Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 109/2021-T
Data da decisão: 2021-11-22  IRS  
Valor do pedido: € 1.034,97
Tema: IRS. Categoria B. Regime simplificado. Coeficientes de determinação do rendimento líquido. Instrutor de artes marciais.
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Sumário:

 

I.             A atividade profissional de "Instrutor de artes marciais", quando individualmente exercida, não é uma atividade especificamente prevista na Tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS.

 

II.            A sua integração no código 0812 Professores implica a integração analógica, vedada à integração de lacunas nas normas sujeitas a reserva de lei nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 11.º da LGT.

 

III.          A Tabela anexa ao Código do IRS, embora tenha a sua norma habilitante no artigo 151.º do Código do IRS, na medida em que atualmente interfere direta e imediatamente, na quantificação do facto tributário, nos termos dos coeficientes consagrados no artigo 31.º do mesmo Código, não pode deixar de se considerar integrada no aspeto quantitativo do elemento objetivo da incidência e, nessa medida, sujeita a reserva de lei.

 

IV.          Não estando especificamente prevista na Tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS e não sendo possível, por mera interpretação extensiva, integrá-la em qualquer outra profissão nela especificamente prevista, a atividade exercida no âmbito da profissão de "Instrutor de artes marciais" têm, necessariamente, de considerar-se abrangida pelo código 1519 Outros prestadores de serviços e, consequentemente, o coeficiente para determinação do rendimento líquido aplicável aos rendimentos auferidos no seu exercício é de 0,35.

               

DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

 

1.            A..., titular do NIF n.º..., residente na Rua ..., n.º ..., ..., ..., ...-... ..., veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da liquidação de IRS de 2020, n.º 2020..., com a consequente condenação da AT à restituição do montante de imposto indevidamente pago, no montante de € 628,79, a que deve acrescer o montante de € 406,18 pago em excesso em liquidação anterior relativa ao mesmo ano, tudo no montante de € 1.034,97.

 

2.            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante também identificada por, "Requerida", “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”.

 

3.            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 22-02-2021.

 

4.            Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro singular o signatário que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 31-05-2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

6.            Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal singular foi constituído em 15-07-2021.

 

7.            A AT apresentou, tempestivamente, resposta em 03-09-2021, começando por contestar a determinação do valor do processo e defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, em primeiro lugar por exceção, alegando a incompetência do tribunal em razão da matéria e da hierarquia e, depois, por impugnação, na parte em que o ato não foi parcialmente revogado por decisão proferida em 17-09-2020, em procedimento de reclamação graciosa e juntou o Processo Administrativo (PA)

 

8.            Por despacho de 03-09-2021 foi o Requerente notificado para responder, querendo, em 10 dias, à matéria da exceção alegada pela Requerida, não tendo respondido.

 

9.            Por despacho de 23-09-2021, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações.

 

10.          Por despacho de 16-10-2021, foi solicitado à Requerente o envio da Decisão Arbitral proferida no Processo 111/2021-T, que invocara na resposta e se não encontrava, à data, disponível na lista de Jurisprudência do CAAD, o que fez no prazo concedido para o efeito.

 

II. Saneamento

 

11.          Sinteticamente:

               

a)            O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir dos pedidos, incluindo a exceção de incompetência absoluta do tribunal - cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03, comummente designada por "Portaria de Vinculação";

 

b)           As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

c)            O pedido é tempestivo.

 

d)           O processo é próprio e não enferma de nulidades.

 

III. Da exceção de incompetência do tribunal em razão da matéria e da hierarquia (Incompetência absoluta)

 

12.          A Requerida alega (Resposta, especialmente artigos 22.º a 29.º):

 

a)            Que o Requerente pretende a obtenção de decisão arbitral que determine que os rendimentos provenientes do exercício da profissão independente que exerce - Instrutor de Artes Marciais - sejam inscritos no campo 404 da declaração anual de IRS (Rendimentos de prestações de serviços não previstos nos campos anteriores);

 

b)           Tal ato não pode ser qualificado como de fixação da matéria tributável;

 

c)            Daqui resultando a incompetência absoluta do Tribunal.

 

13.          Deve, pois, e antes de mais, resolver-se a questão da competência em razão da matéria e da hierarquia, por força do disposto no artigo 13.º, do CPTA, aplicável "ex vi" artigo 2.º, alínea c), do CPPT, exceção esta de conhecimento oficioso (cfr. artigo 16.º, n.º.2, do CPPT), ambos ao processo arbitral por força do disposto no n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

14.          Veja-se, então, se assiste razão à Requerida.

 

15.          O pedido do Requerente materializa-se na ilegalidade do indeferimento parcial da reclamação graciosa tempestivamente apresentada e, a final, na ilegalidade da liquidação que lhe foi efetuada, por violação do disposto no artigo 31.º, n.º 1, do CIRS, no segmente em que para determinação do rendimento líquido da categoria B foi utilizado o coeficiente de 0,75.

 

16.          Ora, é manifesto que a quantificação de um rendimento tributável se integra - sempre se integrou, exceto quando a lei a qualifica como ato autónomo, de que é exemplo a quantificação do rendimento por métodos indiretos em situações patológicas, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 86.º da LGT, o que não é o caso - na apreciação da legalidade da liquidação que lhe corresponde.

 

17.          O Tribunal Arbitral é competente para conhecer da ilegalidade da liquidação, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, em todas as suas dimensões ou elementos.

 

18.          Improcede, assim, a alegada pela Requerida exceção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral.

 

IV. Matéria de facto

IV.1. Factos provados

 

19.          Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

a)            O Requerente encontrava-se registado, em 2019, no sistema de gestão de contribuintes da AT, vulgo Cadastro, pela atividade identificada pelo código CAE 85510 "Ensinos desportivo e Recreativo";

 

b)           No mesmo ano fiscal de 2019, o Requerente encontrava-se enquadrado no regime simplificado de tributação para efeitos de tributação em IRS;

 

c)            No ano fiscal de 2019, o Requerente obteve rendimentos tributáveis em IRS provenientes do exercício por conta própria da atividade de Instrutor de Artes Marciais.

