SUMÁRIO:
I – Conforme o artº 15º do CIRS, para determinação dos ganhos sujeito a imposto, considera-se valor de aquisição dos bens ou direitos adquiridos a título gratuito o valor que tenha sido considerado na liquidação do imposto de selo ou que lhe serviria de base, caso este fosse devido.
II – Em caso de aquisição da nua propriedade de forma gratuita, no momento da consolidação da propriedade com o usufruto, dado o disposto na parte final do nº 6 do artº 13º do CIS, o imposto devido pelo adquirente incide sobre a diferença entre o VPT que o prédio tiver àquela data e o valor da nua propriedade que foi considerado na respetiva liquidação no momento da aquisição.
III – Para efeitos de mais-valias, o imóvel alienado não deve ser considerado como uma coisa em sentido meramente jurídico, mas como uma fonte de rendimento, com um aspeto económico que não pode ser desprezado.
IV – Quando existe um nexo indissociável entre as despesas relativas a obras no imóvel com o necessário aumento do seu preço em caso de alienação, deve entender-se que elas contribuíram para a valorização económica do bem, para o aumento do seu valor, pelo que, necessariamente, devem ser consideradas como encargo de valorização sob pena de se tributar uma capacidade contributiva inexistente.
DECISÃO ARBITRAL
A..., contribuinte n.º..., com domicílio no...–..., ..., ...-... Azeitão, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), com a redação introduzida pelo artigo 228.º e 229º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, visando a declaração de ilegalidade por parte do Tribunal Arbitral do ato de indeferimento parcial da reclamação graciosa e, em termos finais ou últimos, do ato de liquidação de IRS n.º 2019..., relativo ao exercício de 2015, mais especificamente, ilegalidade no que respeita ao cálculo da mais-valia pela alienação onerosa de um imóvel sito em Portugal, por apuramento de IRS (e sobretaxa) em excesso no montante de € 30.705,79, e de juros compensatórios no montante de € 4.192,81, no total € 34.898,60 de imposto e juros compensatórios.
I - RELATÓRIO
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 23/03/2021, tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) sido de imediato notificada para responder.
A Requerente prescindiu de nomear árbitro pelo que, ao abrigo do disposto do n.º12 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo legalmente previsto.
Notificadas as partes da nomeação em 12/05/2021, não manifestaram qualquer oposição à nomeação.
O Tribunal foi constituído em 1/06/2021, de conformidade com o previsto na alínea c) do nº 1 do artº 11º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) constante do Decreto-Lei nº 20/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes.
A entidade Requerida depois de notificada para o efeito, apresentou Resposta em 2021/06/23, na qual se defende por impugnação, juntando em simultâneo o processo administrativo.
Uma vez que não foi requerida a produção de qualquer prova adicional nem foram suscitadas exceções e porque o processo continha a documentação necessária, o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artº 18º do RJAT, convidando as partes a produzirem alegações escritas em 15 dias.
A Requerente apresentou alegações formais e a AT simples requerimento, onde reiteraram os argumentos e fundamentação que já tinham invocado no requerimento de pedido de constituição do tribunal e na Resposta.
O Tribunal é materialmente competente e foi regularmente constituído de acordo com os artº 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º, nº 1, todos do RJAT.
As partes têm personalidade jurídica, gozam de capacidade judiciária, são legítimas e estão devidamente representadas, nos termos do artº 4º e 10º do RJAT e artº 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.
O processo também não enferma de nulidades, pelo que não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
II - MATÉRIA DE FACTO
1 - Factos dados como provados
1. Após um procedimento interno de análise por parte da AT à sua situação tributária referente ao ano de 2015, a Requerente apresentou a Declaração Mod. 3 de IRS relativa a esse ano, em 30/10/2019, acompanhada dos Anexos A (pensões do titular A), F (relativa a rendimentos prediais) e G (anexo referente a mais-valias onde foi declarada a alienação de um imóvel).
2. Tinha sido anteriormente notificada pela AT dos elementos que deveria incluir na declaração, Anexo G, no que se refere à alienação do dito imóvel, a saber:
3. O imóvel em causa correspondente à fração autónoma designada pela letra “F” (2.º andar esquerdo), destinada a habitação, com um lugar de estacionamento na cave com o número ..., do prédio urbano sito na ..., n.ºs ... a ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ... daquela freguesia, e inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo ..., Lisboa, com o valor patrimonial de € 190.960,00 (vide Doc. n.º 7), foi alienado em 4 de Dezembro de 2015, pelo preço de € 400.000,00.
4. Na declaração Mod. 3 apresentada, no respeitante aos dados relevantes para apuramento desse rendimento líquido da Categoria, a Requerente inscreveu no Anexo G os seguintes valores, que foram considerados na liquidação impugnada:
5. Com efeito, a Requerente adquiriu o direito de propriedade deste imóvel - Fração “F”- em três momentos distintos : (i) uma parte da nua propriedade por morte da mãe da Requerente, em 4/05/1992, na qualidade de comproprietária (doc. 2 anexo ao processo de reclamação graciosa); (ii) a totalidade da nua propriedade, em 14/03/2007, na data em que foi celebrada escritura notarial de constituição da propriedade horizontal do imóvel sito no nº ... a ..., da ..., em Lisboa, e de partilha entre herdeiros (doc. 3 anexo ao processo de reclamação graciosa) ; (iii) e, finalmente, em 2014/10/03, por óbito da sua avó, usufrutuária e residente na Fração, deu-se a consolidação da propriedade plena.
6. A fração na data da consolidação tinha o Valor Patrimonial Tributário (VPT) de 190 600,00€ (doc. 10 anexo à PI).
7. Posteriormente à submissão da declaração foi notificada da liquidação nº 2019..., no valor de € 47 931,74, que inclui € 5 762,79 de juros compensatórios e a sobretaxa de 3 726,77€.
