DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
A..., S.A (doravante “Requerente”), pessoa coletiva de direito português com o número de identificação de pessoa coletiva (“NIPC”) e de identificação fiscal (“NIF”)..., com sede em ..., ...-... ..., na qualidade de sociedade na qualidade de sociedade incorporante de B... UNIPESSOAL, LDA (sociedade incorporada por fusão na sociedade A..., S.A), veio ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação dos atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e de juros compensatórios com os números 2020..., 2020..., no montante total de Euro 7 846,74 (sete mil e oitocentos e quarenta e seis euros e setenta e quatro cêntimos), e de juros compensatórios no montante total de Euro 935,87 (novecentos e trinta e cinco euros e oitenta e sete cêntimos), notificadas à Requerente a 19 de Janeiro de 2021, tais liquidações adicionais, com impacto no período de 2018, foram originadas pelas correções ao exercício de 2017, com os números ... (segundo trimestre), ... (terceiro trimestre) e ... (quarto trimestre) e consequente reembolso das quantias indevidamente pagas e condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) no pagamento de juros indemnizatórios por pagamento indevido de prestação tributária .
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
1. O pedido de constituição do tribunal arbitral apresentado em 2021-05-24 foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 2021-05-26.
2. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do art.º 6 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – RJAT), o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em 2021-05-15, designou como árbitra a signatária que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável e notificou as partes dessa designação.
3. Em 2021-05-15 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do art.º 11 n.º 1, a) e b), do RJAT e arts 6 e 7 do Código Deontológico.
4. Assim, o Tribunal Arbitral Singular, foi regularmente constituído 2021-08-03, conforme o disposto no art.º 2, n.º 1, a), e no art.º 11, n.º 1 c), do RJAT na redação introduzida pelo art.º 228 da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, para querendo apresentar resposta e juntar o Processo Administrativo.
5. Em 2021-09-29 a Requerida requereu a prorrogação do prazo para apresentação da Resposta, por 10 dias, ou seja, até dia 11 de outubro, requerimento que foi deferido por despacho arbitral proferido pela ora signatária.
6. Em 2021-10-10, a Requerida AT juntou resposta, aí pugnando pela improcedência e consequente absolvição do pedido. Não juntou o processo administrativo (que foi junto pela Requerente junto com o PPA, como doc. n.º 2).
7. Em 2021-10-12 a Requerente apresentou um requerimento para solicitar a apresentação de prova testemunhal.
8. Por despacho de 2021-10-14, foi indeferido o pedido de inquirição da testemunha indicada, considerando que “o Tribunal considera estar habilitado a decidir a matéria de facto com os elementos que já constam dos autos e, consequentemente, sem necessidade de produção de prova testemunhal. Assim, considera-se inútil o ato de inquirição da testemunha e, como tal, essa inquirição está proibido face ao disposto no art.º 130, do CPC, aplicável ex vi art.º 29, do RJAT”. No mesmo dia a Requerida apresentou um requerimento a solicitar o indeferimento do requerimento da Requerente relativo à produção de prova testemunhal.
9. No mesmo despacho e ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16, e do n.º 2 do art.º 29, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, e foi indicado que a decisão final seria notificada até 25-11- 2021.
10. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respetivas posições jurídicas.
11. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Nota prévia:
Quanto à Requerente, e conforme consta do RIT consideramos ter de mencionar que a B..., Unipessoal, Lda., se encontra cessada desde 18 de abril de 2018 momento coincidente com a conclusão do projeto de fusão no qual a B.. participou enquanto entidade incorporada. Em abril do referido ano, por meio de uma fusão por incorporação efetuada, nos termos dos n.ºs 1 e 4, alínea a), do artigo 97.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), deu-se a transferência global do património das sociedades incorporadas (seis entidades, entre elas a B...) para a sociedade incorporante, no caso a entidade C... SGPS S.A., que atualmente assume a designação de A... SA.
Assim, fica esclarecido que a Inspeção Tributária realizada a coberto da Ordem de Serviço n.º OI2019..., pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção de Finanças do Porto, ao ano 2017, à B... será em tudo idêntica à Inspeção Tributária realizada à C... SGPS S.A., relativamente ao ano de 2017, agora com a designação de A... SA, com é mencionado no Acórdão proferido no Proc. n.º 668/2020-T do CAAD, com data de 02-07/2021.
Como podemos constatar da leitura do Acórdão supra mencionado, do conteúdo do RIT, são patentes as coincidências entre os factos descritos na PPA, na Resposta da AT, pelo que estamos na presença de dois processos idênticos, relativos ao mesmo ano de 2017, em que as questões a decidir são idênticas, em que apenas a sociedade do grupo objeto de IT é outra mas com o mesmo objeto social e existe apenas diferença de valores, pelo que a decisão arbitral a proferir em nada se poderá afastar da do Acórdão supramencionado atendendo a que esse Acórdão está de harmonia integral com a nossa convicção.
Com base nestas considerações neste processo iremos seguir de muito perto a decisão no Acórdão proferido no Proc. n.º 668/2020-T do CAAD, com data de 02-07/2021, dado o nosso total acordo com a decisão proferida.
II -Matéria de facto
1. Factos Provados
A matéria de facto relevante para a decisão da causa é a seguinte.
A) Foi realizada uma inspeção à B..., Unipessoal, Lda., incorporada na Requerente, relativa ao período de 2017, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2019..., pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção de Finanças do Porto, ao ano 2017, em que foi elaborado o Relatório da Inspeção Tributária que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
11.3. Outras situações
11.3.1. Natureza jurídica, capital social, sede e responsáveis do sujeito passivo
A B... foi constituída como sociedade por quotas em 2017-01-24, com a designação comercial B..., UNIPESSOAL, LDA e sede na Rua ..., nº..., em Lisboa, na freguesia de ... . O objeto social à data da constituição correspondia a “Exercício de atividade de gestão e consultoria de instalações desportivas e de health clubs, bem como a gestão e exploração de ginásio, nutricionismo, educação física, fisioterapia, estética, massagens, tratamentos de beleza e saúde, acupunctura, restauração, formação, realização de estudos de mercado e viabilidade económica e atividades acessórias e/ou conexas, investimentos.”
O capital social ascende a € 5.000,00 representado por uma única quota, a data pertencente & entidade....€5.000,00
(...)
Em 2018-01-15 é levada a efeito uma remodelação total do pacto social da B... exceto quanto à firma, objeto e capital social.
Finalmente referir que a B..., Unipessoal, Lda., se encontra cessada desde 18 de abril de 2018 momento coincidente com a conclusão do projeto de fusão no qual a B... participou enquanto entidade incorporada. Efetivamente em abril do referido ano, por meio de uma fusão por incorporação efetuada, nos termos dos n.ºs 1 e 4, alínea a), do artigo 97.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), deu-se a transferência global do património das sociedades incorporadas (seis entidades, entre elas a B...) para a sociedade incorporante, no caso a entidade C... SGPS S.A., que atualmente assume a designação de A... SA.
(...)
O B... operou no mercado dos ginásios / centros de fitness, explorando em 2017, um dos ginásios conhecidos no mercado com a designação comercial "D... com a seguinte localização:
..., ..., Km..., ..., ...– ... ....
Em 2017, o grupo "D... integrava mais oito ginásios, explorados por outras cinco entidades, todas detidas pela C... SGPS S.A., atrás melhor identificada, localizados em:
E..., Unipessoal, Lda, NIF ...
F...- , Unipessoal, Lda;
G..., Unipessoal, Lda, Unipessoal, Lda;
H..., Lda NIF ...
I... Unipessoal, Lda;
J..., Unipessoal, Lda, NIF...;
K..., Unipessoal, Lda, NIF...; e
L..., Unipessoal, Lda, NIF... .
(...)
De acordo com o "Regulamento de utilização - Ginásios A..." disponibilizado pela entidade inspecionada, por intermédio da sua representante legal.
1. Gestão e administração
1.1 A C... S.G.P.S. que agora assume a designação de A... SA, era a entidade competente pela gestão e administração da marca A... .
1.2 A adesão ao ginásio A... disponibiliza ao sócio dois serviços distintos e independentes:
1.2.a. Disponibilização de instalações e equipamentos para a prática desportiva e física, lazer e prestação de serviços conexos com as mesmas atividades, a definir nas condições particulares, tutelados pelo Instituto Português de Desporto e Juventude;
12.b. Disponibilização de serviços paramédicos de nutrição, a definir nas condições particulares, tutelados pela Entidade Reguladora de Saúde."
Dos elementos recolhidos e disponibilizados pelo contribuinte no âmbito da presente ação inspetiva - os mais específicos, relacionados com a atividade propriamente dita, como o "Regulamento de utilização - Ginásios A...", o "Manual de Operações das Atividades desportivas" e as tabelas de preços, e bem assim, os contabilísticos - não resulta que a B... tenha beneficiado de outros rendimentos que não os derivados da "Disponibilização de instalações e equipamentos para a prática desportiva e física, lazer e prestação de serviços conexos com as mesmas atividades" (incluindo, serviços acessórios relacionados como aluguer de toalhas) e, alegadamente, serviços de aconselhamento nutricional. A contabilidade da B... espelha ainda rendimentos derivados de vendas de merchandizing, vestuário desportivo e suplementos alimentares.
De referir ainda que, ao contrário do que se poderia inferir do disposto no ponto 1.2.b. do "Regulamento de utilização - Ginásios A...", atrás transcrito para este relatório, em 2017 a B... não se encontrava registada na Entidade Reguladora da Saúde como entidade prestadora de cuidados de saúde. Explicou o contribuinte inspecionado - através do seu representante na cessação, a A..., SA -, em resposta a notificação pessoal e por escrito efetuada em 2019-09-09, na pessoa de N..., procuradora da empresa A..., SA, que o grupo O... entendia que o registo das nutricionistas na respetiva ordem profissional era o registo necessário ao exercício da atividade.
Por último, salientar o facto de que a B... não procedeu à entrega da declaração de alterações a que se refere o artigo 32.º do CIVA e a que estava obrigada aguando da extensão do seu objeto social à atividade de “Nutricionismo”.
(...)
III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas ao imposto e matéria coletável
III.1 IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO
III.1.1 Serviços de nutrição / aconselhamento nutricional - Aplicação indevida de isenção de IVA
III.1.1.1 Atividade declarada
De acordo com a informação constante dos quadros 3 e 4 deste relatório, em 2017 a B... reconheceu na sua contabilidade rendimentos no montante de € 321.181,92, ao que corresponde um volume de negócios declarado no montante de € 321.170,57, na totalidade derivados de vendas e serviços prestados no âmbito do seu objeto social.
Se ao valor do volume de negócios acima referido adicionarmos o montante reconhecido a débito das contas 72113202 designada por “Diferença Caixa - Clube ..." no montante global de 2.521,28 e, que, e que de acordo com os elementos reunidos no âmbito da presente ação inspetiva, não devem influenciar aquele indicador temos que o volume de negócios efetivo em 2017 ascendeu a € 323.691,85.
Considerando o enquadramento em sede de IVA aplicado pelo contribuinte, podemos dividir as operações ativas geradoras do referido volume de negócios como segue (valores constantes dos balancetes e extratos contabilísticos disponibilizados pelo sujeito passivo inspecionado):
Quadro 6
ENQUADRAMENTO EM IVA VALOR SEM IVA (€) Peso no total das operações
Operações sujeitas e não isentas 204.970,23 63,32%
Operações isentas que não conferem direito à dedução 118.721,62 36,68%
TOTAL 323.691,85 100%
Através da consulta à informação constante do ficheiro SAF-T PT) de faturação, verificamos que as operações ativas sujeitas a IVA e não isentas incluem as vendas e os serviços prestados pela B... a seguir enumerados (os mais relevantes):
• Venda de material e vestuário desportivo e merchandizing;
• Venda de produtos alimentares, vitaminas, suplementos, produtos dietéticos
e/ou energéticos;
• Mensalidade, na parte relativa à disponibilização das instalações e
equipamentos para a prática de exercício físico, cujo valor unitário varia
consoante o plano de frequência/treino escolhido pelo sócio do clube;
• Aulas avulso;
• Taxa de utilização diária (utilização esporádica das instalações e
equipamentos para a prática de exercício físico);
• Aluguer das instalações para eventos;
• Orientação de treino;
• Cadeados e aluguer dos mesmos; e,
• Toalhas e aluguer das mesmas.
Com exceção da venda de alguns - não se aplica a todos - produtos alimentares, em que foi aplicada a taxa de IVA reduzida então em vigor (Cf. alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA), a todas as demais operações ativas acima elencadas foi aplicada a taxa normal de 23% (Cf. alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA).