 

d)           Em 9 de abril de 2020 o Requerente apresentou a declaração anual de rendimentos e no respetivo Anexo B declarou rendimentos da categoria B auferidos no exercício da atividade referida na alínea anterior, tendo-os inscrito no campo 404 do quadro 4A;

 

e)           Essa declaração originou, em 23 de maio de 2020, um procedimento de divergência  no Serviço de Finanças de ..., de que o Requerente tomou logo conhecimento por via eletrónica, por antecipação à notificação que haveria de ser-lhe feita em 25-05-2020 por aquele Serviço no sentido de ser necessário comprovar "o tipo de rendimentos declarados, considerando os códigos de atividade ou patentes em cadastro";

 

f)            A notificação recebida por via eletrónica era mais objetiva, referindo que "a Declaração tinha divergências, pelo que deveria enviar justificação ou entregar uma nova Declaração suprindo essas divergências. Estas, referiam que os rendimentos não deveriam ser colocados no campo 404, mas sim no campo 403" (p. i. n.º 3);

 

g)            Em 24-05-2020 foi enviada justificação on line no Portal das Finanças para a inscrição dos rendimentos no campo 404;

 

h)           No entanto, até ao fim do prazo da entrega da Declaração (30/6/2020) não foi obtida qualquer resposta, pelo que, para evitar possíveis contraordenações pela entrega da Declaração fora de prazo, o Requerente apresentou nova Declaração modelo 3 no dia 30/6/2020, inscrevendo os rendimentos no campo 403 como tinha sido reclamado pela AT, embora não concordando;

 

i)             Por ter sido apresentada no prazo legal, esta declaração substituiu integralmente a primeira, ocasionando, por si só, o termo do procedimento de divergências instaurado no SF de ... e, ainda, enquanto "primeira declaração", deu origem à liquidação de IRS n.º 2020..., com o valor a pagar de 628,79, recebida pelo correio em 11-07-2020;

 

j)             Por discordar da liquidação, o Requerente apresentou, on line no Portal das Finanças, reclamação graciosa, com fundamento na ilegalidade do cálculo no apuramento da matéria coletável e por erro na composição do seu agregado familiar;

 

k)            Em 23/9/2020 foi o Requerente notificado do teor do projeto de Despacho do Chefe de Serviço de Finanças de Mafra, de 17/9/2020, que deferia parcialmente a reclamação graciosa na parte respeitante à composição do seu agregado familiar e a indeferia na parte em que se reclamava da ilegalidade do apuramento da matéria coletável;

 

l)             Discordando do projeto de despacho na parte que indeferia a sua reclamação, o Requerente exerceu o direito de audiência prévia em 28/9/2020;

 

m)          Em 13/11/2020, foi notificado da decisão proferida na reclamação graciosa, mantendo na integra do projeto do despacho de 17/09/2020.

 

n)           Em 3/12/2020 foi emitida a liquidação de IRS n.º. 2020..., anulando a anterior liquidação n.º 2020... em consequência do deferimento da reclamação graciosa quanto à questão do agregado familiar.

 

 

IV.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

15.          Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pelo Requerente e pela Requerida, não existindo quanto a eles qualquer controvérsia entre as Partes.

 

16.          Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

V. Questões a decidir

 

17.          Neste contexto sequência, são as seguintes as questões que o tribunal deve apreciar:

 

a.            Se o ato de indeferimento parcial expresso da reclamação graciosa com o n.º ...2020..., e o ato de liquidação de IRS subjacente padecem do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos;

 

b.            Se o Requerente tem direito a "juros de mora".

 

 

VI. Matéria de direito

VI.1. Posições das Partes

 

18.          O Requerente fundamenta a sua posição nos termos seguintes:

 

a.            Está enquadrado no Regime Simplificado de IRS e a sua atividade é a de Instrutor de Artes Marciais com código de atividade CAE 85510-Ensino Desportivo e Recreativo. O seu descritivo refere que “Compreende as atividades ministradas em campos e escolas, visando a instrução organizada para fins desportivos e recreativos. Inclui a instrução, nomeadamente, de futebol, andebol, ginástica, natação, artes marciais, equitação, jogos de cartas, yoga, assim como as atividades dos instrutores, professores e treinadores.” Não inclui: “Ensino desportivo e recreativo de nível superior - 854 e Ensino de atividades culturais - 85520”;

 

b.            A introdução do termo ESPECIFICAMENTE clarifica que o coeficiente 0,75 previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º só́ se aplicará se a atividade desenvolvida (ou seja, o serviço concretamente prestado) puder ser enquadrado num dos códigos daquela tabela, compreendidos entre o 1000 e o 1410, preenchendo neste caso, o campo 403 do quadro 4A do anexo B do Modelo 3 do IRS;

 

c.            Ao contrário, a alínea c) refere que se aplica o coeficiente 0,35 aos rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores. Ou seja, aos restantes serviços prestados no âmbito da categoria B, que não sejam efetuadas no âmbito de atividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas nem se enquadrem nas atividades profissionais ESPECIFICAMENTE previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º, nem sejam serviços enquadráveis numa das situações previstas em algum campo seguinte e por isso o campo a preencher deve ser o 404;

 

d.            Ora, a sua atividade é a de INSTRUTOR DE ARTES MARCIAIS e esta atividade não se encontra prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do CIRS nem tão pouco lá existe alguma outra similar e por isso o termo “ESPECIFICAMENTE” não se pode aplicar a esta atividade;

 

e.            Por excesso de bondade, as que mais se aproximam são as de Desportista e de Professor, mas nem uma nem outra correspondem à prestação de serviços efetivamente realizada: As de Desportista são as enquadráveis na Lei de Bases do Sistema Desportivo e as de Professor é aquele que ensina numa escola, universidade ou outro estabelecimento de ensino. Aliás, na descrição da atividade CAE que acima transcrita, o instrutor está individualizado do professor;

 

f.             A instrução de artes marciais, por não se enquadrar especificamente em nenhuma das atividades profissionais constantes da lista anexa ao artigo 151.º do Código do IRS, enquadrar-se-á́ na alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS e como tal os seus rendimentos devem ser inscritos no campo 404 do quadro 4A do anexo B;

 

g.            Com a redação introduzida para o ano de 2015 e seguintes, restringiu-se a aplicação do coeficiente 0,75 aos “rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151º”, pelo que, este termo, esclarece que o coeficiente de 0,75 só se aplicará se a atividade desenvolvida, o serviço concretamente prestado, puder ser enquadrado num dos códigos da citada tabela, tendo sido criado um novo coeficiente de 0,35 para as restantes prestações de serviços;

 

h.            Aliás, o legislador criou o código 1519 “Outros prestadores de serviços” para incluir as prestações que não correspondam a nenhuma das outras atividades especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151º. Se fosse intenção do legislador que a todas as prestações de serviços individuais fosse aplicado o coeficiente de 0,75 não a teria excluído desse coeficiente, aplicando-lhe o coeficiente de 0,35;

 

i.             Não se vê̂, portanto, como é possível incluir nesse âmbito rendimentos provenientes de atividades que não sejam atividades profissionais especificamente constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º., sobretudo quando o próprio legislador criou, em paralelo a essas categorias especificas de rendimentos, uma categoria residual constante da alínea c) do no1 artigo 31.º do CIRS onde se incluem os “restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores”;

 

j.             Tem de considerar-se, pois, que os rendimentos tributáveis das prestações de serviços de Instrutor de Artes Marciais, deverão ser apurados com base no coeficiente previsto na alínea c) e não na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS como ilegalmente a AT o fez.

 

19.          Por seu turno, a Requerida propugna a manutenção do ato impugnado nos termos seguintes:

 

a.            A Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014, alterou a redação do n.º 2 do artigo 31.º do CIRS, passando a prever novos coeficientes para a obtenção do rendimento tributável quando a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, da categoria B, é feita com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado.