8. Antes de proceder à alienação do imóvel em causa, e, segundo alega, porque este se encontrava em péssimo estado de conservação, a Requerente contratou uma empresa de construção que procedeu, no decurso do ano em causa de 2015, a obras profundas de requalificação do imóvel, conforme decorre da lista descritiva que consta dos orçamentos juntos como Doc. n.º 11;
9. Tais obras incluíram, entre outros factos, segundo o descritivo desses orçamentos parciais, a substituição da canalização e das partes elétricas, nova instalação de gás, portas, caixilharia, renovação de cozinhas e casa de banho, etc., nos quais consta sempre que se referem ao imóvel aqui em causa, com a menção expressa à respetiva morada, bem como da respetiva área e tipologia, coincidentes com os dados constantes da correspondente caderneta predial anteriormente junta como (Doc. n.º 10).
10. A Requerente juntou aos autos fotografias das obras no imóvel (doc. 12) que, tudo faz crer, coincidem com as obras orçamentadas e posteriormente faturadas e constantes do orçamentos, em relação às quais a AT não suscitou qualquer questão.
11. Pelos trabalhos realizados no imóvel, a ora Requerente despendeu o montante total de € 114.882,00, conforme fatura emitida em 28/12/2015 pela empresa de construção (doc. n.º 13), de onde consta também a expressa identificação do imóvel a que respeitam as obras realizadas.
12. A Requerente, por não se conformar com o valor liquidado, apresentou reclamação graciosa, que veio a ser parcialmente deferida, segundo notificação efetuada pelo Ofício nº ...., de 21/12/2020, da Direção de Finanças de Setúbal (fls. 116 e 117do PA), enviado sob registo, com aviso de recção, o qual foi assinado em 28/12/2020.
13. Dessa decisão de deferimento parcial resultou a liquidação oficiosa corretiva nº..., de 17/02/2021, no valor de 47 906,93€, ou seja, menos 24,81€ do que a liquidação inicialmente resultante da apresentação da Mod. 3 de IRS, cujo valor foi reduzido na dívida em sede de execução fiscal.
14. Por não ter pago a dívida resultante da liquidação impugnada, foi instaurada a execução fiscal nº ...2020..., onde foi autorizada a prestação de garantia sob a forma de constituição de hipoteca voluntária.
2 - Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
1. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e pelos que constam do processo administrativo anexado à Resposta da AT.
2. As faturas, porque emitidas nos termos legais, beneficiam da presunção de veracidade prevista no artº 75º da LGT, constituem um meio de prova credível para demonstração de que foram efetuadas as obras, podendo esta convicção ser ainda mais sedimentada com conferência da discriminação dos trabalhos constante dos orçamentos parcelares e as fotografias juntas pela Requerente.
3. Não vem provada a efetiva constituição da hipoteca voluntária nem o valor dos encargos inerentes à constituição, mas tão só autorização do SF para a respetiva constituição.
4. Não há outros factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
5. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
6. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (artº 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
7. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto não contestados pelas partes.
III - DO PEDIDO
Vem a Requerente solicitar a sindicância arbitral da legalidade do ato de indeferimento parcial da reclamação graciosa que apresentou contra a liquidação efetuada pela AT em resultado da Declaração Mod. 3 que apresentou em sede de IRS, referente ao exercício de 2015, e, consequentemente, dos atos de liquidação de IRS n.º 2019 ... e dos correspondentes juros compensatórios n.º 2019... (Docs. n.ºs 2 a 4), por ilegalidade dos mesmos quanto ao montante de € 30.705,79 e de € 4.192,81, respetivamente, num total de imposto e juros compensatórios a recuperar de € 34.898,60.
A pretensão impugnatória assenta em dois fundamentos essenciais: o primeiro diz respeito à escolha de qual o VPT a considerar para efeitos de liquidação reportado à data de consolidação do usufruto com a nua propriedade; o outro, tem a ver com a não consideração dos encargos atinentes a obras realizadas no imóvel antes da alienação que, segundo a Requerente, a AT não teve em consideração na determinação do valor de aquisição para efeitos do apuramento da mais-valia resultante da alienação do imóvel.
Complementarmente, a Requerente pretende o reconhecimento do direito a ser ressarcida pela AT do valor dos prejuízos que lhe advieram da necessidade de constituir uma hipoteca voluntária como garantia para efeitos de suspensão da exceção fiscal do imposto liquidado e que não pagou.
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Alega a Requerente, em resumo, o seguinte quanto ao primeiro fundamento:
“…, a aquisição do imóvel aqui em causa, alienado em 2015, ocorreu de forma parcelada ao longo do tempo, desde 1992, passando por 2007 e até à consolidação integral do direito de propriedade ocorrido em virtude do óbito da usufrutuária do referido imóvel, em 03.10.2014;
O que está em causa é precisamente o valor de aquisição considerado pela AT quanto ao momento da consolidação integral do direito de propriedade ocorrido em 03.10.2014, por óbito da usufrutuária (e consequente extinção do direito de usufruto).
…A AT deforma e transforma por completo o texto da lei, … recorrendo às regras constantes do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) para calcular o valor da nua propriedade em 2014, … quando se sabe bem que a nua propriedade já foi adquirida lá atrás, em 1992 e 2007, com valores de aquisição correspondentes que a própria AT indicou à requerente para efeitos de preenchimento do Anexo G da declaração Modelo 3 de IRS aqui em causa…;
… E bem assim, o valor do usufruto (que conclui ser de € 19.096,00), para posteriormente sustentar que o valor de aquisição a considerar nos termos do referido n.º 1, do artigo 45.º, do Código do IRS, com recurso ao disposto no n.º 4 do artigo 13.º do Código do Imposto de Selo, corresponde precisamente ao montante de € 19.096,00, apurado pela diferença entre o valor patrimonial tributário à data da consolidação (em 2014, de € 190.960,00) com o valor da nua propriedade que, no entendimento sustentado pela AT, deveria ser considerado na liquidação (em 2014!), de € 171.864,00.
Ora, como parece ser óbvio para a requerente, com a referência, na parte final do n.º 6, do artigo 13.º, do Código do Imposto do Selo, ao “valor da sua propriedade considerado na respetiva liquidação”, pretende o legislador referir-se ao valor da nua propriedade considerado na liquidação de Imposto do Selo à data em que tal liquidação foi realmente efetuada (ou, não o tendo sido por ter havido lugar a isenção, deveria ter sido efetuada), isto é, no caso em apreço, em 1992 e em 2007.
