Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 72/2021-T
Data da decisão: 2021-11-15  Selo  
Valor do pedido: € 714.048,84
Tema: Imposto do Selo/2018 e a 2020 - SGPS - Instituições Financeiras – Diretiva 2013/36/EU – Regulamento (EU) nº 575/2013 – Isenção – Artigo 7º-1/e), do CIS.
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

Acordam os Árbitros, Juiz José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Dra. Adelaide Moura e Dr. Luís Ricardo Farinha Sequeira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, no seguinte:

 

1.     Relatório

 

No dia 29-01-2021, as sociedades -

- Grupo A..., S.A. (anteriormente designada Grupo A..., SGPS, S.A.), pessoa coletiva n.º ...;

-B..., S.A. (anteriormente designada B..., SGPS, S.A.), pessoa coletiva n.º...;

- C..., SGPS, S.A., pessoa coletiva n.º...; e

- D..., SGPS, S.A., pessoa coletiva n.º...,

todas com sede na Rua ..., n.º..., ..., piso..., ...-..., ..., apresentaram pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

Tendo sido notificadas dos despachos do Senhor Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de ..., no sentido do indeferimento dos procedimentos de reclamação graciosa autuados sob o n.º ...2020... e incidentes sobre as liquidações de Imposto de Selo relativas ao período compreendido entre janeiro de 2018 e janeiro de 2020, no montante total de 714.048,64 EUR apresentaram pedido de PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL contra tais liquidações e decisões.

O pedido de constituição do Tribunal foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 01-02-2021 e notificado à Requerida em 05-02-2021, não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro.

Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 2 alínea a) do RJAT, foram designados em 03-05-2021, pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, os árbitros, o Senhor Juiz José Poças Falcão (Árbitro Presidente), e os vogais Dra. Adelaide Moura e Dr. Luís Ricardo Farinha Sequeira, que comunicaram ao Conselho Deontológico de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado.

As partes foram notificadas dessa designação não tendo, qualquer delas, manifestado vontade de as recusar, vindo o Tribunal a ser constituído em 21-05-2021, de harmonia com as disposições contidas no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.

Foi proferido despacho a ordenar a notificação da Requerida para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional e remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta.

 

Em 12-07-2021 foi apresentada a resposta pela Requerida, vindo o Tribunal em 20-07-2021 a proferir despacho de dispensa da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, atendendo tratar-se de processo sem trâmites diferentes dos normalmente seguidos no CAAD, não haver exceções ou questões prévias a decidir e concedeu um prazo de alegações de 20 dias, fixando o dia 20-10-2021 para a prolação da decisão, devendo, até esta data, a Requerente fazer prova do pagamento da taxa de justiça subsequente, de acordo com o disposto no artigo 4.º n.º 3, do Regulamento de Custas.

Dentro do prazo concedido, as partes produziram as respetivas alegações, nas quais mantiveram os seus pontos de vistas que procuraram reforçar. 

Por despacho de 28-10-2021, o Tribunal Arbitral transferiu a prolação da decisão para dia não posterior a 19-11-2021.

 

2.      Da posição das Partes

 

Da posição das Requerentes:

2.1.        As Requerentes eram, à data relevante dos factos, sociedades gestoras de participações sociais ao tempo da liquidação do imposto do selo, reguladas pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro.

2.2.        Tendo assim por objeto a gestão de participações sociais em outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas.

2.3.        E assumindo o papel de intermediárias no circuito financeiro e económico, incluindo a intermediação do financiamento das suas participadas.

2.4.        No âmbito da atividade que desenvolviam, as Requerentes recorreram a financiamento junto de diversas instituições de crédito, ou colocado por instituições de crédito junto de investidores (papel comercial), a saber: Banco E..., S.A. (“Banco E...”), pessoa coletiva n.º..., pelo F..., S.A. (“F...”), pessoa coletiva n.º..., pelo Banco G..., S.A., (“G...”), pessoa coletiva n.º..., pelo H...- Sucursal em Portugal (“H...”), pessoa coletiva n.º..., pela I..., S.A. (“I...”), pessoal coletiva n.º..., pela J..., C.R.L. (“J...”), pessoa coletiva n.º..., pela K..., S.A. (“K...”), pessoa coletiva n.º..., pela L... S.A. (“L...”), pessoa coletiva n.º..., e pelo M... S.A. (“M...”), pessoa coletiva n.º..., com domicílio em Estado Membro da União Europeia, mais especificamente Portugal.

