Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 367/2021-T
Data da decisão: 2021-10-27  IRS  
Valor do pedido: € 32.931,70
Tema: IRS – Mais Valias Imobiliárias – Artigo 10.º n.º 5 do Código do IRS
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

O Requerente, ..., casado, contribuinte fiscal n.º ..., residente em ..., Espanha, não se tendo conformado com a liquidação de IRS n.º ..., veio, nos termos da alínea a) do  n.º 1 do artigo 2.º, n.º 2, do artigo 5.º, n.º 1 do artigo 6.º e dos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem (RJAT), em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º e das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 102.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), requereu a constituição do Tribunal Arbitral, pedindo:

 

a)            A declaração da ilegalidade e consequente anulação do indeferimento (tácito) da Reclamação Graciosa deduzida pelo Requerente, bem como da liquidação de IRS n.º ..., com fundamento na errónea qualificação e quantificação dos rendimentos e consequentes factos tributários; 

b)           A condenação da AT, nos termos do artigo 24.º, número 1, alínea b), do RJAT, a praticar todos os atos necessários ao restabelecimento da situação que existiria se os atos anulados não tivessem sido praticados, nomeadamente com a devolução da quantia de € 32.931,70 ao contribuinte, acrescida dos juros de mora até efetivo e integral pagamento da referida quantia.

É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”),

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 23 junho de 2021.

 

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, a qual comunicou a aceitação da designação dentro do prazo.

 

Em 2 de agosto de 2021, as partes foram notificadas da designação do árbitro não tendo arguido qualquer impedimento.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 31 de agosto de 2021.

 

Por despacho de 01-09-2021, a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT, foi notificada nos termos do n.º 1 do artigo 17.º do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional, bem como para remeter ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta.

 

No dia 29-09-2021 a AT submeteu um requerimento ao Tribunal para informar que “A DIRETORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, Requerida nos autos supra identificados, vem informar que por despacho de 2021-09-17 da Subdiretora Geral do Rendimento, foi revogado o ato, objeto de impugnação, conforme consta da Informação que se anexa.”

 

No dia 5-10-2021 o Tribunal notificou as partes para se pronunciarem, no prazo de 10 dias, sobre a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide ao abrigo do disposto no artigo 18.º, n.º 1 alínea b) do RJAT.

 

O Requerente veio aos autos dizer que na sequência da revogação do ato que constitui objeto do pedido, concorda com a inutilidade superveniente da lide por facto imputável à Requerida, requerendo a extinção do processo e a condenação da AT nas custas do processo, uma vez que foi esta que deu causa à inutilidade superveniente da lide.

 

A Requerida manteve-se silente.

 

II.            Objeto dos autos

 

A matéria controvertida prende-se com o preenchimento dos requisitos referentes à exclusão da tributação das mais valias, mais concretamente com o reinvestimento do valor de realização previstos no n.º 5 do artigo 10º do Código do IRS havendo afetação do imóvel (o alienado) a habitação própria e permanente do agregado familiar, sendo o sujeito passivo residente fiscal no estrangeiro.

 

A questão fundamental consiste em saber se se consideram ou não verificados os pressupostos para a exclusão de tributação de mais-valias, sendo que o Requerente era não residente em Portugal aquando da alienação do imóvel, a sua mulher e filhos menores tinham no imóvel, nessa mesma data, a sua residência própria e permanente e que o Requerente declarou, na sua declaração de IRS, a sua intenção de proceder ao reinvestimento das mais-valias.

 

II.1 Posição do Requerente

 

A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral o Requerente alega, em síntese, o seguinte:

 

Que está casado com ... desde 2000 e tem residência fiscal em Espanha estando devidamente enquadrado como não residente fiscal em Portugal desde esse ano.

No dia 8 de agosto de 2008, o Requerente e a sua mulher adquiriram, para habitação própria e permanente, pelo preço de € 280.000,00 (duzentos e oitenta mil euros), a fração autónoma designada pelas letras..., correspondente ao ..., para habitação, com os lugares de estacionamento nºs ... e arrecadação nº .... no piso menos 3, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, denominado ... em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ..., da freguesia de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de ..., para o qual foi emitida a licença de utilização número ...  em ... pela Câmara Municipal de Lisboa.

Após a referida aquisição o Requerente e a sua mulher conjuntamente com os filhos, começaram a residir na fração em questão de forma permanente.

No dia 2 de julho de 2019, o Requerente e a sua mulher venderam o imóvel acima identificado pelo preço de Euro 590.000,00 (quinhentos e noventa mil euros).

 

No dia 11 de Março de 2019, isto é, em data anterior à venda do imóvel de habitação própria e permanente, o Requerente adquiriu um novo imóvel, com a identificação matricial ..., prédio urbano, com quintal, destinado a habitação, ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do registo Predial de Lisboa, sob o número ..., da freguesia da ..., com intenção de usar como sua habitação própria e permanente, bem como do seu agregado familiar.

