Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 137/2013-T
Data da decisão: 2013-12-02  IRS  
Valor do pedido: € 5.204,47
Tema: IRS – Tributação de mais-valias imobiliárias e fundamentação dos atos de liquidação
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Processo n.º 137/2013-T

 

            I – Relatório

 

            1.1. A e B (doravante designados por «requerentes»), tendo sido notificados dos actos de liquidação de IRS 2007 n.º … e de juros n.º …, e do acto de compensação n.º …, apresentaram, no dia 14/6/2013, um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no art. 2.º, n.º 1, al. a), do Dec.-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante somente designado por «RJAT»), e do disposto nos artigos 1.º, al. a), e 2.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/3, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante somente designada por «AT»), tendo em vista a anulação dos supra citados "actos de liquidação de IRS e juros, bem como [d]o acto de compensação, com todas as consequências legais."

 

            1.2. Em 22/8/2013 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

 

            1.3. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos e para os efeitos do mencionado artigo. A AT apresentou a sua resposta em 30/9/2013.

 

            1.4. Na mencionada resposta de 30/9/2013, a AT alegou, em síntese, a total improcedência do pedido dos requerentes e a absolvição da entidade requerida.

 

            1.5. No dia 15/10/2013, foi realizada a reunião nos termos e para os efeitos do do art. 18.º do RJAT. O conteúdo da respectiva acta dá-se por inteiramente reproduzido.

 

            1.6. No dia 24/10/2013, realizou-se reunião do Tribunal Arbitral Singular tendo em vista a inquirição de testemunhas e alegações orais. O conteúdo da respectiva acta dá-se também por inteiramente reproduzido.

 

            1.7. Como se lê na acta de 24/10/2013, o Tribunal notificou os requerentes e a requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias a contar da notificação da pronúncia da requerente sobre a posição a tomar pela requerida relativamente ao documento junto nessa reunião.

 

            1.8. Na resposta da AT quanto ao documento junto na reunião de 24/10/2013 concluiu-se que "as despesas de mediação imobiliária [a que se refere o documento em causa: factura 86/2006, no montante de €4250,00, relativos a 50% da comissão paga à C] já tinham sido consideradas e aceites em sede de reclamação graciosa como «despesas necessárias» para efeitos da alínea a) do artigo 51.º do CIRS."

 

            1.9. As alegações finais da ora requerente e as contra-alegações da AT foram apresentadas, respectivamente, em 19/11/2013 e 26/11/2013. O conteúdo das mesmas dá-se por inteiramente reproduzido. 

 

            1.10. O presente Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo em causa não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

 

            II – Fundamentação: A Matéria de Facto

 

            2.1. Vêm os ora requerentes alegar, na sua petição inicial, que: a) "os actos de liquidação de imposto e juros não foram acompanhados de qualquer fundamentação, nem da notificação consta qualquer remissão para uma fundamentação já enviada, nem tão pouco uma justificação para a ausência de fundamentação"; b) a fundamentação constante do despacho de indeferimento do pedido de passagem de certidão não é contemporânea dos actos de liquidação em causa, pelo que os mesmos "padecem do vício de falta de fundamentação, pelo que devem ser anulados"; c) os actos em causa são ilegais por violação do disposto no art. 51.º do CIRS, dado que não se admitem os "fundamentos da AT para não aceitar os encargos com a valorização do imóvel e as despesas inerentes à aquisição e alienação"; d) "o acto de liquidação de juros é ilegal, por violação do disposto no [...] n.º 7 do art. 35.º da LGT." 

 

            2.2. Os requerentes pedem, ainda, que, "se os actos de liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral vierem a ser anulados", a AT seja "condenada no pagamento de indemnização referente aos encargos suportados com a prestação da garantia bancária" no âmbito do processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva da dívida ora em causa.    

 

            2.3. Concluem os requerentes pela inteira procedência do pedido e, por via dela, pedem que sejam "anulados os actos de liquidação de IRS e juros, bem como o acto de compensação, com todas as consequências legais." 

