DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
A. – PARTES
A..., LDA, a seguir designado por Requerente, com o NIPC ..., com sede na Rua ..., nº..., ...-... ..., veio requerer em 31 de Agosto de 2020 a constituição do tribunal arbitral singular em matéria tributária, ao abrigo do prescrito no art. 2º, nº 1, alínea a) do Decreto – Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico de Arbitragem Tributária - RJAT) e nos arts. 1º, alínea a) e 2º da Portaria nº 112 – A/2011, de 22 de Março, com a finalidade de ser dirimido o litígio que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, que doravante será designada por Requerida.
B. – CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL
1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerente e à Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira em 01/09/2020, Requerida esta que designou juristas para a representar por despacho comunicado em 27/10/2020, tendo o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designado o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto no art. 6º, nº 1, do RJAT, em 22/10/2020, encargo este que foi aceite, nos termos legalmente estabelecidos.
2. Em 22/10/2020, as Partes foram notificadas dessa designação, nos termos das disposições combinadas do art. 11º, nº 1, alínea b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro.
3. Nestas circunstâncias, o Tribunal foi constituído em 23/11/2020, nos termos do preceituado na alínea c), do nº 1, do art. 11º do Decreto – Lei nº 10/2011, o que foi notificado às Partes nessa data.
C. – PRETENSÃO
A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral proceda à declaração de ilegalidade e anulados os actos de liquidação identificados nos autos, nos termos descritos no Pedido de Pronúncia Arbitral, e, em consequência
Determine a restituição do valor de imposto e de juros compensatórios que foram pagos pela Requerente, no montante global de 21.951,49 euros, acrescido de juros indemnizatórios, com as consequências legais.
D. – TRAMITAÇÃO DO PROCESSO
Após a comunicação da data da constituição do Tribunal Arbitral, em 23/11/2020, seguiram-se os posteriores termos processuais na forma seguinte:
- Em 23/11/2020 – Foi notificada a Requerida para, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 17º do RJAT, apresentar Resposta no prazo de 30 dias e, querendo, solicitar produção de prova adicional e juntar o processo administrativo.
- Em 08/01/2020– A Requerida apresentou Resposta ao Pedido de Pronúncia Arbitral tendo sido, notificada a Requerente.
- Em 13/01/2021 – O Tribunal exarou um despacho arbitral determinando a notificação da Requerente para se pronunciar sobre o pedido de suspensão da instância arbitral até decisão do TJUE sobre matéria idêntica, que foi deduzido pela Requerida na Resposta.
- Em 25/01/2021 – Requerimento de resposta da Requerente opondo-se à requerida suspensão.
- Em 29/01/2021 – Despacho arbitral determinando a notificação da Requerida para juntar cópia do Parecer do Advogado Geral de 22/10/2020, no Processo nº C-581/19 do TJUE.
- Em 08/04/2021 – A Requerida requereu a junção aos autos, não só do referido Parecer do Advogado Geral, mas também do próprio Acórdão do TJUE, de 04/03/2021 (Proc. nº C-581/19), de que, entretanto, tinha tomado conhecimento.
- Em 28/04/2021 – O Tribunal Arbitral marcou a reunião a que alude o art. 18º do RJAT para 31/05/2021, para declações de parte e inquirição de testemunhas.
- Em 31/05/2021 – Realização da reunião (art. 18º do RJAT), no fim da qual a Requerida requereu que fossem ouvidas outras testemunhas em nova reunião, concedendo o Tribunal Arbitral um prazo de 10 dias para a Requerente se pronunciar.
- Em 11/06/2021 – A Requerente apresentou reservas à realização da reunião, decorrentes de dificuldades na presença das testemunhas, tendo o Tribunal Arbitral, nessa data, determinado a notificação da Requerida para se pronunciar.
- Em 21/06/2021 – A Requerida remeteu o processo administrativo.
- Em 13/09/2021 – Após vicissitudes várias, que melhor constam do processo, resultantes de troca de requerimentos entre as Partes e correspondentes despachos arbitrais, o Tribunal Arbitral fixou a data da reabertura da reunião a que alude o art. 18º do RJAT em 30/09/2021.
-- Em 14/09/2021 – O Tribunal Arbitral, a requerimento da Requerida, remarcou a data da reunião para 15/10/2021.
- Em 13/10/2021 – Foi dada sem efeito, também a requerimento da Requerida, a reabertura da reunião, tendo o Tribunal Arbitral, para prosseguimento do processo, fixado um prazo de 15 dias para as Partes apresentarem alegações escritas, sucessivas e facultativas.
-- Em 03/11/2021 – A Requerente apresentou alegações escritas.
- Em 16/11/2021 – A Requerida apresentou alegações escritas.
- Em 02/08/2021 e em 01/10/2021 – O prazo para a prolação e notificação da decisão foi prorrogado por dois meses.
- Em 30/11/2021 – Prolação da decisão arbitral.
E. – PRETENSÃO DA REQUERENTE E SEUS FUNDAMENTOS
A fundamentar o Pedido de Pronúncia Arbitral, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:
- Os actos objecto do presente pedido de pronúncia arbitral consistem:
a) Na Liquidação Adicional de IVA nº 2020..., datada de 31/03/2020, respeitante ao “PERÍODO” de “201703T”, em que o “VALOR A PAGAR” se cifrou em €2.425,74, tendo do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência dessa liquidação, foram efectuados pela AT, resultado um “Saldo apurado” de €2.425,74, e na respectiva
b) Liquidação de Juros Compensatórios nº 2020..., em que o “TOTAL” se cifrou em €274,34, tendo, do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência da referida Liquidação de Juros Compensatórios, foram efectuados pela AT, resultado um «Saldo apurado» no valor de €274,34.
c) Na Liquidação Adicional de IVA nº 2020..., datada de 31/03/2020, respeitante ao “PERÍODO” de “201706T”, em que o “VALOR A PAGAR” se cifrou em €2.527,56, tendo do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência dessa liquidação, foram efectuados pela AT, resultado um “Saldo apurado” de €2.527,56, e na respectiva
d) Liquidação de Juros Compensatórios nº 2020..., em que o “TOTAL” se cifrou em €259,54, tendo, do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência da referida Liquidação de Juros Compensatórios, foram efectuados pela AT, resultado um «Saldo apurado» no valor de €259,54.
e) Na Liquidação Adicional de IVA nº 2020..., datada de 31/03/2020, respeitante ao “PERÍODO” de “201709T”, em que o “VALOR A PAGAR” se cifrou em €2.382,69, tendo do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência dessa liquidação, foram efectuados pela AT, resultado um “Saldo apurado” de €2.382,69, e na respectiva
f) Liquidação de Juros Compensatórios nº 2020..., em que o “TOTAL” se cifrou em €221,42, tendo, do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência da referida Liquidação de Juros Compensatórios, foram efectuados pela AT, resultado um «Saldo apurado» no valor de €221,42.
g) Na Liquidação Adicional de IVA nº 2020..., datada de 31/03/2020, respeitante ao “PERÍODO” de “201712T”, em que o “VALOR A PAGAR” se cifrou em €2.324,01, tendo do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência dessa liquidação, foram efectuados pela AT, resultado um “Saldo apurado” de €2.324,01, e na respectiva
h) Liquidação de Juros Compensatórios nº 2020..., em que o “TOTAL” se cifrou em €192,28, tendo, do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência da referida Liquidação de Juros Compensatórios, foram efectuados pela AT, resultado um «Saldo apurado» no valor de €192,28.