Por sua vez, e, recorrendo à mesma fonte de informação, constatamos que foram consideradas isentas de IVA, por aplicação da alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, todas aquelas operações que se encontram descritas nos documentos de faturação como serviços de nutrição.
Estes serviços de nutrição assumiram diferentes valores unitários consoante o plano de frequência/treino escolhido pelo sócio do clube, a que se encontravam associados. Tal conclusão não deixa de ser surpreendente, uma vez que, no decurso da análise efetuada pela IT, não foi recolhido qualquer indício de que o serviço de nutrição alegadamente prestado fosse diferente - menos ou mais completo - consoante o plano escolhido.
Do exposto fica patente o peso significativo que as operações isentas de IVA registaram no conjunto das operações ativas realizadas pela B... em 2017 - em valor, mais de um terço da sua atividade total - operações que, alegadamente. se encontram relacionadas com a prestação de cuidados de saúde, no caso, aconselhamento nutricional. Tendo em conta que estamos perante um operador que essencialmente se move no setor dos ginásios / centros de fitness e não no setor dos prestadores de cuidados de saúde, tal facto mereceu da parte da IT uma análise mais aprofundada e que se descreve a seguir.
Antes, apenas relembrar que a B... não se encontrava em 2017 inscrita como entidade prestadora de cuidados de saúde na Entidade Reguladora de Saúde. Como veremos adiante, tal registo é uma obrigação legal para as entidades que pretendem levar a cabo serviços que consistam na prestação de cuidados de saúde.
No cadastro da AT. a B... também não se encontrava registada para o exercício de atividades nas áreas da saúde humana.
Nos pontos que se seguem descreve-se os fundamentos de direito e de facto que no final conduzirão à conclusão de que o contribuinte aplicou indevidamente a isenção a que se refere o artigo 9.º, al. 1) do CIVA.
III.1.1.2 Da isenção de IVA nos serviços de saúde
- Enquadramento Tributário
As isenções de IVA para os serviços de saúde em vigor em território nacional encontram-se previstas nas alíneas 1) e 2) do artigo 9.º do CIVA e resultam da transposição das alíneas b) e c) do artigo 132.º incluído no capítulo 2, designado “Isenções em benefício de certas atividades de interesse geral” da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006, que deu origem ao Sistema Comum sobre o Valor Acrescentado.
De acordo com as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 132.º da referida Diretiva, os Estados- Membros isentam deste imposto: b) A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;
c) As prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas tal como definidas pelo Estado-Membro em causa;
(...)
As isenções previstas no artigo 132.º da Diretiva Comunitária atrás identificada são de interpretação estrita, dado que constituem exceções ao princípio geral de tributação do IVA, pelo que não visam isentar qualquer atividade de interesse geral, mas unicamente as que aí são enumeradas e detalhadamente descritas.
Para o caso presente, e sendo clara a não aplicação da isenção prevista na alínea b) do n.o 1 do artigo 132.º da Diretiva, atentemos na norma prevista na alínea c) do n.º 1 do mesmo normativo.
Antes de mais referir que a isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º é aplicável independentemente da forma jurídica - pessoa singular ou pessoa coletiva - do sujeito passivo que presta os serviços médicos ou paramédicos.
O acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no processo C-141/00 (caso Kugler, Colet. P. I-6833, n.º 26) afirma, a respeito da disposição comunitária em análise, que a mesma tem um carácter objetivo, definindo as operações isentas em função da natureza dos serviços prestados sem qualquer imposição quanto à forma jurídica do prestador, bastando estar-se perante serviços médicos e paramédicos que sejam prestados por pessoas que possuam qualificações para o efeito.
Por sua vez, a diversa jurisprudência emanada pelo TJUE vai no sentido de que os serviços de assistência a que se refere a isenção em análise tenham como finalidade diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde, ou seja, terem finalidade terapêutica. O mesmo é dizer que uma determinada prestação de serviço que não é conduzida com o objetivo de diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou quaisquer anomalias de saúde, ainda que na mesma intervenham um médico ou paramédico, não se pode considerar como uma prestação de serviços de assistência para efeitos da aplicação da isenção de IVA em análise.
Apresenta-se de seguida a redação da alínea 1) do artigo 9.º do CIVA que resultou da transposição da isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva:
Artigo 9.º
Estão isentas do imposto:
1) As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas.
(...)
No que respeita às profissões paramédicas estão as mesmas reguladas na legislação nacional através do Decreto-Lei n.º 261/93, de 24-07, compreendendo, nos termos do artigo 1.º deste diploma “...a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação...”. Este diploma dispõe em anexo de uma lista das atividades que podem ser consideradas como profissões paramédicas, incluindo no seu ponto 5 a atividade de dietética, definindo-a como sendo a “...aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, querem situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares...”.
Para o exercício destas atividades paramédicas são condições obrigatórias a titularidade de curso reconhecido nos termos legais e de carteira profissional (Cf. artigo 2.º do DL n.º 261/93 de 24-07). No caso da atividade de dietética é obrigatório o respetivo curso ministrado em estabelecimento do ensino público, particular ou cooperativo, devidamente reconhecido, e, bem assim, a inscrição na Ordem dos Nutricionistas.
Em face do que antecede, assumindo-se a entidade inspecionada como prestador de serviços de nutrição /aconselhamento nutricional, para o efeito, terá forçosamente de adquirir esses serviços a profissionais devidamente credenciados para o efeito (com curso reconhecido e inscritos na Ordem dos Nutricionistas) (Cf. n.º 4 do artigo 4.º do CIVA).
Por último referir que, de acordo com o previsto no Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22-08, referente à adaptação dos estatutos da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) ao regime estabelecido na lei-quadro das entidades reguladoras, aprovada em anexo à Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, a inscrição/registo válido na ERS constitui condição obrigatória de abertura e funcionamento do estabelecimento prestador de cuidados de saúde.
Pelo interesse que tem para melhor compreensão da matéria em análise, transcreve- se de seguida um artigo da autoria de Alexandre Miguel Mestre (Advogado, Consultor na Abreu Advogados / Docente no Ensino Superior na área de Direito do Desporto / Formador de Ética, Deontologia e Legislação do Fitness no CEFAD /Ex-Secretário de Estado do Desporto e Juventude, gabinete governamental com poderes de tutela sobre os ginásios).
“No processo evolutivo de transição do conceito de ginásio para health club (clube de saúde), ganhou expressão a prestação de serviços de nutrição, materializada em consultas de nutrição (num prisma mais clínico) ou nos ditos serviços de apoio nutricional (num conceito menos personalizado e mais vocacionado para o bem-estar/lazer). Assim, o nutricionista foi-se gradualmente impondo no contexto do fitness e tornando-se num agente necessário e familiar aos olhos dos utentes ou clientes dos Health clubs.
Nesse processo, suscita-se a questão de saber qual o respetivo impacte no plano jurídico-tributário, em particular em sede de IVA. É esse enquadramento que, de forma sumária, procurarei fazer de seguida, num exercício pessoal de interpretação da lei, mas tendo como âncora doutrina, jurisprudência e mesmo a posição da AT (Autoridade Tributária e Aduaneira).
Há duas premissas jurídicas que importa desde logo ter presente: (i) legalmente estão isentas de imposto as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões paramédicas”; (ii) a nutrição/dietética é legalmente considerada como uma atividade/profissão paramédica. Não se pense, porém, que basta a concatenação das referidas duas premissas para que a isenção de IVA seja algo de automático/imediato: há diversas condições que se devem verificar. Importa, então, saber o que deve fazer o prestador dos serviços (PS) na passagem de ginásio para health club, isto é, no início e no desenvolvimento de um processo em que, a acrescer aos serviços de atividade física e desportiva, passa a prestar cuidados de saúde. Vejamos, pois, os passos cronológicos a dar:
1. Alteração do objeto social. Importa que o PS altere os seus estatutos/pacto social de modo a incluir, em toda a extensão, as valências que passa a poder disponibilizar.
2. Alteração do CAE (Classificação Portuguesa de Atividades Económicas). Deve o SP informar AT da realização de uma outra (nova) atividade económica, passando a ter um CAE secundário.
Com efeito, alterando-se quaisquer elementos constantes da declaração de início de atividade, deve o sujeito passivo entregar a respetiva declaração de alterações, no prazo de 15 dias a contar da data de alteração.
3. Registo obrigatório na Entidade Reguladora de Saúde. Sem esse registo válido, no espaço em causa não pode haver prestação de serviços de nutrição.
4. Contratação de nutricionistas certificados. A prestação de serviços de nutrição encontra-se reservada a pessoas tituladas por curso oficial ou seu equivalente legal. Quer isto significar que o exercício válido da profissão de nutricionista depende da prévia inscrição, como membro efetivo, na Ordem dos Nutricionistas. Sem essa habilitação, a faturação da entidade aos clientes não pode beneficiar da isenção de IVA.
5. Faturação adequada. No essencial, há que faturar conforme segue:
a) Só faturar serviços de nutrição efetivamente prestados/realmente utilizados, ou seja, se for disponibilizada ao utente, num pacote, a possibilidade de recorrer, no espaço em causa, aos serviços de nutrição, sem que o utente chegue a beneficiar dessa possibilidade, cabe apenas faturar os serviços de atividade física e desportiva - não procede o argumento de que se debita sempre o serviço de nutrição mesmo se os clientes a ele não recorrerem, situação que tomaria superior o número de serviços faturados aos clientes do que os pagos aos nutricionistas;
b) Se o serviço prestado for unicamente de nutrição (independente da prática de atividade física/desportiva), a fatura emitida deve mencionar a isenção de IVA (IVA 0%), que é aplicável quer quando é o nutricionista a faturar diretamente ao cliente quer quando é o PS a refaturar ao seu cliente o serviço de nutrição que lhe foi faturado pelo nutricionista;
c) Se for cobrado ao utente um valor único e fixo (semanal /quinzenal /mensal /trimestral /semestral /anual), englobando, simultaneamente, a prática da atividade física/desportiva e os serviços de nutrição) não há lugar a isenção de IVA, uma vez que não estamos perante dois serviços distintos e autónomos entre si, mas sim face a um sujeito passivo misto que presta um serviço principal (atividade física e desportiva) e um acessório (nutrição). Uma decomposição artificial dessas prestações de serviços no plano económico conduziria a uma alteração da funcionalidade do IVA (distorcendo a concorrência), pelo que não basta desagregar as prestações principais das acessórias para garantir a isenção de IVA na parcela da componente acessória - in casu a nutrição -, devendo o PS faturar os serviços discriminadamente (a lei assim o impõe) mas liquidar o IVA a 23%”.
III.1.1.3 Da atividade efetivamente exercida
III.1.1.3.1 "Manual de Operações das Atividades Desportivas" - Informações relevantes
Em resposta ao solicitado pela IT o contribuinte disponibilizou o "Manual de Operações das Atividades Desportivas" que, facilmente se percebe, é, nos principais pontos, nomeadamente (Cf. Anexo 1):
3. Processo geral do serviço
4. Aplicação dos protocolos de receção do cliente
5. Aplicação de protocolos após receção do cliente transversal a todos os clubes do grupo O... .
(...)
transversal a todos os clubes do grupo O... .
Relativamente ao “Processo geral do serviço” o manual de operações apresenta o seguinte esquema:
“Cliente -> Orientação inicial (opcional)/Acons. nutricional (on line) –“ Acompanhamento no ginásio e aulas por técnicos de exercício físico, no ginásio identificado como coach."
No ponto 4 do Manual, apresentado sob a epígrafe “Aplicação dos protocolos de receção dos clientes", encontra-se a descrição dos conceitos associados à fase intermédia do "Processo geral do serviço” acima apresentado:
a. Orientação de treino (opcional):
i. Anamnese
ii. Avaliação física:
1. Avaliação da composição corporal...
2. Medição de perímetros...
3. Aferição dos objetivos a atingir
iii. Prescrição B acompanhamento do Treino
b. Aconselhamento nutricional
i. Envio de email automático ao sócio no ato da adesão com questionário Nutricional; ii. Sócio preenche o questionário e envia por email para nutricaol@...
iii. Após a receção do questionário nutricional enviado pelo sócio é-lhe enviado a proposta de Plano Nutricional pela Nutricionista;
iv. Colocação de dúvidas ou questões via email (nutrição@...) ou nas sessões presenciais que acontecem de 2 em 2 meses.”
O ponto 5. referente à “Aplicação de protocolos após a receção do cliente” serve para descrever:
a. Atividades de trabalho muscular e cardiovascular
i. Equipamentos de força
ii Trabalho muscular:
(...)
iii. Equipamentos de cardiovascular:
b. Atividades coletivas:
1. Step...
2. Cycle...
(...)