 

b.            A Circular n.º 5/2014, de 20 de março, face às dúvidas surgidas quanto à interpretação das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 31.o do CIRS, veio firmar o entendimento de que:

 q

c.            Nos termos da Circular n.º 2/2016, de 6 de maio, firmou-se o entendimento de que: 

d.            No caso do Requerente, na Lista de Classificação das Atividades Económicas do INE, na secção P, respeitante a Educação, inclui o CAE 85510 que corresponde a "Ensino Desportivo e Recreativo":

 

8551 ENSINO DESPORTIVO E RECREATIVO

85510

Compreende as actividades ministradas em campos e escolas, visando a instrução organizada para fins desportivos e recreativos. Inclui a instrução, nomeadamente, de futebol, andebol, ginástica, natação, artes marciais, equitação, jogos de cartas, yoga, assim como as atividades dos instrutores, professores e treinadores.

Não inclui:

· Ensino desportivo e recreativo de nível superior (854);

· Ensino de actividades culturais (85520);

 

e.            Por sua vez, a Tabela das Atividades a que se refere o art. 151.º do CIRS, aprovada pela Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, no seu Anexo I, ponto 8 – professores e técnicos similares, consta o código 8012 – professores.

 

f.             Da consulta ao Cadastro, consta que o requerente tem como atividade efetivamente exercida “Ensinos Desportivo e Recreativo – CAE 85510”.

 

g.            No entanto, nas faturas-recibo emitidas no ano de 2019, o Requerente indica nas mesmas que a atividade exercida “Ensinos Desportivo e Recreativo” e como descrição da prestação de serviços “Mestre de Judo”.

 

h.            Donde se conclui que a atividade exercida pelo Requerente com o CAE 85510, inclui a instrução de artes marciais e as atividades dos instrutores, professores e treinadores, com total enquadramento no código 8012-professores, da Tabela das Atividades a que se refere o art.151.º do CIRS, uma vez que se trata de uma prestação de serviços de aulas de judo ministrada por um professor/instrutor de ensino desportivo/recreativo.

 

i.             Efetivamente, o código 8012 abarca o exercício de todas as atividades de ensino desportivo e recreativo (que não sejam de nível superior) previstas no CAE 85510, nomeadamente o ensino de artes marciais, nas quais se inclui as aulas de judo, que podem ser ministradas por instrutor/professor, não havendo qualquer distinção entre eles.

 

j.             Assim, a atividade que o Requerente exerce, de instrutor de artes marciais, está enquadrada na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS.

 

k.            Assim, atendendo a que os rendimentos do Requerente provêm de atividade especificamente prevista na tabela de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS, tais rendimentos enquadram-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS.

 

20.          A Requerida transcreve ainda, como fundamento para a manutenção do já decidido, parte da Decisão Arbitral proferida no Processo 111/2021-T, de 19 de agosto de 2021, a que teremos oportunidade de nos referir mais adiante.

 

 

VI.2. A fundamentação do Tribunal

 

21.          Decorre da posição das Partes que a divergência entre elas se centra exclusivamente sobre o sentido e alcance das normas que, no CIRS, permitem qualificar uma Profissão / Atividade como estando ou não especificamente prevista na Tabela a que se refere o artigo 151.º do mesmo Código.

 

22.          É a essa indagação que a seguir nos propomos.

 

23.          Os artigos 31.º e 101.º do CIRS, que constituem a principal referência normativa para o a decisão da primeira parte do pedido, dispõem o seguinte, na parte que interessa para a decisão, na redação à data dos factos:

 

Artigo 31.º

Regime simplificado

 

1 - No âmbito do regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação dos seguintes coeficientes:

a) ...

b) 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º;

c) 0,35 aos rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores;

 

d) (...)

 

e) (...)

 

f) (...)

 

g) (...)

 

 

Artigo 101.º

Retenção sobre rendimentos de outras categorias

 

1 - As entidades que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada são obrigadas a reter o imposto, mediante a aplicação, aos rendimentos ilíquidos de que sejam devedoras e sem prejuízo do disposto nos números seguintes, das seguintes taxas:

 

a) (...)

 

b) 25 %, tratando-se de rendimentos decorrentes das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º;

 

c) (...)

 

d) (...)

 

e) (...)

 

 

24.          O legislador não densificou o conteúdo do advérbio "especificamente" plasmado na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º, devendo, no entanto, sublinhar-se, como factos eventualmente relevantes para delimitação do seu sentido e âmbito:

 

a.            A circunstância de, pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro, de ele ter sido introduzido pela primeira vez, relacionado com a Tabela de Atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS, na alínea b) do n.º 1 do artigo 101.º do mesmo código - retenção na fonte sobre rendimentos de outras categorias: "20%, tratando-se de rendimentos de actividades profissionais especificamente previstas na lista a que se refere o artigo 151.º";

 

b.            A circunstância de, pela mesma Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro, ele ter sido introduzido também pela primeira vez, relacionado com a Tabela de Atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS, na alínea a) do n.º 4 do artigo 6.º - Transparência Fiscal do Código do IRC, para densificar o conceito de sociedade de profissionais como: "a sociedade constituída para o exercício de uma actividade profissional especificamente prevista na lista de actividades a que alude o artigo 151.º do Código do IRS, na qual todos os sócios, pessoas singulares, sejam profissionais dessa atividade".

 

25.          Com a reforma do IRS operada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, o mesmo advérbio "especificamente" foi introduzido na al. b) do n.º 1 do artigo 31.º do respetivo Código, reportando-se justamente à mesma Tabela de Atividades cuja vigência é determinada pelo disposto no artigo 151.º.

 

26.          Escreveu-se no Relatório, público, apresentado pela Comissão da Reforma do IRS sobre as propostas de alteração que se faziam ao imposto, relativamente ao tema de que aqui se trata, o seguinte (Ponto 5.7.1 Regime Simplificado, pp. 38):

 

O coeficiente de 0,75 deve passar a ser exclusivamente aplicável às prestações de serviços expressamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código, propondo-se a instituição um novo coeficiente – 0,35 – aplicável às demais prestações de serviços. 

 

Pretende-se, assim, distinguir, à semelhança do que sucede em sede de IRC, entre as prestações de serviços de natureza profissional, em que os gastos associados à obtenção dos rendimentos têm expressão relativamente diminuta, e as prestações de serviços que são efetuadas com recurso a estruturas empresariais, em que, portanto, o peso dos gastos é tendencialmente mais significativo.

