Sumário:
1. Verificando-se a revogação do acto tributário pela AT já depois de formulado o pedido de intervenção arbitral, torna-se inútil o prosseguimento dos autos por falta de objecto para haver decisão.
2. Porque a revogação ocorre depois da entrada da petição arbitral e subsequentemente a reclamação graciosa, que não foi decidida, foi a AT quem deu causa ao processo, pelo que tem de ser condenada nas custas.
DECISÃO ARBITRAL
A..., NIF..., com domicílio fiscal em ..., na Dinamarca, notificado do acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2020..., de 19 de Outubro de 2020, e da demonstração de acerto de contas n.º 2020..., referentes ao ano de 2016, nos termos dos quais foi apurado um valor a pagar de € 8.071,22, tendo, no dia 15 de Janeiro de 2021, apresentado reclamação graciosa contra o referido ato de liquidação, que, por não ter ocorrido notificação de qualquer pronúncia da AT, se presume indeferido tacitamente, veio, contra este acto de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa por si apresentada e, bem assim, contra o acto de liquidação de IRS atrás referido, ao abrigo e para efeitos do disposto na alínea a) do artigo 2.º, do n.º 1 do artigo 3.º, e da alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), em conjugação com o artigo 99.º e alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), requerer pedido de pronúncia arbitral em matéria tributária no sentido da declaração de ilegalidade e consequente anulação do mencionado acto de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa e, mediatamente, do acto de liquidação adicional de IRS, nos termos e com os fundamentos melhor explicitados na sua petição inicial.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 30-06-2021.
Entretanto, em 6/8/2021, a requerida Autoridade Tributária e Aduaneira veio comunicar a revogação do acto impugnado, o que foi de imediato e na mesma data comunicado ao requerente, tendo sobre a referida comunicação de revogação incidido o despacho do sr. Presidente do CAAD, ainda da mesma data, no qual se determinava a notificação do requerente, para nos termos do previsto no artigo 13.º n.º 2 do RJAT, informasse o CAAD, querendo, sobre o prosseguimento do procedimento, não tendo, porém, o requerente nada dito.
Por isso, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou em 12-8-2021, como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 12-08-2021 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 31-08-2021.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta na qual requereu a extinção da instância porque o ato tributário impugnado nos autos foi objeto de revogação por despacho de 27/07/2021 da Subdiretora geral para os impostos sobre o rendimento. Por isso, tendo a AT procedido à revogação do ato, os presentes autos ficavam esvaziados de conteúdo e desprovidos de utilidade por se encontrar satisfeita a pretensão material do requerente. Mais defende a AT que o requerente deve ser condenado no pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 527.°/1 do CPC ex vi do artigo 29.° n.°1 alínea e) do RJAT, pois à data do facto tributário e da consequente emissão das liquidações, o Requerente não tinha ainda apresentado a prova exigida na lei que pudesse obstar à prática dos atos tributários, pelo que entende que não foi a requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral,
Por despacho arbitral de 10-10-2021, foi oram as partes notificadas de que o Tribunal poderia declarar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide decorrente da ausência de objeto do litígio, salvo se algo em contrário fosse requerido por qualquer das partes no prazo de 5 dias.
Na sequência ou em consequência deste despacho, o requerente, concordando expressamente com essa extinção, apenas se pronunciou sobre a responsabilidade por custas que considera serem da responsabilidade da AT, pelas razões que enumera.
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O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, e é competente.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades, excepções ou outras questões prévias de que cumpra conhecer oficiosamente.
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As questões a decidir resumem-se a apreciar e decidir da extinção da instância e sua repercussão no pagamento das custas arbitrais decorrentes do pedido de pronúncia arbitral objecto dos presentes autos.
Factos:
1. No dia 27 de Outubro 2020, no domicílio na Dinamarca, o requerente foi notificado de uma liquidação adicional de IRS, com o nº. 2020..., datada de 19 de Outubro de 2020 e da demonstração de acerto de contas n.º 2020..., referentes ao ano de 2016, de que resultava um imposto a pagar no valor de € 8.071,22.
2. No dia 15 de janeiro de 2021, o requerente apresentou reclamação graciosa contra o acto de liquidação referido no número anterior.
3. Decorridos 4 meses sobre a apresentação desta reclamação graciosa, não foi notificada ao requerente qualquer decisão da mesma reclamação.