 

2.5.        Por referência ao período compreendido entre janeiro de 2018 e janeiro de 2020, as instituições de crédito em causa liquidaram imposto do selo, na qualidade de sujeitos passivos, que fizeram repercutir na esfera jurídica das Requerentes enquanto entidades mutuárias, as quais vieram a suportar integralmente o imposto no montante total de 714.048,64 EUR.

 

2.6.        Correspondendo 218.131,71 EUR à Requerente Grupo A..., SA, 52.704,60 EUR à Requerente B..., S.A., 322.544,39 EUR à Requerente C... SGPS, S.A., e 120.668,14 à Requerente D..., SGPS, S.A.

 

 2.7.       No entanto, as liquidações são ilegais, e devem ser anuladas, na medida em que a situação do caso se encontra coberta pela isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo.

 

2.8.        Com efeito, a Requerente enquanto sociedade gestora de participações sociais subsume-se como uma instituição financeira ao abrigo da legislação europeia e enquadra-se, em especial, na definição de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/EU e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento UE n.º 575/2013.

2.9.        Sendo que, relativamente a sociedades gestoras de participações, esta última norma de direito europeu apenas exclui do conceito de instituições financeiras as “sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE”, o que requer, segundo o disposto neste preceito, que pelo menos umas das filiais das sociedades gestora de participações, seja uma empresa de seguros ou de resseguros, o que não é aplicável ao caso.

 

2.10.      Sustentam também que a norma do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo é inconstitucional quando interpretada no sentido de excluir da condição de instituições financeiras, enquanto entidades mutuárias que beneficiam da isenção de imposto, as sociedades gestoras de participações sociais, designadamente por violação do princípio constitucional da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição.

2.11.      Concluindo que se encontram isentas de Imposto do Selo ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do respetivo Código, as seguintes operações: (i) os juros cobrados, (ii) as comissões cobradas, (iii) a utilização do crédito e (iv) as garantias prestadas.

 

Da posição da Requerida:

 

2.12.      Nos termos conjugados da alínea e) do n.º 1 e do n.º 7, do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, do lado objetivo da isenção apenas estão isentas de imposto, as seguintes operações: i. Utilização do crédito concedido; ii. Garantia prestada na concessão do crédito; iii. Juros remuneratórios cobrados pela concessão do crédito; iv. Comissões cobradas diretamente destinadas à concessão do crédito.    

 

2.13.      Já do lado subjetivo a lei exige que tais operações sejam realizadas por “Instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras” que tenham como destinatários, “Sociedades de capital de risco, bem como sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”; e desde que “Umas e outras sejam domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças".

 

2.14.      Está em causa saber se as Requerentes, na qualidade de sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) e contraparte nas operações de concessão de crédito e de cobrança de juros e comissões integram, ou não, o elemento subjetivo da norma de isenção, onde cabem, no que aqui tem relevo, “sociedades ou entidades cuja forma e objeto preenchem os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”.

 

2.15.      As Requerentes não podem ser qualificadas como instituições financeiras, de crédito ou sociedades financeiras para efeitos da referida norma de isenção.

 

2.16.      A definição de “Instituição financeira” constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22) e artigo 4.º, ponto 26) da Diretiva serve os objetivos de um quadro regulatório dedicado às atividades de natureza financeira e às instituições de crédito e empresas de investimento;

 

2.17.      Consequentemente, nela não cabe uma SGPS cujo único objeto é a detenção e gestão de participações em sociedades, não sendo qualquer delas uma instituição de crédito, ou empresa de investimento.

