DECISÃO ARBITRAL
O árbitro, Susana Mercês, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído a 09 de Junho de 2021, decide o seguinte:
I. RELATÓRIO
1. No dia 01 de Abril de 2021, A..., NIF ..., residente na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Estoril (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente:
a) À declaração de ilegalidade do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2020... e, consequentemente, do ato de liquidação de IRS n.º 2019..., referente ao ano de 2015, no valor total de €33.264,81, sendo €1.302,46 a título de juros compensatórios, do qual resultou o montante a pagar de €17.385,04;
b) À condenação da Requerida, em caso de procedência do presente pedido arbitral, ao pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (doravante, abreviadamente designada LGT).
O Requerente juntou 16 (dezasseis) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.
É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Requerida ou AT).
Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), o Requerente alega, em suma, que a decisão da reclamação graciosa, e mediatamente, a liquidação impugnada, enferma de vício de forma, por preterição do direito de audição prévia, e de vício de violação de lei, por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 81.º do Código de IRS, 72.º, 74.º e 58.º da LGT e nas disposições consagradas na CDT aplicáveis no que toca à eliminação da dupla tributação internacional e ao princípio da não discriminação.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 07.04.2021.
3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, a qual comunicou a aceitação do cargo no prazo aplicável.
Em 20.05.2021, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
4. No dia 12.05.2021, a AT veio, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, apresentar documento que aqui se dá por inteiramente reproduzido, do qual, além do mais, consta o seguinte despacho proferido (por delegação), em 05.05.2021, pela Subdiretora-Geral da AT para a área de Gestão Tributária do IR:
“Revogo o ato contestado, com os fundamentos invocados.
Proceda-se conforme proposto.”
No dia 12.05.2021 o Requerente foi devidamente notificado, quer daquele documento apresentado pela AT, quer do despacho do Senhor Presidente do CAAD, com o seguinte teor:
“Com referência ao Processo n.º 185/2021-T e na sequência da comunicação da Autoridade Tributária e Aduaneira prevista no artigo 13.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2021, de 20 de janeiro (RJAT), solicita-se a V.Exa. que, face ao circunstancialismo previsto no artigo 13.º n.º 2 do RJAT, se digne a informar o CAAD, querendo, sobre o prosseguimento do procedimento.”
No dia 21.05.2021, na sequência da predita notificação que lhe foi dirigida, veio o Requerente pronunciar-se nos seguintes termos, que aqui importa enunciar:
“(...)
3. Do teor daquele despacho resulta assim a revogação do ato de liquidação objeto do presente procedimento, todavia tal despacho é omisso no que toca ao pedido de juros indemnizatórios.
4. Também na informação e parecer sobre o qual recaiu o despacho não é feita qualquer alusão ou proposta no que toca ao reconhecimento do direito do Requerente a juros indemnizatórios.
5. E, nessa medida, a pretensão do Requerente não foi integralmente atendida no referido despacho.
6. Acresce que, nos termos do artigo 43.º n.º 1 da LGT, é pressuposto da atribuição dos juros indemnizatórios que haja erro imputável aos serviços e de que resulte o pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido e que a existência de tal erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou impugnação.
7. Ora na decisão de indeferimento da reclamação graciosa a AT pronunciou-se expressamente no sentido de não serem devidos juros indemnizatórios por não se verificarem os pressupostos previstos no artigo 43.º n.º 1 da LGT.
8. E no despacho de revogação ora notificado, repita-se não há qualquer pronúncia da AT sobre a questão dos juros indemnizatórios.
9. Ou seja, pese embora a revogação do ato de liquidação pelo citado despacho, o certo é que no mesmo não foi regulada a situação que existiria caso o mesmo não tivesse sido praticado, mormente o direito do Requerente ao pagamento dos juros indemnizatórios peticionados e, nessa medida, a pretensão do Requerente não ficou totalmente satisfeita pela revogação do ato de liquidação, pois alguns dos seus atos lesivos não foram expurgados.
(...)