i) Na Liquidação Adicional de IVA nº 2020..., datada de 31/03/2020, respeitante ao “PERÍODO” de “201803T”, em que o “VALOR A PAGAR” se cifrou em €2.806,82, tendo do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência dessa liquidação, foram efectuados pela AT, resultado um “Saldo apurado” de €2.806,82, e na respectiva
j) Liquidação de Juros Compensatórios nº 2020..., em que o “TOTAL” se cifrou em €205,16, tendo, do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência da referida Liquidação de Juros Compensatórios, foram efectuados pela AT, resultado um «Saldo apurado» no valor de €205,16.
k) Na Liquidação Adicional de IVA nº 2020..., datada de 31/03/2020, respeitante ao “PERÍODO” de “201806T”, em que o “VALOR A PAGAR” se cifrou em €2.726,20, tendo do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência dessa liquidação, foram efectuados pela AT, resultado um “Saldo apurado” de €2.726,20, e na respectiva
l) Liquidação de Juros Compensatórios nº 2020..., em que o “TOTAL” se cifrou em €171,48, tendo, do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência da referida Liquidação de Juros Compensatórios, foram efectuados pela AT, resultado um «Saldo apurado» no valor de €171,48.
m) Na Liquidação Adicional de IVA nº 2020..., datada de 31/03/2020, respeitante ao “PERÍODO” de “201809T”, em que o “VALOR A PAGAR” se cifrou em €2.610,16, tendo do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência dessa liquidação, foram efectuados pela AT, resultado um “Saldo apurado” de €2.610,16), e na respectiva
n) Liquidação de Juros Compensatórios nº 2020..., em que o “TOTAL” se cifrou em €138,15, tendo, do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência da referida Liquidação de Juros Compensatórios, foram efectuados pela AT, resultado um «Saldo apurado» no valor de €138,15.
o) Na Liquidação Adicional de IVA nº 2020..., datada de 31/03/2020, respeitante ao “PERÍODO” de “201812T”, em que o “VALOR A PAGAR” se cifrou em €2.575,58, tendo do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência dessa liquidação, foram efectuados pela AT, resultado um “Saldo apurado” de €2.575,58, e na respectiva
p) Liquidação de Juros Compensatórios nº 2020..., em que o “TOTAL” se cifrou em €110,36, tendo, do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência da referida Liquidação de Juros Compensatórios, foram efectuados pela AT, resultado um «Saldo apurado» no valor de €110,36.
- A data limite de pagamento voluntário das importâncias resultantes dessas mesmas liquidações de IVA e de juros compensatórios ocorreu em 20/05/2020.
- Em 21/05/2020, a Requerente procedeu ao integral pagamento das quantias resultantes das liquidações identificadas nas alíneas a) e b) supra, e, em 22/05/2020, procedeu ao integral pagamento das quantias resultantes das demais liquidações acima identificadas (alíneas c) a p) supra.
- A Requerente tem por objecto social, desde a sua constituição, a “Exploração de ginásios”, tendo como actividades principais as correspondentes ao CAE 93130 [actividades ginásio (fitness)], bem como outras actividades de saúde humana, designadamente, dietética e nutrição, a que corresponde o CAE 86906.
- A Requerente exerce efectivamente aquelas suas actividades desde Novembro de 2016, através da exploração de um estabelecimento comercial dedicado à prestação de serviços de ginásio (concretizados na disponibilização aos seus clientes de máquinas cardiovasculares e de musculação, e aulas de grupo) e à prestação de serviços de nutrição.
- Os serviços de nutrição prestados pela Requerente consubstanciam-se na disponibilização aos seus clientes de uma consulta de primeira avaliação logo após a efectivação da respectiva inscrição, da prescrição de um plano alimentar nessa consulta, bem como em consultas de avaliação e acompanhamento nutricional mensais, das quais pode resultar, ou não, a prescrição de um novo plano alimentar ao cliente, ou um ajuste do plano já existente.
- Através da oferta e da efectiva prestação cumulativa deste conjunto de serviços (ou seja, de fitness e de nutrição) aos seus clientes, a Requerente pretendeu diferenciar-se da concorrência das cadeias de ginásios e de clínicas de nutrição, que apenas oferecem um desses serviços em exclusivo (isto é, ou apenas fitness ou apenas nutrição), e, dessa forma, apresentar um produto diferente no mercado, com um preço mais acessível.
-O objectivo da Requerente nunca foi o de ser um “ginásio comum”, contrariamente ao que, erradamente, foi pressuposto pela AT nas liquidações objecto do presente pedido de pronúncia arbitral.
- O que a Requerente pretendeu foi antes criar um espaço onde os seus clientes pudessem aliar o exercício físico à saúde nutricional (ambos fundamentais para a adopção de um estilo de vida saudável, e que, por isso, se complementam), objectivo esse que, tendo sido projectado, veio a ser plenamente conseguido desde que a Requerente iniciou a referida actividade.
- Quem pretender usufruir dos serviços prestados pela Requerente, tem de se tornar sócio do estabelecimento por esta explorado, através da subscrição de um contrato de adesão, e de proceder ao pagamento de uma mensalidade, cujo valor é variável consoante o pacote mensal escolhido.
- Aquando da sua inscrição enquanto sócios da Requerente, estes podem escolher um dos seguintes pacotes de adesão:
- Off Peck com fidelização;
- Off Peck sem fidelização;
- Smart CD... [que é um pacote apenas destinado a sócios e atletas do Clube Desportivo de ... (CD...) com fidelização de 12 meses, conforme contemplado no contrato de arrendamento, celebrado entre a Requerente (enquanto arrendatária) e o CD... (enquanto proprietário das instalações onde se encontra instalado o referido estabelecimento da Requerente)];
- Total Free com fidelização;
- Total Free sem fidelização;
- Weekend Free com fidelização.
- Todos os pacotes garantem aos sócios da Requerente a possibilidade de utilizarem as instalações e equipamento desportivos para a prática de exercício físico e de frequentarem as aulas de grupo aí leccionadas, bem como de terem consultas de nutrição, nos moldes supra referidos.
- Para a realização das consultas de nutrição, a Requerente dispõe, nas suas instalações, de um gabinete próprio.
- Estas consultas são prestadas pela Srª Drª B..., nutricionista inscrita na respectiva ordem profissional, com a Cédula nº ... .
- Em 06/11/2016, a Requerente e a Srª Drª B... outorgaram um “Contrato de Prestação de Serviços.
- Ao abrigo desse contrato, a Srª Drª B... obrigou-se, perante a Requerente, à “prestação de serviços de nutrição como profissional por conta própria, utilizando os seus instrumentos de trabalho próprios”
- Nesse “Contrato de Prestação de Serviços”, consta ainda, designadamente, o seguinte:
«As consultas de nutrição efetuadas pela segunda Outorgante [B...] serão prestadas nas instalações da primeira outorgante [a Requerente] sendo acordadas as seguintes condições de pagamento:
a) No primeiro ano de exercício de funções, a primeira outorgante cede as suas instalações á segunda outorgante para utilização do espaço para a prestação de serviços de nutrição a não associados, tendo como contrapartida desta cedência o compromisso de efetuar as consultas de nutrição dos associados da primeira outorgante.
b) Após decorrido o primeiro ano de exercício de funções ficará estipulado o seguinte preçário:
Consulta Nutrição não associados (1ª) – 35,00€
Consulta Nutrição não associados (2ª e seguintes) – 25,00€
Consulta Nutrição a associados – 9,00€ (valor a pagar pela primeira outorgante)
c) Às consultas prestadas a não associados serão cedidos 20% do valor das mesmas ao primeiro outorgante como créditos em consultas a associados».