 

27.          A AT, vinculando-se a tal interpretação nos termos do disposto no artigo 68.º-A da LGT, emitiu duas circulares em que, administrativamente, e no exercício de competência própria, delimitou o conceito do advérbio especificamente nos seguintes termos:

 

a.            Na Circular n.º 5/2014, de 20 de março, no n.º 1 do Ponto 1., interpretando a alínea b) do n.º 2 do artigo 31.º, na redação vigente na sequência das alterações introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013, que não continha ainda o advérbio especificamente, como segue: Encontram-se abrangidos na alínea b) do n.º 2 do artigo 31 .º do Código do IRS os rendimentos auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços que tenham enquadramento na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do mesmo Código, independentemente da atividade exercida estar, nos termos do artigo 151.º do Código do IRS, classificada de acordo com a Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados na tabela de atividades aprovada pela Portaria n.o 1011/2001, de 21 de agosto, incluindo a atividade com o código "1519 Outros prestadores de serviços", uma vez que o normativo em causa não remete para as atividades identificadas de forma especifica na tabela de atividades, ao contrário do que sucede na alínea b) do n.º 1 do artigo 101.º do Código do IRS para efeitos de retenção na fonte.

 

b.            Na Circular n.º 2/2016, de 6 de maio, já após a alteração introduzida na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º, foi expresso o seguinte entendimento:

(4) Estão abrangidos na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS, os rendimentos provenientes das prestações de serviços de atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, não incluindo o código “1519 Outros prestadores de serviços” dado este código não explicitar uma atividade profissional especifica, independentemente da atividade estar classificada de acordo com os códigos das atividades especificamente mencionados na tabela de atividade aprovada pela Portaria n.º 1011/2001, de 21 de Agosto, ou de acordo com a Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE) do Instituto Nacional de Estatística.

(5) Aos rendimentos provenientes do código “1519 Outros prestadores de serviços” e demais prestações de serviços de atividades profissionais não especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.o do Código do IRS (onde se incluem as enquadráveis na al. a) do n.º 1 do artigo 3.º), e desde que não previstas na alínea a) do n. 1º do artigo 31.º do Código do IRS, aplica-se o coeficiente de 0,35, a que se refere o n.º 1 da alínea c) deste artigo.

28.          Estes entendimentos careceriam, em nosso entender, de maior densificação, uma vez que não está suficientemente claro o que se pretendeu com mudança do segmento frásico independentemente da atividade exercida estar, nos termos do artigo 151.º do Código do IRS, classificada de acordo com a Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados na tabela de atividades aprovada pela Portaria nºo 1011/2001, de 21 de agosto"  que na Circular n.º 5/2014 está a meio da frase e na Circular n.º 2/2016, embora tenha sido deslocado para a última parte da frase, parece manter-se ligado indelevelmente à primeira parte, pelo que, não obstante a introdução do advérbio "especificamente" na al. b) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS, em nada se altera o entendimento anteriormente emitido.

 

29.          Aparece-nos nestes entendimentos evidenciado o disposto no artigo 151.º do Código do IRS, uma norma aparentemente de natureza meramente instrumental, mas que acaba por ter um papel decisivo na delimitação da questão que nos ocupa no processo e acaba por, indiretamente, interferir na quantificação da matéria coletável. Com efeito,

 

30.          O artigo 151.º do Código do IRS dispõe:

 

Artigo 151.º

Classificação das atividades

 

As atividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de atividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

 

31.          Ora, considera este Tribunal que a norma em causa não atribui à Administração Fiscal o poder discricionário de classificar quais são as atividades exercidas ou pelo Código CAE ou pelos códigos mencionados em tabela de atividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças. Impõe-se, assim, delimitar o respetivo âmbito.

 

32.          Temos, para o efeito, de nos socorrer do elemento histórico para entender a motivação da alteração. Antes da Lei 30-G/2000, de 29 de dezembro, o Código do IRS elencava, no seu artigo 1.º, tipicamente, entre outras, as categorias B, Rendimentos do trabalho Independente, C, Rendimentos Comerciais e industriais e D, Rendimentos Agrícolas, as quais eram densificadas, no quadro do aspeto material do elemento objetivo da incidência, respetivamente, nos seus artigos 3.º, 4.º e 5.º.

 

33.          E, desde logo, no n.º 2 do artigo 3.º, relativo aos rendimentos da categoria B, se dispunha que os rendimentos auferidos, por conta própria, no exercício de atividades de carácter científico, artístico ou técnico, eram "as actividades desenvolvidas no âmbito das profissões constantes da lista anexa ao Código", distinguindo-se, pois entre "atividades" e "profissões". Ou seja, por exemplo, um advogado (código 0702 na lista então vigente) seria tributado na categoria B pelo rendimento da atividade que desenvolvesse enquanto advogado. Se, eventualmente, também obtivesse rendimentos da atividade músico, ainda continuava a obter rendimentos tributados na categoria B, mas auferidos numa atividade desenvolvida no âmbito de outra profissão constante da lista anexa (Código 0307). E se obtivesse rendimentos pela exploração de uma loja de venda de roupa, seriam os mesmos integrados na categoria C.

 

34.          Por seu turno, o então artigo 141.º, com a epígrafe "Classificação das atividades", dispunha que "As actividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS, serão classificadas para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Actividades Económicas Portuguesas por Ramos de Actividade (CAE) do Instituto Nacional de Estatística, e, quanto às constantes da tabela anexa, de acordo com os códigos nela mencionados".

 

35.          A redação do antigo artigo 141.º do Código era, pois, absolutamente explícita relativamente aos perímetros de aplicação de cada referente: às atividades integráveis nas categorias C e D, a classificação CAE e às integráveis na categoria B que não constassem da lista anexa; às atividades desenvolvidas no âmbito das profissões integráveis na categoria B, a lista anexa ao Código.

 

36.          Tal clareza, deve reconhecer-se, não resulta da redação do atual artigo 151.º do CIRS, que foi uma transposição do anterior artigo 141.º, mas que olvidou a fusão que o legislador entendeu operar entre as categorias B, C e D, numa única categoria: a categoria B. E a redação da norma deveria, em nosso entender, ter sido mais precisa, atendendo a que os rendimentos de todas as atividades exercidas passavam a integrar uma única categoria, eliminando a sua anterior autonomia, formal e substancial.

 

37.          No entanto, essa indeterminação pode considerar-se sanada pela Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, em cujo preâmbulo se pode ler: Com a alteração do artigo 3.º do Código do IRS, introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, foi revogada a lista de profissões a que se referia o n.º 2 do mesmo artigo. A nova redacção do artigo 151.º do CIRS impõe a obrigatoriedade de que as actividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS sejam classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Actividades Económicas Portuguesas por Ramos de Actividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de actividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças. Assim: Manda o Governo, pelo Ministro das Finanças, que a tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS seja a constante do anexo I, que faz parte integrante desta portaria".

 

38.          Ora, a atual categoria B tem por epígrafe, nos termos do artigo 1.º do Código, "Rendimentos empresariais e rendimentos profissionais". No entanto, a falta de autonomização, ainda que formal, dos rendimentos empresariais e dos rendimentos profissionais, conduz a que o intérprete tenha, uma vez mais, de se socorrer do elemento histórico para, fundamentadamente, qualificar, em regra, como "profissionais" os rendimentos auferidos no âmbito do exercício das profissões antes previstas na categoria B e como "empresariais" os rendimentos que, antes da fusão, se integravam nas categorias C e D .

 

39.          De resto, igualmente se não pode deixar de ter presente que a categoria B, na sua primeva redação (supra, n.º 33), não integrava, exclusivamente, os rendimentos obtidos no âmbito das profissões constantes da lista de atividade. Como válvula de segurança do sistema, dispunha-se no n.º 4 do então artigo 3.º: "Consideram-se ainda rendimentos do trabalho independente os auferidos no exercício, por conta própria, de uma actividade exclusivamente de prestação de serviços não compreendida noutras categorias, sempre que o sujeito passivo não tenha nenhum empregado ou colaborador ao seu serviço". Por isso que, então, a Lista anexa ao Código era exaustiva e não tinha nenhum item residual: a atividade do prestador exclusivo de serviços cuja profissão não estivesse prevista na Lista anexa e não tivesse mais do que um empregado ou colaborador ao seu serviço era classificada de acordo com a tabela CAE. Já um prestador exclusivo de serviços individual que tivesse mais do que um empregado ou colaborador ao seu serviço e cuja profissão não constasse da lista anexa, era, ipso facto e por defeito, integrado na categoria C, onde a questão da classificação por código CAE nunca foi posta em causa.

 

40.          Ora, a consagração na Tabela vigente de um código classificativo residual - o código 1519-Outros prestadores de serviços - sem qualquer densificação normativa, reclama uma vez mais o regresso às origens, para se ter a noção clara de que ele se reporta ao universo dos prestadores exclusivos de serviços individuais que, não estando especificamente previstos na Tabela, também não estejam especificamente previstos nas atividades  comerciais e industriais, agrícolas, silvícolas e pecuárias, designadamente no n.º 1 do artigo 4.º do CIRS, tais como, transportes, construção civil e agências de viagens ou turismo.

 

41.          Esta zona cinzenta do tecido normativo tributário viu as tensões interpretativas agravadas quando foram consagrados, no âmbito do regime simplificado, coeficientes distintos para a determinação do rendimento líquido quando a atividade exercida decorresse da profissão especificamente prevista na Tabela e as "restantes prestações de serviços", de que o presente processo é mais uma evidência.

 

42.          Não pode, assim, deixar de se ter presente que, pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro, e tendo em conta a justificação genérica expressa no Relatório do OE 2002  que acompanhou a respetiva proposta de lei - À luz de tais prioridades, e em paralelo, procede-se a ajustamentos pontuais no quadro legal da reforma da tributação dos rendimentos levada a cabo no ano passado cujo alcance assumido não dispensa a edição de medidas complementares destinadas a reforçar alguns dos seus mecanismos, precisar as dúvidas naturais de operadores e administração, corrigir um ou outro aspetos em função da experiência adquirida - foi introduzido o advérbio de modo especificamente em duas normas, com um significado sintático claramente modulador e restritivo, ainda que de códigos tributários distintos, mas com inelutável significado para o que aqui nos ocupa, como já se referiu (supra, nºs 24).

 

43.          Não são conhecidos problemas relevantes na interpretação do preceito até ter ocorrido a alteração dos coeficientes de determinação do rendimento líquido, o que só se verificou com a alteração dos coeficientes supra (n.º 41) no artigo 31.º do Código do IRS, pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro.

 

44.          Foi já nesse quadro que se "suscitaram dúvidas de interpretação" e que a AT emitiu a Circular n.º 5/2014, com a delimitação do perímetro de abrangência da alínea b) do n.º 2 do artigo 31.º do Código do IRS que, nessa redação, não incluía o advérbio "especificamente".

 

45.          Como no entendimento administrativo se refere, uma vez que o normativo em causa não remetia para as atividades identificadas de forma específica, era aceitável, não obstante a contradição que passara a verificar-se entre o disposto no artigo 31.º e no artigo 101.º do CIRS, que se entendesse que todas as atividades cuja classificação emergisse da Tabela, incluindo, pois, o código 1519-Outros prestadores de serviços, que se considerasse que todos os rendimentos eram abrangidos pela alínea b) do n.º 2 do artigo 31.º e ficassem sujeitas ao coeficiente de 0,75%.

 

46.          Depressa o legislador detetou não apenas a contradição, mas até a injustiça, que se verificava e, pela Lei n.º 82-E/2014, o preceito foi de novo alterado como supra se referiu e com a motivação que também se transcreveu (supra n.º 25).

 

47.          É aqui que este Tribunal dissente do entendimento administrativo constante da Circular n.º 2/2016, uma vez que, afinal, não obstante a lei ter sido modificada, a AT continuou a interpretar a norma, para efeitos de aplicação do coeficiente 0,75, como se a atividade exercida estivesse especificamente prevista na Tabela ou caísse no código residual, desde que se pudesse integrar num código CAE - ver n.º 4 da Circular citada.

 

48.          Na verdade, e como se conclui da Informação Vinculativa prestada no Processo 1857/2018, com despacho concordante da Subdiretora-Geral do IR, de 20-06-2016, consultável no site da AT nas "Informações Vinculativas por artigo", no Código do IRS, artigo 31.º as autoridades fiscais utilizam, na análise do caso concreto, um conceito que este Tribunal considera não poder extrair-se de uma interpretação da lei conforme com a Constituição, com os princípios da justiça e da igualdade e com as regras gerais de interpretação da lei (artigo 9.º da CC, por remissão do artigo 11.º da LGT):

Refere-se que na atividade “1519 – Outros prestadores de serviços”, constante na tabela de atividades do artigo 151.º do código do IRS, devido à sua natureza residual, e tendo em conta que não explicita uma atividade, devem ser inscritos os sujeitos passivos cuja prestação de serviços não se enquadra em nenhuma das atividades classificadas com um código CAE ou com um código CIRS.

49.          Não pode, de facto, aceitar-se esta interpretação, igualmente defendida pela Requerida, que nem atende à função sintática qualificadora do advérbio de modo especificamente aditado à norma qualificante, nem se confronta com o facto de a Classificação das Atividades Económicas ser, ou dever ser, em princípio, exaustiva: não podem existir para efeitos de IRS, exceto se ele disser quais são, atividades económicas que, face à compreensividade da Tabela CAE, nela não estejam previstas.

 

50.          Funda-se o argumento aduzido em último lugar no número anterior da seguinte  explicitação extraída do Capítulo I - Apresentação Geral da CAE:

 

 

 

51.          Isto é, a CAE-Rev.3 permite que: (i) que todas as atividades económicas nela se encontrem codificadas; (ii) não havendo uma correspondência entre a CAE-Rev.3 e a nomenclatura de profissões, que nunca é referida pela AT, embora seja ela também um instrumento legal qualificante, com objetivos estatísticos como é a CAE, algumas profissões (ofícios) correspondem, por vezes, à definição de certas atividades, em especial nas profissões liberais; (iii) apenas na combinação complexa de serviços a CAE não tem uma posição definida.