17. Zumba...”
Relativamente a este “Manual de Operações das Atividades Desportivas” da B..., cabe desde logo salientar que o mesmo se refere às “atividades desportivas” e não às “atividades desportivas e de aconselhamento nutricional / nutrição” - como até seria de esperar dado o peso desta última no volume de negócios declarado.
Mas não, estamos perante um manual que regula as atividades desportivas oferecidas por um ginásio cujo core business será esse mesmo - a disponibilização de instalações, equipamentos e profissionais para apoio à prática de exercício físico pelos seus clientes -, no qual o serviço de aconselhamento nutricional aparece na fase intermédia, imediatamente posterior à receção do cliente - ao mesmo nível da orientação de treino (inicial e subsequente) que, ao contrário do aconselhamento nutricional, é apresentada como opcional para o cliente - efetivando-se, alegadamente, à distância (supostamente, o primeiro contacto com o serviço de nutrição é efetuado através de e-mail), e de modo prévio ao serviço principal que é o de permitir e facilitar a prática de exercício físico. A partir dessa fase, o serviço de nutrição engloba apenas a resposta a dúvidas colocadas pelos clientes via e-mail e em sessões presenciais que, segundo o manual, deveriam ocorrer de dois em dois meses.
Por fim, uma pergunta se impõe.
Que razões justificam que a orientação de treino seja apresentada ao cliente como um serviço opcional, faturado para além da mensalidade contratada, e o aconselhamento nutricional, na mesma fase e ao mesmo nível, não o seja?
III.1.1.3.2 Formulário de adesão e "Regulamento de utilização - Ginásio A..."
Solicitamos, no âmbito da notificação pessoal e por escrito efetuada em 2019-12-20, à entidade inspecionada na pessoa da procuradora da representante na cessação - a A... S.A. -N..., cópia dos contratos tipo celebrados com os clientes para as diferentes modalidades oferecidas no período de 2017, alvo da presente análise.
Em resposta o contribuinte apresentou um documento denominado "Formulário de Adesão", que, mais uma vez se constatou, era de utilização transversal a todos os ginásios da marca A... (Cf. Anexo 2).
Esse formulário encontra-se dividido em 4 partes:
1. "Dados do cliente";
2. "Dados da adesão";
3. "Autorização de débito direto";
4. "Termos e condições".
Nos dados da adesão, o cliente é interpelado a escolher o "plano" e os serviços adicionais que pretende.
Os "planos" apresentados nesse formulário estão descritos da seguinte forma:
"Shot(15€)"
"Basic (25€)"
"Basic + (29€)"
"Plus (35€)"
"Pró (39€)”
e, com exceção do preço, sem qualquer informação adicional que os distinga.
Relativamente ao serviço a que o cliente está a aderir a única referência que encontramos neste formulário de adesão é na secção dos “Termos e condições” onde o cliente declara que “...não tenho quaisquer contraindicações para a prática das atividades físicas e/ou desportivas que pretendo levar a cabo no A... ...”.
Por sua vez, no “Regulamento de utilização - Ginásios A...” - aquele que o cliente declara, no formulário de adesão, ter lido e aceite - é referenciado que, com a adesão, os ginásios A... disponibilizam dois serviços distintos e independentes (Cf. Anexo 3):
1. Gestão e Administração
1.1....
1.2...
1.2.a Disponibilização de instalações e equipamentos para a prática desportiva e física, lazer e prestação de serviços conexos com as mesmas atividades, a definir nas condições particulares, tutelados polo Instituto Português de Desporto e Juventude;
1.2.b Disponibilização de serviços paramédicos de nutrição, a definir nas condições particulares, tutelados pela Entidade Reguladora de Saúde.”
No que respeita aos pagamentos, aquele regulamento refere o seguinte:
“6. Pagamentos
6.1 O sócio deverá pagar uma jóia no ato da sua inscrição sendo o valor desta determinado pelo ginásio.
6.2 O pagamento pode ser feito de duas formas:
6.2.1 - Pagamento mensal por débito direto.
6.2.2- Pronto pagamento de trimestre, semestre ou anuidade por numerário ou MB.
6.3 O débito direto das mensalidades será efetuado até ao dia 5 de cada mês.
6.4 O ginásio A... reserva-se ao direito de impedir o acesso ao Ginásio a sócios com pagamentos em atraso.
6.5 As taxas poderão ser alteradas anualmente responsabilizando-se o Ginásio pela sua fixação antecipadamente num período de trinta dias.
6.6 Caso o sócio não frequente o ginásio num determinado mês, não é possível transferir esse pagamento para outros meses.
6.7 O pagamento da mensalidade é referente à utilização dos balneários, das aulas de grupo e da sala de exercício mediante o perfil escolhido na sua adesão, (negrito nosso)”
Através de pesquisas efetuadas na Internet constatamos que os "planos" a que se refere o "Formulário de adesão" terão sido comunicados ao cliente como se apresenta:
(Retirado através do link:
https://image....com...)
Relativamente aos elementos analisados neste ponto salienta-se:
• O facto de, na única descrição dos planos de frequência/treino oferecidos pelos ginásios A..., a que tivemos acesso, não se encontrar qualquer menção aos serviços de nutrição alegadamente incluídos nesses planos;
• Mais, em momento algum, é dado ao cliente conhecimento de que uma parte do valor da mensalidade contratada está associada ao serviço de nutrição alegadamente incluído na mensalidade. Pelo contrário. O “Regulamento de utilização – Ginásios A...” refere expressamente no ponto 6.7 “O pagamento da mensalidade é referente a utilização dos balneários, das aulas de grupo e da sala de exercício mediante o perfil escolhido na sua adesão”, não fazendo qualquer referência a serviços de nutrição; e,
Além do mais, não consta que ao cliente tenha sido dada a possibilidade de não incluir no seu pacote os serviços de nutrição e, com isso, de pagar uma mensalidade de menor valor, ao contrário do que acontece com o serviço opcional de “orientação de treino”.
III.1.1.3.3 Tabelas de preços em vigor em 2017
De acordo com o solicitado no ponto 10. da notificação pessoal e por escrito efetuada em 2019-12-20, a que já fizemos referência, o contribuinte inspecionado disponibilizou as tabelas de preço em vigor no ano de 2017, relativas aos “planos” em vigor e a "merchandizing e alugueres" (Cf. Anexo 4).
A tabela de preços referente aos "planos" vai de encontro à informação constante do "Formulário de adesão", tendo como única diferença o facto de apresentar mais dois planos do que este último. A saber:
• Estudante: Mensalidade de 25€; e
• Corporate: Mensalidade de 29€.
Nesta mesma tabela consta a existência de uma jóia (inscrição) no valor de 100€.
Neste ponto, e, mais uma vez, salienta-se a inexistência de qualquer informação ao cliente no sentido de que qualquer dos planos contratados inclui um valor associado ao serviço de nutrição alegadamente prestado, não lhe sendo dada a possibilidade de não beneficiar desse serviço a troco de uma mensalidade de valor inferior.
Notificamos o contribuinte inspecionado, em 2020-03-09, pessoalmente e por escrito, para obter, entre outros os seguintes esclarecimentos relacionados com o desenvolvimento das atividades de aconselhamento nutricional:
À semelhança do “Manual de Operações das Atividades Desportivas” e do “Formulário de adesão e respetivo regulamento”, também o conteúdo da tabela de preços, dão força à IT na formação da convicção de que os “Serviços de nutrição” faturados e alegadamente prestados pela B... (e pelas demais entidades do grupo, na medida em que os procedimentos que vigoraram são transversais a todos os ginásios A...) a terem existido, apenas lhes poderá ter sido atribuído uma natureza residual relativamente à atividade principal desenvolvida. Essa natureza residual é corroborada pelo facto de nos principais elementos de contacto e abordagem ao cliente - como tabelas de preços, descrição dos planos e formulários de adesão - tais serviços nunca lhe serem comunicados, e mesmo quando há uma breve referência aos serviços de nutrição, aos mesmos nunca é atribuída uma valorização no âmbito dos serviços disponibilizados.
É por demais evidente que, em circunstância alguma os serviços de nutrição faturados e alegadamente prestados pela B... constituíram para os seus clientes um fim em si mesmo, mas antes, eventualmente, um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal prestado por aquela.
Indo mais longe - dado o conteúdo dos elementos analisados nos pontos III.1.1.3.1. III.1.1.3.2 e III.1.1.3.3 -. será que os clientes quando contrataram o plano de treino que melhor lhes convinha tinham consciência de que o valor que lhes ia ser cobrado correspondia em mais de 36% a serviços de nutrição? Ter-lhes-á sido dada a alternativa de não incluir esse serviço em troca de uma mensalidade de valor inferior? Todos os elementos a que tivemos acesso apontam no sentido de que ambas as questões têm a mesma resposta, ou seja, NÃO. Na verdade o que terá pesado na decisão final do cliente terá sido a convicção de que o preço praticado pela B... era apelativo ainda que, apenas só, que tivesse como objetivo usufruir das instalações desportivas para fazer exercício físico.
Contudo não é apenas esta natureza residual dos serviços de nutrição alegamente prestados que a IT pretende demonstrar. Como se verá de seguida esta natureza residual o que está em causa é mais do que do isso, é a efetividade dos serviços de nutrição faturados.
III.1.1.3.4 Pessoal ao serviço da B... e a sua afetação às atividades desenvolvidas
- Inexistência de gastos com pessoal ou de outra natureza subjacentes aos "Serviços de nutrição" alegadamente prestados
No ano de 2017 a B... incorreu em gastos com pessoal no montante global de € 80. 000,60.
De acordo com as Declarações Mensais de Remuneração (DMR), contou nesse ano com 11 colaboradores.
Por sua vez, de acordo com a contabilidade exibida e através da declaração Modelo 10, constatamos que a B... contou, em 2017, com a colaboração de 31 trabalhadores a título independente, tendo com os mesmos incorrido em gastos no montante de € 38.666,47.
Notificamos, em 2019-12-20, pessoalmente e por escrito, o contribuinte inspecionado, na pessoa da procuradora da representante na cessação oportunamente identificada, para proceder à apresentação dos:
(...)
12. Contratos de prestação de serviços celebrados com os profissionais independentes para a prestação de serviços de saúde, nomeadamente, nutricionistas e/ou fisioterapeutas.
Em resposta o contribuinte informou:
“(...)
12. Contratos de prestação de serviços celebrados com os profissionais independentes contratados para a prestação de serviços na área da saúde, tanto quanto conseguimos apurar não existiam em 2017, profissionais deste tipo, apenas existindo uma nutricionista com contrato de trabalho.
(...)”
Em face da resposta obtida no ponto 12 da notificação atrás referenciada, voltamos a notificar o contribuinte inspecionado, em 2020-03-09, pessoalmente e por escrito, para obter os seguintes elementos e esclarecimentos relacionados com o desenvolvimento das atividades de aconselhamento nutricional.
3.
3.1 Apresentar o contrato de trabalho celebrado com a colaboradora que exerceu as funções de nutricionista da B... em 2017 e todos os documentos de suporte dos gastos incorridos com a mesma no período em análise;
3.2 Caso tal não resulte explícito dos documentos apresentados no ponto anterior, informar, comprovadamente o n.º de horas que a nutricionista afetou ao Clube de ... em 2017;
3.3 Apresentar o modelo de questionário nutricional a que se refere a alínea b) do ponto 4 "Aplicação dos protocolos de receção do cliente" do Manual de Operações das Atividades Desportivas.
3.4 Apresentação de todos os documentos de suporte aos demais gastos incorridos (outras rubricas que não o pessoal) indispensáveis e subjacentes aos serviços de nutrição prestados em 2017;
(...)
Em resposta, o contribuinte informou:
3.1. O contrato de nutrição celebrado com a colaboradora que exerceu funções de nutricionista na B... EM 2017 era com a J... (detida a 100% pelo grupo), que previa serviços em todos os "Clubes". Acrescentamos que quando se passou a oferecer o serviço de nutrição ainda não se sabia de quantas nutricionistas a empresa iria necessitar. A empresa começou por contratar uma, que teria de dar todas as consultas presenciais que lhe fossem solicitadas nos vários ginásios e responder a todos os mails de pedidos de esclarecimentos enviados pelos sócios clientes. Até ao final de 2017 a nutricionista P... conseguiu cumprir esse objetivo – Anexo III.