 

2.18.      O legislador qualificou como instituições financeiras apenas as SGPS que, em conformidade com o disposto no n.º 5 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro11 e no artigo 117.º do RGICSF, estão sujeitas à supervisão do Banco de Portugal1

 

2.19.      Neste sentido, a Requerente não se qualifica como “instituição financeira” e, consequentemente, não preenche o pressuposto subjetivo da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

 

2.20.      Alega ainda a Requerida que se verifica exceção da incompetência do tribunal arbitral, por impossibilidade de impugnação contenciosa direta.

 

2.21.      Quanto ao  conteúdo a dar à expressão “formalidades conexas” utilizada no artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE, que o conceito deve ser interpretado conforme  a posição expressa no Parecer n.º 507/2004, da Direção de Serviços Jurídicos e do Contencioso, da DGCI, que  considera que « A expressão “formalidades conexas” reporta-se, assim, apenas às formalidades da operação de reunião de capitais propriamente dita, no caso,  a emissão de papel comercial, ou seja, à sua exterioridade perante os destinatários da operação.», onde cabem nomeadamente as operações de inscrição no livro registo, registos comerciais e publicações da deliberação de emissões.

 

2.22.      A Requerida contesta a interpretação que as Requerentes retiram da jurisprudência do TJUE, sendo que a orientação genérica sobre a interpretação “latu sensu” do artigo 5, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE, não leva a considerar inevitavelmente que toda e qualquer remuneração cobrada pela intermediação financeira em empréstimos obrigacionistas ou programa de papel comercial, tributada em imposto do selo pela verba 17.3.4, caiba na expressão “formalidades conexas”.

Ademais, é no Acórdão de 27 de outubro de 1998, processos C-31/97 e C-32/97, que o Tribunal fornece uma ideia mais aproximada dos atos ou operações que podem incluir-se na expressão “formalidades conexas”, concretizando com o ato notarial obrigatório para o registo do reembolso do empréstimo.

Está em causa, portanto, neste ponto saber se as Requerentes, na qualidade de sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) e contraparte nas operações de concessão de crédito e de cobrança de juros e comissões integram, ou não, o elemento subjetivo da norma de isenção, onde cabem, no que aqui tem relevo, “sociedades ou entidades cuja forma e objeto preenchem os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”.

A Requerida contesta igualmente que as Requerentes preencham o requisito subjetivo previsto no artigo 7.º, nº1, alínea e) do CIS, porquanto, com base na fundamentação da decisão arbitral proferida nos processos n.º 37/2020-T e nº 559/2020-T, as Requerentes não podem ser qualificadas como instituições financeiras, de crédito ou sociedades financeiras para efeitos da referida norma de isenção.

 

2.23.      Quanto ao facto de as Requerentes chamarem a atenção para a Proposta de Diretiva do Conselho que aplica uma cooperação reforçada no domínio do imposto sobre as transações financeiras (Documento COM/2013/071 final - 2013/0045), a verdade é que a convocação daquela Proposta de Diretiva para reforçar a qualificação das SGPS em geral como “instituições financeiras” para efeitos da aplicação da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, não tem qualquer efeito útil, porquanto, esta Proposta encontra-se ainda em fase de discussão, logo, nem sequer integra ainda o acervo da “legislação comunitária”.

 

2.24.      Quanto ao argumento de uma alegada discriminação entre as SGPS e outros tipos de entidades – os FCR, SCR, FII – que a AT terá qualificado como “instituição financeira” para efeitos da Verba 17.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo, o que pode dizer-se é que não faz sentido empreender um exercício de comparação, tanto mais que o enquadramento legal, tanto no plano nacional como europeu, são distintos.

 

2.25.      Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.

 

3.            Saneamento

3.1.        A Autoridade Tributária suscitou a exceção de incompetência material do Tribunal, o que será analisado mais adiante, onde se conclui no sentido de que o Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

 

3.2.        As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

3.3.        O processo não enferma de nulidades.

 

3.4          Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre decidir.