           

            2.4. Por seu lado, a AT veio alegar, na sua resposta, que: a) "os actos tributários não enfermam do vício de falta de fundamentação, pois considera-se terem sido atingidas as finalidades pretendidas com tal fundamentação, a saber, a compreensão do conteúdo do acto pelos seus destinatários e a possibilidade de contra eles reagirem"; b) os actos de liquidação e de compensação são legais, uma vez que houve "correcta aplicação e interpretação do art. 51.º do CIRS"; c) não houve "lugar ao reinvestimento declarado no Quadro 5 do Anexo G da Declaração de IRS do ano de 2007"; d) não é devida qualquer indemnização por prestação de garantia bancária indevida, "por não se verificarem os pressupostos para a sua atribuição previstos no art. 53.º da LGT e 171.º do CPPT". Em síntese, a AT sustenta que devem manter-se os actos de liquidação de IRS e de juros compensatórios, e que, portanto, deve "o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, absolvendo-se a entidade requerida".

 

            2.5. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

            i) Por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, a ora requerente adquiriu, em 9/4/2002, por €106.250,00, em direito de superfície, a fracção autónoma designada pelas letras "DR", correspondente ao X.º andar Y do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na …, freguesia do …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …, e inscrito na matriz predial urbana sob o art. …º. O referido imóvel foi alienado em 29/1/2007 por €195.000,00.     

 

ii) Em 29/1/2007, os ora requerentes adquiriram, pelo montante de €315.000,00, o imóvel sito na freguesia …, artigo …. Nessa mesma data, os ora requerentes contraíram empréstimo de montante exactamente igual ao do mencionado imóvel (como reconhecem os requerentes: vd. §47.º e §48.º das respectivas alegações finais).

 

            iii) Os ora requerentes foram notificados dos actos de liquidação de IRS do ano de 2007 (n.º …), e de juros compensatórios (n.º …), ambos emitidos em 2/12/2011, e do acto de compensação n.º …, igualmente de 2/12/2011 (vd. fls. 11 a 13 do processo administrativo apenso).

           

            iv) Da demonstração de acerto de contas operado com o ato de compensação n.º …, foi apurado um saldo a pagar pelos ora requerentes no montante de €4235,93.

           

            v) A data limite de pagamento terminou a 11/1/2012, sem que os requerentes tivessem realizado o pagamento, pelo que foi emitida a certidão de dívida n.º …, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ….

           

            vi) O processo de execução fiscal supra referido foi suspenso nos termos do art. 169.º do CPPT, tendo os requerentes, para tal, prestado garantia bancária (fls. 39 e ss. do PA e doc. 5 junto pelos requerentes).

           

            vii) A 30/1/2012, os ora requerentes foram notificados do despacho que recaiu sobre o pedido de certidão solicitado a 9/1/2012 (docs. 2 e 3 juntos pelos requerentes).

 

            viii) Os ora requerentes apresentaram, a 30/5/2012, reclamação graciosa contra os actos de liquidação de IRS e de juros compensatórios, com referência ao ano de 2007, no valor de €5204,47, e do acto de compensação, que apurou o saldo a pagar no valor de €4235,93 (fls. 2 do P.A. e doc. 4 junto pelos requerentes).

 

            ix) A referida reclamação graciosa foi parcialmente deferida, por despacho de 13/3/2013, notificado aos ora requerentes a 18/3/2013 (fls. 98 e ss. do PA).

 

            2.6. Não se considera provada, quanto às despesas invocadas pelos requerentes no §38.º da sua p.i. (e que surgem discriminadas a fls. 7 e 44 e ss. do PA apenso), a indissociabilidade das mesmas relativamente à alienação. Também não se considera provada a aplicação do valor do empréstimo de €315.000,00 para finalidade distinta da aquisição do imóvel em causa. Não existem outros factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

            III – Fundamentação: A Matéria de Direito

 

            No presente caso, são três as questões de direito controvertidas: 1) a questão da suficiência ou insuficiência da fundamentação dos actos de liquidação de IRS e juros compensatórios ora em causa; 2) a questão da legalidade ou ilegalidade dos actos de liquidação tendo em consideração a aplicação feita do art. 51.º do CIRS; 3) a questão da legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação de juros em face do disposto no art. 35.º, n.º 7, da LGT.

