Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 464/2020-T
Data da decisão: 2021-11-29  IRS  
Valor do pedido: € 22.087,67
Tema: IRS - Incompetência material da AT. Ilegitimidade passiva. Residentes Não Habituais. Tributação de rendimentos da Categoria H de fonte estrangeira.
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SUMÁRIO:

1.            O 12.º, n.º 1 do Decreto–Regulamentar Regional n.º 2/2013/M, de 1 de Fevereiro, afirma que a Autoridade Tributária e Aduaneira continuará a realizar os procedimentos em matéria administrativa, até que a DRAF tenha todos os meios necessários ao exercício da totalidade das atribuições e competências previstas no artigo 2.º do mesmo diploma e no qual constam a “liquidação e cobrança dos impostos…sobre o rendimento…”, ressalva que se manteve nas redações posteriores da orgânica da Direção Regional dos Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, visto que o artigo 15.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar Regional n.º 14/2015/M manteve a referência, que constava do artigo 12.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar Regional n.º 2/2013/M, à cooperação e colaboração recíproca, agora entre a AT e a AT-RAM, bem como, o Decreto Regulamentar Regional nº 4/2017/M, de 10 de março, não alteração a situação anteriormente vigente, pelo que não existe incompetência material da Autoridade Tributária e Aduaneira

2.            A Autoridade Tributária e Aduaneira tem legitimidade para o procedimento tributário, uma vez que praticou o ato de liquidação, ao abrigo do disposto no artigo 75.º, do CIRS, pelo não pode deixar de ter legitimidade para o processo arbitral tributário.

3.            O artigo 81.º, n.º 5, do CIRS, na relação que estabelece entre a situação da alínea a) e da alínea b), as mesmas têm caráter alternativo, isto é, basta que uma delas se verifique para que os residentes não habituais possam beneficiar do regime de isenção sobre os rendimentos de Categoria H, provenientes de fonte estrangeira.

4.            Uma pensão estrangeira que, por isso, não se gerou a dedução a que se reporta o artigo 25.º, n.º 2, não se pode considerar um rendimento obtido em Portugal se não se verificar nenhuma das situações previstas no artigo 18.º, n.º 1, do CIRS, nomeadamente, que as pensões sejam devidos por entidade que nele tenha residência, sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro designado para formar o Tribunal Arbitral Singular constituído em 15 de dezembro de 2020, Rui Miguel Zeferino Ferreira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), decide o seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

A... e B..., adiante “Requerentes”, titulares dos números de identificação fiscal ... e..., com residência fiscal na Rua ..., n.º..., ...-... ..., vieram requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alíneas a) e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente.

 

O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto a liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS), respeitante à liquidação n.º 2015..., do ano de 2014, no valor de € 22.087,67, pedindo a sua substituição por outra liquidação que aplique o método de isenção, a que alude o artigo 81.º, n.º 5, do CIRS, vigente à data [atualmente artigo 81.º, n.º 6, do CIRS].

 

Os Requerentes peticionam a anulação da identificada liquidação de IRS e, consequentemente, substituição por outra liquidação que aplique o método de isenção acima referenciado.

 

Como fundamento da sua pretensão, os Requerentes invocam, em síntese:

 

a)            Que, desde 21.10.2013, são residentes não habituais em Portugal, nomeadamente na Região Autónoma da Madeira, e que nesse âmbito submeteram quanto aos rendimentos do ano de 2014 a declaração de IRS, Modelo 3, em 14.05.2015, de onde resultou inicialmente um imposto a pagar de € 412,91 (quatrocentos e doze euros e noventa e um cêntimos), que veio a ser substituída por nova declaração de 09.09.2015, de onde resultou imposto a pagar de € 22.169,08 e €22.087,67 (notas de cobrança n.º ... e ..., de 19.11.2015 e 20.11.2015), tendo a primeira sido anulada, mas mantendo-se vigente a segunda no valor global de € 22.258,78, que inclui juros compensatórios de € 241,80.

b)           Que, em 25.09.2015 e 30.12.2015 (por lapso refere no PPA 30.12.2025) apresentaram reclamações graciosas, com fundamento que as liquidações, nomeadamente, aquela que aqui impugnam, desconsiderou os benefícios fiscais/vantagens concedidas aos residentes não habituais.

c)            Que, em dezembro de 2019, recorreram hierarquicamente da decisão proferida no âmbito das reclamações graciosas, mas que veio mais uma vez a ser indeferido.

d)           Entendem os Requerentes que a Autoridade Tributária da Região Autónoma da Madeira fez uma má aplicação do regime fiscal dos residentes não habituais, no que respeita à aplicação do então vigente artigo 81.º, n.º 5, do CIRS, quanto à aplicação do regime de isenção aos rendimentos da categoria H obtidos no estrangeiro (África do Sul), que sustentam verificar-se todos os pressupostos para beneficiarem da aplicação do método de isenção em território português.

e)           Para tanto, sustentam que o rendimento em discussão é, nos termos da legislação fiscal portuguesa, qualificável como rendimento de pensões (Categoria H); que foram obtidos no estrangeiro (África do Sul); que beneficiam do regime fiscal dos residentes não habituais, que os rendimentos de pensões não geraram qualquer dedução para efeitos do n.º 2 do artigo 25.º do CIRS, bem como para efeitos da aplicação do artigo 81.º, n.º 5, do CIRS, exige-se que apenas uma das situações aí prevista de verifique, que na sua perspetiva será o caso da alínea b), visto que pelos critérios do artigo 18.º, n.º 1, do CIRS, não serão de considerar obtidos em território português o rendimento de pensões.