O Requerente, conjuntamente com a sua mulher, encontra-se a efetuar, no novo imóvel adquirido obras estruturais de ampliação, que obrigarão à alteração da matriz do imóvel, razão pela qual não foi ainda possível alterar a residência do agregado familiar para a respetiva morada.

 

O Requerente entregou a declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2019, na qualidade de casado e declarou no anexo G a sua intenção de proceder ao reinvestimento da mais-valia, pela totalidade, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, que a mulher e os filhos tinham no imóvel alienado a sua habitação própria e permanente, sendo certo que a venda da habitação antiga ocorreu posteriormente à aquisição da nova (a aquisição da nova ocorreu nos 24 meses anteriores à venda da antiga).

A mulher do Requerente também entregou à AT via internet a sua declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2019, na qualidade de casada, com filhos, e no anexo G declarou a sua intenção de proceder ao reinvestimento da mais valia, pela totalidade.

A declaração do Requerente deu origem à demonstração de liquidação de IRS [•] com o valor a pagar de Euro 32.931,70 (trinta e dois mil euros novecentos trinta um euros e setenta cêntimos).

Já na demonstração de liquidação da sua mulher é indicado um rendimento global e um valor apurado de Euros 410,94 (quatrocentos e dez euros noventa e quatro cêntimos).

Em suma, a AT não considerou a intenção do Requerente de proceder ao reinvestimento da mais valia realizada com a venda do imóvel.

Sendo que, o artigo 10.º, n.º 5, do CIRS, consagra a exclusão de incidência tributária relativa às mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, favorecendo a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente do sujeito passivo OU do respetivo agregado familiar sempre que o valor de realização venha a ser reinvestido em imóvel destinado ao mesmo fim, dentro de determinados prazos e condições

 

 

II.2 Posição da Requerida

 

Notificada para responder, a AT veio informar que havia revogado o ato de liquidação de IRS e juntou aos autos o despacho de revogação do qual faz parte a informação do com o seguinte teor:

 

B - Pedido de Pronúncia.

Após leitura e análise da matéria objeto do pedido de pronúncia arbitral, informa-se o seguinte:

i) Analisados os autos, verifica-se que a elaboração da declaração oficiosa se fundamentou na não afetação do imóvel alienado em 2019 (melhor identificado nos autos) a habitação própria e permanente do sujeito passivo.

Quer isto dizer que a situação se reporta aos requisitos referentes ao reinvestimento do valor de realização previstos no n.º 5 do artigo 10º do Código do IRS, mais concretamente, a afetação do imóvel (o alienado) a habitação própria e permanente.

Ou seja, o que o que está em causa, no presente caso, é o conceito de habitação própria e permanente do sujeito passivo.

ii) A redação do número 5 do artigo 10º do Código do IRS é a seguinte:

“5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;(…)”

Como tal, o significado dado ao n.º 5 do artigo 10º do Código do IRS, quando se refere a habitação própria e permanente tem de ser aquele que é fiscalmente relevante, ou seja, o

domicílio fiscal (conforme previsto no artigo 19º da LGT) pois de outro modo não faria sentido este conceito estar expresso na lei.

O fator relevante para o domicílio fiscal nas pessoas singulares é a residência habitual comunicada pelo contribuinte, entendido não como uma escolha arbitrária, mas como o efetivo domicílio fiscal, sendo que é através deste mecanismo que a administração fiscal tem a possibilidade do controlo das obrigações tributárias, e por contrapartida aos cidadãos, possibilitar o acesso a vantagens de natureza fiscal.

Não existe, pois, para este efeito, qualquer diferença entre os conceitos de habitação própria e permanente e domicílio fiscal.

Ou, mencionado de outra forma, só a obrigatoriedade de comunicação do domicílio fiscal como requisito formal à operacionalização da exclusão de tributação por reinvestimento de mais-valias para habitação própria e permanente se coaduna com uma interpretação sistemática das leis fiscais, bem como à respetiva finalidade.

No caso presente, o requerente, quando alienou o imóvel em 2019, já era residente no estrangeiro (mais concretamente, em Espanha).

iii) Apesar disso, vem o requerente alegar que o seu agregado familiar (mulher) tinha a habitação própria e permanente no imóvel alienado.

Ora, efetivamente, a norma legal (transcrita supra) refere expressamente a “habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar” (sublinhado nosso).

À data da alienação do imóvel, o número 4 do art.º 13º do CIRS determinava que:

“4 - O agregado familiar é constituído por:

a) Os cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens, ou os unidos de facto, e os respetivos dependentes;”.