- Na facturação emitida nos exercícios de 2017 e 2018, a Requerente, no que concerne aos serviços subscritos pelos seus sócios.
a) nos relativos a nutrição, não liquidou IVA, com fundamento no facto de os mesmos, apesar de se encontrarem sujeitos a esse imposto, dele se encontrarem isentos ao abrigo do disposto no art. 9º-1 do CIVA (isenção e fundamento legal esses, de que foi feita menção nas respectivas facturas), e,
b) nos referentes a ginásio e fitness, liquidou IVA, à taxa de 23%, nas respectivas facturas.
- Aos sócios da Requerente era emitida uma factura única, na qual se encontravam discriminados, em rúbricas autónomas, os serviços de ginásio, de nutrição e, quando aplicável, do custo do respectivo prémio seguro.
- Em 26/11/2019, a Requerente foi notificada das ordens de serviço nºs OI2019...e OI2019..., dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Aveiro (doravante apenas DF Aveiro), para os exercícios de 2017 e 2018.
- As liquidações objecto do presente pedido foram efectuadas na sequência dessa acção inspectiva efectuada à ora Requerente.
- No âmbito da mesma, foi a Requerente notificada, através do Ofício nº 1626, de 10/02/2020, do “PROJECTO DE RELATÓRIO DE INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA” (adiante designado abreviadamente por Projecto), bem como para, “no prazo de 15 dias /…/, querendo, exercer o direito de audição”.
- A Requerente exerceu esse seu direito de audição prévia, mediante requerimento apresentado via correio registado com aviso de recepção, em 26/02/2020,
- Em 12/03/2020, foi elaborado o correspondente “RELATÓRIO DE INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA” (RIT), e notificado à Requerente através do Ofício nº..., datado de 20/03/2020.
- Nesse RIT foi apurado, com recurso a correcções técnicas, no que concerne ao IVA referente aos anos de 2017 e 2018, “Imposto em falta” no montante de €9.960,00 e €10.718,76, respectivamente.
- Conforme consta no ponto “III.1.3.” do RIT, sob a epígrafe “Resumo das Correções”, estas têm por fundamento o seguinte:
“Como o sujeito passivo:
1) Não comprova a prestação efetiva das consultas de nutrição;
2) Deduziu indevidamente IVA relativamente à fatura FTA/1210416 de 31/08/2017, de Diamantino Fernandes Tavares
Propõem-se as seguintes correções, em termos de IVA”
- No que se refere às correcções efectuadas pela não liquidação do IVA nas prestações de serviços de nutrição, resulta do RIT que estas têm, pois, como único fundamento, a alegada não comprovação, pela Requerente, de que as consultas hajam sido efectivamente realizadas.
- Com efeito, depois de concluir que “os valores faturados aos clientes, a título de nutrição, não correspondem a consultas de nutrição efetivamente realizadas, mas tão só correspondem à disponibilização daqueles serviços aos clientes que aderiram aos pacotes já mencionados”, e que “o cliente poderá aceder aos serviços de nutrição, aderindo a estes planos, o que não quer dizer que o faça, não havendo por isso prestação efetiva das consultas”, no RIT foi pela AT considerado que “o sujeito passivo deve liquidar IVA à taxa de 23%” sobre os valores facturados enquanto nutrição.
- Nos termos que constam no RIT, para a AT seria, assim, condição necessária da aplicação da isenção prevista no art. 9º-1 do CIVA aos serviços de nutrição facturados pela Requerente aos seus sócios, que estes tivessem usufruído das consultas de nutrição que lhes foram disponibilizadas pela Requerente e que estavam incluídas nos pacotes mensais por eles subscritos.
- Ou seja, para a AT, não está em causa que a prestação de serviços de aconselhamento nutricional seja enquadrável no âmbito da isenção constante no art. 9º-1 do CIVA (o que, de resto, é inequívoco, tendo em consideração o preceituado no DL nº 261/93, de 24/07, e no DL nº 320/99, de 11/08), mas sim o modo como esses serviços são prestados.
- Segundo o entendimento vertido no RIT, a prestação de serviços de aconselhamento nutricional apenas estará isenta de IVA quando disser respeito a consultas isoladas, mas não já quando os serviços sejam adquiridos pelo cliente final no âmbito de um pacote, no qual os serviços são sempre cobrados e facturados independentemente de esses clientes chegarem a usufruir das consultas por eles contratadas.
-Na opinião da Requerente, esse entendimento da AT encontra-se enfermo de uma errada interpretação e aplicação da norma do art. 9º-1 do CIVA, bem como de uma errada qualificação dos factos em causa, o que inquina as liquidações objecto do pedido de pronúncia arbitral de erro nos respectivos pressupostos, motivo pelo qual deverão as mesmas ser anuladas.
- É que, contrariamente ao entendimento sustentado no RIT, o facto de os sócios da Requerente não terem ido às consultas pelos mesmos contratualizadas e pela Requerente disponibilizadas, não releva para efeitos da aplicação ou não da isenção do IVA aos referidos serviços, uma vez que, in casu, os serviços se consideram prestados, não com a sua efectiva utilização, mas sim com a disponibilização desses serviços aos sócios deles subscritores, ainda que estes não venham, por motivo que lhes seja imputável, a usufruir dessas consultas.
- No entendimento da Requerente, a lógica comercial subjacente às empresas cujo modelo negocial se baseia na cobrança aos seus clientes de um valor pela disponibilização aos mesmos de um determinado serviço, independentemente de os clientes virem a utilizar esses mesmos serviços, assenta, precisamente, na vantagem económica resultante de uma parte desses clientes nunca chegar a usufruir dos serviços contratados, permitindo assim àquelas empresas reduzir os seus custos e praticar preços mais competitivos, estribando-se em doutrina que o sustenta.
- Afirma a Requerente que interpretação da norma do art. 9º-1 do CIVA, neste sentido, quando aplicada às consultas de nutrição incluídas em subscrições de serviços mensais, é, aliás, aquela que tem sido seguida pela mais recente jurisprudência deste CAAD, transcrevendo passos das decisões arbitrais proferidas nos Processos Arbitrais nºs. 373/2018-T, 454/2017-T, 159/2019-T, 259/2019-T e 181/2019-T.
- No entender da Requerente, a generalidade dos argumentos que, para sustentar a sua posição, pela AT são invocados no RIT, ou não têm qualquer suporte legal, ou consubstanciam proposições vagas, desprovidas de qualquer concretude.
- Desde logo, refere a AT, sem daí retirar qualquer conclusão, que «O sujeito passivo não fez prova de que se encontra registado junto da Entidade Reguladora da Saúde, para efeitos do exercício de atividades ligadas à saúde humana».
- Pelo que, por falta de fundamento legal, não pode a AT daí retirar qualquer efeito em termos de aplicabilidade da isenção em sede de IVA.
- Acresce que não corresponde à verdade que os clientes da Requerente, quando decidiram contratar os serviços desta, não tenham tido em consideração o facto de esta lhes disponibilizar serviços efectuados no exercício da profissão de nutricionista (designadamente, consultas, avaliações nutricionais e ajustes de planos, que, no caso, foram sempre feitos pela referida nutricionista), e que a Requerente não os tenha informado de que disponibilizava esses mesmos serviços.