 

É demandada a AT (Autoridade Tributária e Aduaneira), doravante também designada por “Requerida”.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 17 de setembro de 2020, e aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 18 de setembro de 2020 e, de seguida, notificado à AT.

 

Nos termos do disposto do artigo 5.º, n.º 2, do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico designou o árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo.

 

Em 11 de setembro de 2020, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral singular foi constituído em 15 de dezembro de 2020.

 

Em 29 de dezembro de 2020, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por exceção e por impugnação, pugnando, por um lado, pela procedência das exceções de incompetência material do tribunal arbitral e de falta de legitimidade da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) no processo, e, por outro, pela improcedência total do pedido.

 

A Requerida alega, em resumo:

 

a)            Quanto à matéria de exceção, por um lado, que o presente Tribunal arbitral não possui competência para emitir pronúncia sobre a questão aqui em apreço e, por outro, que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) não é competente para representar o Governo Regional da Madeira ou a Direção Regional dos Assuntos Fiscais (DRAF), atual Autoridade Tributária da Região Autónoma da Madeira (AT-RAM).

 

b)           Para tanto sustenta para que o Tribunal arbitral possua competência material para decidir alguma das matérias previstas no artigo 2º do RJAT é necessária uma Portaria de vinculação prévia, onde refere que a única que existe é a que vincula os serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública, ou seja, a Direcção-Geral do Impostos (DGCI) e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC).

 

c)            Logo, conclui que tendo o ato de liquidação em discussão sido liquidado pela AT-RAM, sendo esta a entidade competente, referindo que se deve retirar da orgânica desta entidade que a AT-RAM é um serviço executivo da Secretaria Regional das Finanças e da Administração Pública que tem por missão assegurar e administrar os impostos sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o consumo, sobre o património e outros tributos legalmente previstos, bem como executar as políticas e as orientações fiscais definidas pelo Governo Regional da Madeira, em matéria tributária a exercer no âmbito da Região Autónoma da Madeira, bem como, sustenta com base no artigo 4.º da Portaria da RAM n.º 88/2017 de 27 de março, que a Direção de Serviços de Justiça Tributária, da Consultadoria Jurídica e do Contencioso tem por missão assegurar o acompanhamento de processos de contencioso administrativo, tributário e criminal, elaborar pareceres e prestar apoio técnico jurídico na preparação de diplomas legais e consultoria jurídica em matérias conexas com a atividade administrativa e tributária.

 

d)           Ademais, refere que constitui receita de cada região autónoma o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) devido por pessoas singulares consideradas fiscalmente residentes em cada região, independentemente do local em que exerçam a respetiva atividade.

 

e)           Logo, conclui que a AT-RAM está vinculada ao Governo Regional da Madeira, e não ao Governo da República, concluindo que o Tribunal arbitral só tem jurisdição sobre aqueles Organismos que se vinculam a ela e, no caso em apreço, tanto quanto sabemos, não existe tal vinculação, pelo que não possui qualquer jurisdição no presente processo, o que desde já se evoca para os devidos efeitos, pelo que teria de ser o Governo Regional a assumir o compromisso de vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais.

 

f)            Em suma, alega que foi a AT demandada indevidamente.

 

g)            Quanto à matéria de impugnação, sustenta que não assiste razão aos Requerentes, visto que não tendo os Requerentes sido tributados pelos rendimentos de pensões na África do Sul conforme declararam no anexo J da declaração de rendimentos, não preenchem os requisitos do artigo 81.º, n.º 5, porque não foram tributados nesse Estado e, por isso devem-se considerar obtidos em Portugal.

 

                Em 11 de fevereiro de 2021, os Requerentes apresentaram requerimento de pronúncia da matéria de exceção, sustentando a improcedência das exceções suscitadas pela Requerida, em resumo, com os seguintes fundamentos:

 

a)            Que, não corresponde à verdade que aqui esteja em causa seja um imposto liquidado, não pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), mas pela AT-RAM, pois basta ver a liquidação junta deste IRS de 2014 para se visualizar que a demonstração da liquidação foi da AT e não da AT-RAM.

 

b)           Que, do artigo art.º 75.º do CIRS resulta que “A liquidação do IRS compete à Direcção-Geral dos Impostos”, agora denominada Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

c)            Que, a Resposta apresentada ter cabeçalho e rodapé da Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso, da Divisão de contencioso, da Autoridade Tributária e Aduaneira, e não pelos serviços autónomos da AT-RAM.

 

d)           Que, é irrelevante alegar-se, como se refere no art.º 8.º da douta resposta, que o procedimento gracioso correu termos na AT-RAM, pois a reclamação graciosa deve ser apresentada no serviço periférico local da área do domicílio do contribuinte, pois assim o determina os art.º 70, n.º 6 e 73.º do CPPT, não se tratando assim de qualquer exigência de um normativo regional.

 

e)           Que o mesmo entendimento se deve ter em consideração face ao que resulta das referências ao recurso hierárquico.