13. Termos em que, pelos fundamentos expostos, se requer:
i) Seja notificada a entidade requerida para se pronunciar expressamente sobre o reconhecimento do direito do Requerente ao recebimento de juros indemnizatórios, contados desde a data de pagamento do imposto indevido até efetivo reembolso;
ii) Caso a Requerida AT não se pronuncie, ou se pronuncie no sentido de negar tal direito, o prosseguimento do presente procedimento com vista à apreciação pelo tribunal arbitral do pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos dos artigos 43.º n.º 1 da LGT e 61.º n.º 5 do CPPT, com as demais consequências legais.
5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 09.06.2021.
6. No dia 07.09.2021, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual arguiu a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios e pugnou pela extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide.
A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, tendo apenas protestado juntar o comprovativo da liquidação após revogação do ato e da notificação do mesmo ao Requerente (o que não veio a suceder, até à data).
A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação:
No prazo a que se refere o artigo 13.º do RJAT, a Requerida deu conhecimento aos autos do despacho de revogação do ato de liquidação de IRS controvertido, pelo que “com a revogação, os atos impugnados foram expurgados da ordem jurídica”.
“Tendo em conta que os atos tributários visados deixaram de existir na ordem jurídica e a finalidade anulatória pretendida pelo Requerente relativamente às liquidações impugnadas já foi alcançada, carece de utilidade o prosseguimento dos presentes autos, devendo ao abrigo do n.º 4 do artigo 112.º do CPPT extinguir-se a instância.”
Mais, considerando que com o presente pedido de pronúncia arbitral, o Requerente pretende única e exclusivamente que lhe seja reconhecido o direito ao pagamento de juros indemnizatórios e, “não estando em causa, a apreciação da legalidade de qualquer ato de liquidação, que seria o objeto imediato do pedido, na medida em que nenhum ato impugnável existe já na ordem jurídica, é manifesta a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar de pedidos que lhe são consequentes, o mesmo é dizer, do objeto mediato, no caso, a condenação em juros indemnizatórios”.
7. O Tribunal considerou que a matéria de exceção podia ser conhecida com a decisão arbitral e decidiu, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2, do RJAT) dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a produção de alegações pelas Partes, tendo fixado o dia 30 de novembro de 2021 como data limite para prolação da decisão arbitral.
8. O Requerente, nada tendo a opor à tramitação definida pelo Tribunal, apresentou, em 22.09.2021, um requerimento, no qual, ao abrigo do princípio do contraditório (artigo 16.º do RJAT), se pronunciou sobre a exceção de incompetência material deste Tribunal Arbitral invocada pela AT, pugnando pela sua improcedência, com base na seguinte argumentação:
“ (...)
6. Desde logo é pacífico na jurisprudência arbitral que o Tribunal Arbitral tem competência para conhecer da questão dos juros indemnizatório decorrentes dos atos tributários ilegais que sejam impugnados e para proferir pronúncias condenatórias nessa matéria, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT – cfr. Decisões Arbitrais proferidas nos processos 40/2019-T, 701/2019-T e 227/2018-T.
7. Por outro lado, a anulação do ato de liquidação efetuada pela AT, por vícios substantivos, demonstra, por si só, erro imputável aos Serviços, que constitui pressuposto do pagamento dos juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º da LGT, conforme vem sendo reiteradamente afirmado pela jurisprudência do STA.
(...)
12. E ainda que o dever de pagamento de juros indemnizatórios decorra como efeito da anulação, conforme referido na decisão arbitral de 10.06.2019, proferida no processo 40/2019-T “tal não compromete a utilidade de uma pronúncia jurisdicional nesse sentido que regule a questão com efeito de caso julgado material. Interpretação esta parametrizada pelo princípio da tutela jurisdicional efetiva e pela dispensa de um eventual contencioso (desnecessário e oneroso), em caso de incumprimento dos deveres reconstitutivos por parte da AT, nomeadamente de uma ação indemnizatória autónoma, que derivaria da posição contrária.”