- A título meramente exemplificativo, veja-se que, conforme resulta dos prints da página do Facebook da Requerente as consultas de nutrição, a identidade da nutricionista, bem como as receitas e conselhos dietéticos elaborados pela mesma, eram regularmente publicitadas pela Requerente nessa rede social.
- Isto, para além de a Requerente informar pessoalmente todos os seus potenciais clientes de que disponibilizava os referidos serviços de nutrição, e de esse facto ser até do conhecimento da população geral, quer por via da informação directamente prestada pela Requerente, bem como pela referida nutricionista Srª Drª B..., quer por via da informação prestada por outras pessoas (v.g., clientes, ex-clientes, familiares e amigos destes, etc.) – o que, de resto, é normal numa pequena cidade, como é o caso daquela onde a Requerente se encontra estabelecida (...), que tem cerca de 7.500 habitantes e em que os potenciais clientes da Requerente estão sobretudo concentrados no respectivo núcleo urbano, que tem cerca de 4.000 habitantes.
- Assim, a informação de que, nas prestações de serviços realizadas pela Requerente, se integravam as efectuadas no exercício da profissão de nutricionista (que inclui, designadamente, consultas, avaliações nutricionais e ajustes de planos nutricionais, efectuados, exclusivamente, por nutricionista credenciada), chegou, desde sempre, a todos os seus potenciais clientes,
- E o facto de todos os pacotes propostos aos seus clientes garantirem a possibilidade de eles terem consultas de nutrição, nos moldes supra referidos, teve, também desde sempre, influência decisiva na decisão de os mesmos contratarem com a Requerente.
- Assim, por não corresponderem à verdade, impugnam-se as afirmações da AT contidas no RIT, no sentido de que «Consultada a página da internet do ginásio “gympro.pt”, /…/. Não há qualquer referência, nomeadamente nos pacotes disponíveis, a nutrição ou acompanhamento nutricional. Também estão disponíveis, na página do site os contratos de adesão. Também nestes não há qualquer referência à nutrição. Nos flyers distribuídos na receção do ginásio também não encontramos qualquer referência ao acompanhamento nutricional» sendo certo que, em todo o caso, as mesmas não seriam, só por si, adequadas a demonstrar que a Requerente não tenha prestado os referidos serviços de nutrição aos seus clientes, e que estes não tenham levado em consideração a disponibilização desses serviços quando decidiram tornar-se sócios da Requerente
- Acresce que, muito embora, pelos motivos expendidos seja indiferente, para efeitos da aplicação da isenção constante na norma do art. 9º-1 do CIVA, o facto de os clientes subscreverem os serviços de nutrição e não os chegarem a usufruir,
- O certo é que, em 2017, a nutricionista, no âmbito do contrato de prestação de serviços outorgado com a Requerente, deu cerca de 1500 consultas de nutrição aos clientes da Requerente, e, em 2018, cerca de 1000.
- Assim, a conclusão da AT no sentido de que a Requerente, por alegadamente não ter logrado demonstrar que os serviços de nutrição facturados correspondiam a consultas usufruídas pelos clientes, deveria ter liquidado IVA à taxa normal sobre as mesmas, é, pois, manifestamente errada e infundada.
- Pelo exposto, tendo em consideração
a) que os referidos serviços de nutrição foram efectivamente disponibilizados pela Requerente aos seus clientes;
b) que esses serviços de nutrição foram assegurados por uma nutricionista inscrita na respectiva ordem profissional;
c) que nas facturas emitidas (pela Requerente) consta a indicação da isenção aplicável e do respectivo fundamento legal (art. 9º-1 do CIVA)
b) que os serviços de nutrição se consideram prestados com a disponibilização dos mesmos aos clientes que contrataram os referidos serviços, independentemente de estes virem a usufruir dos mesmos.
- Encontra-se enfermo de erro nos pressupostos tudo quanto é invocado no RIT para servir de fundamentação às liquidações objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, o que inquina de ilegalidade essas mesmas liquidações, as quais, com fundamento nessa ilegalidade, deverão ser anuladas.
-Tendo a Requerente pago os €21.951,49 (vinte e um mil, novecentos e cinquenta e um euros e quarenta e nove cêntimos) resultantes dos actos objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, e devendo esses actos ser anulados por força de ilegalidade que decorreu de uma errada definição da situação tributária imputável à AT, impende sobre a mesma AT a obrigação de, para além de restituir à ora Requerente aqueles €21.951,49 (cfr. art. 100º da LGT), pagar a esta os juros indemnizatórios legalmente previstos (cfr. arts. 43º e 100º da LGT, e 61º do CPPT).
- Pelo exposto, para além da restituição desses €21.951,49, deverá ainda ser ordenado o pagamento à Requerente dos juros indemnizatórios (cfr. arts. 43º e 100º da LGT, e 61º do CPPT) vencidos sobre as importâncias pagas, contados, à taxa legal de 4% ao ano (cfr. arts. 35º-10 e 43º-4 da LGT, 559º-1 do Código Civil e Portaria nº 291/2003, de 08/04), ou de outra que venha a ser fixada, desde a data em que foi efectuado o pagamento, ou seja, desde 21/05/2020, no que respeita às liquidações identificadas em a) e b) do art. 1ºda PPA, e desde 22/05/2020, no que respeita às liquidações identificadas em c) a p) do art. 1º daa PPA até à data da emissão da nota de crédito em que esses juros indemnizatórios devem ser incluídos (cfr. art. 61º-5 do CPPT), dessa forma se restabelecendo a situação que existiria se as liquidações objecto do presente pedido de pronúncia arbitral não tivessem sido efectuadas e se a invocada ilegalidade não tivesse sido cometida (cfr. art. 100º da LGT).
- Termos em que requer a admissão do pedido de pronúncia arbitral, e a procedência do mesmo pedido, e, em consequência,
a) Seja declarada a ilegalidade e anulados os actos de liquidação supra identificados;
b) Seja a AT condenada a restituir à Requerente o valor de imposto e de juros compensatórios que por ela foi pago, no montante global de €21.951,49;
c) Seja reconhecido o direito da Requerente a que lhe sejam pagos os juros indemnizatórios vencidos sobre aquela quantia de €21.951,49, contados à taxa legal de 4% ao ano ou de outra que venha a ser fixada, desde a data em que foi efectuado o respectivo pagamento, até à data da emissão da nota de crédito em que esses juros indemnizatórios devem ser incluídos, condenando-se a AT no pagamento desses mesmos juros indemnizatórios,
F. – RESPOSTA DA REQUERIDA E SEUS FUNDAMENTOS
A Requerida, na sua Resposta, defende a legalidade dos actos tributários em apreço e alega, em síntese, o seguinte:
- Dos respetivos Relatórios de Inspeção Tributária (RIT), que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, consta a descrição dos factos fiscalmente relevantes que alteraram os valores declarados, meios de prova e fundamentação legal de suporte das correções efetuadas, nos termos do n.º 3 do art.º 62.º do Regime Complementar de Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA).
- Nesta sequência deve o Tribunal dar por provados os factos constantes do RIT, impugnando-se desde já, toda a matéria de facto alegada pela Requerente, que se encontre omissa ou em contradição com o RIT.