 

f)            Que não é verdade o vertido no art.º 10.º da douta resposta que refere que, à data dos factos, a direção pertence à AT-RAM, pois à data dos factos do IRS 2014, a AT-RAM ainda não tinha sido criada, visto que a mesma só se constituiu pelo Decreto Regulamentar Regional 14/2015/M (diário da república n.º 161/2015, série i de 2015-08-19), corresponde à nova designação atribuída à Direção Regional dos Assuntos Fiscais, cuja estrutura orgânica foi criada pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 29-A/2005/M, de 31 de agosto, sendo posteriormente alvo de reestruturação através do Decreto Regulamentar Regional n.º 2/2013/M, de 1 de fevereiro.

 

g)            Que do Decreto Regulamentar Regional 14/2015/M, posterior à data dos factos que dizem respeito aos rendimentos de 2014, prevê-se no artigo 15.º, sob a epígrafe Cooperação e colaboração recíproca da AT e da AT-RAM que: 1 - Até que se encontrem instalados todos os meios logísticos necessários ao exercício da plenitude das atribuições e competências previstas no artigo 2.º do presente diploma, a AT, através dos seus departamentos e serviços, continua a assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa e informática necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a Região Autónoma da Madeira, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da Região Autónoma da Madeira.

 

h)           Que, não só a AT-RAM não existia ainda em 2014 com qualquer estrutura orgânica, como cabia à AT, através dos seus departamentos e serviços, continuar a assegurar a realização dos procedimentos, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da Região Autónoma da Madeira, pelo que se impugna na base o vertido no artigo 20.º da resposta, pois não está em causa se a criação dos serviços fiscais competentes para o lançamento, liquidação e cobrança dos impostos de que é sujeito ativo cabe ao Governo Regional.

 

i)             Que, a AT-RAM corresponde à nova designação atribuída à Direção Regional dos Assuntos Fiscais, cuja estrutura orgânica foi criada pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 29-A/2005/M, de 31 de agosto, sendo posteriormente alvo de reestruturação através do Decreto Regulamentar Regional n.º 2/2013/M, de 1 de fevereiro.

 

j)             Que, já este Decreto Regulamentar Regional n.º 29-A/2005/M, de 31 de agosto, que criou a estrutura orgânica da Direção Regional dos Assuntos Fiscais, se previa no art.º 46.º - Cooperação e colaboração recíproca da DGCI e da DRAF, que: 1 - Até que se encontrem instalados todos os meios logísticos necessários ao exercício da plenitude das competências e atribuições previstas nos artigos 1.º e 2.º deste diploma, a DGCI, através dos seus departamentos e serviços, continuará a assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a Região Autónoma da Madeira, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da Região Autónoma da Madeira.

 

k)            Que, se na liquidação consta o logótipo e identificação da AT e não da AT-RAM, cuja estrutura orgânica só foi criada depois, e se os próprios decretos regulamentares regionais preveem que, enquanto não se encontrem instalados todos os meios logísticos necessários ao exercício da plenitude das competências e atribuições previstas, cabe à AT, (outrora DGCI), através dos seus departamentos e serviços, continuar a assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a Região Autónoma da Madeira, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da Região Autónoma da Madeira, e se a própria resposta ora apresentada não pertence à AT-RAM, mas à AT, então a AT foi demandada devidamente.

 

l)             Que a AT assumiu o compromisso de vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais, pelo que, conclui pela competência material deste tribunal, para apreciar os vícios imputados pelos Requerentes à liquidação controvertida.

 

m)          Conclui, referindo as decisões do CAAD, adotadas nos processos n.º 65/2018-T, 90/2014-T; 30/2016-T e 426/2017- T.

 

Com a aprovação da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, foram suspensos os prazos procedimentais e processuais, no âmbito das medidas da pandemia Covid 19. Esta suspensão cessou com a entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, prosseguindo a tramitação processual a partir de 6 de abril de 2021.

 

Em 30 de julho de 2021 e 30 de setembro de 2021, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, fez-se uso da possibilidade aí prevista, e determinou-se a prorrogação do prazo acima identificado por um período de 2 (dois) meses, indicando-se o dia 30 de novembro de 2021 como data previsível para prolação da decisão arbitral.

 

Em 3 de novembro de 2021, foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e foi concedido o prazo de 10 dias para alegações. As Partes não apresentaram alegações no prazo concedido.

 

Em 23.11.2021, os Requerentes procederam ao pagamento da taxa de arbitragem subsequente.

 

 

II. QUESTÕES PRÉVIAS

 

A Requerida, na sua resposta, invocou a incompetência deste Tribunal arbitral, na medida em que, no seu juízo, o imposto em causa não é liquidado pela AT, mas pela Direção Regional dos Assuntos Fiscais (DRAF) e que os Requerentes têm domicílio fiscal no Funchal, ou seja, na Região Autónoma da Madeira (RAM). Consequentemente, o único organismo do Ministério das Finanças que está vinculado à jurisdição dos tribunais constituídos sob a égide do CAAD é a AT.

 

Em resposta a tal matéria de exceção, os Requerentes defenderam que, no âmbito do Decreto Regulamentar Regional n.º 2/2013/M, de 1 de Fevereiro, se dispõe que a AT continuará, através dos seus departamentos e serviços, a assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa e informática necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a RAM, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da RAM. Igualmente, referem que na liquidação consta o logótipo e identificação da AT e não da AT-RAM.

 

Em primeiro lugar, importa referir que a questão suscitada pela Requerida não é nova, tendo sido já objeto de análise pela doutrina e jurisprudência. Neste âmbito é entendimento de SÉRGIO VASQUES que “(...) os impostos cobrados na Região Autónoma da Madeira estão fora do âmbito material da arbitragem porquanto a Portaria de Vinculação impõe como limite os impostos geridos pela Autoridade Tributária e Aduaneira. (…) A Região Autónoma da Madeira não tem consagradas num único diploma as suas medidas de adaptação do sistema fiscal nacional, sendo esta adaptação concretizada através de vários diplomas avulsos. Em boa verdade, no tocante à Madeira foi levado a cabo um processo de regionalização da administração fiscal através do DL n.º 18/2005, de 18/1, e dos Decretos Regulamentares Regionais n.ºs 1/A/2001/M, de 13/3, 29-A/2005/M, de 31/8, 5/2007/M, de 23/7, 27/2008/M, de 3/7, 8/2011/M, de 14/11, 4/2012/M, de 9/4, e 2/2013/M, de 1/2. Assim, tendo em consideração que o art. 1.º do DL n.º 18/2005, de 18/1, consagra a transferência para a Região Autónoma da Madeira das atribuições e competências fiscais que no âmbito da Direcção de Finanças da Região Autónoma da Madeira e de todos os serviços dela dependentes vinham sendo exercidas no território da Região pelo Governo da República, os impostos cobrados na Região Autónoma da Madeira estão fora do âmbito material da arbitragem porquanto a Portaria de Vinculação impõe como limite os impostos geridos pela Autoridade Tributária e Aduaneira”.

 

Nesta mesma linha se pronunciaram por exemplo a decisão do CAAD referenciada pela Requerida, correspondente ao processo 89/2012-T, de 18.02.2013, com base nos argumentos que a Direção Regional dos Assuntos Fiscais não se encontra explicitamente elencada na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ou implicitamente, porquanto a Região Autónoma não se confunde com outra realidade jurídica, o Estado, bem como, que a lista de serviços vinculados à jurisdição do CAAD na portaria de vinculação tem natureza taxativa e, consequentemente, desta não consta a DRAF (ou AT-RAM). E, mais recentemente, em 19 de julho de 2018, a decisão adotada no processo 63/2018-T.

 

Em sentido oposto pronunciaram-se outras decisões, como sejam as decisões 260/2013-T, de 06/05/2014, 90/2014-T, de 26/09/2014, e 30/2016-T, de 04/10/2016. Nesse âmbito, sustentou-se que “... resulta do itinerário legislativo acima exposto que a AT nunca deixou de “assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa e informática necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a RAM”, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da RAM, incluindo ao abrigo do Decreto Regulamentar Regional n.º 2/2013, em vigor à data das liquidações sub judice, pelo que a Requerida dispunha dos necessários poderes para a prática das liquidações em causa, podendo ainda considerar-se que, inequivocamente, o imposto estava sujeito à sua administração”.

 

Deste modo, impõe-se questionar, desde logo, se este tribunal tem competência para apreciar o pedido de pronúncia arbitral.

 

Para apreciar tal questão é necessário mobilizar o enquadramento normativo pertinente, isto é, o RJAT e a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que estabeleceu os termos da vinculação da Administração Tributária à jurisdição do CAAD. Mais concretamente o artigo 2.º, n.º 1 do RJAT dispõe que: “A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;…”

 

Contudo, a vinculação à jurisdição dos tribunais constituídos sob a égide do CAAD engloba como dispõe o artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março: “…os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública: a) A Direcção-Geral dos Impostos (DGCI); e b) A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC)». Sucede que, por intermédio do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro, tais serviços foram fundidos na Administração Tributária e Aduaneira. Mais, acrescenta o artigo 2.º, n.º 1 da supramencionada portaria que: “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida (nosso sublinhado) referidas no n.º 1 do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro…».

 

À data dos factos vigorava a Lei Orgânica da Direção Regional dos Assuntos Fiscais (Decreto-Regulamentar Regional n.º 2/2013/M, de 1 de Fevereiro), que no artigo 2.º, n.º 3 determinava que: “Incumbe em especial à DRAF e relativamente às receitas fiscais próprias: a) Assegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, sobre o património e sobre o consumo e demais tributos que lhe incumbe administrar, bem como arrecadar e cobrar outras receitas da Região ou de pessoas colectivas de direito público;…». Contudo o artigo 12.º, n.º 1 do mesmo diploma dispõe que: «Até que se encontrem instalados todos os meios logísticos necessários ao exercício da plenitude das atribuições e competências previstas no artigo 2.º do presente diploma, a AT, através dos seus departamentos e serviços, continuará a assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa e informática necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a RAM, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da RAM».

 

Ora, no caso concreto, existem normativos que demonstram que a administração do IRS é da responsabilidade da AT. Com efeito, o artigo 75.º (na redação em vigor à data do facto tributário) do CIRS dispõe que: “A liquidação do IRS compete à Direcção-Geral dos Impostos”.

 

Assim, na liquidação em crise consta o logótipo da AT e não da DRAF, o que demonstra igualmente que a administração do imposto em causa encontra-se cometida à AT, o que é bastante para concluir pela competência material deste tribunal para apreciar os vícios imputados pelos Requerentes à liquidação controvertida.

 

Crê-se ainda que tal sentido interpretativo sai reforçado quando se constata o cuidado do legislador regional no citado artigo 12.º, n.º 1 do Decreto–Regulamentar Regional n.º 2/2013/M, de 1 de Fevereiro, quando afirma que a AT continuará a realizar os procedimentos em matéria administrativa, até que a DRAF tenha todos os meios necessários ao exercício da totalidade das atribuições e competências previstas no artigo 2.º do mesmo diploma e no qual constam a “liquidação e cobrança dos impostos…sobre o rendimento…”.

 

Diga-se, que o mesmo cuidado foi mantido nas redações posteriores da orgânica da Direção Regional dos Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, visto que o artigo 15.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar Regional n.º 14/2015/M manteve a referência, que constava do artigo 12.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar Regional n.º 2/2013/M, à cooperação e colaboração recíproca, agora entre a AT e a AT-RAM.

 

Por seu lado, o Decreto Regulamentar Regional nº 4/2017/M, de 10 de março, procedeu à alteração ao Decreto Regulamentar Regional n.º 14/2015/M, de 19 de agosto, que aprovou a Orgânica da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, mas sem implicações no que importa para o caso sub judice.

 

Em suma, não se verifica a incompetência imputada, o que se declara, julgando-se improcedente a alegada exceção.

 

No que concerne à ilegitimidade passiva da Requerida, que vem pela mesma invocada nos presentes autos, porquanto entende que não é o sujeito ativo do imposto, na medida em que os Requerentes têm o seu domicílio fiscal na RAM.

 

Diversamente os Requerentes defendem, em resumo que, a RAM não tem a prerrogativa de autoridade na administração do imposto, encontrando-se essa tarefa a ser exercida, em exclusivo, pela AT, enquanto sua representante e interlocutora com o contribuinte.

 

O artigo 30.º, n.º 1 e 2 Código de Processo Civil (CPC) dispõe que: “1. O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer. 2. O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha…”.

 

A legitimidade processual afere-se assim pela relação e interesse da parte com o objeto da ação. O art. 9.º, n.ºs 1 e 4, do CPPT, aplicável por força do art. 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT prevê que a AT, a qual compreende as extintas Direcção-Geral dos Impostos e Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, tem legitimidade para intervir no procedimento tributário e no processo judicial tributário.

 

Na verdade, como sustenta a doutrina: “…todas as pessoas que têm legitimidade para intervir no procedimento tributário têm também legitimidade para intervir no processo judicial tributário”. Ora, no caso sub judice estamos na presença de um ato de liquidação praticado pela Requerida, para o qual tem competência, por força do consagrado no artigo 75.º, do CIRS, sendo também responsável pela administração do imposto como já se explanou nesta decisão. Na verdade, se foi a Requerida a praticar o ato será a entidade que melhor conseguirá proceder à sustentação judicial da sua legalidade, ainda que não tenha sido quem decidiu a reclamação graciosa e o recurso hierárquico, mas que deriva da aplicação das regras de competência territorial, decorrentes da área de residência dos Requerentes.

 

Deste modo, se é titular de legitimidade para o procedimento tributário, tendo praticado o ato de liquidação, ao abrigo do disposto no artigo 75.º, do CIRS, não pode deixar de se admitir que tem legitimidade para o processo arbitral tributário.

 

Por tal somatório de razões, declara-se que a Requerida tem legitimidade passiva nos presentes autos, julgando-se assim improcedente a exceção invocada.

 

 

III. SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral Singular é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e estão devidas e legalmente representadas (artigos 3º, 6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

IV.          DA FUNDAMENTAÇÃO

A.           MATÉRIA DE FACTO

A.1.  FACTOS PROVADOS

 

Com relevo para a decisão do processo arbitral, importa atender à seguinte factualidade, que se julga provada:

 

A.           Os Requerentes são residentes na Rua ..., n.º..., ...-... ..., região Autónoma da Madeira; 

 

B.            Os Requerentes beneficiam do estatuto de residente não habitual, desde 21 de outubro de 2013;

 

C.            Em 14 de maio de 2015, os Requerentes apresentaram declaração de IRS, modelo 3, referente aos rendimentos auferidos do ano de 2014, onde resultou um imposto a entregar ao Estado de € 412,91 (quatrocentos e doze euros e noventa e um cêntimos);

 

D.           Em 9 de setembro de 2015, os Requerentes apresentaram declaração de IRS, modelo 2, de substituição, de onde resultou impostos a pagar de € 22.169,08 e € 22.087,67, respeitantes às notas n.º ... e ..., de 19.11.2015 e 20.11.2015;

 

E.            Na declaração de IRS, modelo 3, de substituição, os Requerentes inscreveram no campo 419 (Rendas Temporárias ou Vitalícias), do Anexo J, o montante de € 65.045,21, imputado ao Requerente A...;

 

F.            O referido rendimento é proveniente da África do Sul, designadamente do Fundo de Pensões C..., anteriormente, D... .

 

G.           O referido fundo de pensões tem sede na África do Sul, não detendo nem direção efetiva, nem estabelecimento estável em território nacional.

 

H.           A liquidação de IRS, respeitante à nota de cobrança..., de € 22.169,08, foi objeto de anulação;

 

I.             Ao montante da nota de cobrança ..., no montante de € 22.087,67, acresceram juros compensatórios no montante de € 241,80, totalizando o montante global de € 22.258,78;

 

J.             Em 25.09.2015 e 30.12.2015 (por lapso refere no PPA 30.12.2025), os Requerentes apresentaram reclamações graciosas, nomeadamente, a reclamação graciosa n.º ...2015... .

 

K.            A reclamação graciosa foi objeto de decisão de indeferimento que, entre o mais, consta o seguinte:

- Dado que os rendimentos líquidos da categoria H, não se encontram abrangidos pela tributação prevista no artigo 72.º - “Taxas Especiais”, ficam sujeitos à tributação prevista no artigo 68.º - “Taxas Gerais” do CIRS, ou seja, são tributados de igual forma, tanto para os sujeitos passivos residentes não habituais como para os sujeitos passivos residentes.

 

- No caso de rendimentos auferidos de fonte estrangeira dos sujeitos passivos que apliquem o Regime Fiscal de Residente Não Habitual (RFRNH) é preciso considerar-se a eliminação da dupla tributação, uma vez que embora sejam residentes não habituais serão tributados em Portugal pelos rendimentos que obtenham de fonte de estrangeira, dado que segundo o artigo 15.º do CIRS “sendo as pessoas residentes em território português. O IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.

 

- Foi ratificada a Convenção entre a República Portuguesa e a República da África do Sul para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, assinada em Lisboa em 13 de novembro de 2006, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 53/2008, em 18 de julho de 2008.

 

- Existe Convenção bilateral para evitar a dupla tributação celebrada entre a República Portuguesa e a República da África do Sul nos termos da qual compete em exclusivo ao Estado da residência, neste caso Portugal, a tributação dos rendimentos de pensões e rendas, (...).

 

- O artigo 18 da CDT atribui a competência tributária exclusiva ao estado da residência do respetivo beneficiário (Portugal), o que poderá explicar o motivo pelo qual as referidas pensões não foram (nem poderiam ter sido tributadas na África do Sul.

 

- O método consagrado no regime (RFRNH) para a eliminação da dupla tributação é o método da isenção. Contudo, a sua aplicação varia de acordo com a respetiva categoria de rendimentos obtidos pelo residente não habitual.

 

- De acordo como o n.º 5 do art.º 8.º do CIRS (redação em vigor à data dos factos), “Aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da categoria H, na parte em que os mesmos, quando tenham origem em contribuições, não tenham gerado uma dedução para efeitos do n.º 2 do art.º 25.º do CIRS, aplica-se o método de isenção, bastando que se verifique qualquer das condições previstas nas alíneas seguintes: a) Sejam tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado, ou; b) Pelos critérios previstos no n.º 1 do art.º 18.º do CIRS não sejam de considerar obtidos em território português”.

 

- A questão principal a apreciar é verificar se os rendimentos auferidos pelos ora reclamantes em 2014 se enquadravam ou não no regime de isenção de tributação prevista para os residentes não habituais, ao abrigo do disposto no artigo 81.º do Código do IRS.

 

- No que respeita à categoria H as condições para aplicação do método de isenção encontram-se definidas no n.º 5 do artigo 81.º do CIRS (Redação em vigor à data dos factos). Desta forma, para se poder aplicar o metido da isenção é necessário que os rendimentos da categoria H tenham sido tributados na África do Sul ou não sejam considerados rendimentos obtidos em território português de acordo com o artigo 18.º do CIRS.

 

- Os rendimentos declarado, pelo sujeito passivo com o NIF..., no campo 419 – Rendas Temporárias ou Vitalícias”, no montante de 65.045,21, do quadro-4: “Rendimentos Obtidos no Estrangeiro”, do Anexo J, da Declaração de substituição de IRS, Modelo 3, do ano de 2014, que se encontra averbada no sistema informático da AT com o registo n.º..., submetida em 2015-09-09, não foi declarado qualquer imposto pago no estrangeiro (África do Sul) e foram considerados rendimentos obtidos em território português.

 

- Assim, os rendimentos do ano de 2014, declarados pelos ora reclamantes, onde se inclui os rendimentos da categoria H, obtidos pelo sujeito passivo A..., foram tributados em Portugal à taxa de 37%, exceto os rendimentos previstos no n.º 12 do artigo 72.º, do CIRS que foram tributados autonomamente à taxa de 35% (Redação dada pela Lei n.º 66-B/20212, de 31 de dezembro).

 

L.            Em dezembro de 2019, os Requerentes apresentaram recurso hierárquico.

 

M.          Em 22 de junho de 2020, os Requerentes foram notificados de decisão de indeferimento do recurso hierárquico que, entre o mais, sustenta que “não colhem os argumentos relativos à falta de fundamentação do despacho recorrido” e que “foram devidamente enquadrados e explicados os motivos que desconsideram as pretensões dos contribuintes na prolação da decisão recorrida.

 

N.           Em 17 de setembro de 2020, os requerentes requerem a constituição de Tribunal arbitral.

 

A.2.  FACTOS NÃO PROVADOS

 

Com relevo para a decisão, não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

A.3.  FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA E NÃO PROVADA

 

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importa, para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT e artigo 607º, nº 3, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

 

B.            DO DIREITO

 

Nos presentes autos a questão que cumpre decidir resulta da compreensão do tratamento fiscal dos rendimentos enquadráveis na categoria H, do IRS, nomeadamente, se os contribuintes titulares do estatuto de residentes não habituais podem beneficiar, e de que modo da aplicação do método de isenção.

 

Neste circunstancialismo, os Requerentes sustentam que ao abrigo do artigo 81.º, n.º 5, do CIRS, teria de ser aplicável o método de isenção à totalidade dos rendimentos enquadráveis na categoria H, uma vez que o rendimento em discussão é, nos termos da legislação fiscal portuguesa, qualificável como rendimento de pensões (Categoria H); que foram obtidos no estrangeiro (África do Sul); que beneficiam do regime fiscal dos residentes não habituais, que os rendimentos de pensões não geraram qualquer dedução para efeitos do n.º 2 do artigo 25.º do CIRS, bem como para efeitos da aplicação do artigo 81.º, n.º 5, do CIRS, exige-se que apenas uma das situações aí prevista de verifique, que na sua perspetiva será o caso da alínea b), visto que pelos critérios do artigo 18.º, n.º 1, do CIRS, não serão de considerar obtidos em território português o rendimento de pensões.

 

Ora, diferentemente, a Requerida embora admita que o rendimento é qualificável como pertencendo à categoria H, bem como, que o mesmo foi obtido por um contribuinte que beneficia do regime do residente não habitual e que é de fonte estrangeira, sustenta que para poder aplicar o método de isenção seria necessária que, das duas uma, os rendimentos da categoria H tivessem sido tributados na África do Sul, ou então, não fossem considerados rendimentos obtidos em território português de acordo com o artigo 18.º do CIRS.

 

Com efeito, a Requerida entende que os rendimentos têm de ser vistos como tendo sido obtidos em território português.

 

Em primeiro lugar, é facto assente que no ano de 2014, os Requerentes beneficiavam do estatuto de residente não habitual. O regime fiscal do residente não habitual foi instituído pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23/09, que aprovou o Código Fiscal do Investimento, de que ficou a constituir os artigos 23.º a 25.º. Posteriormente, através da Lei n.º 20/2012, de 14/05, foram revogados aqueles preceitos, passando este regime a constar dos artigos 16.º, 22.º, 72.º, e 81.º do Código do IRS, complementado com a Portaria n.º 12/2010, de 07/01, que aprovou a tabela de atividades de elevado valor acrescentado.

 

No ano de 2014, em que se situam se situam os factos tributários em causa no presente processo, o artigo 16º do Código do IRS definia o estatuto de residente não habitual nos seguintes termos:

"6 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

7 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

8 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual no ato da inscrição como residente em território português ou, posteriormente, até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.

 9 - O gozo do direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 7 depende de o sujeito passivo ser, nesse ano, considerado residente em território português.

10 - O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior em um ou mais anos do período referido no n.º 7 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, em que volte a ser considerado residente em território português.

 

                               Ademais, nos termos do artigo 19.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), vigente à data dos factos o “domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário: a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual”.

 

                               Por seu lado, o artigo 15.º, n.º 1, do CIRS, estabelece (na redação vigente à data dos factos) que “Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território”. Posto isto, ter-se-á de concluir que todos os rendimentos de fonte estrangeira são em tese passiveis de tributação em território português.

 

                               Porém, os beneficiários do regime de residentes não habituais beneficiam de medidas especiais nesta matéria, que têm por escopo tanto evitar a dupla tributação, como atrair contribuintes estrangeiros para território português, sendo neste último sentido que se enquadra o regime da eliminação da dupla tributação, constante do artigo 81.º, do CIRS.

 

No que concerne aos rendimentos da Categoria H, auferidos no estrangeiro por residentes não habituais em território português, relevam as normas dos n.ºs 5 a 7 (atuais n.ºs 6 a 8) do artigo 81.º, do Código do IRS, com a seguinte redação vigente à data dos factos:

5 - Aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da categoria H, na parte em que os mesmos, quando tenham origem em contribuições, não tenham gerado uma dedução para efeitos do n.º 2 do artigo 25.º, aplica-se o método da isenção, bastando que se verifique qualquer das condições previstas nas alíneas seguintes:

a) Sejam tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado; ou 

b) Pelos critérios previstos no n.º 1 do artigo 18.º, não sejam de considerar obtidos em território português.

6 - Os rendimentos isentos nos termos dos n.os 3, 4 e 5 são obrigatoriamente englobados para efeitos de determinação da taxa a aplicar aos restantes rendimentos, com excepção dos previstos nos n.os 4, 5 e 6 do artigo 72.º.

7 - Os titulares dos rendimentos isentos nos termos dos n.os 3, 4 e 5 podem optar pela aplicação do método do crédito de imposto referido no n.º 1, sendo neste caso os rendimentos obrigatoriamente englobados para efeitos da sua tributação, com excepção dos previstos nos n.os 3, 4, 5 e 6 do artigo 72.º

 

                               Neste contexto, a legislação portuguesa abrange sobre a realidade tributária da Categoria H, um conjunto de diferentes realidades, nomeadamente resultando do artigo 11.º, n.º 1, do CIRS, da redação vigente à data dos factos, que “1 - Consideram-se pensões: a) As prestações devidas a título de pensões de aposentação ou de reforma, velhice, invalidez ou sobrevivência, bem como outras de idêntica natureza, incluindo os rendimentos referidos no n.º 2 do artigo 2.º-A, e ainda as pensões de alimentos; b) As prestações a cargo de companhias de seguros, fundos de pensões, ou quaisquer outras entidades, devidas no âmbito de regimes complementares de segurança social em razão de contribuições da entidade patronal, e que não sejam consideradas rendimentos do trabalho dependente; c) As pensões e subvenções não compreendidas nas alíneas anteriores; d) As rendas temporárias ou vitalícias; e) As indemnizações que visem compensar perdas de rendimentos desta categoria.