 

 

4.      Matéria de facto

 

4.1.    Factos provados:

a)            As Requerente são SGPS, isto é, sociedades gestoras de participações sociais, previstas e regidas pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro (e alterações subsequentes), que, como tal, exercem uma atividade económica de forma apenas indireta, e são SGPS domiciliadas em Portugal (cfr. docs nºs 4 a 11, juntos pelas Requerentes);

 

b)           Em especial, no caso das Requerentes, à data dos factos a sua atividade compreendia a intermediação do financiamento das suas participadas (cfr. docs nºs 12 a 18, juntos pelas Requerentes);

 

c)            Os atos objeto do presente pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral são os indeferimentos de reclamação graciosa autuados sob o n.º ...2020... e incidentes sobre as liquidações de Imposto de Selo relativas ao período compreendido entre janeiro de 2018 e janeiro de 2020 e, consequentemente (e em termos finais ou últimos), os atos de liquidação de Imposto do Selo repercutidos nas Requerentes, relativos a operações de crédito e intermediação financeira em emissões de papel comercial das entidades referentes aos período entre janeiro de 2018 e janeiro de 2020, bem como as declarações emitidas pelas instituições de crédito (cfr. Docs. nºs 21 e 22, juntos pelas Requerentes).

 

d)           Aqui está em causa o Imposto do Selo dos períodos entre janeiro de 2018 e janeiro de 2020, conforme quadro síntese com a segregação destes períodos que se reproduz [cfr. artigo 24.º do Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA)]:

 

 

 

 

 

 

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

4.2.     Factos não provados

 

Não se verificaram quaisquer factos que não tenham sido provados.

 

4.3.      Fundamentação da matéria de facto provada

 

A convicção dos árbitros fundou-se nos documentos juntos aos autos pelas partes.

 

5.           Matéria de direito

 

5.1.        Objeto e âmbito do presente processo

 

A questão essencial de direito que se coloca neste processo é a de saber se é aplicável a isenção prevista no artigo 7º, nº 1, al.e), do Código do Imposto do Selo, aos atos de liquidação desse imposto repercutidos nas Requerentes, relativos a operações de crédito e intermediação financeira em emissões de papel comercial das entidades referentes ao período entre janeiro de 2018 e janeiro de 2020.

 

5.2.        Do Direito

 

5.2.1.     Exceção de incompetência, por impossibilidade de impugnação contenciosa direta.

Como ficou dito, na Resposta veio a Requerida suscitar a exceção de incompetência, por impossibilidade de impugnação contenciosa direta.

Para a Requerida, os atos de autoliquidação de Imposto do Selo (IS), não são suscetíveis de impugnação contenciosa direta, por não estarem preenchidos os requisitos previstos no termos do artigo 131.º, n.º 1, do Código de procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o qual prescreve que : «Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.», salvo «Quando estiver exclusivamente em causa matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, não há lugar à reclamação necessária prevista no n.º 1.»

Segundo a Requerida, nenhuma orientação genérica emitida pela AT é invocada e, por outro lado, não está em causa matéria exclusivamente de direito. Efetivamente, é necessário apurar em concreto os encargos referidos pelas Requerentes a este propósito e como resulta da factualidade supra, para que se remete e se dá aqui por reproduzida, de modo a evitar repetições inúteis, não é feita essa prova sem que suscitem dúvidas quanto aos respetivos montantes. Deste modo, atenta a falta de preenchimento de qualquer um dos pressupostos cumulativos referidos, não pode aproveitar-se do disposto no artigo 131.º, n.º 3 do CPPT, porquanto, quanto a estes encargos, com o fundamento agora apresentado no ppa, não foi previamente apresentado reclamação graciosa ou revisão oficiosa das autoliquidações aqui em causa.

Por outro lado, quanto à questão de saber se, em concreto, é possível suscitar em sede de impugnação judicial, ou pedido de pronúncia arbitral, ilegalidades imputáveis à (auto)liquidação que constitui objecto da referida impugnação judicial, ou do pedido de pronúncia arbitral, que não foram previamente suscitadas no âmbito da precedente reclamação graciosa, a jurisprudência dos tribunais superiores já se pronunciou uniformemente em sentido afirmativo, incluindo o próprio Supremo Tribunal Administrativo (STA), nomeadamente os seguintes: Acórdão do STA, de 03.07.2019, proferido no âmbito do processo n.º 02957/16.0BELRS 070/18; no Ac. do STA de 28/10/2009, proferido no recurso n.º 595/09, e no Acórdão de 11.09.2013, recurso 1138/12.