 

52.          Não parece, neste quadro, a este Tribunal, sustentável a tese da Requerida, segundo a qual só podem ser inscritos no código 1519-Outros prestadores de serviços, os sujeitos passivos cuja prestação de serviços não se enquadra em nenhuma das atividades classificadas com um código CAE ou com um Código CIRS, uma vez que, a ser assim, tal código acaba por se estreitar num conjunto vazio, enquanto qualificante de "atividades profissionais exercidas por conta própria em nome individual", para apenas ter algum conteúdo para efeitos de retenção na fonte, em sobres prestações de serviços originariamente qualificadas como produzindo rendimentos comerciais ou industriais e nem deviam estar sujeitos a retenção na fonte  como indiciam as informações vinculativas tiradas: (i) no Processo 1772/2017, com despacho concordante da SDG do IR de 18-07-2017; (ii) no Processo 1249/2018, com despacho concordante da SDG do IR de 20-08-2017; (iii) no Processo 3450/2019, com despacho concordante da SDG do IR de 04-11-201.

 

53.          Todas as informações vinculativas antes citadas analisam atividades complexas, que unitariamente não podem deixar de ser consideradas atividades comerciais e cujos rendimentos, consequentemente, não estariam sujeitas a retenção na fonte, sem prejuízo da sua sujeição a pagamentos por conta nos termos legais. É nelas notória a preocupação de isolar o que em tais atividades possa constituir "prestação de serviços" para, apenas e só, as sujeitar a retenção na fonte, apenas nesses casos considerando que se está perante "outras prestações de serviços".

 

54.          Deve, aliás, concluir-se que a qualificação feita pelo legislador para aplicação dos coeficientes de conversão no regime simplificado é preponderantemente centrada nas prestações de serviços, apenas distinguindo a "compra e venda de mercadorias e produtos", enquanto atividade tipicamente comercial, o que também sucede no regime simplificado de tributação consagrado no Código do IRC, embora com coeficientes muito mais baixos.

 

55.          No entanto, e por ausência de densificação legislativa do conceito, não pode aceitar-se, à luz dos princípios constitucionais da tipicidade, da justiça e da igualdade, que o código 1519 Outros prestadores de serviços não inclua as prestações exclusivas de serviços realizada no âmbito de atividades cujas profissões não estejam especifica, nominal ou expressamente previstas na Tabela a que se refere o artigo 151.º do CIRS.

 

56.          Abordada a primeira parte do tema aqui subjacente à controvérsia entre o Requerente e a Requerida, passemos agora à análise da questão, igualmente de natureza interpretativa, de saber se o Código 8012 Professores, introduzido na Lista aprovada pela Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, é suscetível de, por via interpretativa, incluir um "instrutor de artes marciais" que, de acordo com os factos dados como provados, exerce tal atividade de prestador de serviços de modo individual e não no quadro de qualquer instituição de ensino, pública ou privada.

 

57.          Vistas as posições das partes, conclui-se, desde logo, que um conceito aparentemente vago como o de "professor" conduz a uma indeterminação legal, em que um conjunto de argumentos legais nunca garante apenas um e só um resultado em casos importantes ou difíceis, dando origem à margem de livre apreciação e consequente margem de livre tipificação administrativa e judicial (ANA PAULA DOURADO, Direito Fiscal, 2020, pp. 286/287).

 

58.          Neste mesmo Tribunal, foi proferida, no processo 111/2021-T, a Decisão Arbitral de 19 de agosto de 2021, assim sumariada:

 

I – O vocábulo “professor” é definido linguisticamente como: “aquele que ensina uma arte, uma atividade, uma ciência, uma língua, etc.; aquele que transmite conhecimentos ou ensinamentos a outrem”. Ou, dito de outro modo, é possível segmentar um denominador comum no conceito – a transmissão de conhecimento.

 

II - A Tabela a que alude o artigo 151.º do CIRS foi elaborada de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade do Instituto Nacional de Estatística.

 

III – É de considerar com refração legal o enquadramento da atividade de Instrutor de Artes Marciais no código 8012 – Professores, da Tabela de atividades a que alude o artigo 151.º do CIRS, com a aplicação do coeficiente de 0,75, previsto no artigo 31.º, n.º 1, al. b) do CIRS.

 

59.          Trata-se, pois, de um processo em que se decide uma questão idêntica à que aqui vem peticionada, realçando-se, assim, a identidade de objeto.

 

60.          Não obstante, este Tribunal, no quadro da sua independência e da sua convicção, não adota nem vai seguir a interpretação em que a decisão se ancora, com todo o respeito que ela merece, nomeadamente por partir de dois pressupostos em que o signatário se não revê, ou seja: (i) que o vocábulo "professor" se restringe a uma definição linguística ou a uma análise semântica; (ii) o de que a Tabela a que alude o artigo 151.º foi elaborada de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade do INE. Com efeito,

 

61.          Nos termos do artigo 11.º, n.º 2, da LGT, dispõe-se que "sempre que, nas normas fiscais, se empreguem ramos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei".

 

62.          Entende, pois, este Tribunal que, em obediência à referida norma e entendendo o elemento literal ou gramatical como reportando-se apenas à eventual sinonímia do vocábulo, que, aliás, como se colhe do critério linguístico utilizado, é excessiva e desproporcionadamente vago, se deve apreender a noção que esteja densificada ou decorra das leis que disponham sobre as atividades de ensino e outras que possam considerar-se afins quando ao que deve ter-se por "professor".

 

63.          A noção comum de "professor" diz-nos, de facto, que este é alguém que ensina ou transmite conhecimento. No entanto, para o efeito, tal noção também pressupõe habilitações adequadas, e o seu exercício no âmbito de um sistema organizado, oficial ou público. De facto, a Lei de Bases da Educação, aprovada pela Lei 46/86, de 14 de dezembro, na sua redação atual, nomeadamente no que diz respeito à sua formação, refere-se diversas vezes a "educadores e professores" (v. g., artigos 33.º e 34.º). Daqui se retiram dois elementos fundamentais para balizar a noção legal de professor: "Sistema de Educação" e "habilitações próprias".

 

64.          Fazendo, agora, apelo ao Estatuto da Carreira Docente, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 42/2012, de 21 de fevereiro, dispõe o seu artigo 2.º que "Para efeitos da aplicação do presente Estatuto, considera-se pessoal docente aquele que é portador de qualificação profissional para o desempenho de funções de educação ou de ensino, com caráter permanente, sequencial e sistemático ou a título temporário".

 

65.          E, delimitando o âmbito de aplicação do conceito, dispõe logo o artigo 1.º do mencionado Estatuto, sob a epígrafe Âmbito de aplicação:

1 - O Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, adiante designado por Estatuto, aplica-se aos docentes, qualquer que seja o nível, ciclo de ensino, grupo de recrutamento ou área de formação, que exerçam funções nas diversas modalidades do sistema de educação e ensino não superior, e no âmbito dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário na dependência do Ministério da Educação e Ciência.

