em momentos diferentes, pelo que o valor da respetiva transmissão deve ser dividido em várias parcelas.

De facto, tendo em conta a data da constituição da quota em apreço nos autos – 1987 – os ganhos referentes à sua cessão encontram-se excluídos da tributação, nos termos do regime transitório da categoria G, estabelecido no artigo 5.º do Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de Novembro. Mas suscita-se questão distinta, ou seja, não se pondo em causa aquela exclusão, cumpre determinar a relevância de um aumento de capital, em dinheiro, após o termo do aludido regime transitório – em 1991.

A AT invoca o Ac. do TCA Norte de 28 de setembro de 2017 proferido no âmbito do processo n.º 01264/09, segundo o qual, se deve aplicar a norma transitória até ao aumento de capital, entendendo-se como excluídas aquelas que tiveram lugar na vigência do Código do IRS.

Todavia, entende este tribunal que o aresto não tem em consideração, como se expõe de seguida, a interpretação que se considera adequada do art. 43.º, n.º 6 al. a) do Código do IRS.

 

Nesta matéria o ac. do STA proferido a 7 de junho de 2017 no âmbito do processo n.º 01471/14, que segue a fundamentação expendida no acórdão do Pleno de 16/09/2015 tirado no recurso n.º 1292/14, estabelece que:

“[C]onsideramos que o facto tributário se reporta ao momento em que se realizam as mais-valias, ou, por outras palavras, o facto tributário que as origina e conforma nasce e esgota-se no preciso momento (autónomo e completo) da alienação e coetânea realização das mais-valias, sendo, por isso, um facto tributário instantâneo, e não um facto tributário complexo de formação sucessiva ao longo de um ano.

É certo que as mais-valias, tal como os demais rendimentos sujeitos a IRS, são declaradas anualmente (art. 57.º do CIRS) e que o rendimento coletável anual do sujeito passivo corresponde ao saldo positivo apurado entre as mais-valias e as menos-valias que se tenham concretizado no mesmo ano (art. 43.º n.º 1 do CIRS). Mas essa operação de agregação entre as mais-valias e as menos-valias não tem a virtualidade de alterar ou transmutar a natureza dos factos tributários subjacentes. O que daí pode concluir-se é, apenas, que as mais-valias e as menos-valias alcançadas durante o mesmo ano são declaradas num único momento - na declaração anual de IRS - e que ambas concorrem para o apuramento do saldo final que vai servir para determinar e quantificar o rendimento anual sujeito a tributação em IRS.

Por outras palavras, a norma que prevê a agregação necessária ao apuro do saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias em face de todos os atos de alienação ocorridos no ano, constitui uma norma sobre a determinação da base tributável para efeitos de IRS, isto é, uma norma sobre a determinação do rendimento coletável, e não uma norma sobre a incidência, como, de resto, ressalta da organização sistemática do Código do IRS, onde a referência a esse saldo se encontra inserida no capítulo que trata da determinação do rendimento coletável e não no capítulo que trata da incidência do imposto. E, como é óbvio, o facto tributário tem de ser localizado no tempo em face da respetiva norma de incidência, e não em face da norma de determinação do rendimento coletável.

Em suma, o saldo positivo que será tributado não se confunde com o facto tributário em si. Tal saldo tem relevo apenas para o acerto do rendimento coletável e determinação da obrigação de pagamento de imposto que emerge (ou não) para o sujeito passivo em sede de IRS, carecendo de relevo para a formação do facto tributário em si, já que este, como se viu, surge isolado no tempo, ocorrendo por mero efeito da obtenção do ganho no momento de cada ato de alienação dos bens mobiliários em questão.”

Desta forma, conclui-se que a al. a) do n.º 6 do art. 43.º do Código do IRS pretende precisar, conforme resulta da decisão proferida no âmbito do processo n.º 526/2020-T do CAAD, ainda que para efeito da determinação da matéria coletável, “[...] é que a data de aquisição dos valores mobiliários, nas situações aí referidas, e, designadamente, por alteração do valor nominal, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem. Sendo certo que o inciso “para efeitos do número anterior”, que consta do segmento inicial do proémio desse n.º 6, não se refere à situação específica descrita no antecedente n.º 5, mas ao apuramento do saldo positivo ou negativo dos rendimentos qualificados como mais-valias para efeito do apuramento do valor tributável.”

 

Desta forma, considerando o supra exposto, e seguindo o entendimento da decisão proferida no processo n.º 689/2019-T do CAAD, é possível concluir que a al. a) do n.º 6 do art. 43.º do Código do IRS pretende referir-se ao aumento do valor da quota realizados através da incorporação de reservas mas também aos aumentos da alteração do valor nominal. Um regime de equiparação que resulta do preceito, i.e., ao aumento do valor das quotas existente e que não se pode entender que corresponde à criação de novas quotas mas ao reforço da inicial. Conforme resulta do ac. do STA de 07/03/2018 proferido no âmbito do processo n.º 0149/2017 que determina que:

 “O aumento de capital de uma empresa assume duas diversas formas: ou se realiza por incorporação de reservas ou por novas entradas.

Quando o aumento de capital assume a forma de novas entradas, ou os sócios/acionistas das empresas adquirem novas quotas/ações emitidas pela empresa, ou não há criação de novas quotas/acções mas é aumentado o valor nominal das existentes.”

 

No caso em apreço neste processo decidido no STA também “[...] os sócios daquela sociedade por quotas, entre outras coisas “deliberam aumentar o capital da mesma (…), em reforço das suas quotas” expressão com o sentido inequívoco de que não houve aumento do número de quotas pelo que a situação concreta tem enquadramento no disposto no art.º 43.º n.º 4, al. a) do CIRS "A data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas, ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem.”

 

Assim, e como resulta também da decisão referida proferida no âmbito do processo nº  526/2020-T não há motivo para distinguir, para o apuramento de mais-valias, os diversos momentos em que ocorreram aumentos de capital relativamente à entrada inicial já que, considerando este sentido interpretativo, o aumento de capital através do aumento do valor nominal das quotas já existentes é tido como sendo realizado no momento em que foram adquiridos os valores mobiliários originários.

 

Desta forma, tendo a sociedade sido constituída em 1974, antes da entrada em vigor do Código do IRS – que entrou em vigor a 1 de janeiro de 1989, nos termos do art. 2.º do diploma preambular – e a mais-valia gerada em 2017, ainda que com aumento de capital em 1991 na pendência da vigência do Código do IRS, encontra-se excluída do imposto por efeito da aplicação da norma transitória do art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 448-A/88.

 

VI.          Decisão

 

À luz do exposto, ponderando o citado quadro factual, as posições de ambas as partes espelhadas nos autos e o disposto no artigo 277.º, als. d) e e) do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT, decide este Tribunal:

 

a) Julgar, nos termos expostos supra, parcialmente extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide (falta de objeto) decorrente da revogação parcial do ato de liquidação impugnado;

b) Julgar integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral na parte não resultante da sobredita extinção da instância e, em consequência,

c) Anular o respetivo e consequente ato de liquidação de IRS n.º 2021..., com as inerentes consequências legais.

 

VII.         Valor da causa

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 126.029,24.

 

VIII.       Custas

Ficam as custas a cargo da Requerida (artigo 537.º-A do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT), fixando-se a taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT e 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Lisboa, 26 de novembro de 2021

 

O Tribunal Arbitral Coletivo

 

José Poças Falcão

(Árbitro Presidente)

 

Marisa Almeida Araújo

(Árbitra Vogal)

                                                 

Paulino Brilhante Santos

(Árbitro Vogal)