- De acordo com o SAFT da faturação, em 2017 foram faturados pela Requerente 3123 serviços de nutrição e em 2018, 3523.
- Por diversas vezes foram solicitados à Requerente, dados de consultas para que pudesse ser validada a isenção invocada por si, e este não logrou provar a efetividade da prestação dos serviços de nutrição.
- Na verdade, em 8 de janeiro de 2020, em resposta ao solicitado na notificação dos SIT de 17/12 (anexo 3 do RIT) afirmou, na al. c) que não lhe era possível precisar tais dados uma vez que a nutricionista não guardou as agendas (anexo 4 do RIT). Em 7 de fevereiro, em resposta à notificação de 24/01 (anexo 10 do RIT) mais uma vez afirmou que não tinha como precisar os dados relativos às consultas de nutrição realizadas.
- Em sede de direito de audição também não logrou juntar qualquer comprovativo da realização efetiva de consultas de nutrição.
- Mas, agora, apresenta a Requerente listagens de consultas “realizadas”, alegando ter realizado um total de 2500 consultas no biénio 2017/18.
- Tal significa que confessa a Requerente, que das 6646 consultas facturadas no período, 4146, não teriam sido realizadas.
- Mas, ainda assim, tem de se dizer, é falso, que as listagens que ora “surgiram”, correspondam a consultas efectivamente prestadas, pelo que, a Requerida impugna expressamente a veracidade do constante de tal documento.
- Desde logo, das regras da experiência comum, resulta óbvio que não era possível a realização de 2500 consultas de nutrição no biénio em apreço, senão vejamos,
-Tal como consta do RIT, foram pagos a título de honorários à nutricionista no biénio, 803,63€.
- Sabendo que cada consulta de nutrição tem em média a duração de meia hora e, logo, que para a realização das 2500 consultas se necessitariam de 1250 horas de serviços de nutricionista, concluiríamos então que à Dra. B..., teria sido pago, pelos serviços de nutrição, um valor inferior a 0,65€ à hora, o que dentro das regras da experiência comum, simplesmente não é crível.
- Mas, não fosse tal o bastante para aferir da falsidade das listagens, note-se ainda que:
• o sr. C... consta na listagem como tendo ido a 12 consultas, em 2017, mas, consultado o SAFT da faturação, verifica-se que só existe um cliente com estes dois nomes, o sr. D... e, este cliente foi notificado, pela IT, no decurso da ação inspetiva para prestar declarações tendo afirmado (anexo 11, flh 7), quando lhe foi questionado se fez consultas de nutrição no ginásio, nunca ter feito.
• Em 2018, não foi a nenhuma consulta, no entanto, mas, verificamos que lhe foram faturados 11 serviços de nutrição.
• Por sua vez, a sra. E... (de acordo com o SAFT da faturação só há uma cliente com estes dois nomes – F...) também foi ouvida em declarações (anexo 11, fl. 5) e afirmou ter ido apenas uma vez a consulta de nutrição.
• No entanto, de acordo com a lista (documento nº 56) teria frequentado 5 consultas de nutrição em 2018.
• Já o Sr. G..., que também foi ouvido em declarações (anexo 11, f1 3) e afirmou ter ido a uma consulta de nutrição (no SAFT da faturação apenas consta um G... (H...)), na lista apresentada como sendo listagem de consultas de nutrição, o seu nome consta como tendo ido a 10 consultas.
• Também a Sra. I... (de acordo com os dados constantes do SAFT da faturação, apenas consta uma cliente com os nomes J...), foi ouvida em declarações, no decurso da ação inspetiva, tendo afirmado nunca ter ido a consultas de nutrição, mas, aparece na listagem como tendo ido a 10 consultas, em 2017.
• Por sua vez, o sr. K..., ouvido em declarações disse ter ido a uma consulta, mas na lista consta como tendo efectuado 11 consultas em 2018;
- Para além disso, a listagem apresenta outras contradições, como sejam consultas nas 5ª, 6ª e sábados em semanas seguidas, quando de acordo com as declarações prestadas quer pela nutricionista quer pela gerência, por exemplo, as sextas feiras eram apenas uma vez por mês.
- Assim, por resultar à Requerida manifesto que os documentos 55 e 56 juntos com o PPA, são falsos, requer ao Tribunal, que seja junto pela Requerente, a identificação de todos os seus clientes constantes daquelas listagens, por forma a que possa a Requerida e o Tribunal, junto daqueles, confirmar da veracidade ou falsidade das listas.
- E que seja a Requerente convidada a confirmar o teor daqueles documentos, a identificação de quem os produziu, a data da sua produção e, qual(is) a(s) fonte(s) da informação feita constar daquelas listagens.
- Por outro lado, a Requerente refere que não correspondem à verdade as afirmações da AT, acerca da informação constante na página da internet do ginásio, bem como dos contratos de adesão e dos flyers.
- Ora, a AT não inventou os documentos. Eles fazem parte do RIT, e constituem o Anexo 5 daquele. Basta ler, e verificar que o que é afirmado pela IT é verdade - não há qualquer referência a serviços de nutrição. Acresce que, demonstraram os SIT que não consta do contrato que o sócio tenha direito a serviços de nutrição. Na clausula 2.1 são referidos os pacotes de adesão e não há qualquer menção a serviços de nutrição.
- No entender da Requerida, a aplicação da isenção em apreço é incompatível com o regime de mera disponibilização do serviço, através do qual facturou a Requerente aos seus clientes, como isento, acompanhamento nutricional, independentemente da efectiva prestação do serviço.
- Refere o RIT, que para que beneficiem da isenção actividades paramédicas (como a nutrição) que compreendam, a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou da reabilitação.
- Ora, a Requerente nem sequer alega a finalidade terapêutica dos serviços.
- É facto de conhecimento comum, que pessoas que não padeçam de qualquer patologia, consultam nutricionistas.
- E, como também é de conhecimento comum, fazem-no para os mais diversos fins, como sejam, ganhar peso, perder peso, obter a silhueta que desejam, ou até, admita-se, para promover a saúde em geral, em todos os casos, sem que pretendam tratar uma doença em concreto.
- A Requerente deveria fazer prova da doença de todos e cada um dos destinatários dos serviços aqui em apreço.
- Ora, a Requerente não só não faz prova, como nem sequer alega, quais as doenças de saúde de que padecem os destinatários dos serviços, por forma a obviar o fim terapêutico dos serviços.
- E, sendo a Requerente a aplicar a isenção, nos termos do art.º 74.º da LGT, cabia-lhe fazer prova dos pressupostos da sua aplicação.
- Segundo a Requerida, entende a Requerente que verificado o requisito subjectivo da aplicação da isenção (a qualificação dos prestadores dos serviços), se pode ter por presumido o requisito objectivo (de que tais serviços tiveram por fim, diagnosticar, tratar e na medida do possível curar, determinada doença).
- Sendo que, no caso em apreço, nem sequer o requisito subjectivo estava cumprido, porquanto, pese embora a Dra. B... tivesse a habilitação adequada, o estabelecimento não se encontrava habilitado para a prestação de cuidados de saúde, por falta de registo junto da ERS.
- Por sua vez, a Requerida, discordando de tal entendimento, defende que nos termos acima referidos cabia à Requerente fazer prova de que os serviços tiveram, objectivamente fins terapêuticos e que não o tendo logrado fazer, se deve dar por não provado.
- O que, como consta do RIT, não é compatível com o regime de mera disponibilização do serviço.