***
II. SANEAMENTO
9. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
1. DA INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL PARA APRECIAR O PEDIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
10. A Requerida sustenta que em virtude da pretensão principal do Requerente ter sido satisfeita por via da revogação do ato de liquidação de IRS controvertido, o conhecimento da questão referente aos juros indemnizatórios fica prejudicada, uma vez que a presente ação arbitral não é o meio processual adequado para o efeito, quando, como é o caso, são peticionados em singelo, ou seja, como um pedido consequente; assim considera a Requerida que “deve declarar-se a exceção de incompetência absoluta deste Tribunal arbitral em razão da matéria para o reconhecimento dos juros indemnizatórios (...)”.
O âmbito de competência material do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (cfr. artigo 13.º do CPTA ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT), sendo que a infração das regras da competência em razão da matéria é de conhecimento oficioso (cfr. artigo 16.º do CPPT e artigos 96.º, al. a) e 97.º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT).
Dito isto, constitui nosso entendimento que a questão invocada pela Requerida não se prende com a matéria de competência do Tribunal, mas, sim, com a amplitude da instância arbitral, uma vez que é indiscutível a competência deste tribunal para a apreciação dos pedidos de juros indemnizatórios que se mostrem eventualmente devidos pela declaração de ilegalidade, nesta sede, do ato tributário.
Fazemos nosso o entendimento vertido nas decisões arbitrais proferidas nos processos n. sº 40/2019-T e 701/2019-T, no que toca a esta questão, que passamos a transcrever:
“(...) afigura-nos que a questão suscitada não é qualificável como incompetência material, respeitando, antes, à amplitude da extinção da instância como efeito da anulação (...) dos atos impugnados, I.e., está em causa avaliar se esta extinção se projeta sobre os pedidos acessórios ou dependentes da pretensão anulatória entretanto satisfeita por via administrativa, sem, contudo, os regular (os juros indemnizatórios ou a indemnização por prestação de garantia).
Não se suscitam dúvidas a este Tribunal que a matéria dos juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que sejam impugnados é passível de conhecimento pelos Tribunais Arbitrais tributários. Com efeito, estes têm competência para proferir pronúncias condenatórias em moldes idênticos aos que são admitidos no processo de impugnação judicial, incluindo, portanto, as que derivam do reconhecimento do direito àqueles juros, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT, conforme reiteradamente afirmado pela jurisprudência arbitral do CAAD.
O direito a juros indemnizatórios alicerça-se no princípio da responsabilidade das entidades públicas (artigo 22.º da CRP) e é regido pelo artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida. Dispõe esta norma que (s)ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. (...)
Deste modo, independentemente de se verificarem, no caso concreto, os pressupostos de que depende o nascimento da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, afigura-se inegável que o Tribunal Arbitral tem competência para apreciar tal questão, que objetivamente se enquadra nos seus poderes de cognição, pelas razões acima enunciadas.”
Improcede, portanto, a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido referente a juros indemnizatórios.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1 MATÉRIA DE FACTO
FACTOS PROVADOS
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:
A. O Requerente, residente fiscal em Portugal, apresentou uma declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2015, tendo inscrito no quadro 8 (Rendimentos de capitais/categoria E) do anexo “J” (Rendimento obtidos no estrangeiro), entre outros, dividendos provenientes de entidades Alemãs, Francesas, Suíças e Norte Americanas, no montante de €108.975,03, bem como as retenções na fonte a que foram sujeitos nos Estados de origem dos rendimentos, no valor de €28.494,09 (cfr. documento n.º 3 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
B. Face à declaração apresentada, o Requerente foi notificado da Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2016..., onde foi deduzido à coleta um crédito de imposto por dupla tributação internacional no montante de €16.082,60 e apurado um montante de imposto a pagar de €15.879,77 (cfr. documento n.º 4 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
C. Por ofício n.º..., de 20.09.2018, da Direção de Finanças de Lisboa, em virtude de uma ação de controle do crédito de imposto por dupla tributação em Portugal, foi o Requerente notificado para exercer o direito de audição prévia sobre o projeto de alterações à sua Declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2015, nos termos do qual deveria ser retirado o crédito de imposto por dupla tributação internacional, “por falta de exibição de documentos válidos comprovativos do rendimento auferido e imposto suportado no estrangeiro”(cfr. documento n.º 9 junto ao pedido de pronúncia arbitral);
D. Por carta, datada de 02.10.2018, o Requerente exerceu o seu direito de audição prévia, tendo juntado documentos e invocado, em síntese, o seguinte (cfr. documento n.º 10 junto ao pedido de pronúncia arbitral):
a) “(...) Não conseguiu obter das autoridades fiscais dos países em causa as declarações exigidas pela AT para comprovação do imposto suportado nos respetivos países”;
b) Que, “(...) quer as autoridades Alemãs quer as autoridades Suíças já lhe haviam devolvido o excesso do imposto retido na fonte nos respetivos países face à taxa prevista nas respetivas CDT’s”;
c) “Que face a eventuais dúvidas quanto aos montantes retidos na fonte nos países em causa, poderia a AT lançar mão do mecanismo de troca de informações com as respetivas autoridades fiscais”.