3.2. Não há registos relativos ao n.º de horas que a nutricionista do grupo “O... foi afeta aos ginásios explorados pelo Clube L...;
3.3. O modelo de questionário nutricional a que se refere a alínea b) do ponto 4 “Aplicação dos protocolos de a receção do cliente" do Manual de Operações das Atividades Desportivas – Anexo IV.
3.4. Os documentos de suporte aos gastos incorridos indispensáveis e subjacentes e os serviços de nutrição prestados em 2017:
Os ginásios A... disponibilizam aos seus sócios de consultas de nutrição, que consistem na prestação de um serviço autónomo.
Contudo, por razões de operacionalidade de relação com o cliente, é emitida uma única fatura para os vários tipos de serviços.
O proveito associado a este serviço é o valor pago pelos sócios relativo aos serviços de acompanhamento nutricional.
No que respeita aos gastos incorridos, elencamos os seguintes:
Recursos humanos: as consultas são agendadas por Clube do Grupo, tentando agrupar o máximo número de consultas por Clube, por forma a rentabilizar as horas de trabalho da profissional especializada em nutrição ao máximo.
Marketing: o Grupo O... desenvolve várias iniciativas de marketing nas suas instalações e no Website do Grupo O..., onde era partilhado um vasto conjunto de conteúdos, inclusive de caráter nutricional, com o objetivo de acrescentar valor ao serviço, fidelizar a relação com os clientes antigos e angariar novos clientes. As ações de marketing associadas aos serviços de acompanhamento nutricional levadas a cabo através website tinham uma regularidade, pelo menos, mensal e versavam sobre conteúdo relativo a alimentação e nutrição Tais ações de marketing publicadas no site reencaminhavam os sócios para os contactos (nomeadamente endereço de e-mail) da nutricionista que prestava os serviços de acompanhamento nutricional nos Clubes do Grupo. Através deste contacto, os sócios poderiam levantar questões, solicitar acompanhamento nutricional por e-mail e/ou solicitar o agendamento de consultas de acompanhamento nutricional presencial a realizar no Clube O... de que fossem sócios. As ações promocionais realizadas pelo Grupo O... na rua, tiveram uma periodicidade, no mínimo mensal, com recurso a cartazes publicitários e a promotores, que interagiam com potenciais clientes, em empresas, às quais os funcionários do Grupo O... se deslocavam para efeitos de promoção por forma a apresentar os seus serviços a potenciais clientes, incluindo os serviços de nutrição.
(...)
Antes de prosseguir impõe-se concluir, sem margem para dúvidas, que a B... não contratou diretamente, qualquer profissional - a título dependente ou independente - na área da nutrição. E, não obstante, alegar gastos adicionais imputáveis á atividade da nutrição, nomeadamente, com marketing e instalações, a verdade é que o contribuinte não apresentou quaisquer elementos que o demonstrassem, sendo certo que, não dispondo de nutricionista, a demonstração da efetividade de tais gastos tornar-se-ia, para o efeito que aqui nos move – o benefício da isenção de IVA a que se refere o artigo 9, al. 1do CIVA -inócua.
Ainda assim, atentemos na coerência do alegado pelo contribuinte quanto aos recursos humanos utilizados para prestar os serviços de nutrição faturados em 2017 e os demais gastos imputados a essa mesma atividade.
Assim, segundo o mesmo, o grupo O..., por intermédio de entidade que o integra - a J... Unipessoal, Lda - terá contratado uma Nutricionista – P...- para prestar serviços de nutrição em todos os ginásios do grupo.
De acordo com a base de dados da AT, P...- licenciada em Ciências da Nutrição e detentora da cédula profissional n.º ...N - foi, desde setembro de 2016, trabalhadora dependente da entidade J... Unipessoal, Lda (J...), NIF..., a qual, como referenciado atrás neste relatório integrava o grupo O..., explorando o clube de ..., em Lisboa.
Constatamos ainda que, em 2015 e 2016, a mesma profissional prestou serviços enquanto trabalhadora independente naquela e noutras entidades do Grupo O... .
No ano em referência P... auferiu rendimentos brutos de categoria A (sujeitos e não sujeitos a IRS) no montante global de € 17.957,82 pagos pela entidade J..., não constando que tal montante inclua a contrapartida monetária de trabalho extraordinário prestado, ajudas de custo ou deslocações em viatura própria.
O contribuinte disponibilizou cópia do contrato de trabalho celebrado em 2016-09-02, entre a J... e P..., do qual se extraem, entre outras, as seguintes informações:
Cláusula 1.ª
1. A primeira contraente [J...] é uma empresa que tem como atividades, entre outras o exercício da atividade de gestão e consultoria de instalações desportivas e de health clubs, bem como a gestão e exploração de ginásios, e vai agora iniciar uma nova atividade ainda de duração incerta de prestação de serviços de nutricionismo.
2. A primeira outorgante integra o denominado “Grupo O...” constituído por diversas sociedades todas pertencentes à sociedade “C..., SGPS, SA" que são titulares e exploram uma rede de estabelecimentos de ginásio e health club que giram no comércio sob a marca e nome “D...” ou simplesmente “A...”, uns pertencentes à 1.ª outorgante e outros a outras entidades do mesmo referido grupo societário.
3. Ainda para efeitos dos números anteriores...declara-se que a J... representa aqui as demais sociedades do “grupo” relativamente às quais a trabalhadora prestará, igualmente, o seu trabalho, vinculando-se também tais sociedades através dos representantes legais da J..., comuns a todas, sendo a identificação dessas empresas a seguinte:
-H..., Unipessoal, Lda, ...
-K..., Unipessoal, Lda...
-E..., Unipessoal, Lda...
- L..., Unipessoal, Lda...
4. A segunda contraente (P...) é admitida ao serviço da 1.ª contraente, para desempenhar (em regime de exclusividade no que respeita à atividade de Fitness/Ginásio) as funções inerentes à categoria profissional de NUTRICIONISTA, cujo conteúdo funcional é, nomeadamente, o de aconselhamento alimentar pessoal ou on-line aos sócios dos Clubes A..., ..., obtendo um conhecimento alargado dos sócios, das suas necessidades e objetivos,...; elaborará em conjunto com a gerência ou quem esta indicar projeto on-line de aconselhamento nutricional; elaboração de questionários de hábitos alimentares que permitam o envio de uma sugestão de plano alimentar, efetuar o acompanhamento dos clientes on-line ou via email diariamente; realizar sessões presenciais nos diversos Clubes A... para dar apoio e retirar dúvidas aos sócios.
(...)
Cláusula 4.ª
A remuneração base mensal do Segundo Contraente é no montante líquido e fixo de Eur: 1.000,00 (mil euros), a qual inclui subsídio de alimentação...
Cláusula 5.ª
1. Atendendo às necessidades temporárias e natureza das funções para que está a ser contratada, a trabalhadora cumprirá um horário semanal de trabalho de 20 (vinte) horas, de 2.ª a 6.ª, sendo a determinação das horas de início, termo e intervalos de descanso, fixados pela gerência da Empregadora em função das necessidades desta...
2. A segunda outorgante autoriza...qualquer alteração ao horário de trabalho ora estabelecido em função das necessidades da empresa e do respetivo estabelecimento onde aquele exercer a sua atividade.
Cláusula 6.ª
A atividade da segunda outorgante será exercida na sede da empresa e em qualquer outro estabelecimento ou ginásio A... (atual ou futuro) acima referido do território nacional ... devendo efetuar assim todas as deslocações que se mostrem necessárias ou convenientes ao exercício da sua atividade profissional.
Em resumo e de acordo com o contrato de trabalho disponibilizado à IT:
1. P..., foi contratada pela J..., em seu nome, em nome de todas as sociedades que integravam, à data, o grupo O..., mas também em nome daquelas que o viessem a integrar no futuro, - como é o caso da B...- para prestar serviços de nutricionista em todos os ginásios que as mesmas exploravam ou viessem a explorar;
2. O conteúdo funcional para que foi contratada revela-se bastante abrangente –“... aconselhamento alimentar pessoal ou on-line aos sócios dos Clubes A..., ..., obtendo um conhecimento alargado dos sócios, das suas necessidades e objetivos,...; elaborará em conjunto com a gerência ou quem esta indicar projeto on line de aconselhamento nutricional; elaboração de questionários de hábitos alimentares que permitam o envio de uma sugestão de plano alimentar, efetuar o acompanhamento dos clientes online ou via email diariamente; realizar sessões presenciais nos diversos Clubes A... para dar apoio e retirar dúvidas aos sócios. “- destacando-se, em particular, que, em teoria a Nutricionista deveria adquirir um conhecimento alargado dos sócios, das suas necessidades e objetivos.
3. O horário de trabalho definido no respetivo contrato é de 20 horas semanais, tendo o mesmo sido definido em função das necessidades temporárias e natureza das funções para a qual estava a nutricionista a ser contratada.
Aqui chegados, impõe-se referir que a contabilidade disponibilizada pela B... não espelha tal cenário. Efetivamente, para além do contrato de trabalho analisado, não foi reunida qualquer evidência de que a J... tenha cedido à B... pessoal especializado nesta área da nutrição ou noutra qualquer. Não existe qualquer débito desse tipo de serviços entre essas duas entidades.
Assim sendo, não resta outra alternativa à IT, que não a de concluir que em 2017 a B... não incorreu em quaisquer gastos com pessoal com qualificações necessárias para prestar os serviços de nutrição que faturou como isentos de IVA, nem foram demonstrados quaisquer outros gastos subjacentes à referida atividade.
Todavia, não podemos encerrar este ponto sem dar conta do seguinte:
. Como vimos, no total, este grupo O... integrava em 2017, seis empresas a operar na mesma área de negócios da B..., as quais, ao todo, exploravam 8 ginásios;
Em conjunto, as entidades que exploraram ginásios do grupo
em 2017 declararam como volume de negócios € 6.780.202.11:
Quadro 7:
Entidade do Grupo O... Volume de Negócios declarados – 2017 (€)
E... Unip. Lda 1.984.844,80
H... Unip. Lda 1.605.221,01
J… Unip. Lda 985.082,88
K… Unip. Lda 1.025.011,77
L… Unip. Lda 858.871,08
B… Unip. Lda 321.170,57
Total 6.780.202,11
O volume de negócios inscrito no quadro 7 inclui as seguintes atividades:
Quadro 8
Entidade do Grupo O... Vendas (€) Serviços Ginásio (€) Serviços nutrição (€) Total (€)
E... Unip. Lda 6.490,30 1.261.780,81 723.838,93 1992.110,04
H… Unip. Lda 2.972,96 1.039.931,05 576.145,48 1.619,049,49
J… Unip. Lda 1.308,99 638.154,23 355.888,75 995.351,97
K… Unip. Lda 1.789,89 646.823,61 379.072,88 1.027.686,38
L… Unip. Lda 3.148,69 550.104,91 310.885,89 864.139.48
B… Unip. Lda 649,92 204.320,31 118.721,62 323.691,85
Total 16.360,74 4.341.114,92 2.464.553,55 6.822.029,21
Peso no total (%) 0,24% 63,63% 36,13‰ 100%
De acordo com o a informação constante do Quadro 8, do total declarado pelo Grupo enquanto rendimentos derivados do exercício das atividades desenvolvidas no âmbito do objeto social - € 6.822.029,21 - constata-se que € 2.464.553,55 - isto é 36,13% da referida atividade corresponde a, alegadamente, prestação de serviços de nutrição;
Atentos aos esclarecimentos prestados pelo contribuinte (apresentados pela entidade registada como representante na cessação) transcritos para este ponto, somos levados a concluir que, alegadamente, com uma única nutricionista contratada enquanto trabalhadora dependente - à qual foram pagos, por apenas uma entidade do grupo O..., rendimentos brutos no montante de € 17.957,82, o correspondente a € 1.003,01, líquidos, com subsídio de alimentação incluído, e desembolsadas, adicionalmente, apenas as contribuições para a Segurança Social a cargo da entidade empregadora - o grupo O... conseguiu prestar serviços de nutrição em todos os ginásios que explorou em 2017, em Lisboa e em Faro, serviços pelos quais cobrou € 2.464.553,55, isto é, o equivalente a 137 vezes o valor dos rendimentos brutos pagos à profissional que supostamente os terá prestado;
Interpelado para o efeito, o contribuinte não cuidou de alegar ou demonstrar quaisquer outros gastos subjacentes ou diretamente relacionados com a atividade nutricional, designadamente, com as instalações (arrendamento, água, luz, equipamento, limpeza, etc.) - que, existindo uma única nutricionista, corresponderiam a um único gabinete, o qual, atendendo à dimensão dos ginásios e das áreas afetas à prática desportiva, representaria uma pequena fração dos mesmos -, com publicidade ou até com comunicação (utilização da internet, por exemplo). Não o terá feito, por os mesmos assumirem uma natureza meramente residual, ou, eventualmente, por efetivamente não ter tido qualquer encargo com essa atividade;
Mas sabemos que o setor económico da prestação de cuidados de saúde, no qual se incluem os serviços de nutrição, é caracterizado por ser mão de obra intensivo, mão de obra essa altamente especializada e por isso também dispendiosa, pelo que é expetável que o valor dos outros gastos, que não com pessoal, subjacentes aos serviços de nutrição alegadamente prestados, a terem existido, tenham tido pouca expressão;
O que não se espera é que o gasto com a mão de obra especializada contratada para prestar tais serviços nas áreas da saúde também o seja, como acontece, quando analisamos os serviços de nutrição prestados pelo grupo O... como um todo. Menosprezando os tais “outros gastos”, por meramente residuais, concluímos que, para prestar serviços de nutrição em 2017, no montante de € 2.464.553,55, o Grupo O... despendeu com mão-de-obra especializada menos de € 25.000,00 (já incluídos os descontos para a Segurança Social a cargo da entidade patronal);
Mas o cenário ainda piora se passarmos para a esfera individual da B..., é que a mesma não despendeu, para prestação dos serviços de nutrição faturados um único euro com a contratação de profissionais habilitados para o efeito, com curso ministrado em estabelecimento do ensino público, particular ou cooperativo, devidamente reconhecido, e, bem assim, com inscrição na Ordem dos Nutricionistas, condição sem a qual, não pode beneficiar da aplicação da isenção a que se refere a alínea 1) do artigo 9.º do CIVA. Não obstante, pelos referidos serviços cobrou aos clientes o montante de € 118.721,62 valor que considerou isento de IVA ao abrigo daquele normativo legal;
Por outro lado, foram necessários 11 colaboradores dependentes e 31 colaboradores independentes a prestar serviços à B... em 2017, com os quais incorreu em gastos no montante global de € 118.667,07, para efetuar as vendas realizadas e prestar os serviços inerentes à prática de exercício físico no valor de € 204.970,23 - ainda que, entre estes, mas em pequeno número, se incluam os responsáveis pela gestão, coordenação e manutenção das atividades dos clubes;
Concebendo, neste momento, já por mera hipótese, a verdade das declarações fiscais apresentadas, da contabilidade exibida e dos esclarecimentos prestados pelo contribuinte, no que respeita à efetividade e grandeza dos serviços de nutrição efetivamente prestados, seríamos levados a concluir que, sem os rendimentos associados aos serviços alegadamente prestados nessa área da nutrição, o resultado antes de impostos da B... passaria de € 28.765,72 para - € 89.955,90 (= € 28.766,72- € 118.721,62).