Por sua vez, o n.º 2 do mencionado artigo estabelecia que:

“2 - Quando exista agregado familiar, o imposto é apurado individualmente em relação a cada cônjuge ou unido de facto, sem prejuízo do disposto relativamente aos dependentes, a não ser que seja exercida a opção pela tributação conjunta.

Consultada a declaração de rendimentos Mod 3 referente ao ano fiscal de 2019, entregue pelo requerente em 2020JUN30, verifica-se que o mesmo indicou como estado civil “casado”, embora não tenha optado pela tributação conjunta, tendo indicado o NIF do cônjuge no quadro 6A (agregado familiar).

Estará, pois, verificado o requisito imposto na lei, pois o imóvel alienado era a residência do agregado familiar.

E , por outro lado, a Autoridade Tributária, diversamente do que sucedeu no caso do requerente, aceitou o facto de a mulher do requerente estar a declarar a intenção de reinvestimento da mais-valia obtida com a alienação da sua habitação própria e permanente, tanto que na liquidação de IRS com o número 2020..., na sequência da apresentação de um anexo G em tudo idêntico ao do requerente, é indicado um rendimento global de 20.152,13 € e um valor apurado de 410,94 € a pagar. Ou seja, a Autoridade Tributária, na prática, procedeu à suspensão da tributação até à concretização do próprio reinvestimento (no que à mulher do requerente diz respeito).

Em conformidade com o exposto, deverá ser reconhecido ao requerente o direito à exclusão da tributação dos rendimentos de mais-valias (suspendendo-se a tributação até à concretização do reinvestimento).

lV - Conclusão.

Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que deverá ser concedido provimento ao solicitado.

V – Proposta de decisão.

Por tudo o exposto, propõe-se que seja alterada a liquidação n.º 2021..., referente ao IRS do ano fiscal de 2019.

Deve remeter-se esta informação à DSCJC (não se remetendo o processo administrativo porque, conforme referido no ponto III supra, foi solicitada a sua remessa diretamente para a DSCJC).

É o que me cumpre informar.

À consideração Superior

 

III.          Saneamento

 

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Existe uma questão prévia que deve desde já ser conhecida pelo Tribunal: a da impossibilidade ou inutilidade superveniente da instância.

 

Depois há que decidir acerca da responsabilidade das custas.

 

IV.          Decisão

 

No presente processo, a AT, após notificação do pedido de constituição de tribunal arbitral apresentado pela Requerente junto do CAAD, procedeu nos termos previstos no n.º 1 do art.º 13º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (aprovado pelo decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro) e revogou totalmente o ato impugnado pelo Requerente. Ou seja, o objeto  imediato do  processo, que era a anulação  do ato de liquidação  tributária, deixou de existir porque  este ato deixou de  produzir efeitos, conforme determina o  art.º 165º do Código de Procedimento Administrativo.

 

 

Nos termos do estatuído na alínea e) do art.º 277º do Código de Processo Civil (aqui aplicável por força do art.º 29º, n.º 1, e) do RJAT) uma das causas da extinção da instância é a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, que se verifica quando ocorrem na pendência do processo factos novos que fazem atingir o fim pretendido a alcançar pelo processo e, consequentemente, vêm retirar efeito útil à decisão a proferir.

 

Foi, o que sucedeu no presente processo, em que a Requerida, após a constituição do Tribunal Arbitral comunicou ao Tribunal Arbitral que o ato impugnado pela Requerente fora revogado.

 

Notificadas as Partes sobre a extinção do processo com fundamento na inutilidade superveniente da lide, o Requerente informou os autos que nada tinha a opor a tal extinção

 

Neste contexto, o Tribunal decide considerar extinta a instância por impossibilidade  da lide, nos termos do disposto na al. f) do art.º 277º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no º 29º, n.º 1, e) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

A impossibilidade da lide é imputável à Requerida, como escreve J.L. Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, volume IV, p.  541 in fine, a AT é responsável quando o fato de que resulta a inutilidade lhe for imputável.

 

V.           Custas:

 

Termos em que, declaram-se as custas a cargo da Requerida (Autoridade Tributária) por ter sido esta entidade que deu causa à impossibilidade superveniente da lide, nos termos dos art.ºs 527º e 536º, n.ºs 3 e 4, ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi art.º 29º, n.º 1, e) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

Fixa-se a taxa de arbitragem em € 1.836.00 (mil oitocentos e trinta e seis euros) de acordo com o estatuído no art.º 22º, n.º 4 do RJAT e do art.º 4º, n.º 1 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI.          Valor do Processo

 

Valor: fixa-se o valor do processo em € 32.931.70 (trinta e dois mil novecentos e trinta e um euros e setenta cêntimos), nos termos do disposto no art.º 97º-A, nº 1, a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável ex vi art.º 29º, n.º 1, a) e b) e art.º 6º, a) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

 Lisboa, 27 de outubro de 2021

 

O Árbitro Singular

Cristina Coisinha