 

            A resposta às questões supra referidas determinará, naturalmente, o sentido da decisão a respeito do pedido dos requerentes de condenação da AT "no pagamento de indemnização referente aos encargos suportados com a prestação da garantia bancária" no âmbito do processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva da dívida ora em causa.

 

            Vejamos, então.

 

            3.1. Como se referiu atrás, a primeira questão que se coloca é a da suficiência ou insuficiência da fundamentação dos actos de liquidação de IRS e juros compensatórios ora em causa.

 

            Os requerentes afirmam que "os actos de liquidação de imposto e juros não foram acompanhados de qualquer fundamentação, nem da notificação consta qualquer remissão para uma fundamentação já enviada, nem tão pouco uma justificação para a ausência de fundamentação". Acrescentam, ainda, que a fundamentação constante do despacho de indeferimento do pedido de passagem de certidão não é contemporânea dos actos de liquidação em causa, pelo que os mesmos "padecem do vício de falta de fundamentação, pelo que devem ser anulados".

 

            Contudo, deve notar-se, também, pela análise de fls. 4 do PA apenso, que os ora requerentes, no seu pedido de reclamação graciosa, afirmaram que, apesar da "total ausência de fundamentação dos actos de liquidação ora reclamados", em 30/1/2012, ao serem notificados do despacho que recaiu sobre o pedido de certidão (que requereram ao abrigo do art. 37.º, n.º 1, do CPPT), aquele, apesar de ser no sentido do indeferimento parcial, "prestou aos Reclamantes os esclarecimentos que lhes permitiram conhecer as razões que levaram a Administração Tributária a liquidar adicionalmente o IRS".

 

            O mesmo se diga da liquidação dos juros, dado que os requerentes reconhecem, no referido pedido de reclamação graciosa, a fls. 8 e 12 do PA apenso, terem percebido qual foi o valor base, o período de cálculo, a taxa aplicável e o valor final dos mesmos.

 

            Atendendo ao facto de se tratar de uma liquidação de IRS, e atenta a natureza de "processo de massa", compreende-se e aceita-se que a fundamentação a ela associada se faça em moldes padronizados/informatizados, desde que, por essa via, não se coloque em causa o disposto no art. 77.º, n.º 2, da LGT, ou as finalidades que se visam com o direito à fundamentação.

            Nesse sentido, o facto de os requerentes afirmarem que, embora considerando-se insuficientemente informados, conseguiram, através do despacho que recaiu sobre o pedido de certidão, "conhecer as razões que levaram a Administração Tributária a liquidar adicionalmente o IRS", faz com que se considere que, mesmo que houvesse vício de falta de fundamentação, o mesmo ter-se-ia sanado pela referida informação.

 

            Os ora requerentes afirmam, ainda, que a informação constante do despacho de indeferimento do pedido de passagem de certidão não é contemporânea dos actos de liquidação em causa, pelo que os mesmos "padecem do vício de falta de fundamentação, [devendo] ser anulados".

 

            Não se afigura correcto tal entendimento, dado que, como se disse antes, os ora requerentes identificaram essa informação como suficiente para conhecer as razões que levaram a AT a liquidar adicionalmente o IRS. Não se tratou aqui, portanto, de uma "fundamentação a posteriori", no sentido de uma nova fundamentação (que, nesse caso, não encontraria base no âmbito do disposto no art. 37.º do CPPT); tratou-se, antes, da sanação da falta de indicação de fundamentação do acto notificado. Acresce, por último, que a informação facultada, ainda que não tenha sido contemporânea dos actos de liquidação, permitiu aos ora requerentes, como se constata pela leitura do PA apenso, reagirem graciosamente contra os actos em causa.

           

            Pelo acima exposto, conclui-se que as finalidades que se visam com o direito à fundamentação foram, neste caso, cumpridas, permitindo aos requerentes conhecerem os (e reagirem relativamente aos) actos de liquidação de IRS e juros.

 

            No mesmo sentido, ver, p. ex., os seguintes acórdãos: "Nos casos em que a lei não imponha especiais requisitos de fundamentação, o cumprimento do dever de fundamentar por parte da Administração tributária afere-se em face do disposto nos números 1 e 2 do artigo 77.º da LGT e atendendo aos fins visados pelo dever de fundamentação; Nos actos de liquidação de IRS, atenta sua natureza de «processo de massa», o dever de fundamentação é cumprido pela Administração fiscal de forma «padronizada» e «informatizada», mas sem que possa deixar de observar o disposto no n.º 2 do artigo 77.º da LGT ou de pôr em causa as finalidades do direito à fundamentação; Estando o conteúdo do acto tributário em sintonia com o resultado do procedimento administrativo de que aos contribuintes foi sendo dado conhecimento pela via adequada e tendo estes reagido contra o acto de indeferimento de reclamação que está na origem do resultado espelhado na liquidação, não se verifica motivo determinante da anulação do acto tributário por falta de fundamentação." (Ac. do STA de 17/6/2009, proc. 246/09); "A lei tributária, na concretização a que procede do direito constitucionalmente garantido à fundamentação dos actos administrativos (artigo 268.º n.º 3 da Constituição da República), admite especificamente que esta se faça de forma sumária, desde que contenha as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria colectável e do tributo, admitindo-se igualmente que seja efectuada por remissão (cfr. os n.ºs 1 e 2 do artigo 77.º da LGT), sendo este dever o mais das vezes cumprido pela Administração tributária de forma «padronizada» e «informatizada», atenta a natureza de «processo de massa» da moderna gestão dos impostos (cfr. J.L. Saldanha Sanches/João Taborda da Gama, «Audição-Participação-Fundamentação: a co-responsabilização do sujeito passivo na decisão tributária», in Homenagem José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, 2006, pp. 290/297 e J.L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária: Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, Lisboa, 1995, pp. 189/202). Essencial é que se não frustrem os fins últimos tidos em vista com a exigência de fundamentação: racionalidade da decisão e criação das condições materiais para o adequado exercício dos direitos de defesa por parte dos contribuintes" (Ac. do STA de 14/2/2013, proc. 645/12).

 

            No que se refere à liquidação de juros, constata-se que os elementos essenciais que a deveriam fundamentar estiveram presentes (vd. fl. 12 do PA apenso), tendo sido do conhecimento dos ora requerentes, pelo que não procede o entendimento contrário expresso por estes.

 

            A este respeito, veja-se, v.g., o seguinte aresto: "há [...] uma declaração mínima que se nos afigura indispensável para que se cumpram as exigências legais de fundamentação que visam, afinal, que o contribuinte possa optar conscientemente entre o conformar-se com o acto, aceitando a sua legalidade, ou contra ele reagir administrativa ou contenciosamente. Nesse conteúdo mínimo da declaração fundamentadora [da liquidação de juros] deverá conter-se a referência ao montante de imposto sobre o qual foram liquidados os juros compensatórios, à taxa ou taxas aplicáveis e ao período de tempo em que tais juros são exigíveis" (Ac. do STA de 30/11/2011, proc. 619/11); "A jurisprudência deste Tribunal tem entendido que, mesmo no caso da liquidação dos juros compensatórios, não obstante estarmos perante a chamada produção de actos em massa, haverá um mínimo de fundamentação que é exigível, tendo em vista permitir ao contribuinte aquilatar da respectiva legalidade e com ela se conformar ou impugná-la, dando-se, deste modo, a conhecer ao contribuinte qual o período em que incidiram os juros, sobre que montante e qual a taxa aplicada, e tendo em conta os requisitos vinculativos que os arts. 83.º do CIRS e 83.º do CPT prevêm para poder haver lugar à liquidação de juros compensatórios." (Ac. do TCA-Sul de 16/11/2004, proc. 879/03).

 

            3.2. A segunda questão diz respeito à legalidade ou ilegalidade dos actos de liquidação tendo em consideração a aplicação feita do art. 51.º do CIRS.        

 

            Alegam os ora requerentes que os actos de liquidação em causa são ilegais por violação do disposto no art. 51.º do CIRS, dado que não se admitem os "fundamentos da AT para não aceitar os encargos com a valorização do imóvel e as despesas inerentes à aquisição e alienação". Especificamente, consideram que: i) as despesas de obras do condomínio, no valor de €1372,68, deveriam ter sido incluídas no âmbito das despesas previstas no art. 51.º do CIRS (vd. ponto 30.º da p.i.); ii) deveriam ter sido incluídas as despesas com a aquisição, entre os anos de 2002 e 2007, de materiais de construção, electrodomésticos de encastrar, toldo, cozinha, casas de banho e porta e fechadura, no valor global de €5695,71 (vd. ponto 38.º); iii) "o facto de o empréstimo bancário corresponder ao preço do imóvel não serve para demonstrar que não houve reinvestimento", visto que "para além do preço de compra do imóvel" foram suportados "encargos com a aquisição [...] e avultados encargos com obras" (vd. ponto 51.º).

 

            i) Relativamente às despesas com obras do condomínio, é necessário estabelecer a relação entre as referidas obras e a valorização do bem alienado.

 

            Com efeito, como se refere no seguinte aresto: "de acordo com a letra do [...] art. 51.º do CIRS, acrescem ao valor de aquisição «Os encargos com a valorização dos bens (…), comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, e as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º. Este conceito de «encargos com a valorização dos bens» encerra alguma margem de indeterminação e necessita de ser preenchido. Ora, atentando na letra da lei (encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos) não pode deixar de concluir-se, desde logo, que o encargo há-de estar ligado à valorização do bem alienado. Ou seja, não estão incluídos encargos que tenham por escopo a mera preservação do valor do bem, mas, tão só os que se destinem a aumentar esse valor. Mas que valor? Apenas o valor físico e material do bem ou também o seu valor de alienação? [...]. [...] o Prof. Xavier de Basto (IRS: Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, 2007, pp. 460-465.) [considera] que, embora só as despesas que valorizem o bem estejam em causa, de entre estas, porém, a lei não parece autorizar distinções. No entender deste autor, «Se o objectivo da norma fosse atender só às valorizações materiais ou físicas e excluir os demais encargos, tê-lo-ia dito expressamente. Bem ao invés, o uso de uma formulação aberta – «encargos com a valorização dos bens» – parece indiciar que se não quis restringir o alcance da norma, como pretende o citado despacho da administração fiscal. [...]. [...] parece ser de aceitar [a] interpretação no sentido de que a referida al. a) do art. 51.º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, às valorizações materiais ou físicas, abrangendo ainda os encargos efectivamente suportados que os valorizem economicamente." (Ac. do STA de 21/3/2012, proc. 587/11).

 

            Ora, observando os factos carreados para o presente processo, não há dúvida de que os referidos encargos com obras do condomínio foram comprovadamente realizados dentro dos últimos cinco anos, e que, seja através da valorização material, ou através da valorização económica subjacente, tais encargos conduziram à valorização do imóvel alienado, pelo que cabem na previsão do art. 51.º, al. a), do CIRS. E, como os próprios requerentes reconhecem, este valor de €1372,68 foi aceite pela AT (vd. §36.º e 37.º da p.i.), pelo que se conclui que, nesta parte, nada há a corrigir. Com efeito, no montante total das despesas e encargos considerados (€23.792,40) incluiu-se o referido valor de €1372,68 (vd. fls. 6-7 e 26 do PA apenso).

 

            ii) Contudo, afirmam os requerentes que um outro montante (€5695,71), relativo a diversos supostos encargos com a valorização do imóvel não foram aceites e deveriam ter sido (vd. §38.º da p.i.). A discriminação desses encargos pode ser encontrada na fl. 7 do PA apenso. Trata-se de despesas com a aquisição, entre os anos de 2002 e 2007, de materiais de construção, electrodomésticos de encastrar, toldo, cozinha, casas de banho e porta e fechadura.

 

            À luz da mesma jurisprudência acima mencionada, não se descortina, de entre as referidas despesas, despesas que não tenham "por escopo a mera preservação do valor do bem". Com efeito, qualquer uma delas enquadra-se no objectivo de preservação do valor do bem. Entender-se de outro modo significaria considerar uma qualquer obra de preservação do valor do bem como um encargo que valoriza o imóvel, subvertendo-se, assim, a lógica subjacente ao referido art. 51.º do CIRS.

 

            Não podendo ser enquadradas como encargos com a valorização do bem, resta apurar se aquelas despesas poderão ser enquadradas, ainda à luz do art. 51.º, al. a), do CIRS, como despesas necessárias e inerentes à aquisição ou alienação.

            Para tal apuramento, é imprescindível verificar se as despesas são necessárias e indissociáveis da aquisição ou alienação. Com efeito, como se refere no seguinte aresto: "O qualificativo «inerente», logo etimologicamente – in re – contém, a se, uma ideia de inseparabilidade, uma relação intrínseca – que não meramente extrínseca – com a alienação: para ser considerada relevante, a despesa há-de sê-lo pela sua posição relativamente à alienação, há-de, em suma, ser dela indissociável." (Ac. do STA de 18/11/2009, proc. 585/09).

 

            Trata-se, portanto, de saber se as despesas ora em causa, naturalmente conexas à alienação, são ou não dela inseparáveis, i.e., se esta "podia ou não ter lugar sem elas, ainda que por um valor diferente" (Ac. do STA de 18/11/2009, proc. 585/09). E é neste contexto que se julga que as despesas invocadas, atendendo à respectiva identificação e caraterização (vd. fls. 44 e ss. do PA apenso), não são indissociáveis da alienação - i.e., não são, nem seriam, impeditivas da realização da alienação, ainda que, naturalmente, por um valor distinto.

   

            iii) Os ora requerentes discordam do entendimento da AT de que não houve "lugar ao reinvestimento declarado no quadro 5 do Anexo G da declaração de IRS do ano de 2007".

 

            Nomeadamente, não concordam com a AT quando esta afirmou que "não houve reinvestimento porque os requerentes contraíram um empréstimo, no montante de €315.000,00 para a aquisição do imóvel destinado à sua habitação própria e permanente", uma vez que, segundo os ora requerentes, o estado do imóvel exigiu o investimento "em obras de reabilitação, razão pela qual os requerentes solicitaram um empréstimo de €315.000,00." Acresce que, no entender dos requerentes (vd. pontos 46.º a 49.º da p.i. e pontos 20.º a 22.º das respectivas alegações finais), as despesas relativas à reserva do imóvel (€2.500,00), ao sinal (€15.000,00) e aos vários reforços de sinal (€14.000,00), num total de €31.500,00 (para além do valor de IMT pago: €14.114,00), demonstrariam que "a tese da AT, de que o valor do empréstimo foi utilizado na totalidade para a compra, não colhe."

 

            Não assiste, contudo, razão aos ora requerentes. Como bem afirma a entidade recorrida, "os ganhos resultantes da alienação de imóveis só são excluídos da tributação em sede de IRS se forem aplicados na aquisição de imóvel destinado a habitação própria e permanente, não se verificando tal situação na parte em que há recurso a empréstimo bancário, pois neste caso não há reinvestimento do produto da alienação, razão subjacente a tal exclusão de tributação. E se o crédito bancário utilizado não chega para cobrir os custos de aquisição do novo imóvel, estar-se-á perante um reinvestimento parcial, situação em que o benefício respeita apenas à parte proporcional dos ganhos correspondente ao valor reinvestido."

 