(...)
Face ao exposto até se impõe a pergunta:
- Qual a racionalidade económica de manter a prestação de serviços inerentes à prática de exercício físico quando o valor acrescentado se concentra na prestação de serviços de nutrição?
No caso em epígrafe a resposta é simples, ninguém procuraria num ginásio os serviços de nutrição por si só sem que lhe fossem prestados os serviços que efetivamente procura, isto é, os serviços inerentes à prática de desporto e exercício físico.
Assim, impõe-se a conclusão:
Ainda que a B... tenha prestado serviços de nutrição, para o que não existe prova, tal poderá ter ocorrido a título meramente residual e apenas um upgrade do serviço principal, um pequeno acréscimo na oferta de serviços, que não provocando um aumento nos gastos incorridos também não implicou uma variação no preço cobrado. A entidade inspecionada não dispunha de estrutura que permitisse que tal tivesse ocorrido de outro modo.
Aliás a entidade inspecionada não consegue sequer provar que dispunha do recurso – profissional com as habilitações exigidas na área da nutrição – sem o qual não podia prestar serviços de nutrição isentos de IVA ao abrigo da al. 1do artigo 9.º do CIVA.
Não podemos deixar de referir que todas as demais entidades do grupo exploravam ginásios em Lisboa ou nos concelhos limítrofes. Mais, segundo o contrato a Nutricionista tinha morada em Lisboa. Acontece que a B... explorava um ginásio localizado em Faro e, não consta, nem tal foi demonstrado, que tenha sido pago qualquer montante à Nutricionista para se deslocar a Faro prestar os seus serviços.
Aqui chegados, considera a IT ter já reunido prova suficiente para demonstrar que a B... (e, bem assim, as demais entidades do grupo) procedeu, no momento da faturação (e apenas neste, pois é o único momento detetado pela IT em que tal ocorre), a uma discriminação artificial das mensalidades, não só pela sobrevalorização evidente dos serviços de nutrição prestados em detrimento da prática de exercício físico, mas também, e principalmente, porque os indícios apontam no sentido de que tais serviços, na maior parte dos casos não terão sido efetivos, pois a estrutura existente não o permitia.
Essa é a conclusão que decorre da exposição no ponto que se segue, relativo à capacidade da nutricionista contratada pelo Grupo O... para prestar os serviços em crise.
A análise que se segue é feita no pressuposto de que o trabalho da nutricionista não foi debitado pela J... às demais entidades do grupo O... apenas por lapso, ou então,
que essa cedência possa ter ocorrido a título gratuito.
Se assim não fosse, era até irrelevante dar seguimento à análise pois a conclusão era óbvia.
III.1.1.3.5 Capacidade para realização dos serviços de nutrição faturados. Impossibilidade da efetiva realização da quantidade de serviços de nutrição faturados.
Se apenas levássemos em consideração, os factos provados no âmbito da presente ação inspetiva, que, no final serão apenas aqueles que importam, encerraríamos o presente ponto, quase sem o começar.
Efetivamente, a B... não espelhou através da sua contabilidade e também não cuidou de, por outros meios, o demonstrar, ter tido ao seu serviço qualquer profissional que reúna as condições legalmente exigidas para a prestação de cuidados de saúde humana, nomeadamente, na área da nutrição, e, portanto, sem mais, conclui-se, de forma categórica, pela impossibilidade de ter prestado quaisquer serviços de nutrição, pelo menos, do ponto de vista que nos prende, ou seja, serviços que pudessem beneficiar da isenção de IVA a que se refere a alínea 1) do artigo 9.º do CIVA.
No entanto o contribuinte alega que a nutricionista contratada pela J...- entidade inserida no grupo O... e que explora o ginásio A... Alvalade - o foi para prestar serviço em todos os ginásios do grupo, ainda que não tenha sido efetuado o respetivo redébito pela alegada cedência da trabalhadora em questão.
Assim, concedendo, por mera hipótese, que tal tenha acontecido - na realidade a IT só pode basear as suas conclusões em factos provados - serve a exposição que se segue para demonstrar que é manifesta a incapacidade da B... (e também do grupo como um todo) de realizar o número de serviços de nutrição prestados na forma como são descritos, nomeadamente, no “Manual de Operações das Atividades Desportiva”. De referir aliás que a conclusão seria a mesma ainda que a nutricionista tivesse sido contratada pela B... para lhe prestar serviços em regime de exclusividade.
De acordo com o ponto 4 do Manual acima referido, apresentado sob a epígrafe "Aplicação dos protocolos de receção dos clientes", o serviço de aconselhamento nutricional prestado pelos Ginásios O... em 2017 corresponde:
“...
b. Aconselhamento nutricional
v. Envio de email automático ao sócio no ato da adesão com questionário Nutricional;
vi. Sócio preenche o questionário e envia por email para nutrição@...
vii. Após a receção do questionário nutricional enviado pelo sócio é-lhe enviado a proposta de Plano Nutricional pela Nutricionista;
viii. Colocação de dúvidas ou questões via email (nutricao@...) ou nas sessões presenciais que acontecem de 2 em 2 meses.”
Tendo em vista obter informação mais detalhada sobre a forma como os serviços de nutrição faturados teriam sido prestados, notificamos, em 9 de março do corrente ano, pessoalmente e por escrito, o contribuinte para:
3...
3.1...
3.2 Caso tal não resulte explicito dos documentos apresentados no ponto anterior, informar, comprovadamente o n.º de horas que a nutricionista afetou ao Clube de ... em 2017;
3.3 Apresentar o modelo de questionário nutricional a que se refere a alínea b) do ponto 4 “Aplicação dos protocolos receção do cliente” do Manual de Operações das Atividades Desportivas.
Em resposta o contribuinte informou:
“...
3.2. Não há registos relativos ao n.º de horas que a nutricionista do grupo “O...” foi afeta aos ginásios explorados pelo Clube L...;
3.3. O modelo de questionário nutricional a que se refere a alínea b) do ponto 4 “Aplicação dos protocolos de receção do cliente” do Manual de Operações das Atividades desportivas – Anexo IV.
O modelo de “Questionário_Aconselhamento Nutricional” apresentado consta como anexo ao presente relatório (Cf. Anexo 5), sendo de salientar o facto de que do mesmo apenas constam questões tão básicas como:
-Composição corporal (peso e altura);
- Objetivo atual;
- Hábitos alimentares.
De referir que qualquer pessoa com interesses nas questões alimentares poderia ter elaborado tal questionário.
Por outro lado, é no mínimo questionável - atendendo a que todo o procedimento ocorre por via eletrónica (o clube envia, via e-mail, o questionário ao sócio, que o devolve após preenchimento pela mesma via) - que a informação contida no questionário em epígrafe seja a suficiente para a nutricionista elaborar um plano nutricional individual, sem que sequer tenha observado fisicamente a pessoa.
A não ser que, estejamos perante disponibilização de planos de nutrição padronizados, tendo em conta a composição corporal, objetivos e hábitos alimentares dos indivíduos, o que, se considera, salvo melhor opinião e com devido respeito, estar muito longe de merecer ser tratado como cuidado de saúde (mais não seria que uma ementa recomendada), principalmente na aceção em que tal expressão é acolhida para efeitos da isenção de IVA constante na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA.
Após esta abordagem inicial o sócio tem direito ao esclarecimento de dúvidas via e- mail e em sessões presenciais a realizar de 2 em 2 meses.
Mas afinal qual é a magnitude dos serviços de nutrição faturados pela B...?
Através da informação extraída do ficheiro SAF-T(PT) de faturação constatamos que foram faturados em 2017, 12.015 "serviços de nutrição", na totalidade, associados aos diferentes planos de treino em vigor, cuja faturação e pagamento apresenta uma regularidade mensal - Cf. Anexo 6.
(...)
III.1.1.4 CONCLUSÕES E APURAMENTO DO IVA EM FALTA
A B... declarou para efeitos de IVA que, em 2017, 36,68% da sua atividade total se encontrava isenta ao abrigo da alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, por se tratar da prestação de cuidados de saúde.
De acordo com o TJUE considera-se estar perante prestação de cuidados de saúde na aceção da isenção em questão quando os serviços efetuados visaram a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento de doenças ou outra qualquer anomalia de saúde.
Através da análise efetuada à atividade efetivamente exercida pelo contribuinte inspecionado, aferida com base na afetação dos investimentos e gastos incorridos, nomeadamente e de forma mais expressiva, através da mão-de-obra que o sujeito passivo tinha ao seu dispor, concluímos que a estrutura existente tinha como objetivo último e principal a oferta de serviços de ginásio, proporcionando aos seus clientes condições para a prática desportiva acompanhada de monitor ou não.
A B... não tinha então ao seu dispor quaisquer meios humanos, necessários à realização das prestações de serviços faturadas como serviços de nutrição. É condição indispensável para a aplicação da isenção de IVA prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, que as prestações de serviços sejam efetivamente realizadas por profissionais legalmente habilitados para o efeito. Logo, não dispondo de Nutricionista, os serviços faturados como serviços de nutrição não poderiam ter sido considerados isentos, nos termos em que o foram.
Não esquecemos que o contribuinte alegou o facto do grupo O..., por intermédio de uma das entidades que o integra, ter contratado uma nutricionista para prestar 20 horas semanais de serviços de nutrição em todos os ginásios do grupo, 7 em Lisboa e 1 em Faro, sendo efetivamente nesses termos que o contrato de trabalho foi exibido.
Contudo, essa cedência de pessoal não foi demonstrada. A contabilidade não o espelha. Não houve qualquer redébito, por parte da entidade que contratou a nutricionista, a cada uma das entidades que alegadamente dos seus serviços beneficiou.