- Isto porque, para a aplicação da isenção, não releva a promoção da saúde em geral nem a eventual prevenção de futuras doenças.
- A ser assim e, tendo em conta que é de conhecimento comum e também pela Organização Mundial de Saúde e pelo Ministério da Saúde assumido, que a prática desportiva contribui para a saúde de quem o pratica, então também os serviços de ginásio usufruiriam de tal isenção e, os professores de educação física, personal trainers, etc, seriam, enquanto profissionais qualificados para a prestação daqueles servços, profissionais de saúde para efeitos de aplicação da isenção e, como se sabe, assim não é.
- No que concerne às liquidações aqui em apreço, o direito aplicável, é o constante da fundamentação de direito do RIT
- Em suma, concluíram os SIT que, os serviços facturados a título de nutrição, aqui em apreço, estão sujeitos a IVA e dele não isentos.
- E, assim o considerou, essencialmente por entender que os mesmos não foram efectivamente prestados e, assim, não se verificarem nos serviços em apreço os fins terapêuticos que constituem requisito para a aplicação da isenção e, bem assim,
que ao serem os serviços de nutrição meramente disponibilizados e, não tendo logrado a Requerente demonstrar ter prestado os serviços que facturou (ou até pelo contrário assumindo não os ter prestado), não pode o serviço de mera disponibilização da nutrição beneficiar da isenção em questão.
- De resto, não pode a Requerida concordar com a tese da Requerente de que a mera disponibilização dos serviços permite a aplicação da isenção, senão vejamos,
- Relativamente à aplicação da isenção quando não se demonstre terem sido efectivamente prestadas as consultas,
- Desde logo, a norma de isenção prevê “os serviços prestados” e não os serviços disponibilizados.
- Isto porque, é manifestamente incompatível com o espírito daquela isenção, a mera disponibilização de cuidados de saúde.
- Para fundamentar o seu entendimento, a Requerida refere e transcreve alguns passos de jurisprudência do TJUE.
- Para os SIT, o facto de os destinatários dos serviços não os procurarem e de, na esmagadora maioria dos casos, não serem efectivamente prestados, evidencia, que os serviços em questão, não têm um fim terapêutico.
- E não sendo efectivamente prestado qualquer serviço, por maioria de razão se entenderá que não são efectuadas quaisquer práticas terapêuticas, não podendo por via disso, aplicar-se a isenção em apreço.
- Afigura-se à Requerida que deve ser tida em conta no processo em apreço a pendência do pedido de reenvio prejudicial relativo ao processo n.º 504/2018-T, que deu entrada no TJUE em 2019-07-31 (processo C-581/19 - caso Frenetikexito), e que versa sobre matéria de facto análoga, que deveria assim servir de justificação para uma suspensão da presente instância até á Decisão que se venha a tomar no TJUE, o que requer.
- Neste momento, porém, já foram juntas àqueles autos as observações escritas dos vários Estados Membros e da Comunidade Europeia assim como, as conclusões da Exma. Advogada Geral.
- Naquele como neste caso, os serviços prestados, não aparentam ter, diretamente, um objetivo terapêutico, mas antes parecem consistir na colocação à disposição do cliente um serviço de aconselhamento ou monitorização nutricional, independentemente da situação de saúde do cliente.
- Apenas as consultas efectivamente prestadas e que tenham o objetivo de prevenir ou tratar um problema de saúde, poderão beneficiar de tal isenção.
- Assim sendo, para que tal isenção fosse aplicada, sempre teria de ter a Requerente alegado e provado, tal objectivo, por parte dos seus clientes, na contratação de tais serviços, bem como, que todas os serviços de nutrição facturados com aplicação da isenção, reflectiam consultas efectivamente prestadas.
- Ora, como se evidencia no RIT, ficou cabalmente demonstrado que a maioria dos serviços facturados, não tiveram correspondência com consultas efectivamente prestadas e, muito menos, que os destinatários de tais serviços os procurassem por forma a tratar e na medida do possível curar qualquer doença.
- Pelo que, quanto à interpretação da isenção da al. 1) do art.º 9.º, não enfermam as liquidações adicionais de qualquer vício, devendo por via disso o PPA improceder por não provado com todas as consequências legais.
- O facto de o referido reenvio ter sido aceite pelo TJUE, significa desde logo que, a Jurisprudência daquele Tribunal já existente, atenta a especificidade da matéria em apreço, não responde às questões colocadas.
- Isto, implica que o próprio TJUE, já tenha feito um juízo, quanto à pertinência de tal reenvio, juízo esse que no caso, contraria todas as decisões sobre esta matéria já emanadas por Tribunais constituídos no CAAD, quanto à necessidade de suspender aqueles autos e promover uma pronúncia do TJUE sobre a matéria.
- É ao TJUE que cabe interpretar a Directiva IVA e, tecendo aquele próprio Tribunal, o juízo (tácito) da pertinência questão em apreço, implícito na aceitação do reenvio, salvo melhor opinião, entende a Requerida que deve este Tribunal, deferir o Requerido quanto à suspensão dos presentes autos.
- No entendimento da Requerida, o Tribunal deverá suspender a instância até pronúncia sobre as questões supra elencadas referentes ao processo pendente, uma vez que foram suscitadas dúvidas interpretativas em sede arbitral, sob pena do litígio em presença poder ser dirimido ao arrepio do direito da União Europeia, em violação do princípio do primado do direito europeu.
- Afirma a Requerida que a Requerente refere a seu favor, decisões proferidas por Tribunais constituídos no CAAD, a versar sobre a matéria em apreço, sucedendo, porém, que não só os factos não são idênticos aos aqui em apreço (tratavam-se de entidades registadas na ERS, em que a esmagadora maioria das consultas haviam sido efectivamente prestadas), como também, naqueles Acórdãos, concluíram existir Jurisprudência do TJUE que permitia interpretar de forma correcta a al. c) do n.º 1 do art.º 132.º da Directiva IVA e, bem assim, o art.º 9.º al. 1) do CIVA, no que ora se sabe ser um entendimento contrário ao tacitamente proferido pelo próprio TJUE ao admitir o reenvio.
- E, que, no caso em apreço, por já ter sido promovido o reenvio sobre questão manifestamente idêntica, no âmbito de outro processo, se deve suspender a instância até à decisão do TJUE no reenvio promovido.
- Pelo que, atento tudo o exposto, sempre se deverá entender ser de formular ao TJUE a questão cujo Reenvio se requereu e, por outro lado, suspender os presentes autos também até à Decisão que venha a ser proferida no processo Frenetikexito, acima referido, o que requer.
- De resto, após o conhecimento das Conclusões da Comunidade Europeia, o sentido das decisões sobre esta matéria tem sido o de suspender os processos, o que ocorreu ultimamente, por exemplo, nos processos 693/2019-T, 152/2020-T, 116/2020-T, entre outros.
- Em conclusão, entende a Requerida que deve ser deferida a requerida suspensão dos presentes autos nos termos e para os efeitos indicados, até à decisão a proferir no Processo de reenvio do Processo Fenetikexito, ou, assim não se entendendo, deve o presente PPA ser julgado improcedente por não provado e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos.
G. – QUESTÕES A DECIDIR
Face às posições assumidas pelas Partes conforme os argumentos apresentados, são as seguintes questões que cabe apreciar e decidir:
1 – Questão Principal – Quais os serviços de natureza nutricional prestados no âmbito de uma instituição desportiva que beneficiam da isenção de IVA prevista na alínea 1) do art. 9º do CIVA.