4. O presente pedido de pronuncia arbitral deu entrada no CAAD em 24 de Junho de 2021.
5. A AT foi notificada da nomeação de árbitro no presente processo e procedeu à designação de juristas em 22 de Julho de 2021.
6. Por despacho de 27/07/2021 da Subdiretora Geral para os impostos sobre o rendimento foi revogado o acto de liquidação constante do facto 1
7. Por ofício de 30/07/2021 com o número ... da Direção de Serviços do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares foi o requerente notificado da revogação dada como provada no facto anterior.
Os factos referidos sob os números 1 e 2, encontram-se provados pelos documentos 1 a 3 juntos com o requerimento inicial e pela averiguação junto dos competentes serviços postais da data da entrega ao requerente; o facto 3 por acordo das partes; os factos 4 e 5 pelos elementos que constam do presente processo e os factos 6 e 7 pelos documentos 1 e 2 juntos pela AT com a sua resposta.
A questão de direito:
Analisados os autos, obviamente que visando o pedido de pronúncia arbitral a anulação, por ilegalidade, do acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2020..., de 19 de Outubro de 2020, e da demonstração de acerto de contas n.º 2020..., referentes ao ano de 2016, ainda que de forma indirecta, pois essa liquidação manteve-se pela falta de decisão da reclamação graciosa no prazo legal, tida por indeferida presuntivamente, nos termos do artº. 57.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, sendo directamente impugnado este indeferimento tácito, o posterior despacho de revogação da liquidação ora impugnada esvazia totalmente de objeto este processo arbitral.
Ou seja: destruídos os actos tributários sindicados por revogação administrativa na pendência da causa, a continuação da instância é não só inútil, como mesmo impossível, por falta de objeto para a lide.
Por isso, nos termos disposto no artigo 277.°, al. e) do CPC, aplicável ex vi artigo 29.°, do RJAT, no que ambas as partes estão de acordo, tem de declarar-se extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide decorrente da eliminação voluntária da ordem jurídica do acto impugnado..
As custas do processo:
Coloca-se então a questão de saber quem, na circunstância, deve suportar as custas.
O princípio-regra nesta matéria é o de que suporta as custas quem dá causa à extinção da instância (cfr. artigos 527.º e 536.°, n.º 3 e 4, do CPC, ex vi artigo 29.°, do RJAT).
Ora, dos autos resulta que a AT foi informada da entrada no CAAD deste processo e do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, só vindo a revogar os atos tributários citados, como se viu supra, no decurso do prazo para se pronunciar sobre o árbitro designado, tendo até indicado os juristas que a deviam representar nos presentes autos.
Tudo visto.
Do exposto resulta assim evidenciado que a AT só comunicou a revogação dos atos tributários objeto deste processo quando pendia o presente processo e até tendo nele intervindo.
Ora, a AT poderia evitar a constituição do Tribunal Arbitral se, durante o prazo para decidir a reclamação graciosa, como era sua obrigação legal, revogasse totalmente os atos objeto daquele pedido, como o veio a fazer mais tarde.
Todavia, no caso sub juditio, a AT não se pronunciou sobre a reclamação graciosa apresentada pelo ora requerente e só após o pedido de constituição do tribunal arbitral formulado pelo requerente, procedeu à comunicação da revogação dos actos em Julho de 2021.
Deste modo, a extinção da instância não pode deixar de lhe ser totalmente imputável, porquanto praticou os actos que veio a revogar e esta revogação só ocorreu após o pedido de constituição do tribunal arbitral formulado pelo requerente.
Decisão:
À luz do exposto e ponderadas as posições de ambas as partes e o disposto nos artigos 277.º, alínea e), do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, do RJAT, declara-se extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide decorrente da eliminação voluntária da ordem jurídica, nos termos expostos supra, dos actos de liquidação objeto dos autos e determina-se o oportuno arquivamento do processo.
Custas:
Ficam as custas a cargo da AT na medida em que deu causa à extinção da instância (cfr. artigos 527.º, nº. 1 e 536.º, n.ºs 3 e 4, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, do RJAT), fixando-se a taxa de arbitragem em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT e 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Valor do processo:
Fixa-se o valor do processo em € 8.071,22 (oito mil e setenta e um euros e vinte e dois cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique
Lisboa, 15 de Novembro de 2021
O Tribunal Arbitral,
José Sampaio e Nora
A presente decisão foi escrita segundo a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990