Ainda assim, procedemos à análise da capacidade da B... para, nas circunstâncias que alegou, poder ter prestado os serviços de nutrição faturados. A conclusão resulta bem patente na exposição feita no ponto III. 1.1.3.5 deste relatório, onde se demonstra que ainda que a nutricionista tivesse sido contratada em regime de exclusividade, a mesma não teria mais do que 5,19 minutos por serviço de nutrição faturado, e, ainda assim não teria tido direito a férias. Não restam assim dúvidas de que em quaisquer circunstâncias a maior parte dos serviços de nutrição faturados não foram efetivamente prestados.
Não correspondendo as importâncias faturadas a efetivas prestações de serviços, antes sim, ao direito à sua eventual execução (ainda assim um direito que não poderia ser exercido pelos clientes, como resulta do que vimos referindo), tais verbas continuam a não preencher os requisitos para serem consideradas como cuidados de saúde. A alínea 1) do artigo 9.º do CIVA refere "prestações de serviços efetuadas..." não comtemplando figuras conexas como o direito à eventual realização dessas prestações de serviços.
Impõe-se ainda referir que o contribuinte não cumpria em 2017 as exigências legais para o exercício de atividades relacionadas com a prestação de cuidados de saúde. Não se encontrava registado para esse efeito na ERS, nem cadastrado na AT para o exercício dessa atividade, ainda que como atividade secundária. Não obstante, constatamos que, com efeitos a partir de 2017-01-01, o contribuinte declarou à AT (através da apresentação, em 2017-02-17, da declaração de alterações a que se refere o artigo 32.º do CIVA) que passaria a sujeito passivo “misto com afetação real de todos os bens”, ainda que, da análise efetuada, apenas se conclua que a B... só não deduziu o IVA suportado excluído desse direito face ao disposto no artigo 21.º do CIVA.
Para além do já invocado, nomeadamente:
- O facto de não dispor de profissional legalmente habilitado para o exercício da atividade de nutrição;
- As horas de serviços de nutrição que lhe poderão ter sido, eventualmente (e a título gratuito?), cedidas por entidade do mesmo grupo, serem manifestamente insuficientes para realizar os serviços de nutrição faturados; e,
- Até ausência de registo na ERS como prestador de cuidados de saúde;
que, só por si, já seria suficiente para extrair a conclusão essencial, à mesma conduz, a falta de racionalidade económica dos preços alegadamente praticados.
Essa falta de racionalidade económica resulta desde logo evidente através de uma análise do resultado apurado pela B..., por atividade. De acordo com a referida análise, a discriminação efetuada do valor da mensalidade entre serviços de nutrição e serviços de ginásio, a qual decorre da faturação declarada em 2017, permitiu à B... nos primeiros, uma rentabilidade de 100%, e, nos segundos, uma rentabilidade negativa.
As informações recolhidas no âmbito da ação inspetiva demonstram que o aconselhamento nutricional, ou os "Serviços de nutrição" (respeitando a descrição aposta nas faturas), nunca foram apresentados como um fim em si mesmo.
O "Manual de operações das atividades desportivas" coloca-os numa fase intermédia, entre a receção do cliente e o "Acompanhamento no ginásio e aulas por técnicos de exercício físico, no ginásio identificado como coach", a par da orientação de treino, neste caso, e ao contrário do que sucede com os "serviços de nutrição", apenas se o cliente manifestar essa vontade, sendo, à parte da mensalidade objeto de faturação. Nos formulários de adesão aos ginásios A... - documentos tipificados que se caracterizam pela inexistência de discussão do clausulado -, e bem assim, nas tabelas de preços disponibilizadas à IT, não há qualquer menção aos serviços de nutrição alegadamente incluídos nos planos de treino e muito menos ao peso que os mesmos representam no valor da mensalidade. Também não consta que ao cliente fosse dada a alternativa de utilização das instalações dos ginásios A... apenas para a prática desportiva a troco de uma mensalidade de menor valor. Efetivamente, todas as mensalidades faturadas em 2017, sem exceção, têm incluído os “Serviços de nutrição”.
Mais, o “Regulamento de utilização - Ginásios A...”, para o qual remete o Formulário de Adesão, apesar de mencionar a oferta de serviços de aconselhamento nutricional (sendo omisso quanto às condições em que o mesmo é prestado) também refere, expressamente, que o “pagamento da mensalidade é referente à utilização dos balneários, das aulas de grupo e da sala de exercido mediante o perfil escolhido na sua adesão.” [negrito nosso]”, não obstante na fatura o mesmo valor contratado é discriminado entre estes e o serviço de nutrição.
Atendendo à evidente falta de informação transmitida aos clientes na contratação dos serviços e, bem assim à falta de coerência entre aquilo que é contratado e os serviços faturados, só podemos concluir que os valores faturados pela B... aos seus clientes não estão alicerçados em verdadeiras opções de compra de duas prestações de serviços distintas, por parte destes.
Mais, não nos parece provável que os mais de 4.000 clientes da B... tenham genuinamente desejado adquirir estas duas prestações de serviços. Pelo menos uma parte desses clientes adquiriu o pack de serviços porque entendeu que o preço deste ainda assim era competitivo, mesmo que referido a uma só prestação de serviços.
Os preços fixados pela entidade inspecionada para os dois tipos de prestações de serviços apresentam-se totalmente destituídos de racionalidade económica e contrários às práticas de mercado generalizadas, chegando-se ao ponto de fazer variar o preço de um cuidado de saúde em função da hora em que o respetivo beneficiário vai ao ginásio, da frequência com que o faz ou da sua atividade ocupacional/profissional (estudante/colaborador de empresas com protocolo).
Os preços fixados pela B... para cada um dos planos de treino não foram determinados numa lógica de mercado, são antes, atos arbitrários da entidade inspecionada destituídos de racionalidade económica, verdadeiras manipulações de preços, que põem em causa o princípio da neutralidade do IVA, distorcendo, por esta via, a concorrência.
Esta arbitrariedade na fixação de preços não tendo racional económico é ainda assim muito conveniente, pois propicia resultados e níveis de entrega de imposto, que de outra forma não existiriam.
Em face do exposto fica demonstrado que a B... isentou indevidamente uma parte do valor dos serviços que prestou, mais precisamente a parte correspondente ao que a entidade inspecionada designou por serviços de nutrição. Esta isenção indevida originou a falta de liquidação de IVA, a taxa de 23%, nos termos da alínea c) do n.o 1 do artigo 18.º do CIVA, assim como a consequentemente falta de pagamento desse mesmo imposto.
Com base na fundamentação exposta, propõe-se as liquidações adicionais, nos termos previstos no artigo 87.o do CIVA, correspondentes aos cálculos evidenciados no quadro a seguir:
Quadro 9
Período de imposto Operações indevidamente consideradas isentas Taxa IMPOSTO NÃO LIQUIDADO
BASE TRIBUTÁVEL (€) Normal (€)
(a) (b) (c)=( a)*(b)
2017 06T 316,76 23% 72,86
2017 09T 39.930,45 23% 9.184,00
2017 12T
78.474,41 23% 18.049,11
Total 118.721,62 27.305,97
III.1.2 Venda de produtos de nutrição desportiva e suplementos alimentares
- Aplicação indevida da taxa de IVA reduzida
O contribuinte inspecionado declarou vendas de produtos à taxa reduzida no montante de € 649,92 (valor sem IVA).
Da análise efetuada constatamos que as vendas incidem sobre produtos relacionados com nutrição desportiva e suplementos alimentares (Cf. Anexo 7).
Os produtos em questão não se enquadram em nenhuma das verbas constantes da Lista l anexa ao CIVA e portanto, a B... não deveria ter aplicado sobre estas operações ativas a taxa reduzida mas sim a taxa normal a que se refere a alínea c) do artigo 18.º do CIVA.
Face ao exposto, propõe-se a correção do IVA a entregar ao Estado pela B... em 2017, resultante da liquidação de IVA à taxa normal nas operações em que a mesma aplicou a taxa reduzida, no montante de € 110,48, discriminando-se de seguida por período de imposto (Cf. Anexo 7):
Quadro 10:
Período de Imposto Base Tributável (€) IVA Liquidado (€) IVA Devido (€) IVA em falta (€)
Clube J...
6%
23%
(a) (b)=(a)*23* (c) = ((a)*23% (d)=- (c)-(b)
2017 09T 301,44 18,09 69,33 51,24
2017 12T 348,48 20,91 80,15 59,24
TOTAL 649,92 39,00 149,48 110,48
III1.3. Resumo das correções em sede de IVA
De acordo com os factos relatados nos pontos III1.1 e III1.2 anteriores, resumem-se de seguida as correções propostas em sede de IVA no âmbito da presente ação inspetiva:
Quadro 11:
IVA em FALTA (€)
Período de Imposto Imposto não liquidado (€)
Pto. III.1.1 Pto III1.2
Decl. Period. Cp.3 Cp.4 Cp.1 Cp.2 Cp.3 Cp.4 Cp.4+Cp2
2017 06T 316,76 72,86 72,86
2017 09T 39.930,45 9184,00 -301,44 -18,09 301,44 69,33 9.235,24
2017 12T 78,474,41 18.049,11 -348,48 -20,91 348,48 80,15 18.108,35
Total 2017 118.721,62 27.305,97 -649,92 -39,00 649,92 149,48 27.416,45
B) Na sequência da inspeção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações de IVA 2020..., 2020..., no montante total de €7.846,74 (sete mil e oitocentos e quarenta e seis euros e setenta e quatro cêntimos), e de juros compensatórios no montante total de € 935,87 (novecentos e trinta e cinco euros e oitenta e sete cêntimos), ..., ..., .... (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)
C) Em 2016-02 -09 a empresa J... UNIPESSOAL LDA, que integra o grupo O..., invocando representação de todas as sociedades do grupo, contratou a nutricionista P... para prestar serviços de aconselhamento alimentar pessoal ou on-line aos sócios dos Cubes A... (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
D) A referida P... tem, desde 26-04-2013, a cédula profissional cuja cópia consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
E) O «Manual de Operações das Atividades Desportivas» utlizado em 2017 pela C... tem o teor que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se inclui, além do mais, o seguinte:
. Aplicação dos protocolos de receção do cliente
a. Orientação de Treino (opcional)
i. Anamnese
ii. Avaliação Física:
1. Avaliação da composição corporal (aferição %mm, %mg, peso, IMC, gordura visceral)
2. Medição de perímetros (abdominal, cintura e anca) 3. Aferição dos objetivos a atingir
iii. Prescrição e acompanhamento do treino
b. Aconselhamento nutricional
i. Envio de email automático ao sócio no ato da adesão com questionário Nutricional
ii. Sócio preenche Questionário e envia por email para nutricao@...
iii. Após a receção do questionário nutricional enviado pelo
sócio é-lhe enviado a proposta de Plano Nutricional pela Nutricionista
iv. Colocação de duvidas ou questões via email (nutricao@...)ou nas sessões presenciais que acontecem de 2 em 2 meses.
F) O «Formulário de Adesão» que B... apresentava aos interessados em utilizarem os seus serviços tem o teor que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
G) Em 202-05-24 a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que está na origem ao presente processo.
2. Factos não provados
2.2. Factos não provados
2.2.1. Não se provou que a Requerente tenha realizado o pagamento das quantias liquidadas. pela AT.
A Requerente afirma que efetuou o pagamento das quantias liquidadas (artigos 27.º e 28.º do pedido de pronúncia arbitral), porém não juntou qualquer documento comprovativo.
2.2.2. Não se provou a prestação ou disponibilização pela B... em 2017 de serviços de aconselhamento nutricional aos seus clientes.
No RIT foi entendido não estar provado que a B... tenha prestado quaisquer serviços de nutrição e a prova apresentada pela Requerente no presente processo, de natureza documental, não permite concluir que foram prestados serviços desse tipo.
Apesar de que no “Manual de Operações de Atividades Desportivas” seja feita referência à “Aplicação dos protocolos de receção do cliente”, nada é referido sobre nutrição nos “Protocolos após a receção ao cliente” e no “Formulário de adesão” disponibilizado pela B... aos seus clientes não é feita qualquer referência a serviços de nutrição, mas apenas a “prática das atividades físicas e/ou desportivas” e, quanto a “Serviços adicionais”, a “Serviço de toalhas” e a “Orientação de treino”.
Para além de não terem sido apresentadas provas da disponibilização pela B... de serviços de nutrição, no “Regulamento de utilização - Ginásios A...”, que consta da Anexo 3 do processo administrativo refere-se expressamente no “O pagamento da mensalidade é referente a utilização dos balneários, das aulas de grupo e da sala de exercício mediante o perfil escolhido na sua adesão”, não fazendo qualquer referência a serviços de nutrição.