 

                               É, pois, evidente que os rendimentos dos presentes autos têm de ser qualificados como rendimentos de pensões (rendimentos da categoria H). Inclusivamente, os Requerente alegam tal qualificação, e a Requerida não a contesta, pelo que existe acordo das Partes quanto a esta sua qualificação.

 

                               Por outro lado, da convenção internacional celebrada entre a República Portuguesa e República da África do Sul, resulta, quanto aos rendimentos de pensões, com fundamento no seu artigo 18.º, a atribuição de competência exclusiva para a sua tributação ao país da residência do contribuinte, uma vez que regula nos seguintes termos:

 

Artigo 18.º Pensões e rendas

1 — Com ressalva do disposto no n.º 2 do artigo 19.º, as pensões e outras remunerações similares pagas a um residente de um Estado Contratante em consequência de um emprego anterior só podem ser tributadas nesse Estado.

2 — Uma renda paga a um indivíduo, anteriormente residente de um Estado Contratante, e que a adquiriu a uma entidade seguradora mediante o pagamento de uma importância global, no decurso da actividade seguradora da referida entidade exercida nesse Estado, pode ser tributada nesse Estado a uma taxa não superior a 12 % da parcela da referida renda que exceda dez mil dólares dos Estados Unidos (US$ 10 000) por ano ou o seu equivalente na moeda dos Estados Contratantes.

 

                               Efetivamente, neste ponto tem razão a Requerida quando afirma que o país da fonte do rendimento não poderia tributar, uma vez que essa competência está atribuída, nos termos da mencionada convenção, ao país da residência dos Requerentes. Consequentemente, tem de se ter por afastada a aplicação do artigo 81.º, n.º 5, al. a), do CIRS, visto que não se verifica a condição de tais rendimentos terem sido tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado.

 

                               Contudo, não assiste razão à Requerida na interpretação que faz quanto à aplicação da alínea b) do n.º 5 do artigo 81.º do CIRS.

 

                               Senão vejamos, a previsão da referida disposição legal (artigo 81.º, n.º 5, al. b), do CIRS), implica para a aplicação da isenção que, os residentes não habituais, obtenham no estrangeiro, rendimentos da categoria H, na parte em que os mesmos, quando tenham origem em contribuições, não tenham gerado uma dedução para efeitos do n.º 2 do artigo 25.º do CIRS, e, bem assim, que não sejam de considerar obtidos em território português.

 

                               Com efeito, no caso em apreço não se gerou a dedução a que se reporta o artigo 25.º, n.º 2, do CIRS, o que as Partes estão de acordo, pelo que a divergência de entendimento se centra na questão de saber se tais rendimentos se devem ou não considerar obtidos em território português. A esse respeito resulta do artigo 18.º, n.º 1, do CIRS [redação à data dos factos], que:

 

1             - Consideram-se obtidos em território português:

(…)

l) As pensões e os prémios de jogo, lotarias, rifas, totoloto e apostas mútuas, bem como importâncias ou prémios atribuídos em quaisquer sorteios ou concursos, devidos por entidade que nele tenha residência, sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento;

 

Consequentemente, torna-se evidente, em face da prova produzida que a entidade devedora dos rendimentos de pensões tem a sua localização na África do Sul, não tendo, portanto, a sua sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português. Ora, sobre essa potencial localização em Portugal, para que o rendimento em questão se considerasse obtido em território português, a Requerida não produziu a necessária prova como se impunha, nem impugnou as alegações dos Requerente no seu Pedido de Pronúncia Arbitral, nos termos das regras do ónus da prova resultantes do artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, que refere que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

 

Por último, refira-se que o artigo 81.º, n.º 5, do CIRS, na relação que estabelece entre a situação da alínea a) e da alínea b), as mesmas têm caráter alternativo, isto é, bastando que uma delas se verifique para que os residentes não habituais possam beneficiar do regime de isenção sobre os rendimentos de Categoria H, provenientes de fonte estrangeira.

 

Assim, considerando que o Requerente faz prova do direito que invoca através de documentos oportunamente facultados à Administração Tributária, conclui-se pela ilegalidade, e consequente anulabilidade, da liquidação impugnada.

                              

III.          DA RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS

 

                               Nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC (ex vi 29.º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

 

                               Neste âmbito, o n.º 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

                               Consequentemente, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerida.

 

IV.          DECISÃO

 

Termos em que este Tribunal Arbitral Singular decide:

 

a)            Julgar improcedente, por não provado, as exceções de incompetência material do Tribunal Arbitral e de falta de legitimidade da Requerida.

 

b)           Julgar procedente, por provado, o pedido de anulação da liquidação de IRS identificada no pedido arbitral, determinando-se a sua anulação, e ordenando-se nova liquidação que aplique o método de isenção aos rendimentos provenientes do estrangeiro, enquadráveis na Categoria H.

 

c)            Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do processo.

 

V.           VALOR DO PROCESSO

 

                Nos termos do n.º 2 do artigo 306.º do CPC, alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do processo é fixado em € 22.087,67.

 

VI.          CUSTAS

 

Entende este Tribunal Arbitral Singular que o valor a considerar para efeitos de determinação das custas no presente Pedido de Pronúncia Arbitral é o valor que motivou a constituição deste Tribunal Arbitral Singular, i.e., o valor de € 22.087,67, correspondente ao valor da liquidação de IRS impugnada e inicialmente indicado pelos Requerentes no Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 29 de novembro de 2021

 

O árbitro,

Rui Miguel Zeferino Ferreira