E. Não obstante, foi o Requerente notificado da liquidação adicional de IRS n.º 2019..., aqui impugnada, referente ao ano de 2015, no valor total de €33.264,81, sendo €1.302,46 a título de juros compensatórios, da qual resultou o montante a pagar de €17.385,04 (cfr. documento n.º 2, junto ao pedido de pronúncia arbitral);
F. Em 11.11.2019, o Requerente pagou o montante resultante dessa liquidação (cfr. documento n.º 11, junto ao pedido de pronúncia arbitral);
G. Em 26.02.2020, o Requerente apresentou reclamação graciosa da referida liquidação, alegando, em suma, que as autoridades fiscais estrangeiras se recusavam a emitir os documentos exigidos pela AT, que comprovassem os ditos pagamentos, sendo os documentos por si apresentados em sede de controlo de crédito de imposto suficientes para o efeito (cfr. documento n.º 12, junto ao pedido de pronúncia arbitral);
H. Em 29.12.2020, por despacho da Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, a reclamação graciosa foi indeferida, por “(...) falta de emissão de documento original ou autenticado emitido pelas diversas autoridades fiscais dos países da fonte referentes aos rendimentos declarados no Anexo “J”, o que inviabilizava o pedido efetuado pelo Requerente (cfr. documento n.º 1, junto ao pedido de pronúncia arbitral);
I. Não se conformando o Requerente com tal decisão, apresentou, em 01.04.2021, o pedido de constituição do tribunal arbitral, que deu origem ao presente processo. (cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD);
J. Em 05.05.2021, por despacho proferido (por delegação) pela Subdiretora-Geral da AT para a área da Gestão Tributária – IR, foi revogado o ato de liquidação de IRS controvertido, sem que tenha sido emitida qualquer pronúncia sobre os juros indemnizatórios, com a seguinte fundamentação (cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD);
“(...) Ora, analisados os argumentos e as provas apresentadas, conclui-se o seguinte:
(...)
11. No que concerne aos documentos a apresentar relativamente aos rendimentos obtidos no estrangeiro, os mesmos têm que estar em conformidade com o disposto no ofício-circulado n.º 20124 de 2007/05/09, isto é, tratarem-se de fotocópias autenticadas ou originais emitidos pela autoridade fiscal do país de origem.
12. Porém, relativamente aos rendimentos de juros abrangidos pela Diretiva da Poupança n.º 2003/48/CE, nos termos do n.º 2 do art. 9.º do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça que prevê medidas equivalentes às previstas na Diretiva 2003/48/CE do Conselho relativa à tributação dos rendimentos de poupança sob a forma de juros o Estado-Membro da residência fiscal aceita os certificados emitidos pelos agentes pagadores suíços como prova bastante do rendimento e imposto ou retenção na fonte.
13. Neste sentido, as cópias dos documentos bancários apresentados são suficientes para poderem ser aceites como documentos comprovativos do rendimento auferido e imposto pago na Suíça e dessa forma aceitar os valores invocados pelo sujeito passivo referentes aos rendimentos provenientes da Suíça (onde podemos concluir os rendimentos relativos aos EUA pois foram processados pela conta da Suíça, aliás observa-se a mesma situação com os rendimentos de França que foram processados pela conta do contribuinte na Alemanha).