Além disso, o facto de no “Regulamento de utilização Ginásios A...” se fazer referência, no ponto 1.2.b., a “disponibilização de serviços paramédicos de nutrição, a definir nas condições particulares, tutelados pela Entidade Reguladora da Saúde”, tal não permite concluir que tais serviços tenham sido prestados ou disponibilizados pela B..., no ano de 2017, desde logo porque a definição dos serviços de nutrição a prestar foi relegada para momento posterior e a B... nem sequer estava inscrita na ERS, a entidade que se previa que tutelasse os serviços que fossem definidos.
Assim, não se provou que esses serviços de nutrição a definir nas condições particulares tivessem sido definidos e disponibilizados. Por outro lado, o facto de a B... não ter suportado quaisquer gastos relativos a esses alegados serviços de nutrição faturados, inclusivamente com pagamentos à nutricionista ou redébito de pagamentos efetuados pela empresa do grupo que celebrou o contrato com aquela ou aquisição de equipamentos ou qualquer outra despesa, aponta no sentido de não terem sido realizados os serviços faturados pela B... a título de aconselhamento nutricional.
Não podemos deixar de dar relevo, para a formação da convicção deste Tribunal Arbitral Singular quanto à prestação efetiva de serviços de nutrição que a Requerente não apresentou qualquer prova além da apresentação do contrato de trabalho realizado entre a Nutricionista e outra empresa do Grupo O... .
Assim, não se considera provado que os serviços de nutrição a que se alude no Manual de Operações das Atividades Desportivas tivessem sido prestados pela B... .
Também não se provou que, no ano de 2017, a nutricionista contratada por outra empresa do grupo tenha prestado qualquer serviço a qualquer dos clientes da B... .
2.2.3. Não se provou que a Requerente no ano de 2017 dispusesse, de espaço, nas suas instalações, destinado à prestação de serviços de aconselhamento nutricional.
A Requerente indica como prova o documento n.º 4 (artigo 18.º do pedido de pronúncia arbitral) que é um contrato de trabalho celebrado por outra empresa do grupo O..., em que não se faz qualquer referência a qualquer espaço nas instalações da Requerente.
Também não foi apresentada qualquer prova de que existisse esse gabinete em 2017, nem qualquer gasto relacionado com ele, designadamente equipamentos ou mobiliário ou outras despesas.
2.2.4. Não se provou que o Grupo O... tivesse desenvolvido iniciativas de marketing no ano de 2017 relativas a prestação de serviços de carácter nutricional pela B... .
A Requerente faz afirmações sobre gastos com marketing, mas não apresentou qualquer prova de qualquer actividade que tivesse sido desenvolvida.
2.2.5. Não se provou que os clientes da B... pudessem contratar os serviços de ginásio sem pagamento a título de serviços de aconselhamento nutricional, nem que qualquer cliente pudesse aceder a serviços de nutrição sem contratar serviços de ginásio.
Não se provou que qualquer cliente da B... tenha procurado obter prestação de serviços de acompanhamento nutricional.
2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto
A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pelo Requerente e pela Autoridade Tributária e Aduaneira e os que constam do processo administrativo.
3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Quanto à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123, n.º 2, do CPPT e art.º 607, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artº 29, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior art.º 511, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi art.º 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do art.º 110, n.º 7 do CPPT, a prova documental junta pela Requerente e o PA juntos aos autos também pela Requerente, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
4. Matéria de direito
4.1. Enquadramento da questão e posições das Partes
A Requerente faturou aos seus clientes/sócios serviços de nutricionismo, em conjunto com outros serviços, designadamente de prática de actividade desportiva de ginásio.
A Requerente aplica a taxa normal de IVA (23%) aos serviços que presta de actividade desportiva, e aplica a isenção de IVA à prestação de serviços de nutrição.
A Requerente não liquidou IVA pelos serviços de nutricionismo, por entender estarem isentos, com enquadramento na alínea 1) do art.º 9 do CIVA, que prevê isenção para “as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, no RIT, não questionou que a prestação de serviços de nutrição pudesse beneficiar da isenção referida, mas concluiu que não se provou que, no ano de 2017, a nutricionista contratada por outra empresa do grupo tenha prestado qualquer serviço a qualquer dos clientes da B... que não podia aplicar a isenção pelas seguintes razões, em suma:
• A B... procedeu, no momento da faturação, a uma discriminação artificial das mensalidades, não só pela sobrevalorização evidente dos serviços de nutrição prestados em detrimento da prática de exercício físico, mas também, e principalmente, porque os indícios apontam no sentido de que tais serviços, na maior parte dos casos não terão sido efetivos, pois a estrutura existente não o permitia;
• A B... não dispunha de profissional legalmente habilitado para o exercício da actividade de nutrição;
• As horas de serviços de nutrição que lhe poderão ter sido, eventualmente (e a título gratuito?), cedidas por entidade do mesmo grupo, serem manifestamente insuficientes para realizar os serviços de nutrição faturados; e,
• Ausência de registo na ERS como prestador de cuidados de saúde;
• o aconselhamento nutricional, ou os "Serviços de nutrição" (respeitando a descrição aposta nas faturas), nunca foram apresentados como um fim em si mesmo;
• Nos formulários de adesão aos ginásios A... e bem assim, nas tabelas de preços disponibilizadas à IT, não há qualquer menção aos serviços de nutrição alegadamente incluídos nos planos de treino e muito menos ao peso que os mesmos representam no valor da mensalidade.
• não consta que ao cliente fosse dada a alternativa de utilização das instalações dos ginásios A... apenas para a prática desportiva a troco de uma mensalidade de menor valor. Efetivamente, todas as mensalidades faturadas em 2017, sem exceção, têm incluído os “Serviços de nutrição”
A Requerente defende que:
- as prestações de serviços de aconselhamento nutricional insere-se no conceito de “outras profissões paramédicas” utilizado a alínea 1) do art.º 9 do CIVA;
- o registo na Entidade Reguladora da Saúde (ERS) não é essencial para o enquadramento da Requerente na previsão da norma de isenção do CIVA, apenas sendo um elemento, entre outros, a ter em conta para se aferir se o contribuinte reúne as qualificações profissionais para que lhe seja aplicável a isenção, como entendeu o TJUE no acórdão proferido no processo C-597/17, de 27-06-2019;
- o serviço de aconselhamento nutricional é apresentado e disponibilizado ao utilizador no momento do seu ingresso no ginásio, integrando o protocolo de receção ao Cliente;
- foi contratada uma nutricionista, a qual seria responsável pela prestação de todas as consultas presenciais que lhe fossem solicitadas nos vários ginásios e responder a todos as comunicações por correio eletrónico (e-mails) de pedidos de esclarecimentos enviados pelos sócios/clientes;
- relativamente aos gastos com marketing, o Grupo O... desenvolveu diversas iniciativas nas suas instalações e no seu website;
- apesar de nem sempre estes serviços serem efetivamente utilizados pelos clientes subscritores, cumpre ressalvar que, tal não significa a descaracterização dos mesmos e a sua consequente exclusão do regime de isenção, pois, o serviço em causa consiste na disponibilização das consultas;
- apesar de as prestações de serviços das diversas áreas sejam autonomizáveis e existam independentemente umas das outras, beneficiam de um facto comum: a reunião num único espaço de pessoas que partilham interesse pelo bem-estar proporcionado pelo exercício físico e pelo planeamento nutricional;
- apesar de todos estes serviços se orientarem a um denominador comum, numa abordagem multidisciplinar, a conjugação dos múltiplos serviços apresentava-se complementar e nunca acessória;
- uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal, quando não constitua, para a clientela, um fim em si, mas um meio de beneficiar de melhores condições do serviço principal prestado;
- as consultas de nutrição e aconselhamento nutricional valem per se, uma vez que prosseguem objetivos próprios e distintos, mesmo que convergentes, e o seu sentido não advém estritamente da melhoria dos serviços de ginásio;
- existe uma prestação única quando dois ou vários elementos ou actos fornecidos pelo sujeito passivo estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria caráter artificial;
- não existe relação de acessoriedade entre os serviços de ginásio e os serviços de dietética prestados, que constituem só por si “um fim em si mesmo” para os respetivos clientes;
– não pode a Requerente aceitar as liquidação de que foi alvo considerando que o próprio Relatório de Inspeção reconhece que (i) a Requerente faturou a disponibilização de serviços de nutrição de forma a individualizar cada um dos serviços prestados, que (ii) foi contratada – mediante contrato de trabalho - uma nutricionista, habilitada ao exercício da profissão, para prestar esses serviços, que (iii) a Requerente tinha instalações e equipamentos próprios, adequados e necessários para prestar os serviços de nutrição e que (iv) os sócios efetivamente usufruíram dos serviços.
No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira reafirma a posição assumida no Relatório da Inspeção Tributária, resumindo-a dizendo que em síntese, os SIT entenderam que, nos serviços como os em apreço, não se verifica a finalidade terapêutica e como tal, não beneficiam da isenção constante da al. 1) do art.º 9 do CIVA (artigo 12.º da Resposta) e dizendo, o seguinte:
- a Requerente não prestou, porque não era possível prestar, a esmagadora maioria das consultas que faturou;
- a isenção só se aplica se estiverem em apreço cuidados de saúde efetivamente prestados e que, sendo os serviços faturados, com aplicação da isenção, pela mera disponibilização do direito às consultas e independentemente de serem prestadas, demonstra não se verificar tal finalidade;
- sendo os serviços faturados, independentemente da sua efectiva prestação, por maioria de razão, não se pode ter por verificado qualquer fim terapêutico quando não é efetivamente prestado;
- não se pode dar como provada a finalidade terapêutica nos serviços em apreço (que de resto, no entender da Requerida, nem sequer é alegada);
- deve adotar-se a jurisprudência do acórdão do TJUE proferido no processo C-581/19 em que entendeu que o fim terapêutico, apenas se verifica quando o serviço seja prestado para fins de prevenção, diagnóstico, ou tratamento de uma doença e regeneração da saúde;
– os serviços em questão, até podem ter num ou noutro caso, uma finalidade terapêutica (na aceção do TJUE), mas em muitos casos, teriam outros objetivos como sejam a obtenção da silhueta desejada, ou melhor performance desportiva, etc.;
– a jurisprudência do TJUE é obrigatória, por força do disposto no art.º 8., n.º 4, da CRP.
4.2. Âmbito do contencioso arbitral
O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do art.º 124 da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera anulação em que se visa apreciar a legalidade e declarar a eventual ilegalidade dos atos impugnados, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência (art.º 2, n.º 1, do RJAT e 99 e 124 do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art.º 29, n.º 1, alínea a), daquele).
Daí que, os atos impugnados terão de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua atuação poderia basear-se noutros fundamentos .
Consequentemente, a fundamentação sucessiva ou a posteriori não é relevante para aferir da legalidade do ato impugnado, quando não acompanhada de revogação e prática de um novo ato e também o tribunal, constatada a ilegalidade da fundamentação do ato impugnado, não pode substituir-se à Administração Tributária, mantendo na ordem jurídica esse ato com nova fundamentação.
Isto é, “o tribunal não pode recorrer a outros filtros para aferir a legalidade do ato impugnado (já que os seu poderes de cognição não podem ir além dos fundamentos de que o ato explicitamente partiu), nem pode substituir-se à Administração na determinação de outra matéria tributável (sob pena de estar a invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária)».
A eventual prática, na sequência da declaração pelo tribunal da ilegalidade do acto impugnado, do “ato tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral”, é tarefa que cabe a Administração Tributária como resulta do teor expresso da alínea a) do n.o 1 do art.º 24 do RJAT.
Assim e neste contexto, temos de notar que a hipotética falta de finalidade terapêutica das consultas de nutrição, alegada pela AT na sua Resposta, não foi fundamento das liquidações impugnadas.
Na verdade, a AT entendeu no Relatório da Inspeção Tributária que “(i) legalmente estão isentas de imposto as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões paramédicas”; (ii) a nutrição/dietética é legalmente considerada como uma atividade/profissão paramédica» e refere apenas requisitos de natureza formal, para a isenção ser aplicada por ginásios, como alteração do objeto social e da CAE, registo na ERS, contratação de nutricionistas certificados e faturação adequada.
Aliás, esta posição da AT está em sintonia com a que adotou na Informação Vinculativa n.º 9215, de 19-08-2015 em que concluiu que “os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (Decretos-Lei n.os 261/93 de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto)”.
É com base na fundamentação que consta do Relatório da Inspeção Tributária subjacente as liquidações impugnadas, que tem de ser aferida a sua legalidade.
A AT invoca nas suas alegações o acórdão do TJUE proferido no processo n.o C-581/19, aplicaram corretamente o Direito da União Europeia, sendo as correções em apreço consentâneas com o quadro jurídico vigente atenta a interpretação do TJUE vertida naquele aresto.