É que, no momento da extinção do usufruto por morte do usufrutuário e consequente consolidação do direito de propriedade, não há lugar a qualquer liquidação de Imposto do Selo sobre a aquisição da nua propriedade em si mesma, pois esta não é, nesse momento em concreto, … objeto de qualquer transmissão, gratuita ou onerosa.
Pelo que o referido n.º 6, do artigo 13.º, do Código do Imposto do Selo (nomeadamente na sua parte final) não contém qualquer ficção legal relativa a uma eventual transmissão da nua propriedade que exige que, nesse momento (o da consolidação do direito de propriedade) a AT ficcione, por sua vez, uma liquidação de Imposto do Selo sobre essa ficcionada transmissão.
… A nua propriedade já foi transmitida lá atrás, neste caso, em 1992 e em 2007, e nesse momento é que terá havido (ou poderia ter havido, caso não houvesse lugar a isenção de Imposto do Selo) liquidação de Imposto do Selo, para o que ora releva.
… No caso concreto, o valor que serviu (ou serviria) de base à liquidação de imposto, em 1992 correspondeu a € 2.370,38, tendo correspondido em 2007 a € 43.200,51, num total, portanto, de € 45.570,89;
De onde resulta que, fazendo uma correta aplicação da lei (em concreto, do disposto no n.º 6, e não o nº 4 do artigo 13.º, do Código do Imposto do Selo), para efeitos de determinar a “diferença entre o valor patrimonial tributário do prédio constante da matriz e o valor da sua propriedade considerado na respetiva liquidação”, será necessário proceder ao seguinte cálculo: € 190.960,00 (valor patrimonial tributário à data da consolidação) - € 45.570,89 (valor da propriedade considerado na liquidação) = € 145.389,11
Concluindo-se assim que o valor de aquisição a ser considerado para efeitos do cálculo da mais-valia apurada em sede de IRS, quanto à parcela correspondente à consolidação do direito de propriedade, em 03.10.2014, corresponde a € 145.389,11, como sustentou a requerente na reclamação graciosa anteriormente apresentada.
Pelo que ... para efeitos do cálculo da mais-valia decorrente da alienação do imóvel em causa, deveria ter sido considerado como valor de aquisição (antes da consideração dos encargos incorridos com a valorização do imóvel e, bem assim, da aplicação dos coeficientes de correção monetária) o valor total de € 190.960,00, distribuído do seguinte modo: (i) Em 1992 - € 2.370,38; (ii) Em 2007 - € 43.200,51; e (iii) Em 2014 - € 145.389,11.
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Quanto ao segundo fundamento, a Requerente alega:
… No âmbito do … procedimento administrativo, a AT não colocou em causa a documentação apresentada pela requerente a este respeito, tendo inclusivamente dado instruções expressas à requerente para inclusão do montante relativo a estes encargos na declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2015 em causa.
Agora, em sede de fundamentação da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, vem a AT dizer que não aceita os referidos encargos na medida em que (i) não existe fatura correspondente ao montante em causa – o que, como se viu, não é verdade, pois a fatura que existe e foi emitida pela empresa de construção em 28.12.2015, em nome da requerente, com expressa identificação do imóvel em causa na respetiva descrição…; e, ainda que existisse fatura, (ii) não se procedeu à entrega de declaração Modelo 1 de IMI, pelo que, para a AT, aquelas obras não se realizaram (isto não obstante terem sido inclusivamente apresentadas fotografias das obras em causa,…).
Em causa está, na redação em vigor à data dos factos, a alínea a), do artigo 51.º, do Código do IRS, onde se dispõe que: “Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem: a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º”.
Nestes termos, não existem dúvidas de que, tendo ficado cabalmente demonstrada a realização das obras de valorização realizadas no imóvel em causa…, os encargos incorridos pela requerente com estes encargos, no montante total de € 114.882,00, devem ser integralmente considerados no cálculo da mais-valia decorrente da respetiva alienação no ano aqui em causa de 2015.
Decorrente das ilegalidades apresentadas na conduta da administração há erro no apuramento da mais-valia resultante da alienação do imóvel em apreço.
“ Assim, aplicando ao montante da mais-valia sujeita a tributação, nos termos do n.º 2, do artigo 43.º, do Código do IRS, as taxas progressivas constantes da tabela geral no artigo 68.º do mesmo Código (por referência sempre, como se alertou anteriormente, à redação em vigor à data dos factos), temos que: (i) € 20.000,00 x 23,60% = € 4.420,00; (ii) [(€ 34.201,18 - € 20.000,00) x 37% = € 5.254,44 (iii) IRS devido = € 4.420,00 + € 5.254,44 = € 9.674,44
Sendo ainda devida a sobretaxa de 3,5% sobre a mais-valia tributada, no montante de € 1.197,04 (€ 34.201,18 x 3,5%), num total de imposto devido de € 11.171,47 e de juros compensatórios correspondentes de € 1.525,44, num total a pagar de € 12.696,91 (tudo por referência isoladamente apenas à mais-valia cujo cálculo aqui se discute, não considerando os rendimentos da categoria A e da categoria F também obtidos no ano de 2015 em causa).
De tudo o que ficou dito, resulta claro que as liquidações de IRS e correspondentes juros compensatórios aqui em causa são parcialmente ilegais, por ilegalidade da atuação da AT.
Motivo pelo qual deve ser julgado procedente o presente pedido de pronúncia arbitral, sob pena de apropriação indevida de imposto pelo Estado, por liquidação ilegal e indevida de imposto e juros compensatórios, que afeta com o vício da ilegalidade as liquidações aqui em causa, por violação dos artigos 45.º, n.º 1, e 51.º, alínea a), do Código do IRS, e do artigo 13.º, n.º 6, do Código do Imposto do Selo, na redação aplicável em 2015, e por violação, ainda, do princípio da capacidade contributiva (artigo 104.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), da legalidade, do princípio da imparcialidade, do princípio do inquisitório, e do princípio da verdade material.
Finalmente, a Requerente entende ter direito “…à indemnização pelos prejuízos resultantes da garantia prestada”.
Não tendo sido efetuado o pagamento do imposto e juros liquidados pela AT no prazo definido para o efeito, foi instaurado o correspondente processo de execução fiscal n.º ...2020..., relativamente ao qual a requerente solicitou a prestação de garantia de modo a obter a sua suspensão, pedido este que foi deferido, sujeito a efetiva concretização do registo de hipoteca sobre o bem imóvel requerido.