            Neste sentido, observem-se, v.g., os seguintes acórdãos: "O reinvestimento a que se reporta o prédito n.º 5 do art. 10.º do CIRS (redacção de 1996) é tão só o reinvestimento do produto da alienação e não o reinvestimento de um empréstimo bancário. [...]. Somente está excluída a tributação quando o produto da alienação for reinvestido, pois se também estivesse excluída a tributação quando o dinheiro para a nova aquisição for emprestado pelo banco, então tínhamos que o contribuinte lucrava duas vezes: por um lado, a mais-valia resultante da venda do imóvel anterior não era tributada e, por outro, o contribuinte tinha direito às deduções fiscais resultantes de empréstimo para aquisição de casa própria. São os abatimentos a que se referia o art. 55.º, n.º 1, al. e)-1) do CIRS. O reinvestimento a que se refere aquele preceito – reinvestimento do produto da alienação – é o do «produto da realização» ou «valor da realização» (cfr. Código do IRS Comentado e Anotado, 2.ª edição da DGCI, de 1990. Pág. 120). E a prova de que é esta a melhor interpretação daquele tipo de reinvestimento está no n.º 7 daquele art. 10.º, nos termos do qual «no caso de reinvestimento parcial do valor da realização (...) o benefício a que se refere o n.º 5 respeitará apenas à parte proporcional dos ganhos correspondentes ao valor reinvestido»." (Ac. do STA de 20/4/2004, proc. 1876/03); "O reinvestimento a que se reporta esse preceito é tão só o reinvestimento do produto da alienação e não o investimento através de empréstimo bancário, pelo que tendo a impugnante, para a aquisição de um novo imóvel, recorrido totalmente a crédito bancário, não pode ver as mais-valias excluídas de tributação. [...]. Em suma, e tal como tem vindo a ser repetidamente afirmado pela jurisprudência, os ganhos resultantes da alienação de imóveis só são excluídos da tributação em sede de IRS se forem aplicados na aquisição de imóvel destinado a habitação própria e permanente, não se verificando tal situação na parte em que há recurso a empréstimo bancário, pois neste caso não há reinvestimento do produto da alienação, razão subjacente a tal exclusão de tributação. E se o crédito bancário utilizado não chega para cobrir os custos de aquisição do novo imóvel, estar-se-á perante um reinvestimento parcial, situação em que o benefício respeita apenas à parte proporcional dos ganhos correspondente ao valor reinvestido." (Ac. do STA de 24/3/2010, proc. 1241/09).

 

            Com efeito, não deixa de causar óbvia estranheza o facto de o valor do apelidado empréstimo para "obras de reabilitação" ser exactamente igual ao valor necessário para a aquisição do imóvel destinado à habitação própria e permanente dos ora requerentes (vd. fls. 42 e 43 do PA apenso).      

 

            3.3. A terceira questão refere-se ao acto de liquidação de juros, que se considera "ilegal, por violação do disposto no [...] n.º 7 do art. 35.º da LGT".

 

            Também aqui não assiste razão aos requerentes. De facto, deve ter-se presente que a responsabilidade por juros compensatórios, por parte do contribuinte, extingue-se a partir do momento em que haja uma actuação ou uma omissão da AT que cause o prolongamento do retardamento da liquidação. E é nesta perspectiva que deve ser interpretada a parte inicial do n.º 7 do art. 35.º da LGT, quando estabelece que os juros compensatórios só são devidos pelo prazo máximo de 180 dias no caso do erro do sujeito passivo evidenciado na declaração, uma vez que, neste caso, é dever da AT efectuar a liquidação e detectar e corrigir o erro do contribuinte.

 

            Ora, no caso em análise, não existe tal erro, pelo que não existe tal dever nem, consequentemente, o limite de 180 dias invocado pelos requerentes. 

 

            Conclui-se, por último, que a improcedência de todos os supra referidos pedidos dos requerentes - por não ter havido erro imputável aos serviços nas liquidações - determina, também, a improcedência do pedido de condenação da AT "no pagamento de indemnização referente aos encargos suportados com a prestação da garantia bancária" no âmbito do processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva da dívida ora em causa.

 

***

            IV – Decisão

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            a) Julgar improcedente o pedido, apresentado pelos requerentes, de anulação dos actos de liquidação de IRS e juros, assim como do acto de compensação.

 

            b) Julgar improcedente o pedido, também apresentado pelos ora requerentes, de condenação da AT no pagamento de indemnização referente aos encargos suportados com a prestação da garantia bancária no âmbito do processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva da dívida em causa.

           

 

Fixa-se o valor do processo em €5.204,47 (cinco mil duzentos e quatro euros e quarenta e sete cêntimos), nos termos do art. 32.º do CPTA e do art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo dos requerentes, no montante de €612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, uma vez que o pedido foi julgado improcedente, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 2 de Dezembro de 2013.

 

 

O Árbitro

 

 

 

 

Manuel Macaísta Malheiros

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 138.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.