2 – Juros indemnizatórios – Existência, ou não, do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do art. 43º da LGT, no caso de serem anuladas as liquidações e determinado o reembolso da importância peticionada, que teria sido indevidamente paga, e a partir de que momento.
3 – Responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais.
H. – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
1. O Tribunal Arbitral está regularmente constituído e é material competente, de acordo com o disposto na alínea a), do nº 1, do art. 2º do RJAT (Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro).
2. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, nos termos dos arts. 4º e 10º, nº 2 do RJAT e art. 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março.
3. O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.
I. – MATÉRIA DE FACTO
I. 1 – FACTOS PROVADOS
Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provados os seguintes factos:
1. – A Requerente tem como objecto social, desde a sua constituição, e exploração de ginásios, tendo como actividades principais as correspondentes ao CAE 93130 (actividades – ginásio), bem como outras actividades de saúde humana, designadamente, dietética e nutrição, a que corresponde o CAE 86906.
2. – A Requerente exerce aquelas actividades desde Novembro de 2016, através de um estabelecimento comercial dedicado à prestação de serviços de ginásio (concretizados na disponibilização de máquinas cardiovasculares e de musculação e aulas de grupo) e à prestação de serviços de nutrição.
3. – Os actos tributários impugnados são os seguintes:
a) Liquidação Adicional de IVA nº 2020..., datada de 31/03/2020, respeitante ao “PERÍODO” de “201703T”, em que o “VALOR A PAGAR” se cifrou em € 2.425,74, tendo do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência dessa liquidação, foram efectuados pela AT, resultado um “Saldo apurado” de € 2.425,74, e na respectiva
b) Liquidação de Juros Compensatórios nº 2020..., em que o “TOTAL” se cifrou em € 274,34, tendo, do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência da referida Liquidação de Juros Compensatórios, foram efectuados pela AT, resultado um «Saldo apurado» no valor de € 274,34.
c) Liquidação Adicional de IVA nº 2020..., datada de 31/03/2020, respeitante ao “PERÍODO” de “201706T”, em que o “VALOR A PAGAR” se cifrou em €2.527,56, tendo do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência dessa liquidação, foram efectuados pela AT, resultado um “Saldo apurado” de € 2.527,56. e na respectiva
d) Liquidação de Juros Compensatórios nº 2020..., em que o “TOTAL” se cifrou em € 259,54, tendo, do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência da referida Liquidação de Juros Compensatórios, foram efectuados pela AT, resultado um «Saldo apurado» no valor de € 259,54.
e) Liquidação Adicional de IVA nº 2020..., datada de 31/03/2020, respeitante ao “PERÍODO” de “201709T”, em que o “VALOR A PAGAR” se cifrou em €2.382,69, tendo do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência dessa liquidação, foram efectuados pela AT, resultado um “Saldo apurado” de € 2.382,69, e na respectiva
f) Liquidação de Juros Compensatórios nº 2020..., em que o “TOTAL” se cifrou em €221,42, tendo, do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência da referida Liquidação de Juros Compensatórios, foram efectuados pela AT, resultado um «Saldo apurado» no valor de € 221,42.
g) Liquidação Adicional de IVA nº 2020..., datada de 31/03/2020, respeitante ao “PERÍODO” de “201712T”, em que o “VALOR A PAGAR” se cifrou em €2.324,01, tendo do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência dessa liquidação, foram efectuados pela AT, resultado um “Saldo apurado” de € 2.324,01, e na respectiva
h) Liquidação de Juros Compensatórios nº 2020..., em que o “TOTAL” se cifrou em €192,28, tendo, do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência da referida Liquidação de Juros Compensatórios, foram efectuados pela AT, resultado um «Saldo apurado» no valor de € 192,28.
i) Liquidação Adicional de IVA nº 2020..., datada de 31/03/2020, respeitante ao “PERÍODO” de “201803T”, em que o “VALOR A PAGAR” se cifrou em €2.806,82, tendo do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência dessa liquidação, foram efectuados pela AT, resultado um “Saldo apurado” de € 2.806,82, e na respectiva
j) Liquidação de Juros Compensatórios nº 2020..., em que o “TOTAL” se cifrou em €205,16, tendo, do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência da referida Liquidação de Juros Compensatórios, foram efectuados pela AT, resultado um «Saldo apurado» no valor de € 205,16.
k) Na Liquidação Adicional de IVA nº 2020..., datada de 31/03/2020, respeitante ao “PERÍODO” de “201806T”, em que o “VALOR A PAGAR” se cifrou em € 2.726,20, tendo do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência dessa liquidação, foram efectuados pela AT, resultado um “Saldo apurado” de € 2.726,20, e na respectiva
l) Liquidação de Juros Compensatórios nº 2020..., em que o “TOTAL” se cifrou em €171,48, tendo, do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência da referida Liquidação de Juros Compensatórios, foram efectuados pela AT, resultado um «Saldo apurado» no valor de € 171,48.
m) Liquidação Adicional de IVA nº 2020..., datada de 31/03/2020, respeitante ao “PERÍODO” de “201809T”, em que o “VALOR A PAGAR” se cifrou em €2.610,16, tendo do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência dessa liquidação, foram efectuados pela AT, resultado um “Saldo apurado” de € 2.610,16, e na respectiva
n) Liquidação de Juros Compensatórios nº 2020..., em que o “TOTAL” se cifrou em €138,15, tendo, do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência da referida Liquidação de Juros Compensatórios, foram efectuados pela AT, resultado um «Saldo apurado» no valor de € 138,15.
o) Liquidação Adicional de IVA nº 2020..., datada de 31/03/2020, respeitante ao “PERÍODO” de “201812T”, em que o “VALOR A PAGAR” se cifrou em €2.575,58, tendo do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência dessa liquidação, foram efectuados pela AT, resultado um “Saldo apurado” de € 2.575,58), e na respectiva
p) Liquidação de Juros Compensatórios nº 2020..., em que o “TOTAL” se cifrou em €110,36, tendo, do “Estorno” e “Acerto” que, na sequência da referida Liquidação de Juros Compensatórios, foram efectuados pela AT, resultado um «Saldo apurado» no valor de € 110,36.
Num total global de 21.951,49 euros.
4. – A Requerente fundamentou tais actos na consideração de que alguns dos serviços de nutrição prestados pela Requerente não se subsumiam na isenção de IVA prevista na alínea 1) do art. 9º do CIVA, e, portanto, estavam sujeitos a este imposto.
5. - A data limite de pagamento voluntário das importâncias resultantes das referidas liquidações de IVA e de juros compensatórios ocorreu em 20/05/2020.
6. – A Requerente procedeu ao pagamento integral destes montantes:
Em 21/05/2020 das quantias resultantes das liquidações identificadas em 1., nas alíneas a) e b) e, em 22/05/2020, das demais liquidações identificadas nas restantes alíneas do referido 1.
7. - Em 31 de Agosto de 2020 a Requerente apresentou no CAAD o pedido de pronúncia arbitral
I. 2 – FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
Os factos dados como provados estão baseados nos documentos indicados relativamente a cada um deles, no processo administrativo e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada.
J. – MATÉRIA DE DIREITO
Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida, à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar, tendo em conta as questões a decidir que foram enunciadas.