14. Ora, relativamente aos documentos apresentados pelo sujeito passivo em sede de controlo de crédito de imposto e reclamação graciosa foram considerados como meros extratos bancários, os quais deveriam ainda assim no caso dos rendimentos provenientes da Suíça terem sido aceites (mas que erroneamente não foram).
15. No entanto, também a apreciação dos documentos efetuada pela AT não foi a mais correta, pois alguns dos documentos apresentados pelo sujeito passivo são mesmo provenientes das autoridades fiscais da Alemanha e da Suíça (cf. docs 6 e 8 respetivamente).
16. Mais, os documentos apresentados dizem respeito ao pedido de reembolso efetuado pelo sujeito passivo junto daquelas autoridades a solicitar a diferença da taxa de retenção prevista na CDT celebrada com Portugal e a efetuada em cada um dos países (Alemanha e Suíça).
17. Dos documentos apresentados é possível confirmar que o sujeito passivo foi reembolsado da diferença de imposto retido na fonte, pelo que tem de se aceitar que os montantes que foram considerados na liquidação de IRS de 2015 como crédito de imposto não estão corretos.
18. Por outro lado, as autoridades fiscais ao reconhecerem e deferirem os pedidos de reembolso confirmam a totalidade da retenção na fonte que consta dos documentos bancários, como ainda reconhecem o direito do sujeito passivo a ser reembolsado da diferença de taxas (a taxa prevista na CDT e a taxa de retenção por aplicação do direito interno).
19. Como é evidente se o sujeito passivo não tivesse tido qualquer retenção na fonte não teria sido reembolsado de qualquer valor pelas autoridades fiscais.
(...)
22. Por último, os documentos 15 e 16 apresentados pelo contribuinte consistem em troca de emails com as autoridades fiscais da Alemanha e Suíça, nos quais se confirma o alegado pelo sujeito passivo, isto é, as autoridades fiscais Alemãs e Suíças recusaram emitir quaisquer outros documentos dada a situação do sujeito passivo já ter na sua posse documentos que comprovavam que foi sujeito a retenção na fonte definitiva naqueles países.
23. Concluindo, da análise aos documentos apresentados pelo sujeito passivo confirma-se que deverá ser atendido o pedido do sujeito passivo anulando-se o ato contestado, uma vez que para além dos documentos bancários constam documentos provenientes das autoridades fiscais da Alemanha e Suíça que comprovam o imposto pago no estrangeiro de acordo com o previsto nas convenções.
24. Face ao exposto, atendendo a toda a documentação constante do processo, deverá considerar-se o imposto pago no estrangeiro conforme a liquidação n.º 2016... de IRS de 2015.
(...)” – (sublinhado e negrito nosso) –;
K. O Requerente foi notificado, em 12.05.2021, através do Sistema de Gestão Processual do CAAD, da revogação do ato de liquidação de IRS controvertido (cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD);
L. Este Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 09.06.2021, (cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD).
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.
III.2 MATÉRIA DE DIREITO
2. EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Como vimos, o Requerente peticiona, no presente processo, a anulação do ato de liquidação de IRS e a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.
No seguimento da notificação do pedido de constituição do tribunal arbitral à AT (cfr. artigo 10.º, n.º 3, do RJAT), esta procedeu, em 05.05.2021, à revogação do ato de liquidação controvertido, ao abrigo do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, por despacho proferido (por delegação) pela Subdiretora-Geral da AT para a Área da Gestão Tributária – IR, sem que tenha emitido qualquer pronúncia no que tange ao pedido de juros indemnizatórios formulado pelo Requerente. (cfr. facto provado J.)
Resulta, também, do probatório que o Requerente apenas tomou conhecimento da revogação do ato de liquidação de IRS controvertido, em 12.05.2021, através do Sistema de Gestão Processual do CAAD e, notificado para se pronunciar, veio requerer, nos termos do artigo 13.º, n.º 2, do RJAT, o prosseguimento do presente processo arbitral com vista à apreciação do pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, caso esta não se pronunciasse expressamente sobre tal pedido ou se pronunciasse no sentido de negar o mesmo (o que ocorreu, na resposta apresentada pelo AT, ao abrigo do disposto no artigo 17.º, n.º 1, do RJAT.