Veja-se a título de exemplo, o consignado no Acórdão da  Secção de Contencioso Tributário de 03-06-2015, processo nº 0793/14, onde se pode ler que: «Na impugnação judicial subsequente a decisão da AT que recaia sobre reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa do ato tributário, podem, e devem, os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substância que afetem o ato tributário em crise, quer essas ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litígio impondo-se-lhes um dever acrescido quando se tratem de questões de conhecimento oficioso.».

Este entendimento acolhido pela supracitada jurisprudência, que subscrevemos, é também o único que é compaginável com princípios constitucionais essenciais à compreensão daquilo que é a atividade jurisdicional e portanto o que melhor se coaduna com o princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva, previstos nos artigos 20º e 268º, n.º 4 da C.R.P., os quais visam garantir o acesso aos tribunais para obtenção pelos cidadãos da tutela adequada aos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

Por outro lado, constitui doutrina e jurisprudência assente que excluir da jurisdição arbitral o pedido em análise apenas porque o meio utilizado devia ter sido uma reclamação prévia graciosa seria violar os princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva.

Com efeito, a regra, quer para a impugnação judicial, quer para a arbitragem, é que se submetam ao crivo da AT todos aqueles atos relativamente aos quais esta entidade ou ainda não se pronunciou ou ainda não teve qualquer intervenção, razão pela qual lhe deve ser dada a oportunidade para se pronunciar antes de o tribunal judicial ou arbitral se pronunciar quanto à sua legalidade. Mas essa função é perfeitamente suprida através do pedido de revisão oficiosa ou o uso de outro meio.

É, assim, manifesta a equiparação entre o pedido de revisão do ato tributário à reclamação graciosa sobre atos de autoliquidação, retenção na fonte e de pagamento por conta. Na verdade, como ficou consignado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da seção do CT, processo n.º 0793/2014), de 3 de junho de 2015, “(…) o meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação)…”

Em suma, o pedido de revisão oficiosa do ato tributário é um mecanismo de abertura da via contenciosa perfeitamente equiparável à reclamação graciosa necessária, porquanto serve o propósito de permitir que a AT se pronuncie sobre os atos de autoliquidação. Neste sentido, ver as Decisões Arbitrais proferidas, entre outros, nos processos n.ºs 143/2015-T; 577/2016-T; e 408/2019-T. O fundamental é proporcionar à Requerida a oportunidade de reapreciar a questão, como aconteceu no caso, através de reclamação graciosa que foi indeferida.

Por outro lado, quanto à invocação na impugnação de vícios não alegados em sede de impugnação graciosa, como se pode ler em recente acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 27 de Abril de 2017, proferido no processo n.º 08958/15 :

“1) Na impugnação judicial subsequente a decisão da AT que recaia sobre reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa do ato tributário, podem, e devem, os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substância que afetem o ato tributário em crise, quer essas ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litígio, impondo-se-lhes um dever acrescido quando se tratem de questões de conhecimento oficioso.

2) A presente regra deve ser aplicada aos processos arbitrais.

3) As impugnações administrativas constituem formas de tutela do contribuinte perante o Fisco, de forma que a instauração do seu procedimento reabre a apreciação da situação subjacente ao acto tributário, o qual não se consolida até ao trânsito em julgado da decisão judicial incidente sobre a sua impugnação.

4) Associar o efeito preclusivo da competência do tribunal arbitral à não invocação na sede administrativa de certo vício fundamento do pedido de pronúncia arbitral colide com o regime das impugnações administrativas como garantias dos contribuintes no quadro do direito à tutela jurisdicional efectiva.