2 - O presente Estatuto é ainda aplicável, com as necessárias adaptações, aos docentes em exercício efectivo de funções em estabelecimentos ou instituições de ensino dependentes ou sob tutela de outros ministérios.

3 - Os professores do ensino português no estrangeiro bem como os docentes que se encontrem a prestar serviço em Macau ou em regime de cooperação nos países africanos de língua oficial portuguesa ou outros regem-se por normas próprias.

 

66.          Neste contexto, o terceiro elemento necessário à qualificação legal de professor é de natureza sistémica e pode sintetizar-se na expressão "ensino institucional" ou "sistema de ensino". O que afasta inelutavelmente do conceito legal de professor ou docente quem, em qualquer ciência, arte ou ofício, exerce a atividade fora do âmbito de um sistema de ensino institucional, ou seja, a exerce a título "ensino individual" (casos dos "explicadores" e dos "formadores").

 

67.          Não se ignora que a atividade de "instrutor de artes marciais" está prevista na Classificação das Atividades Económicas.  Mas tem de, aí, ser devidamente enquadrada. Na verdade,

 

68.          A secção que integra o código CAE em causa é a Secção P - Educação, sobre a qual se expressa a CAE nos termos seguintes:

 

69.          Por outro lado, o elenco das atividades incluídas na Secção P, apresenta-se na CAE do modo seguinte:

 

70.          Seria, pois, incoerente, ilógico e inconsistente, considerar que todas as atividades previstas na CAE, na Secção P - Educação, são exercidas por "Professores", o que fragiliza, se não invalida mesmo, o argumento da AT para fundamentar a sua interpretação do conceito.

 

71.          Sobre o Código 85510, que já integra a o Grupo 855 - Outras atividades educativas e a Classe 8551, dizem as notas explicativas da CAE: 

8551 ENSINO DESPORTIVO E RECREATIVO

Compreende as actividades ministradas em campos e escolas, visando a instrução organizada para fins desportivos e recreativos. Inclui a instrução, nomeadamente, de futebol, andebol, ginástica, natação, artes marciais, equitação, jogos de cartas, yoga, assim como as atividades dos instrutores, professores e treinadores.

Não inclui:

· Ensino desportivo e recreativo de nível superior (854); · Ensino de atividades culturais (85520);

72.          Decorre da contextualização do Código 85510 que este abrange, por um lado, atividades organizadas para fins desportivos e recreativos e, além disso, as atividades dos "instrutores, professores e treinadores". Pelo que seria também incoerente e inconsistente esta segmentação de profissões, caso todas elas fossem abrangidas pelo conceito de "Professor".

 

73.          É, pois, de grande préstimo para a indagação que estamos a fazer verificar o que, na Classificação Portuguesa das Profissões (CPP), que "foi estruturada e organizada, para salvaguarda da comparabilidade estatística, a partir da Classificação Internacional Tipo de Profissões (CITP/2008) da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Classificação Nacional de Profissões (CNP/94) do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) e das contribuições recebidas das entidades envolvidas na sua concepção", tendo por isso também a natureza de instrumento para fins estatísticos editado pelo INE e consultável no respetivo sítio web, se diz sobre o conceito da profissão "Professor":

 

74.          Que, depois, é densificado nos termos seguintes:

 

75.          Sendo que o código residual 2359.0-Outros especialistas do ensino, n.e. é densificado nos seguintes termos:

 

76.          De harmonia com a CPP a que nos vimos referindo, um "instrutor de artes marciais", embora não especificado, integrará a profissão consagrada no código 3423 - Instrutores e monitores de atividade físicas e recreação:

 

77.          Por último, mas não menos importante no sentido da determinação dos elementos literal e histórico, recorda-se aqui que a categoria B originária do Código do IRS aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, correspondia, no Código do Imposto Profissional por aquele revogado, nos termos do artigo 2.º, alíneas b) e c), se convencionou chamar "trabalho independente", por contraposição ao exercício de qualquer atividade por conta de outrem.

 

78.          Previa-se, pois, na alínea c) do artigo 2.º do mencionado Código a sujeição subjetiva a Imposto Profissional de exercesse por conta própria alguma das atividades constantes da tabela anexa.

 

79.          Tinha-se, aqui, por "actividade por conta própria" a atividade que se concretiza na independência e responsabilidade de quem presta o trabalho, correspondendo a uma forma de trabalho autónoma, não vinculado a qualquer poder de direcção ou de fiscalização e no qual o risco corre exclusivamente por conta de quem o exerce [Dr. Pamplona Corte Real, no Parecer n.º 12/75, de 20/11, do Centro de Estudos Fiscais - Proc. 26/3, E.G. 4097/75, da antiga 2.ª rep. da DGCI, citado por ANTÓNIO JOSÉ DE ABREU e JOSÉ VITORIANO M. S. ESTRELA, Código do Imposto Profissional (completamente actualizado, anotado e comentado), Porto Editora, 2.ª edição, 1986, pp. 100].

 

80.          Não existe, pois, diferença substancial entre a incidência objetiva ou, melhor, entre o aspeto material do elemento objetivo da incidência que estava consagrado no Código do Imposto Profissional e o que foi consagrado na categoria B do Código do IRS.

 

81.          Por isso que o legislador do IRS tenha também optado por uma lista fechada, um numerus clausus, de atividades que, se desenvolvidas por conta própria, estavam incluídas na previsão de incidência da categoria B.

 

82.          Sendo idêntico o critério utilizado pelo legislador no Código do Imposto Profissional e no Código do IRS, pode perguntar-se se as respetivas "Tabelas" eram absolutamente idênticas ou eram distintas. E, comparando-as, logo se conclui que eram próximas, mas não eram idênticas.

 

83.          Com relevo para o tema que aqui nos ocupa, a Lista do IRS não continha originariamente o Código 9-Pessoal de ensino que constava da tabela anexa no Imposto Profissional e que se segmentava nas seguintes profissões: 9.1. Explicadores do ensino superior; 9.2. Professores e explicadores de outros graus de ensino; 9.3. Mestres de equitação; 9.4. Mestres de esgrima; 9.5. Mestres de outras artes, desportos ou ofícios.

 

84.          Quando, em 2001, o legislador resolveu aditar à Lista anexa ao Código do IRS o código 8 Professores e técnicos similares, além de não ter adotado o vocábulo "Ensino", apenas segmentou em 3 as atividades que o integravam: 8010 Explicadores; 8011 Formadores; 8012 Professores.

 

85.          As normas tributárias sujeitas a reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de interpretação analógica, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 4, da LGT.

 

86.          A Tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS é hoje, diretamente condicionadora da quantificação do facto tributário por força da diversidade de coeficientes aplicáveis para esse efeito nos termos do artigo 31.º do mesmo Código.

 

87.          Entende, assim, este Tribunal que a Tabela Anexa ao Código do IRS se integra no aspeto quantitativo do elemento objetivo da incidência, pelo que é um ato normativo sujeito a reserva de lei da Assembleia da República.

 

88.          E, sendo assim, é insuscetível de interpretação analógica. No limite, pode ser objeto de interpretação extensiva, do tipo daquela que foi efetuada pela Direção de Serviços do IRC quando na Informação Vinculativa tirada no processo 2017001951, com despacho de 2017-10-12 da Diretora de Serviços considerou que a profissão de "agente da execução" ainda integrava, por extensão, a profissão de "solicitador", esta especificamente constante da Tabela anexa ao Código do IRS, para efeitos de considerar legal o acesso dos agentes de execução à constituição de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal consagrado no artigo 6.º do Código do IRC (consultável no sítio web da AT em Informação Vinculativas - rendimento - CIRS - por artigo - artigo 6.º) .

 

89.          E ao integrar na profissão de "Professores" a atividade de "instrutor de artes marciais", com o exclusivo fundamento de que esta atividade tem um código CAE que integra a Secção P-Educação da Classificação Nacional de Atividades, fê-lo por analogia no sentido do artigo 10.º do Código Civil, e não mera por interpretação extensiva. Com efeito,

 

90.          Um explicador, ou instrutor, não é professor, à luz dos diversos ângulos por que a figura foi antes analisada. Para o ser, tem de exercer a sua função para uma escola, que lhe reconhece a habilitação para o efeito. No caso, trata-se, portanto, de uma atividade exercida por conta própria, não se provando também a existência de escola ou a instituição que reconheça a habilitação para o efeito.

 

91.          Obviamente a autoridade tributária, strictu sensu, não pode considerar ninguém professor, pois tal depende de uma autoridade habilitada para o efeito. A primeira que historicamente assumiu, por delegação episcopal, a função foi a universidade medieval que concedia o jus ubique docendi (ubique sine alia examinatione regendi liberam habeat postestatem).

 

92.          Ou seja, é a escola que, por delegação da autoridade que a tutela, confere o direito de ensinar, competência que a Requerida não tem.

 

93.          E ficou provado, por ausência de divergência entre as Partes, que o Requerente exercia a atividade de "Instrutor de Artes Marciais" de cujo exercício resultaram os rendimentos sujeitos a tributação na categoria B.

 

94.          O Acórdão do Pleno do STA de 09-12-2020, Proc. 092/19.9BALSB, tirado em recurso para uniformização de jurisprudência, respalda em absoluto a noção do advérbio especificamente, na sua função sintática, ou seja, no papel que cada um dos termos da oração exerce em relação ao outro. O advérbio utilizado pelo legislador, embora não destruindo a integridade sintática da estrutura frásica, e podendo, por via da sua mobilidade posicional, estar antes ou depois da forma verbal, apresenta-se claramente com uma função sintática de qualificador de "restringente" do sentido da forma verbal "previstas" por oposição a um advérbio com função sintática de "abrangente" - a locução adverbial "em geral", por exemplo.

 

95.          Por isso que nele, Acórdão, se escreve: Assim, e presumindo que o legislador fiscal soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (tal como resulta o disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), aplicável ex vi alínea d) do artigo 2.º da Lei Geral Tributária, não se pode senão concluir que o coeficiente de 0,75 só pode ser aplicado às actividades concreta e indubitavelmente previstas naquela tabela, aplicando-se o coeficiente residual de 0,35 às actividades aí não especificamente previstas.

 

96.          Assim se concluindo que improcede a argumentação da Requerida e que a quantificação do rendimento líquido, na categoria B, dos rendimentos obtidos pelo exercício da atividade de "Instrutor de artes marciais" deve ser efetuada por aplicação do coeficiente de 0,35, uma vez que tal atividade se não encontra concreta e indubitavelmente prevista na Tabela a que se refere o artigo 151.º do CIRS.

 

VII - Do direito a "juros de mora"

 

97.          Vem o Requerente pedir que lhe sejam contados "juros de mora" sobre a importância indevidamente paga pelo facto de a Requerida lhe ter feito uma liquidação com a utilização do coeficiente de 0,75 para determinação do rendimento tributável, quando deveria ter utilizado o coeficiente de 0,35.

 

98.          Certamente que o Requerente pretendeu obter do Tribunal uma decisão sobre se lhe são ou não devidos os "juros indemnizatórios", nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.

 

99.          Para o efeito, e tendo em conta o Acórdão do STA para uniformização de jurisprudência, de 04-11-2020, Proc. 037/19.6BALSB, os juros indemnizatórios apenas podem ser atribuídos ao sujeito passivo que tenha satisfeito uma obrigação tributária que venha a ser anulada com fundamento em "erro imputável aos serviços", designadamente, por erro na aplicação do direito.

 

100.       Por tudo quanto se expôs, o fundamento jurídico para a atribuição do direito a juros indemnizatórios existe, pois concluiu-se pela ilegalidade da interpretação na aplicação do direito por parte da Requerida, o que degenera num erro na aplicação do direito

 

101.       No entanto, ainda assim, só há direito a juros indemnizatórios se a prestação tributária anulada tiver sido paga.

 

102.       Não existe prova no processo de que a prestação tributária a anular tenha sido paga, competindo ao Requerente tê-la produzido, o que não fez.

 

103.       Está assim este Tribunal impedido de conhecer do pedido. No entanto,

 

104.       Tendo-se igualmente em conta um outro Acórdão do STA para uniformização de jurisprudência, o Acórdão de 10-03-2004, tirado no Processo 0463/03, cujo sumário é o seguinte:

 

O direito a juros indemnizatórios é uma mera decorrência da Lei, nas situações nela previstas, impondo-se o seu pagamento, sem necessidade prévia de pedido, por força do dever que impende sobre a Administração de reconstituir a situação hipotética que existiria caso não tivesse sido praticado o acto anulado.

O pagamento de tais juros não carece de ser requerido, mas, se o for, nada obsta a que seja logo no início ou posteriormente, nomeadamente em sede de execução de julgado.

 

105.       Ou seja, o Requerente está em tempo de pedir os juros indemnizatórios, caso a AT lhos não calcule na anulação do ato

 

VIII. Decisão

 

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral:

 

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           E, em consequência, determinar a anulação da liquidação de IRS n.º 2020..., efetuada ao Requerente com referência ao ano fiscal de 2019, cuja coleta líquida é de 2.216,79

 

VIII. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se em € 2.216,79 o valor do processo, ou seja, o valor da liquidação impugnada, antes de quaisquer compensações.

 

Deste modo, nem ao Requerente, nem à Requerida, assiste razão quanto ao valor por cada um propugnado para valor do processo, sendo que o benefício efetivamente auferido apenas pode ser quantificado em execução de julgado, não sendo da competência do Tribunal o seu cálculo.

 

IX. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 22-11-2021

 

O Árbitro

(Manuel Faustino)