No Pedido de Pronúncia Arbitral, a Requerente pretende que seja declarada por este Tribunal Arbitral a ilegalidade das liquidações mencionadas e, consequentemente, sejam as mesmas anuladas, bem como os respectivos juros compensatórios, com todas as consequências legais.
As orientações arrogadas pela Requerente e pela Requerida quanto a esta matéria e a sua fundamentação estão expostas, em síntese, ou com parcial transcrição, em E. e F. do Relatório desta Decisão.
Cumpre, então, decidir:
A questão a dirimir respeita a saber quais os serviços de natureza nutricional prestados no âmbito de uma instituição desportiva que beneficiam da isenção de IVA prevista na alínea 1) do art. 9º do CIVA.
O art. 9º, alínea 1) do CIVA, que constitui a transposição para a ordem jurídica portuguesa do art. 132º, nº 1, alínea c) da Directiva IVA (2006/112 CE, de 28/11/2006) preceitua estarem isentas de IVA as prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas.
Por sua vez, o art. 132º nº1, alínea c) da referida Directiva IVA (2006/112 CE) estabelece que se encontram isentas de IVA as prestações de serviços efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, como tal definidas pelo Estado-Membro em causa.
Resulta, assim, claro, que, tanto a Directiva, como a norma transposta, têm como objectivo a promoção dos cuidados de saúde através da redução dos custos “médicos” obtida pela dispensa de tributação do IVA, alargando-se, deste modo, a acessibilidade aos mesmos.
Perante este quadro jurídico, a jurisprudência do CAAD tem vindo a ser fixada, no que à situação em apreço diz respeito, no sentido de que a prestação de serviços de nutrição, nestas condições, inserindo-se na prestação de cuidados de saúde, têm carácter autónomo em relação a actividades físicas praticadas em ginásios, desde que esses serviços sejam prestados por profissionais para tanto devida e legalmente habilitados, podendo, assim, beneficiar da isenção de IVA prevista no nº 1 do art. 9º do CIVA.
No entanto, desde 4 de Março do corrente ano, com a decisão tomada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no Proc. C-581/19, em resposta a uma questão prejudicial que lhe foi colocada no processo arbitral nº 504/2018-T, a apreciação da questão em apreço terá necessariamente de decorrer de modo diverso, como se verificará a seguir.
Tal facto já de repercutiu no sentido das decisões que, sobre matéria análoga, têm sido tomadas, designadamente, no Processo nº 609/2020-T, subscrita, também, pelo signatário, pelo que a seguiremos.
Reportando-nos ao Acórdão do TJUE (proc. C-581/19), a identidade da questão é absoluta: em relação a uma sociedade comercial - que exerce, designadamente, uma actividade de gestão e exploração de instituições desportivas, actividades de manutenção e bem estar físico, bem como actividades de promoção e apoio à saúde humana, como o acompanhamento e o aconselhamento nutricional ou a avaliação física (cf. n.º 7 do ac.) – pretende saber-se se essa actividade [e especificamente a relativa ao acompanhamento nutricional] configura a previsão do art. 132.º nº 1, alínea b) da Directiva 2006/112 que, na transposição para a ordem jurídica nacional está regulada pelo art. 9.º alínea 1) do CIVA.
O TJUE começa por recordar que, segundo uma jurisprudência constante, as isenções devem ser interpretadas de forma restrita (n.º 22). Refere depois que, em qualquer caso, as isenções não se circunscrevem a prestações efectuadas no meio hospitalar ou equivalente (n.º 23), sendo que, todavia, se referem a prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde (n.º 24). Daí retira que as prestações em causa devem imperativamente ter uma finalidade terapêutica, uma vez que é esta que determina se uma prestação médica ou paramédica deve ser isenta de IVA (n.º 25).
No acórdão reconhece-se que, no caso, os serviços nutricionais são prestados por profissionais habilitados – o que preenche um dos requisitos da isenção (a prestação ocorrer no âmbito do exercício das profissões médicas e paramédicas) – cf. n.os 27 e 28).
Subsiste, todavia, um outro requisito – que exige que se cumpra uma finalidade de interesse geral, comum ao conjunto das isenções previstas (cf. n.os 27 e 29), Ora, o entendimento do Tribunal é no sentido de que o acompanhamento nutricional prestado no âmbito de uma instituição desportiva pode, a médio e a longo prazo ou considerado em termos amplos, ser um instrumento de prevenção de certas doenças, como a obesidade, tal como a própria prática desportiva. Daqui resultará uma finalidade sanitária, mas não, ou não necessariamente, uma finalidade terapêutica (n.º 30) – o que implicaria que fosse prestado para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde (n.º 32).
Por conseguinte, entende o Tribunal que não estando verificado esse requisito, não pode haver lugar à aplicação da disposição que autoriza a isenção de IVA.
Sendo a situação rigorosamente idêntica e não deixando a redacção do acórdão qualquer dúvida quanto ao sentido da interpretação, não pode este tribunal arbitral senão seguir aquela orientação.
Nestas circunstâncias, convém recordar que a interpretação do Direito da União cabe ao Tribunal de Justiça (art. 267.º TFUE) e, para mais, no caso, estamos perante um imposto europeu - cujo regime é determinado à escala continental – sendo que a própria disposição nacional serve o objectivo central da transposição dos termos da Directiva (à qual está vinculado). Face a estas circunstâncias, bem se compreende que, na matéria, não subsista sequer qualquer margem de interpretação ou flexibilização do regime aquando da sua aplicação.
De facto, citando a prof.ª Rosalyn Higgins – que foi também juiz e presidente do Tribunal Internacional de Justiça – no fim de contas, o direito é aquilo que o tribunal disser que é (Problems & Process, International Law and how we use it. Oxford, UK: Clarendon Press. 1994, p. 54). E o tribunal competente é, neste caso, o Tribunal de Justiça da União Europeia, que, no exercício das competências que lhe estão atribuídas pelos tratados europeus, definiu a interpretação a dar à disposição relativa às isenções de IVA, em relação ao acompanhamento nutricional prestado no âmbito de uma instituição desportiva.
A ordem jurídica portuguesa reconhece a aplicabilidade automática do Direito da União.
Com efeito, o nº 4 do art. 8º da Constituição da República consagra o primado do direito comunitário e da prevalência da interpretação do TJUE, nos seguintes termos:
“4. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram diretamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos tratados constitutivos”.
Assim sendo, prevalecendo na ordem jurídica portuguesa a jurisprudência do TJUE, em matéria de direito comunitário, vinculando a mesma os tribunais nacionais, conforme é reconhecido pelo STA, e face ao paralelismo das questões que foram decididas com a questão agora em apreciação, a decisão nos presentes autos não se distinguirá, nem se poderia distinguir da orientação fixada na referida jurisprudência.
E nesses termos se afastam todos os demais argumentos invocados pela Requerente.
Por essa razão improcede o pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação supra identificados e, em consequência, todos os pedidos ao mesmo associados
L. – DECISÃO
Atento o exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IVA e de juros compensatórios no valor global de 21.951,49 euros e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos.
b) Condenar a Requerente a pagar as custas do presente processo (art. 527º, nºs. 1 e 2 do Código do Processo Civil, ex vi art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).
Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC (ex. 315º, nº 2) e 97º - A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 21.951,49 euros.
Custas: De harmonia com o nº 4 do art. 22º do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1.224,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 30 de Novembro de 2021
O Árbitro
José Nunes Barata
(Redacção pela ortografia antiga)