5) A restrição do universo de elementos constitutivos da causa de pedir arbitral em função da discussão efectuada em sede procedimental constitui uma restrição desproporcionada da tutela jurisdicional efectiva, na medida em que a garantia do cumprimento da legalidade fiscal assegurada pelos procedimentos administrativos de revisão do acto tributário não pode operar como um impedimento de tal revisão em sede contenciosa, seja a mesma garantida através de um tribunal do Estado, seja a mesma garantida através de um tribunal arbitral”.

Jurisprudência perfeitamente transponível para a arbitragem tributária, tanto mais que são suscitadas ilegalidades que são de conhecimento oficioso.

Finalmente, alega a Requerida não estar preenchido o requisito do n.º 3 do artigo 131.º do CPPT, por não se tratar de matéria exclusivamente de direito, em especial porque “as Requerentes não explicitam como foi obtido o montante de imposto do selo que consideram ter sido liquidado indevidamente sobre comissões bancárias associadas aos programas de papel comercial e, bem assim, também não são identificados os concretos serviços financeiros prestados pelas instituições bancárias.” (…).

Para além de os documentos juntos pelas Requerentes se afigurarem suficientes para prova das liquidações impugnadas, como decorre da matéria de facto dada como provada, para a qual se remete, a verdade é que a questão, tal como vem configurada pelo pedido e causa de pedir, é essencialmente de direito, como admite a própria Requerida. Com efeito, o que se discute é a alegada ilegalidade das autoliquidações de IS sobre encargos com comissões bancárias cobradas pelas instituições bancárias, a título da prestação de serviços de intermediação financeira em emissões de papel comercial efetuadas pela Requerente, por violação do artigo 1.º, n.º 1 do CIS conjugado com a Tabela Geral de Imposto do Selo e, bem assim, por violação do direito comunitário, mais concretamente, do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais.

Termos em que improcede a alegada exceção de incompetência.

 

5.2.2.     A natureza jurídica das SGPS     

A questão em debate consiste em saber se as Requerentes, enquanto sociedades gestoras de participações sociais, são consideradas instituições financeiras para efeito do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, que estabelece, nos termos aí previstos, a isenção de imposto.

a)            As Requerentes entendem que, enquanto sociedades gestoras de participações sociais, se enquadram no conceito de instituição financeira constante do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013 - para que remete o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22), da Diretiva 2013/36/EU -, no ponto em que essa disposição define como uma instituição financeira uma empresa que não seja instituição de crédito, cuja atividade principal é a aquisição de participações sociais, e apenas exclui as “sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas”.

b)           Em contraposição, a Autoridade Tributária defende que, o legislador nacional, ao proceder  à transposição da Diretiva para o direito interno, interpretou a expressão «empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações» como correspondendo a sociedades gestoras de participações sociais que se encontram sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, conforme a definição constante do artigo 2.º-A, alínea z), subalínea i), do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.

É esta a questão que cabe dilucidar.

c)            A referida disposição da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, que aqui está especialmente em foco, estatui nos seguintes termos:

 

“Outras isenções

 

1 - São também isentos do imposto:

(…)

e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças.”

 

A isenção prevista nesta disposição, cuja redação foi introduzida pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, contempla dois requisitos. Um, de natureza objetiva, incidindo sobre  juros e comissões cobrados pela concessão do crédito, garantias prestadas na concessão do crédito e utilização de crédito concedido, e um outro, de natureza subjetiva na origem, respeitante às entidades financeiras (instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras) que cobram os juros e comissões, recebem as garantias e concedem crédito, e de natureza subjetiva no destino, respeitante às entidades beneficiárias da concessão do crédito, que incluem as sociedades de capital de risco, bem como as sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária. Em qualquer dos casos, as entidades intervenientes devem ser domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, definidos por Portaria do Ministro das Finanças (Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro e respetivas alterações).

 A isenção abrange, por conseguinte, segundo a própria terminologia legal, a concessão de crédito a “instituições financeiras previstas na legislação comunitária”.

Esta remissão para a legislação comunitária, agora dito Direito da União Europeia, haverá de entender-se como uma remissão dinâmica, pretendendo referir-se ao conceito de “instituição financeira” que se encontre previsto no direito europeu à data em que se pretenda exercer o direito de isenção.

 À data da entrada em vigor da nova redação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo, o dispositivo aplicável era o do artigo 1.º, n.º 5, da Diretiva 2000/12/CE, que caracterizava como uma instituição financeira “uma empresa que não seja uma instituição de crédito, cuja atividade principal consista em tomar participações ou exercer uma ou mais atividades referidas nos pontos 2 a 12 da lista do anexo”.

 Essa Diretiva foi entretanto substituída pela Diretiva 2006/48/CE, por sua vez revogada pela Diretiva n.º 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que, juntamente com o Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, constitui o atual enquadramento jurídico que rege o acesso à atividade das instituições de crédito e que estabelece o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento.

 A Diretiva 2013/36/EU, no seu artigo 3.º, n.º 1, ponto 22), declara como sendo uma instituição financeira, para efeitos da diretiva, “uma instituição financeira na aceção do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013”.

 Por sua vez, o Regulamento (UE) n.º 575/2013 - para que é efetuada a remissão -, no seu artigo 4.º, sob a epígrafe “Definições”, e na parte que mais interessa considerar, prescreve o seguinte:

 

“Artigo 4.º

Definições

1.            Para efeitos do presente regulamento, aplicam-se as seguintes definições:

(...)

1) “Instituição de crédito”: uma empresa cuja atividade consiste em aceitar do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria;

3) "Instituição": uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento;

(...)

26) "Instituição financeira": uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/UE, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE”.

A Diretiva 2013/2013/EU foi transposta para o direito interno pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, de 24 de outubro, que, para esse efeito, procede à alteração do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.

Uma das disposições aditadas por esse diploma é do artigo 2.º-A, que sob a epígrafe “Definições”, na parte relevante, é do seguinte teor:

 

“Para efeitos do disposto presente Regime Geral, entende-se por:

(…)

z) «Instituições financeiras», com exceção das instituições de crédito e das empresas de investimento:

 

 i) As sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, incluindo as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas;

 ii) As sociedades cuja atividade principal consista no exercício de uma ou mais das atividades enumeradas nos pontos 2 a 12 e 15 da lista constante do anexo I à Diretiva n.º 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013;

 iii) As instituições de pagamento;

(…).”

 

Este preceito correlaciona-se com o artigo 117.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, que, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, sob a epígrafe “Sociedades Gestoras de Participações Sociais, dispõe o seguinte:

 

“1 - Ficam sujeitas à supervisão do Banco de Portugal as sociedades gestoras de participações sociais quando as participações detidas, direta ou indiretamente, lhes confiram a maioria dos direitos de voto em uma ou mais instituições de crédito ou sociedades financeiras.

2 - O Banco de Portugal pode ainda sujeitar à sua supervisão as sociedades gestoras de participações sociais que, não estando incluídas na previsão do número anterior, detenham participação qualificada em instituição de crédito ou em sociedade financeira.

3 - Excetuam-se da aplicação do número anterior as sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Instituto de Seguros de Portugal.

4 – O disposto nos artigos 30.º a 32.º, com as necessárias adaptações, 42.º-A, 43.º-A e nos n.ºs 1 e 3 do artigo 115.º é aplicável às sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal.”

 

d)           Efetuando o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo uma remissão para as “sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”, quando se refere a entidades beneficiárias da concessão do crédito,  parece claro que o preceito pretende remeter para as disposições de direito europeu aplicáveis, e,  na atualidade, no que se refere às instituições financeiras, essas disposições são  - como se viu - a do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22), da Diretiva 2013/36/EU e, por via de remissão,  a do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013.

 No preceito para que se efetua a remissão, o Regulamento define como "instituição financeira" uma empresa que não seja uma instituição [de crédito], cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/UE, com exclusão das sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE”.

Torna-se assim evidente que a remissão da norma que estabelece a isenção de imposto de selo é feita para o direito europeu e, especificamente, para as sobreditas disposições da Diretiva 2013/36/EU e do Regulamento (UE) n.º 575/2013, havendo de reconhecer-se, neste contexto normativo, que uma instituição financeira, para o aludido efeito é, além de outras que exerçam certas atividades enumeradas no anexo, uma empresa que, não sendo uma instituição de crédito, tem como principal atividade a aquisição de participações, desde que se não trate de sociedades gestoras de participações no setor dos seguros.

Certo é que na transposição da Diretiva 2013/36/EU para o direito interno, o legislador nacional adotou um conceito mais restritivo de “instituição financeira”, caracterizando como tal “as sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal”.

No entanto, para efeitos da aplicação da isenção do imposto de selo, o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), não remete para o direito interno, mas para o direito da União Europeia, o que significa que a definição constante do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aditado pelo diploma que procedeu à transposição da Diretiva, releva para os demais efeitos da regulação das sociedades gestoras de participações sociais, e não para o específico aspeto da isenção de imposto de selo.

 

e)           Segundo o disposto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, que define o regime jurídico das sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), estas sociedades, conforme o seu artigo 1.º, “têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas” (n.º 1), sendo que a participação numa sociedade é considerada forma indireta de exercício da atividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante (n.º 2).

Os contratos pelos quais se constituem as SGPS devem mencionar expressamente como objeto único da sociedade a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas (artigo 2.º, n.º 2), sendo permitida às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações ou com as quais tenham celebrado contratos de subordinação (artigo 4.º, n.º 1).

Tratando-se de sociedades que têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, não oferece dúvidas que as sociedades gestoras de participações sociais se enquadram no conceito de “instituição financeira”, tal como se encontra definido no direito europeu e, assim sendo, beneficiam da isenção de imposto estabelecida no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo.

Como é tido como assente (alínea a) da matéria de facto) - e não é sequer controvertido pelas partes -, as Requerentes são sociedades gestoras de participações sociais, reguladas pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, e estão domiciliadas em Portugal. E nessa qualidade não podem deixar de se encontrar abrangidas pelo conceito relevante de instituição financeira para efeito da aplicação da isenção do imposto de selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto de Selo.

 

f)            Como é de concluir, as operações financeiras em causa preenchem os pressupostos objetivos e subjetivos da isenção de imposto de selo, na medida que respeitam à concessão de crédito por instituições de crédito a sociedades gestoras de participações sociais, que se qualificam, à luz da legislação de direito europeu, como instituições financeiras, e em que intervieram instituições mutuantes e mutuárias que se encontram domiciliadas em Portugal, e não em nenhum dos territórios com regime privilegiado previsto no Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro.

 

6.            Restituição do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

As Requerentes pedem ainda a condenação da Requerida na restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Autoridade Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação dos atos tributários, há assim lugar à restituição do imposto indevidamente pago.

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

No entanto, no caso de pedido de revisão oficiosa, em face do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, apenas são devidos juros indemnizatórios depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, constituindo esse o entendimento jurisprudencial corrente (cfr. acórdão do Pleno do STA de 3 de julho de 2019, Processo n.º 04/19).

No caso, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 18-03-2020 e decidido em 19-11-2020, ainda antes do decurso do prazo de um ano, pelo que não são devidos juros indemnizatórios.

 

7.       Decisão

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular as liquidações de Imposto do Selo conforme Guias entregues pelas Instituições de Crédito que liquidaram o Imposto do Selo e constantes do doc. n.º 21 junto pelas Requerentes, no montante de 714.048,64 EUR.

c)            Condenar a Requerida à respetiva restituição, correspondendo 218.131,71 EUR à Requerente Grupo A..., SA, 52.704,60 EUR à Requerente B..., S.A., 322.544,39 EUR à Requerente C... SGPS, S.A., e 120.668,14 à Requerente D..., SGPS, S.A. e

d)           Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios, dele absolvendo a Requerida.

 

8.        Valor

Fixa-se o valor do processo em 714.048,64 EUR, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

9.        Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 10.404,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento. 

 

Notifique-se.

Lisboa, 15 de novembro de 2021

 

Os Árbitros,

 

Árbitro Presidente

(José Poças Falcão)

 

Árbitra Vogal

(Adelaide Moura)

 

Árbitro Vogal,

(Luís Ricardo Farinha Sequeira)