Aqui chegados e, antes de avançar, impõe-se uma breve alusão ao conceito de revogação (a que se reporta o artigo 79.º da LGT), que corresponde ao que hoje, à luz do CPA, se denomina de “anulação administrativa”, a qual se consubstancia no ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade, visando a eliminação do mundo jurídico de atos anuláveis, com efeitos retroativos.
Assim, no caso em apreço, “A Autoridade Tributária entendeu revogar o ato recorrido com fundamento em considerações de legalidade administrativa e não de mera discricionariedade, pelo que, embora adote a fórmula verbal anteriormente aplicável, praticou, segundo a nova terminologia, um ato de anulação administrativa, tendo determinado, no rigor dos termos, a anulação do ato tributário que foi impugnado (...)” – (cfr. Decisão Arbitral proferida no processo n.º 481/2018-T)
Dito isto, e conforme dispõe o artigo 277.º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
Tal ocorre em caso de morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objeto do processo ou por extinção de um dos interesses em conflito.
Com efeito, a inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.
Desta feita, no caso em apreço, o ato de liquidação controvertido foi objeto de anulação, com fundamentação de facto e de direito, por vício de violação de lei, tendo a finalidade anulatória pretendida pelo Requerente sido alcançada, ficando prejudicada a sua apreciação pelo Tribunal Arbitral por aquela atuação administrativa.
Nestes termos, verifica-se a inutilidade superveniente da lide no que respeita ao pedido de declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IRS controvertida, o que determina a extinção da instância, quanto a este pedido, ao abrigo do disposto no artigo 277.º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
3. DIREITO AOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Como se acabou de referir, o ato de liquidação de IRS controvertido foi anulado administrativamente, pretendendo o Requerente a condenação da Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios, sobre o qual o despacho de revogação é omisso.
A questão que se coloca é se ocorrendo inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IRS sindicada, como no caso vertente, e o ato anulatório não se pronunciar sobre os juros indemnizatórios, pode o Tribunal conhecer deste pedido.
Entendemos que sim, pese embora tal posição não seja unânime.
Nesta medida, adotamos o entendimento perfilhado na Decisão Arbitral prolatada no processo n.º 40/2019-T, de que “se a remoção dos atos de liquidação não for acompanhada da regulação da situação que existiria se não tivessem sido praticados, ou seja da atribuição de juros indemnizatórios (...), então, nessa medida o processo pode prosseguir para acautelar a pretensão acessória suscitada pela emissão de tais atos ilegais que, apesar de anulados, existiram e produziram efeitos lesivos.”
Assim, fazemos nossas as considerações vertidas na aludida Decisão Arbitral, as quais passamos a transcrever:
“(...) entendimento contrário, segundo o qual não é de conhecer a pretensão de juros indemnizatórios em caso de inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, não se afigura de harmonia com a jurisprudência constante do STA que preconiza que não existindo pronúncia administrativa (decisão) sobre os juros indemnizatórios (...), não está integralmente regulada a relação tributária gerada pelo ato ilegal, nem satisfeita de forma integral a pretensão deduzida no processo, pelo que o Tribunal, tendo sido deduzido pedido nesse sentido, pode apreciar e, caso se verifiquem os respetivos pressupostos, condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, ou seja, nessa exata medida mantém-se a utilidade e interesse da pronúncia jurisdicional (...)”.
A este propósito o artigo 100.º da LGT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, estabelece que: “A Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existira se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.
Nesta medida, a anulação do ato tributário sindicado acarreta a eliminação dos seus efeitos ex tunc, o que acarreta o dever de a AT restabelecer a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado.
O que, volvendo ao caso concreto, não ocorreu, pois, a AT no despacho de revogação, omite qualquer pronúncia no que respeita ao pedido de juros indemnizatórios formulado, vindo, em sede de resposta, negar o direito aos mesmos, pelo que a pretensão – condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios – deduzida pelo Requerente não foi alcançada, uma vez que alguns dos seus efeitos lesivos não foram expurgados da ordem jurídica.