É certo que, na parte em que se refere que o referido serviço “não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva” a doutrina do TJUE poderia justificar que, em vez das correções que fez, com os fundamentos que utilizou, a Autoridade Tributária e Aduaneira efetuasse diferentes correções, com distintos fundamentos.
Mas, como já se referiu, o processo arbitral é um meio contencioso de mera legalidade, em que aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD foram atribuídos meros poderes de declaração de ilegalidade e consequente anulação de atos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT.
Estando os tribunais arbitrais sujeitos à lei e obrigados a decidir de acordo com o direito constituído (artigos 203 da CRP e 2.º, n.º 2, do RJAT) não podem perante a constatação da ilegalidade de um ato liquidação deixar de a declarar, pela hipotética existência de um outro acto legal que poderia ter sido praticado, mas não o foi.
No nosso sistema de administração executiva é à AT e não aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que é conferida competência para a prossecução do interesse público da cobrança de impostos, tendo estes apenas competências de controle da legalidade dos atos que a AT praticar no exercício dessa competência, nos termos limitados em que está prevista no RJAT.
Assim, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não podem, constatada a ilegalidade de um ato de liquidação, deixar de a declarar e substituírem-se à Administração Tributária substituindo o ato ilegal que ela praticou por um acto diferente com a fundamentação e conteúdo que ele próprio adotaria se fosse a ele, Tribunal Arbitral, e não à Autoridade Tributária e Aduaneira que a lei atribuísse o poder de prosseguir o interesse público da cobrança de impostos.
E, como resulta do teor expresso do art.º 24, n.º 1 do RJAT, em sintonia com o art.º 100 da LGT, é à Autoridade Tributária e Aduaneira e não ao tribunal arbitral que a lei impõe o dever de “praticar o ato tributário legalmente devido em substituição do ato objecto da decisão arbitral”.
É uma opção legislativa que se justifica porque a admissão, na pendência do processo jurisdicional, de uma alteração a posteriori da fundamentação em que assentam os atos impugnados, afetaria o direito da Requerente à tutela judicial efectiva, constitucionalmente reconhecido nos arts 20, n.º 1, e 268, n.º 4, da CRP, porque prejudicaria a possibilidade de os contribuintes em relação à nova fundamentação utilizarem a globalidade dos meios de defesa administrativos e jurisdicionais previstos na lei para defesa dos seus direitos contra atos de liquidação (reclamação graciosa, recurso hierárquico, revisão do acto tributário e opção pela jurisdição arbitral ou por impugnação judicial perante os tribunais tributários).
Na verdade, se a fundamentação das liquidações tivesse sido a falta de prova da finalidade terapêutica das consultas de nutrição, em vez da acessoriedade em relação aos serviços de ginásio, a defesa da Requerente e a prova que a produzir poderiam ser diferentes.
Assim, a fundamentação a posteriori, não contemporânea do ato impugnado, só pode ser fundamento de um novo acto, eventualmente praticado em execução de decisão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT e 100.º da LGT. Como o Supremo Tribunal Administrativo esclareceu no acórdão de 31-01-2018, proferido no processo n.º 01157/17, por força do princípio da separação de poderes enunciado nos artigo 2.º da CRP, não sendo o Tribunal um órgão com competências primárias para definir a tributação, “o tribunal não pode recorrer a outros filtros para aferir a legalidade do acto impugnado (já que os seu poderes de cognição não podem ir além dos fundamentos de que o acto explicitamente partiu), nem pode substituir-se à Administração na determinação de outra matéria tributável (sob pena de estar a invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária)”.
Como dispõe o art.º 267 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), a competência do TJUE em sede de reenvio prejudicial, está limitada à "interpretação dos Tratados", e à "validade e a interpretação dos actos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União", pelo que não se estende à interpretação das normas nacionais sobre a o âmbito dos processos jurisdicionais e sobre a repartição de competências entre os Tribunais e a Administração, na densificação do princípio da separação de poderes.
É apenas quanto às matérias que se inserem nas competências do TJUE que as decisões proferidas em reenvio prejudicial podem ser consideradas obrigatórias (pelo menos, quando não são contraditórias).
De resto, nem existe qualquer norma do direito da União Europeia sobre as competências dos tribunais arbitrais em matéria tributária e tipo de poderes que lhes são atribuídos, sendo matéria que se insere plenamente na discricionariedade do legislador nacional.
Por isso, não havendo qualquer competência do TJUE em matéria de repartição de competências entre Tribunais e Administração Tributária, nem tendo sido proferida qualquer decisão sobre a forma processual adequada à implementação do Direito da União em matéria de isenções de IVA, não há qualquer fundamento para colocar, nesta matéria de definição do âmbito do contencioso arbitral tributário, qualquer questão de violação do art.º 8, n.º 4, da CRP ou de consequente inconstitucionalidade.
Assim, como afirmamos, é apenas à face da fundamentação das liquidações impugnadas que há que apreciar a sua legalidade.
4.3. Apreciação da questão
4.3.1. A falta de registo na ERS
No que se refere à falta de registo na Entidade Reguladora da Saúde (ERS), prevista no art.º 26 do Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de Agosto, é irrelevante para efeito de tributação em IVA, pois nenhuma norma do Código do IVA ou da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, lhe dá qualquer relevância, designadamente para efeitos de aplicação de isenções.
As prestações de serviços são tributadas em IVA nos mesmos termos, com as mesmas isenções, independentemente da natureza lícita ou ilícita dos serviços prestados, o que está em sintomia com os princípios gerais da tributação enunciados na LGT, da relevância da substância económica das operações e da tributação de actos ilícitos (arts. 10 e 11, n.º 3).
É esse o sentido a jurisprudência do TJUE, ao dizer no acórdão de 27-06-2019, processo n.º C-597/17, que “o artigo 132.°, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que não reserva a aplicação da isenção que prevê̂ às prestações efetuadas por técnicos de uma profissão médica ou paramédica regulamentada pela legislação do Estado-Membro em causa”.
É por essa razão, decerto, que a Informação Vinculativa n.º 9215, emitida em 19-08- 2015 nem sequer alude à necessidade de registo na ERS como condição da isenção, apesar de ter sido emitida quando o registo já era obrigatório.
Por isso, ao contrário do que se entendeu no RIT, a falta de registo na ERS não constitui uma das “condições obrigatórias” para a Requerente aplicar a isenção.
4.3.2. A não prestação e a não disponibilização de serviços de nutrição por profissional legalmente habilitado para o exercício da atividade de nutrição
A prova produzida no presente processo não permite concluir que a Requerente, no ano de 2017, tenha prestado quaisquer serviços de nutrição aos seus clientes, nem mesmo que os tenha disponibilizado.
Na verdade, resulta da matéria de facto que a Requerente não tinha qualquer nutricionista ao seu serviço e considerou-se não provado que a nutricionista contratada por outra empresa do grupo tenha prestado qualquer serviço a qualquer dos clientes da B... .
Também não se considerou demonstrado que a Requerente tivesse disponibilizado os serviços de nutrição aos seus clientes, através de profissional habilitado.
Com efeito, para além de não ter qualquer profissional habilitado ao seu serviço, nem ter despendido qualquer quantia com remuneração de um profissional de nutricionismo, no “Formulário de adesão” disponibilizado pela B... aos seus clientes não se faz qualquer referência a esses serviços, embora se façam a outros, como a “prática das atividades físicas e/ou desportivas” e, quanto a “serviços adicionais”, um “serviço de toalhas” e um serviço de “orientação de treino”.
Para além disso, no “Regulamento de utilização - Ginásios A...", refere-se expressamente no ponto 6.7 “O pagamento da mensalidade é referente a utilização dos balneários, das aulas de grupo e da sala de exercício mediante o perfil escolhido na sua adesão”, não fazendo qualquer referência a serviços de nutrição.
Além disso, o facto de no “Regulamento de utilização Ginásios A...” se fazer referência, no ponto 1.2.b., a “disponibilização de serviços paramédicos de nutrição, a definir nas condições particulares, tutelados pela Entidade Reguladora da Saúde”, não permite concluir que tais serviços tenham sido prestados pela B..., no ano de 2017, antes pelo contrário, desde logo porque não se provou que tenha sido feita nesse ano a definição desses serviços a disponibilizar tutelados pela ERS, pois nem mesmo foi feita a inscrição na ERS poderia proporcionar tal tutela.
4.3.3. A não aplicação da isenção
E atendendo às razões aduzidas anteriormente continuamos a seguir o texto do Acórdão n.º 668/2020-T CAAD, e também consideramos que não tendo sido prestados ou disponibilizados serviços de nutrição, não há quaisquer serviços que devessem beneficiar da isenção prevista no art.º 9, alínea 1) do CIVA, pelo que a faturação dos pacotes de serviços prestados pela B... está sujeita a IVA à taxa de 23% na sua totalidade, a taxa correspondente aos serviços de ginásio que são a única actividade de prestação de serviços que se provou ter concretizado no ano de 2017.
Também neste processo arbitral não se provou que os clientes da Requerente pudessem aderir aos serviços de nutrição anunciados sem adesão aos restantes serviços, pelo que os serviços estavam indissociavelmente ligados.
E, como se refere no acórdão do TJUE de 04-03-2021, proferido no processo n.º C-581/19, citado pela Autoridade Tributária e Aduaneira:
37 Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, quando uma operação económica é constituída por um conjunto de elementos e de atos, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão para determinar se dela resulta uma ou mais prestações (v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 1999, CPP, C-349/96, EU:C:1999:93, n.o 28 e jurisprudência referida), especificando-se que, regra geral, cada prestação deve ser considerada uma prestação distinta e independente, como decorre do artigo 1.º, n.º 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112 [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C- 231/19, EU:C:2020:513, n.o 23 e jurisprudência referida].
38 Todavia, a título de exceção a esta regra geral, em primeiro lugar, a operação constituída por uma só prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA. É por isso que existe uma prestação única quando dois ou mais elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria caráter artificial [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C-231/19, EU:C:2020:513, n.o 23 e jurisprudência referida].
Em 2017 os clientes da B... nem sequer dispunham da possibilidade de optar apenas por um ou outro dos serviços anunciados, pelo que consideramos que se está numa situação em que verifica esta exceção mencionada, devendo entender-se que se está perante uma única prestação económica indissociável, a que não é aplicável qualquer isenção.
Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no art.º 267 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o art.º 234 do Tratado de Roma, anterior art.º 177), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.o 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, pág.. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, pág. 2593).
A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do art.º 8 da CRP, em que se estabelece que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
Assim, tem razão a AT, ao afirmar que a B... procedeu, no momento da faturação, a uma discriminação artificial das mensalidades, com sobrevalorização de serviços de nutrição anunciados, mas não prestados.
Sendo autónomos os fundamentos invocados pela AT para sustentar conhecimento do outro, como decorre dos arts. 130 e 608, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no art.º 29, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Na verdade, como vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, quando um ato administrativo ou tributário tem mais que um fundamento, cada um deles com potencialidade para, só por si, assegurar a legalidade de um ato tributário (ou administrativo) é irrelevante que um deles seja ilegal, pois “o tribunal, para anular ou declarar a nulidade da decisão questionada, emitida no exercício de actividade vinculada da Administração, não se pode bastar com a constatação da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica habilitado a invalidar o ato”. O que significa que, se há um fundamento do ato que subsiste, ele não pode ser declarado ilegal, independentemente da eventual ilegalidade de outro ou outros fundamentos.
No caso em apreço, concluímos que, à face da jurisprudência do TJUE, se está perante uma situação em que não é aplicável a isenção prevista no art.º 9, n.º 1 do CIVA.
Por isso, improcede necessariamente o pedido de pronúncia arbitral, ficando prejudicado, por ser inútil o conhecimento das restantes questões colocadas.
5. Restituição da quantia paga em excesso e juros indemnizatórios
Não se provou que a Requerente tivesse efetuado pagamento das quantias liquidadas.
De qualquer forma, improcedendo o pedido de pronúncia arbitral de anulação das liquidações, improcede necessariamente o pedido de restituição de quantias pagas e de juros indemnizatórios, que só têm fundamento quando ocorre pagamento indevido (art.º 43, n.º 1, da LGT.
6. Decisão
Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:
A) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
B) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306, n.º 2, do CPC e 97-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em 8 782,61 (oito mil, setecentos e oitenta e dois euros e sessenta e um cêntimos
8. Custas
Nos termos do art.º 22, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918.00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Notifique.
Lisboa, 25 de novembro de 2021
A Árbitro
Regina de Almeida Monteiro