Neste âmbito, e com a prestação de garantia para suspensão dos referidos processos de execução fiscal, a requerente incorrerá em determinadas despesas, nomeadamente com o registo da hipoteca a prestar para efeitos de suspensão do processo executivo, cujas faturas protesta também juntar.
Os prejuízos que resultem ou resultarem da prestação desta garantia deverão ser ressarcidos à requerente em caso de procedência – como se espera e é de direito – do presente pedido de constituição de Tribunal Arbitral.
Com efeito, o montante de imposto em causa e correspondentes juros compensatórios não se mostra integralmente devido, pelos motivos e com os fundamentos acima explanados.
Acresce que o erro de que padece a liquidação em causa cuja legalidade se discute resulta de erro dos serviços na apreciação dos, e aplicação do direito aos factos relevantes, como supra bem se demonstrou.
Nestas circunstâncias – erro imputável aos Serviços – deverá ser reconhecido à requerente o direito a indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia (cfr. artigo 53.º da LGT).
O total dos prejuízos resultantes da prestação de garantia só poderá, evidentemente, ser apurado no momento em que venha a ser possível levantar a garantia, uma vez que só então se poderá fazer o seu cômputo final.
***
Notificada para se pronunciar sobre o pedido de pronúncia arbitral veio a AT responder, resumidamente, nos seguintes termos:
“O entendimento que a Requerente faz do nº 6 do artº 13º do CIS de que “no momento da extinção do usufruto por morte do usufrutuário e consequente consolidação do direito de propriedade, não há lugar a qualquer liquidação do Imposto do Selo sobre a aquisição da nua propriedade em si mesma”, e de que aquela norma “não contém qualquer ficção legal relativa a uma eventual transmissão da nua propriedade que exige que nesse momento (o da consolidação do direito de propriedade) a AT ficcione, por sua vez, uma liquidação de Imposto do Selo sobre essa ficcionada transmissão”, não corresponde à correta interpretação da lei.
Na tese da A…, trata-se de uma diferença entre valores patrimoniais.
Ora, se essa fosse a ratio legis o legislador teria, pura e simplesmente, consagrado a solução de que, em consequência da consolidação, o imposto deveria incidir “sobre a diferença entre o valor patrimonial tributário do prédio constante da matriz e o” valor patrimonial tributário “da propriedade considerado na respetiva liquidação.”
Mas não foi essa a solução legislativa, porque não essa a intenção do legislador.
Pelo que, a parte final do nº 6 do art. 13º do CIS, só pode ser interpretada num sentido, ou seja, será tida em conta a fração do valor patrimonial correspondente à diferença entre o seu montante e o conceito de valor da propriedade que, nos casos de figuras parcelares do direito da propriedade, o nº 4 deste mesmo art. 13º do CIS manda importar do CIMT.
Valor esse a determinar nos termos das regras 7ª e 8ª do nº 4 do art. 12º e alíneas a) e b) do art. 13º do CIMT
É que o nº 6 do art. 13º do CIS comina expressamente que “[q]uando a propriedade for transmitida separadamente do usufruto, o imposto devido pelo adquirente, em consequência da consolidação da propriedade com o usufruto…”.
Ora, se assim dispõe a lei - e não estabelecendo qualquer distinção quando o motivo da consolidação for a morte do usufrutuário -, é porque quando tal consolidação exista é, efetivamente, devido imposto do selo.
Efetivamente, não só o VPT que deve ser tido em conta no momento da consolidação é de €19.960,00 (e não de €145.389,11), como, face à idade da falecida usufrutuária, o mesmo – nos termos conjugados dos números 4 e 6 do art. 13º do CIS, da regra 8ª do nº 4 do art. 12º e alíneas a) e b) do art. 13º do CIMT – deve ser considerado em 10%.)
Tudo de conformidade com o disposto no artº 45º do CIRS.
Por outro lado, “… nos cálculos que efetua [na P.I.], pretende a A. a aplicação das taxas previstas no nº 1 do art. 68º do CIRS aos rendimentos de mais-valias que apurou nos termos patentes no artigo precedente àquele, de forma incorreta, atenta a errada forma de consideração do VPT relativo à parcela/aquisição...;
… Porque o rendimento coletável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das diversas categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos nas secções seguintes.”, logo, é sobre o rendimento coletável – “que resulta do englobamento dos rendimentos das diversas categorias” que incide a taxa do imposto.
Ora, durante o ano de 2015, o agregado familiar da Requerente auferiu – e declarou - rendimentos das categorias A, F e G (esta, a relativa às mais-valias)
Donde resultam também errados os cálculos referentes a sobretaxa e juros compensatórios, apresentados pela recorrente, bem como os valores finais que indica, que não podem colher vencimento.
Afirma a A. não ter sido ainda notificada da liquidação corretiva de IRS efetuada na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa.
Na verdade, a diferença de imposto a pagar (€ 24,81) naquela apurado relativamente à liquidação nº 2019... – a ora contestada pela requerente - foi já anulada (parcialmente, portanto) ao montante total constante da nota de cobrança de IRS nº 2019..., emitida com base na dita liquidação, através da anulação nº 2021..., de 17-02-2021.
No que respeita às despesas consideradas na liquidação como encargos a adicionar para cálculo do preço de aquisição do imóvel alienado, “…efetivamente, a AT considerou, na íntegra o montante de encargos indicado no quadro 4 do anexo G entregue conjuntamente com a declaração modelo 3 apresentada em nome da requerente relativamente ao ano de 2015”.
Realmente, se o quantum dos encargos referentes à valorização da fração não houvessem sido considerados pela administração tributária, muito maior seria o montante de rendimento apurado a título de mais-valia gerada pela alienação daquela.
Senão vejamos, tendo em conta os montantes constantes da declaração apresentada pela recorrente - por ter sido esta que esteve na base da produção da liquidação colocada em crise na reclamação graciosa cuja decisão a contribuinte ora contesta:
• Valor de realização: € 400.000.
• Valor de aquisição (já ponderando os coeficientes previstos no anexo da Portaria nº 400/2015, de 06/11, que veio estabelecer os coeficientes de desvalorização para bens imóveis alienados em 2015): €70.816,95, assim apurado:
• o Parte adquirida em 1992: €2.370,38 X 1,81 (coefic. desvaloriz.) = € 4.290,39.
• o Parte adquirida em 2007: €43.200,51 X 1,10 (coefic. desvaloriz.) = € 47.520,56.
• o Parte adquirida em 2014: €19.006 X 1 (coefic. desvaloriz.) = € 19.006.
Apuramento de mais-valias: (Vr - Vaq : 2) = (€400.000 - €70.816,95 : 2) = €329.183,05 : 2 = €164.591,03”.
Valor este superior aos valores de rendimento global apurados em qualquer das liquidações, a inicial e a subsequente ao deferimento parcial da reclamação graciosa, e isto, mesmo atendendo a que, para o apuramento destes montantes (além dos rendimentos a título de mais-valias) concorrem também os rendimentos das categorias A e F.
Montantes de rendimento global que foram, respetivamente: - de € 130.640,49, apurado na liquidação nº 2019 ... (a ora contestada), efetuada em 31-10-2019 na sequência da apresentação, pela requerente, da sua declaração modelo 3 concernente a 2015; e - de € 130.595,49, apurado na liquidação de IRS nº 2021..., efetuada em 12-02-2021 em consequência da elaboração, pela AT, em nome da ora requerente, da declaração oficiosa.
Por conseguinte, dúvidas não podem restar que os serviços da administração fiscal consideraram, integralmente, o montante de encargos com a valorização da fração alienada que a contribuinte fez constar no campo 4 do anexo G que acompanhou a sua declaração modelo 3 de IRS referente a 2015.
Tudo visto, nenhum princípio legal ou constitucional se mostra violado na liquidação em apreço.
Quanto ao pedido de indemnização pelos prejuízos derivados da prestação de garantia para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal nº ...2020..., que pretendeu prestar sob a forma de hipoteca voluntária, há que ter em conta o artº 53º da LGT.
Como entende a doutrina e a jurisprudência e resulta da interpretação deste preceito “… Ainda que viesse por este Tribunal a ser declarada a ilegalidade do indeferimento parcial da RG e a ilegalidade da liquidação, ainda assim a pretensão da A, nunca poderia proceder, porque … a hipoteca voluntária prestada (…) no âmbito do processo de execução fiscal..., em que a Requerente é executada, não é considerada garantia equiparada ou equivalente à garantia bancária para os efeitos do disposto nos artigos 53.º, n.º 1 da LGT e artigo 171.º do CPPT”.
Deve, portanto, improceder o pedido arbitral na sua totalidade.
IV - MATÉRIA DE DIREITO
1 - O ato tributário em questão no presente processo tem a ver com a tributação dos ganhos resultantes da alienação pela Requerente de um imóvel que anteriormente adquiriu a título gratuito.
De acordo com o artº 10º, nº 1, do Código do IRS, constituem rendimentos sujeito a IRS os ganhos obtidos que, não sendo rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais que resultem, para o aqui nos interessa, da “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis …”.
Por seu turno, a alínea a) do seu nº 4 prescreve que “o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do nº 1.”
Vem depois o artº 44º do mesmo diploma esclarecer-nos sobre a forma de apuramento do valor de aquisição dos bens a título gratuito, estabelecendo que “Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito: a) O valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo; b) O valor que serviria de base à liquidação de imposto do selo, caso este fosse devido.”.
A partir daqui somos forçados a recorrer ao Códigos do Imposto de Selo que, por sua vez, remete, em algumas circunstâncias para o Código do Imposto do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis.
Voltando ao caso concreto, no que refere ao valor de aquisição, sendo embora sempre de caráter gratuito, temos que ter em conta que existem três momentos relevantes verificados ao longo dos anos, logo com necessidade de determinação de valores parciais: em 1992 a Requerente adquiriu parte da nua propriedade por morte da mãe; em 2007 por partilhas entre herdeiros, adquiriu a restante parte da nua propriedade; e em 2014 consolidou-se o do direito à propriedade plena por morte do usufrutuário.
No que concerne ao litígio constante do presente processo, nada há a assinalar, por as partes estarem de acordo, quanto aos valores que devem ser considerados como valores parciais das duas primeiras aquisições, assentando a discordância quanto à forma de determinação do valor a atribuir à fase de consolidação do direito real por extinção do usufruto em 2014.
Estando nós perante uma aquisição faseada, a título gratuito há que, como obriga o citado artº 45º do CIRS, recorrer ao Código do Imposto de Selo, mais concretamente ao artº 13º, para determinar qual seria o valor a que estaria sujeita aquela aquisição em sede desse imposto.
Toadas as aquisições a que nos temos vindo a referir respeitam a transmissões em que há aquisição parcelar de um direito real nas diversas fases porquanto sabemos que existia constituído sobre o referido imóvel um usufruto em benefício da avó da Requerente que se extinguiu por morte desta.
Mas, como alega a Requerente, “o que está aqui em causa é precisamente o valor de aquisição considerado pela AT quanto ao momento da consolidação integral do direito de propriedade ocorrido em 03.10.2014, por óbito da usufrutuária (e consequente extinção do direito de usufruto)”.
A AT na fundamentação da decisão da reclamação graciosa e também na Resposta entende que para efeitos de determinação do valor de aquisição deve ter-se em conta, por força do nº 6, somente o nº 4 do artº 13º do CIS e seguirem-se as regras constante do CIMT por estarmos perante um caso de transmissão de figuras parcelares do direito de propriedade.
Por seu turno a Requerente está em completa discordância com esta conclusão porque, em seu entender, ao caso deve ser aplicável apenas o nº 6 do mesmo artº 13º do CIS sendo desnecessário recorrer o nº 4 do mesmo preceito, uma vez que ele contém todos os mecanismos para definir o valor que constitui o rendimento que deve ser tributado em sede deste imposto.
Concordando com a requerente, é aplicável ao caso a norma do nº 6 do artº 13º do Código do Imposto de Selo, norma que expressamente contempla o caso concreto, ou seja: “Quando a propriedade for transmitida separadamente do usufruto, o imposto devido pelo adquirente, em consequência da consolidação da propriedade com o usufruto, incide sobre a diferença entre o valor patrimonial tributário do prédio constante da matriz e o valor da sua propriedade considerado na respetiva liquidação”.
Da leitura atenta desta norma conclui-se que, em face da sua parte final, é inequívoco que o legislador considera que já houve uma ou mais liquidações antes da consolidação e que esta respeita à aquisição da nua propriedade (total ou parcial).
Acompanhando a interpretação da Requerente, em 1992 e em 2007 verificaram-se liquidações de imposto, primeiramente por valor parcial e depois novamente quanto à restante parte da nua propriedade, que foi integralmente adquirida com a partilha em 2007. E estas liquidações foram efetivadas com recurso ao mencionado nº 4 do artº 13º.
A questão que coloca depois é se, como entende a AT, o momento a consolidação implica necessariamente a determinação de novo valor para a liquidação, isto é, se há uma nova transmissão, cujo valor será o que deve ser considerado no apuramento do valor de aquisição para efeitos de mais-valias ou se, como entende a Requerente, o valor de aquisição será o que resultar da diferença entre o valor patrimonial do prédio constante da matriz à data e o valor da nua propriedade considerado na respetiva liquidação que já ocorreu na fase da partilha.
No entendimento da Requerente “… o legislador referir[u]-se ao valor da nua propriedade considerado na liquidação de Imposto do Selo à data em que tal liquidação foi realmente efetuada (ou, não o tendo sido por ter havido lugar a isenção, deveria ter sido efetuada), isto é, no caso em apreço, em 1992 e em 2007; é que, no momento da extinção do usufruto por morte do usufrutuário e consequente consolidação do direito de propriedade, não há lugar a qualquer liquidação de Imposto do Selo sobre a aquisição da nua propriedade em si mesma, pois esta não é, nesse momento em concreto, objeto de qualquer transmissão, gratuita ou onerosa”.
O valor tributário dos imóveis para efeitos de liquidação de imposto de selo, no que se refere à aquisição parcelar gratuita, tem duas regras: a primeira estabelece-se no momento da constituição do direito parcelar por via da existência de um usufruto, para a qual vale o nº 4 do artº 13º, e a outra diz respeito ao momento da consolidação quando a lei estabelece expressamente no nº 6 quais os valores que se devem considerar para o cálculo do imposto devido nesse momento.
A não ser assim, esbatia-se a utilidade da inclusão do nº 6 no artº 13º porque teríamos sempre o nº 4.
Salvo melhor opinião, não há, pois, necessidade de determinar novo valor do usufruto conforme o nº 4 do artº 13º para comparar com o VPT constante da matriz à data da consolidação e apurar a diferença, porque a lei expressamente manda considerar nesse momento o valor do usufruto que foi utilizado nas liquidações respetivas. Ou dizendo de outro modo, no momento da consolidação o valor sobre o qual incide o imposto devido é calculo obedecendo ao nº 6 daquele artigo e não ao nº 4 porque a esse já recorremos nas liquidações parcelares anteriores, quando diz que o imposto “…incide sobre a diferença entre o valor patrimonial tributário constante da matriz (à data- acrescentamos nós) e o valor da sua propriedade considerado na respetiva liquidação” e, como tem sido entendido, no nº 6 não há qualquer regra de incidência que necessita do recurso ao nº 4.
Esta disposição é taxativa e a liquidação a que a lei se refere é a que já foi efetivada aquando da aquisição da nua propriedade, isto é, sobre valores já conhecidos, não havendo necessidade de os determinar com pretende a AT.
Foi esta a opção legislativa com a qual estamos completamente de acordo porque à data da consolidação o que falta pagar é o imposto que ainda não foi pago pela aquisição do direito de propriedade na sua totalidade tendo por referência o VPT da matriz à data da consolidação e os valores do usufruto que já deram aso a liquidações que poderíamos apelidar de parcelares.
Ademais, é praticamente pacífica na doutrina a tese de que a consolidação não é equiparada a uma transmissão, pelo que da letra da lei só pode resultar a interpretação de que na data da consolidação o legislador manda “regularizar a situação” atendendo ao VPT à data e ao valor que foi considerado na liquidação já ocorreu no momento da aquisição parcelar do direito onerado com um usufruto, sem necessidade de voltar a determinar o valor dado não se verificar qualquer transmissão.
Portanto, se o CIRS remete para as regras do Código do Imposto de Selo para efeitos de determinação do valor a apurar em sede de determinação do valor de aquisição, é aplicável à situação apenas o referido artº 13º nº 6 do CIRS.
Esta tese introduz-nos na discussão sobre se a melhor leitura deste nº 6 do artº 13º do CIS é a que considera que a consolidação é uma nova ocorrência geradora de um facto sujeito a tributação, como pretende a AT, ou se, como nós entendemos e como defende a referida doutrina, o nº 6 não prevê qualquer nova regra de incidência objetiva, tratando-se antes de um preceito modelador das regras ou formas de cálculo do imposto devido no momento da extinção do próprio usufruto, e que, para existir regra de incidência nestes casos, seria necessário que uma outra norma em sede de incidência objetiva assimilasse a consolidação do usufruto a uma nova aquisição da propriedade por transmissão gratuita de bens.
Neste sentido, considera-se que a extinção do usufruto por morte do usufrutuário não transforma o radiciário em adquirente porque o que se verifica é a expansão do direito à propriedade plena, o que decorre da morte do usufrutuário.
O direito de propriedade encontra-se limitado enquanto dura o usufruto mas que imediatamente se expande até à sua plenitude logo que ocorra a morte do usufrutuário .
Nesta conformidade é lógico que não se possa retirar de uma norma eminentemente dirigida à determinação de valores uma regra de incidência que expressamente a lei não prevê. “Não parece, pois, incoerente, inconsistente ou fora da realidade sugerir que, com a morte do usufrutuário, não se verifica a consolidação da propriedade com o usufruto, mas apenas a expansão daquela até ao limite das suas faculdades e que esta expansão não se configura, do ponto de vista legal, como um facto suscetível de ser objeto de “aquisição” pelo proprietário e que possa, consequentemente, ser objeto de incidência de imposto do selo” .
Não existindo nenhuma regra de incidência no nº 6 do artº 13º do CIS, a utilização de um valor diferente do considerado nas respetivas liquidações aquando da aquisição da nua propriedade é violadora desta norma.
Portanto, o valor a que se refere o artº 45º do CIRS para efeitos de determinação do valor de aquisição de um imóvel alienado é o que resulta da aplicação da regra do nº 6 do artº 13º do CIS, que no nosso caso será apurado considerando o VPT à data da consolidação - 190 960,00€, menos o valor do imóvel considerado nas liquidações anteriores - 45 780,89€, ou seja, 145 189,11€.
Nesta senda, a interpretação da AT no que respeita à determinação do valor de aquisição consubstanciado numa forma de cálculo que leva a considerar a existência de um pretensa nova transmissão carecida de determinação do valor para liquidação de imposto de selo, ao se socorrer do nº 4 do artº 13º, enferma do vício de violação de lei pelo que, tanto a decisão da reclamação graciosa que manifestamente se fundamenta nesta interpretação como, consequentemente, a liquidação impugnada, não podem subsistir na ordem jurídica.
2 - Assaca ainda a Requerente uma outra ilegalidade tanto à reclamação graciosa como à liquidação impugnada, consubstanciadora de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, uma vez que na determinação do valor de aquisição também não foram considerados os montantes dos encargos em que incorreu a título de gastos com obras de remodelação, requalificação e beneficiação do imóvel antes da alienação, nos termos do artº 51º do CIRS.
Foi dado como provado que a Requerente despendeu 114 882,00€ com aquela finalidade e que na sua declaração Mod. 3 inscreveu esse montante, imputando determinadas quantias a cada um dos anos em que se verificou aquisição das partes do direito de propriedade.
Por outro lado, pelo documento remetido à Requerente no final do procedimento de verificação interno do IRS de 2015 para preenchimento da Declaração Mod. 3 de IRS, a própria AT indicou como devendo aí ser considerados valores coincidentes com os declarados, não tendo, na liquidação, levantado qualquer obstáculo sobre a consideração daqueles montantes porque é isso que transparece do resultado da liquidação notificada e aqui impugnada.
Perante esta constatação de factos dados como provados apurou-se que a AT considerou incluídos no artº 51º do CIRS os gastos devidamente documentados e que foram inseridos na declaração de IRS que deu origem à liquidação impugnada.
Se aferirmos os valores resultantes do cálculo do rendimento coletável constante da Nota de Liquidação verifica-se que esses valores estão considerados, e que a dúvida da Requerente decorre do facto de a forma de cálculo por si utilizada para sindicar estes valores na PI nunca poder ser coincidente porque a AT considerou no valor de aquisição um montante muito menor do que devia no que respeita ao valor de aquisição, porque se tivesse considerado o montante correto apurar-se-ia um rendimento coletável similar ao que apurou a Requerente.
Independentemente dessas considerações, a verdade é que a própria Requerida na sua Resposta afirma que deduziu os montantes na liquidação, o que nos leva a concluir que os considera enquadráveis na lei pelo que, face à vinculação resultante da lei e do cumprimento das decisões arbitrais que deve existir na sua atuação, mesmo em sede de nova liquidação, necessário se torna que volte a considerar as despesas que já considerou na liquidação anterior, como é óbvio.
A não ser que a AT decidisse invocar as normas aplicáveis para a correção da liquidação por erro dos serviços se, com observância das regras atinentes à caducidade do direito à liquidação, ainda puder proceder a essa retificação acolhendo a tese da fundamentação da reclamação graciosa, que ainda assim, não foi acolhida na Resposta como se disse.
Assim sendo, compete à AT dar cumprimento ao artº 24º do RJAT, logo que transitada em julgado a decisão.
Todavia, ainda assim, importa qualificar a natureza dos encargos e o seu enquadramento ou não no artº 51º do CIRS.
Esta questão tem sido objeto de análise da doutrina e foi apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo, e a corrente mais recente é a que entende que a “… a al.) a) do art. 51º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, às valorizações materiais ou físicas, abrangendo ainda os encargos efetivamente suportados que os valorizem economicamente”.
Seguindo o referido Acórdão, este conceito de «encargos com a valorização dos bens» encerra alguma margem de indeterminação e necessita de ser preenchido.
“…Ora, atentando na letra da lei (encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos) não pode deixar de concluir-se, desde logo, que o encargo há-de estar ligado à valorização do bem alienado. Ou seja, não estão incluídos encargos que tenham por escopo a mera preservação do valor do bem, mas, tão só os que se destinem a aumentar esse valor.
Mas que valor? Apenas o valor físico e material do bem ou também o seu valor de alienação? (…)
Pronunciando-se sobre este entendimento da AT, o Prof. Xavier de Basto (IRS: Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, 2007, pp. 460-465.) manifesta a sua resistência em aceitá-lo, considerando que, embora só as despesas que valorizem o bem estejam em causa, de entre estas, porém, a lei não parece autorizar distinções. No entender deste autor, «Se o objetivo da norma fosse atender só às valorizações materiais ou físicas e excluir os demais encargos, tê-lo-ia dito expressamente. Bem ao invés, o uso de uma formulação aberta - “encargos com a valorização dos bens” - parece indiciar que se não quis restringir o alcance da norma, como pretende o citado despacho da administração fiscal. Por outro lado, a dedução de encargos - através, neste caso, da sua adição ao valor de aquisição - é solução que decorre do princípio da tributação do rendimento líquido. Não prever a dedução de encargos efetivamente suportados que contribuem para a ocorrência do rendimento - neste caso, para a ocorrência do aumento do valor do imóvel que permitiu realizar mais-valia, na sua alienação - é violar um princípio económico e técnico da tributação do rendimento, o que só razões muito ponderosas poderiam justificar e haveria, por certo, de ser expressamente refletido no texto legislativo.»
Sobre esta matéria se pronunciara, igualmente, Manuel Faustino (em comentário ao ac. do TCAS, de 25/1/2005, no Rec. nº 00297/03, …), discordando do que refere ser uma visão exclusivamente jurídica da interpretação do conceito de valorização. … Daí que, do seu ponto de vista, pareça «mais correta, no plano tributário, para situações como a descrita, a visão do bem, não como uma coisa em sentido meramente jurídico, mas como uma fonte de rendimento, com um aspeto económico que não pode ser desprezado. E nessa perspetiva, tudo o que possa contribuir para a valorização económica do bem, necessariamente deve ser considerado como “encargo de valorização”» sob pena de se cometer «uma injustiça», por se tributar «uma capacidade contributiva inexistente…» (Boletim APECA nº 121, 2º trimestre de 2005, Jurisprudência Fiscal, p. 60.)
…
De todo o modo, considerando toda a argumentação exposta e, sobretudo, o facto de o rendimento a tributar como mais-valia dever ser, em princípio, um rendimento líquido, correspondente à capacidade contributiva efetivamente adquirida, (…) no caso, parece ser de aceitar tal interpretação no sentido de que a referida al. a) do art. 51º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, referentes às valorizações materiais ou físicas, abrangendo ainda os encargos efetivamente suportados que os valorizem economicamente”.
Para que, em sede de IRS, seja tributado o rendimento realmente auferido pelos contribuintes, respeitando-se assim o princípio da tributação segundo a capacidade contributiva, haverá que permitir a dedução dos encargos efetivamente suportados e que efetivamente contribuíram para a origem ou aumento desse mesmo rendimento, como é o caso do pagamento dos encargos inerentes à reabilitação do imóvel que, alienado na situação em que se encontrava antes das obras, teria, certamente, um valor económico bastante inferior ao que o proprietário conseguiria obter depois da realização das obras.
Não prever a dedução dos encargos efetivamente suportados que contribuem para o aumento da mais-valia resultante da alienação, seria violar um princípio económico e técnico da tributação, como diz Xavier de Bastos.
Pelo que, como afirma a doutrina e jurisprudência que já se pronunciaram sobre esta questão , o artº 51º só é corretamente interpretado quando compreende aí os custos da natureza dos que aqui estão em causa.
Assim sendo, na liquidação impugnada não pode deixar de se incluir o montante das obras efetivamente realizadas pela Requerente antes da alienação por as mesmas se enquadrarem na previsão do arº 51º do CIRS, contrariamente ao que se entendeu na reclamação graciosa.
V - DO PEDIDO DE PAGAMENTO DE INDEMNIZAÇÃO POR PRESTAÇÃO INDEVIDA DE GARANTIA
Formula ainda a Requerente um pedido de condenação da AT no pagamento, a título de indemnização, dos encargos que teve que suportar com a prestação de garantia na execução fiscal tendo em vista a suspensão da instância executiva.
Não pode, nesta fase, quantificar quaisquer prejuízos, pretendendo que o tribunal declare o direito ao valor que será determinado no futuro.
Esta matéria deve ser enquadrada no âmbito dos artº 53º da LGT e 171º do CPPT.
Acompanhando a doutrina e a jurisprudência quase unânimes, há que reconhecer que estão verificados os requisitos para o reconhecimento do direito à reparação dos prejuízos causados pela prestação de garantia visando a suspensão da instância, nos termos do artº 53º da LGT já que: se constata a declaração de ilegalidade parcial da liquidação em sede de tribunal arbitral que tem como fundamento a verificação de um erro de direito imputável à AT porquanto esta realizou a liquidação controvertida em desconformidade com os normativos legais aplicáveis.
Por outro lado, considera-se que o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida foi formulado em sede processualmente adequada atenta a disposição do artº171º do CPPT, seu nº 2, ao estabelecer que o mesmo deve ser formulado “… na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a ocorrência “.
Respondendo a este pedido, a Requerida, não pondo em causa a possibilidade processual de a Requerente poder formular nesta sede o pedido de reconhecimento do direito ao reembolso dos encargos, nem afrontando a ideia de que estão verificados os respetivos requisitos legais, pede, todavia, o seu indeferimento com a alegação de que o artº 171º do CPPT, que dá execução prática ao artº 53º da LGT, não contempla o tipo de garantia constituída sob a forma de hipoteca voluntária por não ser uma garantia bancária ou equivalente.
Fundamenta a Requerida este seu entendimento no facto de o artº 171º do CPPT só falar em garantia bancária ou equivalente e invoca diversa jurisprudência do STA para suportar o seu pedido.
Reconheça-se que, efetivamente, o entendimento da jurisprudência vai no sentido de que, como é caso do Ac. do STA nº 469/14.6 BELRS, tendo a garantia sido prestada através de hipoteca voluntária, o prejuízo não se inclui na previsão legal esta forma de garantia.
“ … Assim sendo não se inclui na precisão legal de indemnização por prestação de garantia indevida o prejuízo sofrido pela prestação de outro tipo de garantia (…) o que resulta segundo os doutrinadores da ocorrência de uma maior dificuldade em se configurar então a existência de um prejuízo efetivo sofrido pelo executado nesse tipo de circunstâncias, o que não significa que tal não possa ocorrer devendo, então, o ressarcimento do lesado fazer-se pelos meios indemnizatórios gerais” .
Acompanhando, de jure constituto, a posição defendida por esta doutrina e jurisprudência, indefere-se o pedido.
***
Finalmente o Tribunal considera que a liquidação de juros compensatórios enferma das mesmas ilegalidades de que sofre a liquidação sobre a qual incidiram pelo que, anulada uma, consequentemente, se deve considerar anulada a outra.
Também, por desnecessidade, fica prejudicada a apreciação de outras questões que lateralmente tenham sido colocadas.
VI - DA DECISÃO
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral de conformidade com o exposto e, em consequência, anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e os atos tributários impugnados (imposto e juros compensatórios);
b) Julgar improcedente o pedido de reconhecimento do direito à indemnização pelos prejuízos decorrentes da prestação de garantia na execução fiscal sob a forma de hipoteca voluntária.
c) Condenar a Autoridade Tributária no pagamento das custas do processo.
VII - VALOR DO PROCESSO
Considerando o estabelecido no art. 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 34 898,60€.
VIII - CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 836,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, cujo pagamento incumbe à Requerida.
Lisboa, 29 de novembro de 2021
O Árbitro Singular
José Ramos Alexandre