Mais, não se vê em que medida o facto de estar previsto na lei o dever de pagamento de tais juros por parte da AT, desde que preenchidos os respetivos requisitos, prejudica a utilidade de uma pronúncia deste tribunal quanto a esta questão com efeito de caso julgado material, dispensando-se o Requerente de recorrer a um contencioso dispensável, moroso e dispendioso, em caso de incumprimento dos deveres impostos à AT (reconstituição da situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado), o que se compagina com o princípio constitucionalmente consagrado – princípio da tutela jurisdicional efetiva –.
Por outro lado, e antes de aferir do preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 43.º da LGT (quanto ao dever de pagamento de juros indemnizatórios), importa referir que o facto de a revogação do ato tributário ter ocorrido no prazo estatuído pelo artigo 13.º, n.º 1, do RJAT – (antes da constituição do tribunal arbitral – 09.06.2021 – ) mas, após o pedido de constituição do mesmo, em nada contende com a possibilidade do presente Tribunal se pronunciar quanto aos juros indemnizatórios, na medida em que só se verifica a inutilidade superveniente da lide se a pretensão do Requerente tiver sido integralmente satisfeita (o que, conforme já referido, não ocorreu, mantendo-se a utilidade relativamente ao pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios).
Recorde-se que, o Requerente só teve conhecimento de tal revogação, em 12.05.2021, através do Sistema de Gestão Processual do CAAD, ou seja, já no decurso da instância arbitral (após o pedido de constituição do TA), pelo que, não ficando o Requerente totalmente satisfeito com a revogação do ato tributário aqui em crise, não faria sentido que se obstasse ao prosseguimento do procedimento arbitral e, à emissão de pronúncia pelo Tribunal quanto à questão em apreço, caso se entenda ser admissível o seu conhecimento por parte deste, de modo a permitir que aquele obtenha a justiça de que se acha merecedor e que requereu.
Desta feita, considerando o Tribunal que esta questão (pagamento de juros indemnizatórios) é de conhecer e que o momento em que se revoga o ato tributário, desde que no decurso do procedimento arbitral e na medida em que a sua pretensão não se encontre integralmente satisfeita, em nada contende com este entendimento, fica apenas por demonstrar se se encontram preenchidos os pressupostos previstos no artigo 43.º da LGT.
Estatui o artigo 43.º, n.º 1, da LGT que: “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
A anulação pela AT de atos tributários de liquidação de imposto na pendência de impugnação judicial ou de reclamação graciosa, contra tais atos e onde, além de se pedir a anulação dos mesmos, se pede também a condenação da AT em juros indemnizatórios, constitui facto de per si demonstrativo de erro imputável aos Serviços e determinante do pagamento desses juros ao abrigo do citado artigo.
Assim, fica implicitamente resolvida de forma favorável ao Requerente a questão da apreciação da (i)legalidade do ato de liquidação anulado, pois, a anulação do ato pela AT por vícios substantivos (conforme sucedeu no caso em apreço), demonstra erro imputável aos Serviços, requisito imprescindível à decisão de procedência do pedido de juros indemnizatórios.
Tal entendimento será de aplicar ao processo arbitral tributário, sob pena de obtermos decisões distintas quanto à mesma questão e, consequentemente, uma justiça discricionária, o que, desde já, se rejeita.
Por todo o exposto, procede a pretensão do Requerente no que toca aos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, por se considerar demonstrado o requisito de erro imputável aos Serviços.
IV. DECISÃO
Nestes termos e com a fundamentação acima descrita, decide julgar-se:
a) Improcedente a exceção da incompetência material arguida pela Requerida;
b) Extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, quanto ao pedido de declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação adicional de IRS;
c) Procedente o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios;
V. VALOR DA CAUSA
Fixa-se ao processo o valor de €17.385,04, nos termos do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VI. CUSTAS
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, 2.º e 4.º, do RCPAT, 527.º e 536.º, n.º 3, do CPC fixa-se o montante das custas em €1.224,00, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, na parte em que a instância se extinguiu por inutilidade superveniente da lide e por ter sucumbido na parte julgada por este Tribunal Arbitral.
Notifique-se.
Lisboa, 23 de novembro de 2021
(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT)
A árbitro,
Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho