SUMÁRIO:
I – Dos elementos de prova juntos aos autos conclui-se que os valores declarados como rendimentos de “juros” mais não são do que os valores creditados na conta bancária dos Requerentes em consequência da alienação/resgate das ditas unidades de participação, ocorrida em 2013. Verifica-se, assim, erro sobre os pressupostos de facto A AT ao não reconhecer a verdade material dos factos revelados por prova documental, e insistir em manter a liquidação impugnada incorreu em erro sobre os pressupostos de facto, o que conduziu a uma errónea quantificação da matéria coletável no ano de 2014, da qual resulta duplicação da coleta.
II - princípio de que cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente, quando esta se revela de forma «agressiva e desfavorável» ao sujeito passivo. Em contrapartida, cabe ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos, solução hoje fixada pelo artigo 74.º, n.º 1 da LGT.
III – Da conjugação do disposto no n.º 5 da alínea b) do n.º 1 com o n.º 3 do art.º 10.º do CIRS, os ganhos resultantes, entre outros, da “Alienação onerosa” e do “resgate de unidades de participação em fundos de investimento e a liquidação destes fundos” consideram-se obtidos no momento da prática dos atos. Outro entendimento, seria manifestamente violador do princípio da capacidade contributiva, da justiça e equidade tributária, pois resultaria na duplicação de coleta, tributando o mesmo valor de rendimento, simultaneamente, em 2013 (como mais-valias) e em 2014 (como juros). Tal traduziria clara violação do princípio da legalidade e da proporcionalidade, razão pela qual os atos tributários devem ser declarados ilegais e anulados.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
1. No dia 22/01/2021, A..., NIF ..., e B..., NIF ..., casados, residentes na Rua ... n.º ... ..., ..., ...-... SANFINS, casados, doravante designados por Requerente, apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos e ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), com as alterações subsequentes, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, e do disposto no artigo 99º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).
2. O objeto imediato do pedido arbitral é a impugnação da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa, que teve como objeto o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações oficiosas de IRS e dos juros compensatórios, com referência ao ano de 2014. Os requerentes pretendem, assim, impugnar a liquidação de IRS nº 2018... e a demonstração de acerto de contas n.º 2018..., de 07-09-2018, referentes ao ano de 2014.
Em sede da Reclamação Graciosa (RG) a ATA anulou, parcialmente, a correção inicialmente efetuada (acréscimo de rendimentos – Anexo J quadro 408 da declaração modelo 3) reduzindo-a no montante de € 12.285,46, pelo que o presente pedido de pronúncia arbitral respeita tão só à parte vencida. Considerando que o acréscimo controvertido ao rendimento global declarado e a anulação parcial resultante da decisão da RG, o montante dos atos tributários controvertidos, segundo os Requerentes, é do montante de € 12.866,05 (doze mil oitocentos e sessenta e seis euros e cinco cêntimos).
3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 25-01-2021 e automaticamente notificado à AT. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, no dia 03/05/2021, designou a ora signatária como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. As partes foram notificadas dessa designação, que aceitaram. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 21/05/ 2020. Em 24-05-2021 foi proferido despacho arbitral, notificado à Requerida, para apresentar a sua resposta, nos termos do disposto no artigo 17.º do RJAT.
5. No dia 23/06/2021, a Requerida apresentou a sua Resposta e juntou o respetivo Processo Administrativo (PA). Na sua resposta, que se dá por integralmente reproduzida, veio a AT pugnar pela legalidade do ato tributário impugnado.
6. Considerando que a questão a decidir se configura como questão exclusivamente de direito, o tribunal arbitral proferiu despacho arbitral, em 13/07/2021, a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, nos termos seguintes:
«Atendendo a que:
- Não está requerida a produção de prova adicional, para lá da prova documental já incorporada nos autos;
- Não existe matéria de exceção sobre a qual as partes careçam de se pronunciar;
- No processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis;
- Nestes termos, dispensa-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, conforme requerido pela AT.
- Faculta-se às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas, podendo a Requerente fazê-lo no prazo de 10 dias, contados da notificação do presente despacho, e a AT no mesmo prazo, contado da notificação das alegações da Requerente, ou da falta de apresentação das mesmas.
A decisão final será proferida até ao termo do prazo fixado no art.º 21.º/1 do RJAT, devendo a Requerente, até 10 dias antes do termo de tal prazo, proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente.»
7. A Requerente juntou as suas alegações aos autos em 13-09-2021 e a Requerida em 24-09-2021, as quais se dão por integralmente reproduzidas. A Requerente juntou comprovativo de pagamento da taxa arbitral subsequente.
A Posição do Requerente
8. Os Requerentes formulam o seu pedido, invocando, em síntese que:
«I. Os atos tributários controvertidos (liquidação adicional do IRS e dos juros compensatórios) são ilegais por erro sobre os pressupostos de facto.
II. Os atos tributários controvertidos são ilegais por errada interpretação das disposições do CIRS e da Diretiva poupança e do Acordo celebrado com a Confederação Suíça).
III. Os valores movimentados na conta bancária dos Requerentes tiveram origem no resgate de unidades de participação em fundos de investimento.
IV. Os resgates ocorreram nos dias 30 e 31 de Dezembro de 2013.
V. O ganho obtido com o resgate de unidades de participação em fundos de investimentos constitui rendimentos de mais valias do ano em que ocorreu o resgate, ou seja, no ano de 2013.
VI. Ano em que foram declarados no Anexo J da declaração modelo 3 de rendimentos.
VII. O valor liquido do resgate das unidades de participação em fundos de investimento movimentados não constitui rendimento de “juros”.
VIII. A declaração de rendimentos efetuada pelo C... às autoridades fiscais suíças está errada, quer quanto a natureza dos valores movimentados, que não constituem “rendimentos de juros” quer quanto ao período a que respeitam os rendimentos obtidos com aquelas operações de resgate.»
9. Conclui alegando que da decisão de deferimento liquidação impugnada e da liquidação de imposto impugnadas resulta duplicação de coleta, o que é violador dos princípios da legalidade, verdade material, justiça, entre outros. Isto porque dos autos resultam elementos de prova suficientes e inequívocos que demonstram que o valor correspondente às mais valias decorrentes da alienação de parte dos títulos de investimento já tinha sido declarado no IRS de 2013, por ter sido esse o ano em que a transação ocorreu. Pelo que, se impõe a sua anulação também nesta parte, o que devia ter sido reconhecido logo em sede de RG por terem sido fornecidos à AT todos os elementos de prova necessários para tal. Sendo que sob esta (AT) impende a obrigação de proceder à averiguação de todos os elementos necessários à correta tributação dos rendimentos dos Requerentes auferidos no exterior. Desde logo, é à AT que cabe provar a verificação dos pressupostos de facto e de direito subjacentes à liquidação adicional de imposto, o que no caso não sucedeu.
A Posição da Requerida AT
10. A AT alega na sua Resposta, em síntese que:
11. «Encontra-se em causa no presente pedido arbitral a qualificação jurídica dos rendimentos de fonte Suíça, auferidos pelo Requerente marido. No que concerne aos rendimentos de juros oriundos da Suíça, a informação que a AT dispõe resulta do mecanismo de troca de informações relativamente aos rendimentos de juros abrangidos pela Directiva da Poupança n.º 2003/48/CE, nos termos do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça. Considerando o disposto na Diretiva da Poupança n.º 2003/48/CE e no Decreto-Lei n.º 62/2005 de 11/03, que transpõe para a ordem jurídica interna a referida Diretiva, verifica-se que foi transmitida a informação pelas autoridades fiscais da Suiça que foram pagos rendimentos sob a forma de juros, na quantia de € 52.974,0, reportados ao Requerente marido. (…)
Neste sentido, importa ressalvar que a informação que as autoridades fiscais da Suiça comunicaram à autoridade fiscal nacional, foi a que a entidade bancária C... (Suisse) SA, lhes forneceu que foi a de considerar como rendimentos de juros abrangidos pela Diretiva da Poupança o montante de € 52.974,02, imputado às contas tituladas pelo Requerente marido.
Também dos documentos que os Requerentes juntam, constam uns que contêm a informação que a entidade bancária comunicou às autoridades fiscais da Suiça.
Em ordem a provar o que alegam, os Requerentes juntam os mesmos documentos que foram analisados em sede do procedimento de reclamação graciosa, conforme consta do processo administrativo junto.
Em face do alegado e das comunicações trocadas entre o Requerente marido e a entidade bancária D... Suisse resulta claro que, a existir erro esse terá sido do Banco que comunicou e considerou os rendimentos em causa como juros (interest), assim como os valores indicados, não tendo em consideração o histórico dos rendimentos. A isto acresce o facto de no email do D... Suisse constar que se trata de mero email informativo sem caracter vinculativo, indicando que a demonstração avançada no email consiste numa tentativa de explicação do sucedido sem garantir que se trata de facto do que aconteceu.»
Alega, ainda, a AT que os Requerentes alegam que deveria ter sido a AT a descobrir a verdade material e ter diligenciado junto da entidade bancária, corrigindo o erro de imputar rendimentos de ano fiscal anterior. Esta alegação dos Requerentes coloca em causa a idoneidade da informação proveniente das autoridades fiscais da Suíça (n.º 4 do art. 76.º da LGT) e, consequentemente, inverte o ónus da prova. Assim, da análise à documentação apresentada pelos Requerentes resulta, por um lado, que confirmam parte da informação comunicada às autoridades fiscais suíças e, por outro lado, são insuficientes para demonstrar inequivocamente o alegado pelos Requerentes quanto à natureza dos rendimentos (mais valias e não juros) e ao ano fiscal a que dizem respeito.
Conclui pugnando pela legalidade dos atos tributários impugnados e pela improcedência do pedido.
II – SANEAMENTO DO PROCESSO
12. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, do artigo 5.º e da alínea a), do n.º 2 do artigo 6.º, todos do RJAT.
13. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e no artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
14. O processo é o próprio e as partes são legítimas, têm personalidade e capacidade jurídica e judiciária.
15. O processo não enferma de nulidades.
Nesta conformidade o Tribunal está em condições de conhecer do pedido.
Posto isto, cumpre decidir sobre a matéria de facto e, em conformidade, sobre a matéria de direito cuja apreciação foi suscitada neste pedido arbitral.
III - DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
A) FACTOS PROVADOS:
16. Como matéria de facto relevante, o Tribunal arbitral dá por provados os seguintes factos:
a) Em 28-03-2015 os Requerentes apresentaram, com referência ao ano de 2014, a declaração modelo 3, e apresentaram, entre outros o “Anexo J – Rendimentos obtidos no estrangeiro”;
b) Os Requerentes declararam no campo 408 do quadro 4 do referido Anexo J os rendimentos obtidos a título de “juros” no montante de € 12.866,05, quando deveriam ter sido declarados no campo 422, erro corrigido, oficiosamente, na sequência da reclamação graciosa;
c) Serviu de base e fundamento aos valores declarados no referido Anexo J os documentos emitidos pela sociedade financeira D... (Suisse): a) Income Report (2024066) From 01-01-14 Trough 12-31-14 b) Realized Gains & Losses (2024066) From 01-01-14 Trough 12-31-14;
d) No âmbito de procedimento inspetivo realizado na Direção de Finanças de Aveiro, com origem na informação recebida através do mecanismo de troca de informação remetida pelas autoridades Fiscais da Suiça, verificou-se que o Requerente marido auferiu de rendimentos da Diretiva Poupança Diretiva nº 2003/48/CE (Diretiva da Poupança), o montante de € 52.974,02.
e) Em 30-04-2018 através do ofício n.º ... os Requerentes foram notificados pela AT para proceder à substituição da declaração de rendimentos modelo 3 referente ao ano de 2014 ou justificar a não declaração de rendimentos de juros no montante de € 52.974,02, nos termos e com os fundamentos seguintes:
«de acordo com a informação recebida ao abrigo da Directiva Poupança (Directiva n.º 2004/48/CE) – Suíça, auferiu no ano de 2014, rendimentos de juros no valor de € 52.974,02 que não foram incluídos na declaração Mod 3 de IRS (campo 422 do Anexo J) «(…) nos termos do n.º 5 do art.º 57.º do CIRS deverão proceder, no prazo de 15 dias, à regularização da situação, procedendo a entrega de uma declaração de substituição de IRS ou apresentar justificação para a não declaração daqueles rendimentos»
f) De acordo com a declaração de rendimentos emitida pela D... (Suisse) em maio de 2015, os juros obtidos no ano de 2014 ascendem ao montante de € 12.285,45, conforme consta do quadro:
g) Em 2019-02-18, o Requerente marido apresentou reclamação graciosa contra a liquidação oficiosa de IRS, do ano de 2014, à qual foi atribuído o n.º ...2019..., tendo, em 2020-02-21, recaído despacho de deferimento parcial sobre a mesma e anulou, em parte, os atos tributários reclamados.
h) Do documento nº 4 anexo à RG, constante de fls.21 do processo administrativo, emitido pelo gestor de conta do D... Suisse, consta a seguinte informação relevante para o esclarecimento do tipo de informação agregada fornecida pela entidade bancária, que se passa a transcrever:
i) Do teor dos documentos nºs 8.1, 8.2 e 8.3 juntos com o pedido arbitral, au seja, copias das comunicações que o C... (Suisse), remeteu ao D... Suisse com a informação relativa às operações de resgate dos fundos de investimento realizados por seu intermédio no ano de 2013, resulta a informação seguinte:
“Resgate de fundo (…) mercado local Euromarket-Euromarket Data da operação: 30/12/2013 (…) e ainda que foi efetuado o resgate de:
- 9.456 unidades do fundo Secuity-LU0220378383 D... GI H INC BD R EUR CAP resgatados pelo valor de € 78.722,48 (facto declarado no campo 450 a fls 24/37 da DR3 do ano de 2013, em posse da AT);
-300 unidades do fundo Secuity--LU0179826135 BLUEB INV G BD B – CAP resgatadas pelo valor de € 48.741,84 (facto declarado no campo 451 a fls 24/37 da DR3 do ano de 2013, em posse da AT)
- 951 (908+48) unidades do fundo Secuity-IE00B6STVH45 HEP YACK US EQ FD CL B USD CAP resgatadas pelos valores de USD 129.605,29 (EUR 89.670.37 e 4.246,50, (factos declarados nos campos 451 a fls 25/37 e campo 450 a fls 26/37, respetivamente, da DR3 do ano de 2013, em posse da AT);
j) Por despacho de 29-10-2020, foi proferida decisão de deferimento parcial da Reclamação Graciosa, e justificado aquele montante de €12.285,45, e permaneceram por justificar os “juros” no montante de € 40.688,65 (€ 52.974,02 - € 12.285,46) que, de acordo com a informação fornecida à AT, através do sistema de informações internacionais, teriam sido obtidos pelos Requerentes no ano de 2014, nos termos seguintes:
(…) E mais adiante, refere que:
k) Na sequência da anulação a AT efetuou nova liquidação de IRS com o n.º 2020 ... no total de € 12.866,05, sendo: - € 11.392,80 de IRS, liquidação n.º 2020 ... - € 1.473,25 de Juros compensatórios, liquidação n.º 2020 ...;
l) Segundo a informação fornecida à AT, que consta do PA e que a AT forneceu aos Requerentes, a cópia do «extracto do ficheiro que contem a informação recebida da Autoridade Fiscal da Suíça ao abrigo da Diretiva da Poupança (Diretiva n.º 2003/48/CE), do qual constam os montantes pagos pelo agente pagador “C... (SUISSE) SA.”, os valores pagos aos Requerentes constam do quadro infra:
m) Os valores que a AT considera permanecerem por justificar são os constantes do quadro seguinte;
n) No documento emitido pela D... (Suisse) com referência ao ano de 2013, junto pelos Requerentes como documento nº 5 em anexo ao pedido arbitral, já referido na alínea i), consta na parte relativa a: - Realized Gains & Losses (2024066) From 12-31-12 Trough 12-31-13, a alienação das 9.456 unidades do fundo Secuity-LU0220378383 D... GI H INC BD R EUR CAP, 300 unidades do fundo Secuity--LU0179826135 BLUEB INV G BD B – CAP, e ainda 951 (908+48) unidades do fundo Secuity-IE00B6STVH45 HEP YACK US EQ FD CL B USD CAP;
o) Os Requerentes efetuaram as suas declarações fiscais em conformidade com esta informação e declararam os rendimentos de mais-valias, provenientes da alienação daquelas unidades de participação no Anexo J da declaração modelo 3 do ano de 2013, como se comprova pelo documento nº 6 junto em anexo ao pedido arbitral e constante do processo administrativo por integrar a RG apresentada pelos Requerentes, do qual consta:
p) Consta ainda do PA a informação emitida pelo D... Suisse, a pedido dos Requerentes para esclarecimento a prestar à AT portuguesa (junta como documento nº7 em anexo ao pedido arbitral), nos termos seguintes:
“O documento do ... (D... SUISSE) baseia-se na totalidade dos rendimentos auferidos pelos clientes e portanto inclui juros, dividendos e mais-valias e serve de base à preparação do IRS dos clientes portugueses…” “o Reporte ESD (European aving directive ou directa Poupança) decorre de uma directiva comunitária e destina-se a reportar única e exclusivamente, com base na directiva, os rendimentos de poupança sob a forma de juros sendo importante salientar que as regras da directiva nem sempre coincidem com as da fiscalidade português. A titulo de exemplo, há certos rendimentos (presentes nesta conta) que são tratados como dividendos ou como mais-valias em sede de ITS mas que a Directiva considera como juros, como sucede, por ex. nos casos de fundos de investimentos compostos em mais de 40% por activos subjacentes que pagam juros dentro do fundo” “(i)Quanto às diferenças entre a DR D... e o reporte C... as mesmas devem-se tipicamente ao facto de existirem rendimentos que o custodiante (C...) reporta e qualifica como “juros” ao abrigo da Directiva Poupança mas que em termos de IRS não estão sujeitos a tributação enquanto tal, porque tais rendimentos, de duas uma: ou não foram distribuídos aos contribuinte mas foram objecto de alienação/atingiram a sua maturidade devendo portanto ser reportados em sede de mais valias, ou, foram distribuídos, mas não a titulo de juros e sim de dividendos, devendo neste caso ser reportados como tal.
q) Em 2013 os Requerentes declararam no modelo 3 – IRS, a alienação de unidades de participação dos três fundos identificados na declaração de “juros” do C... foram alienadas em dezembro de 2013 data em que deixaram de fazer parte da carteira de títulos dos Requerentes;
r) Os Requerentes exerceram o seu direito de audição, no âmbito do procedimento de RG, tendo junto todos os documentos já referidos nas alíneas anteriores, incluindo os comprovativos da alienação das participações e respetivas informações bancárias, bem assim como o Anexo J apresentado na Declaração de IRS referente ao ano de 2013, no qual constam declarados os rendimentos provenientes dos rendimentos de mais-valias obtidos naquele ano.
s) Notificados da liquidação adicional do IRS e dos juros compensatórios, os Requerentes deduziram reclamação graciosa com fundamento em ilegalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, na qual foi proferido o supramencionado despacho de deferimento parcial;
t) Em 21-05-2021 a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.
B) FACTOS NÃO PROVADOS
17. Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
C) FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
18. Importa referir que, quanto à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada, como bem resulta do disposto no artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.
No presente caso, todos os factos descritos nas alíneas a) a s) foram dados como provados com base na prova documental, junta pelas partes, a Requerente em anexo ao pedido arbitral, bem assim como da prova documental constante do Processo Administrativo junto pela AT. Acresce que, no caso, não existe qualquer divergência entre as partes quanto aos factos, mas apenas quanto à questão de direito. Pelo que, os factos provados resultam também do reconhecimento da sua veracidade, considerando a posição assumida pelas partes nos respetivos articulados. O facto constante na alínea t) resulta provado pela informação registada no sistema de gestão processual do CAAD.
IV – DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO
19. Assente a matéria de facto, importa delimitar a(s) questão(ões) de direito a decidir, sendo que no caso dos presentes autos, considerando os factos descritos, a causa de pedir e o pedido formulado, constata-se que os Requerentes convocam o tribunal arbitral para decidir duas questões essenciais, conexionadas entre si, que é a de saber qual o momento em que ocorreu o facto tributário, relevante para a sua declaração, e a qualificação do rendimento obtido para, então, aferir da alegada duplicação de coleta.
Cumpre decidir.
20. Em primeiro lugar há que atender à matéria assente, a qual já define em parte os parâmetros essenciais quanto ao momento e à qualificação dos rendimentos auferidos pelos requerentes, com referência ao ano de 2014 (ano em análise) bem assim como o conteúdo no Anexo J, apresentado pelos Requerentes em anexo às respetivas declarações de IRS, desta feita, com referência aos anos de 2013 e 2014, cuja análise em conjunto é essencial para descoberta da verdade material.
21. Ora, da conjugação dos documentos 5 e 6 juntos aos autos de RG pelos Requerentes e constantes de fls. 64 a 67 do processo administrativo junto aos autos pela AT, resulta que as unidades de participação dos fundos de investimento foram alienadas/resgatadas (por terem atingido o termo de maturidade) em 2013. No seguimento disso, os respetivos ganhos obtidos foram declarados como rendimentos de mais-valias no ano de 2013, por ter sido esse o ano em que a transação ocorreu.
Sobre o momento em que este facto ocorre não pode persistir dúvida, ele resulta provado pela informação prestada pelo C... ao D... Suisse e remetidas aos Requerentes que os apresentaram junto do procedimento de RG então em curso.
Sobre o valor da realização (€52.974,02) também não subsiste dúvida, face ao declarado pela instituição bancária nos documentos mencionados (fls. 64 a 67 do PA).
22. É certo que a AT vem alegar que se trata de documento enviado por email, meramente informativo e não vinculativo. Ora, a seguir este entendimento cego sobre a validade dos documentos nunca, em situação alguma, os Requerentes estariam em condições de provar os factos que invocam e demonstrar o erro subjacente à informação emitida via sistema europeu de troca de informações.
Mas, para além desta constatação há que mencionar outra, da qual se conclui que tais documentos são válidos e têm de ser considerados como meios de prova cabíveis, porquanto, o próprio sistema europeu de troca de informações funciona a partir deste mesmo tipo de documentos / informações, fornecidos pelas instituições bancárias. Não podemos atribuir credibilidade a estas instituições para esse efeito (troca de informações) e não reconhecer tal credibilidade quando o documento seja apresentado por um sujeito passivo.
Acresce que, o sistema de troca de informações, visa, como bem diz a AT, evitar a evasão e a fraude fiscal, mas não só. Ou seja, a AT sabe bem que esse mesmo sistema serve um outro propósito fundamental na sedimentação dos mercados financeiros e bancário, em particular no seio da EU, qual seja a liberdade de circulação de capitais e a construção de um efetivo mercado único também nestes mercados. Logo, não podemos ignorar nem um nem o outro propósito do sistema de troca de informações.
Uma última nota quanto a esta questão que importa salientar é, hoje, bastante evidente após a entrada em funcionamento do sistema de troca de informações: ele está longe de ser perfeito ou sequer adequado no que toca ao pormenor de informação que é transmitida no âmbito do sistema. Basta comparar o documento informativo que serviu de base à AT para ter concluído o que concluiu, no qual não existe qualquer informação discriminativa quanto à proveniência dos rendimentos, mas tão só a comunicação de valores agregados, qualificados como «juros», sabendo que a qualificação do tipo de rendimento é díspar de país para país. Aliás, o presente caso é um bom exemplo das insuficiências do sistema. Ao que acresce que, num sistema em que um dos objetivos é combater a fraude e a evasão fiscal, a informação mais preciosa que devia ser fornecida seria, justamente, a da proveniência dos rendimentos. É irónico analisar o documento que serviu de base à AT e perceber a insuficiência e opacidade das informações prestadas. Claro que a AT não tem responsabilidade alguma pelo funcionamento deste sistema, mas não pode ignorar as suas muitas falhas e insuficiências, que aliás muito dificultam o seu trabalho.
23. Face ao que deixamos exposto, retornemos ao caso concreto dos presentes autos. Ora, não há qualquer réstia de dúvida que não houve nem se vislumbra como poderia haver, evasão fiscal por parte dos Requerentes que declararam logo em 2013 o valor dos rendimentos auferidos em resultado da alienação / resgate das unidades de participação especificadamente descritas na informação do C... .
Pela decisão da RG, a AT concedeu procedência parcial ao pedido dos Requerentes, mas manteve a qualificação errada dos rendimentos resultantes da operação de resgate. Inicialmente, porque foi induzida pela informação recebida do sistema de troca de informações, depois porque decidiu não dar relevância aos meios de prova apresentados pelos Requerentes. Em causa está a correspondência dos valores declarados em 2013 por conta do valor percecionado pela venda das unidades de participação alienadas em 2013. No seguimento do que vem exposto, resulta que as evidências são incontornáveis se considerarmos:
a) O valor dos rendimentos declarados e classificados como mais valias, constantes do anexo J, da declaração modelo 3 do ano de 2013, coincide, precisamente, com o valor que a AT considera como «juros» do ano 2014, aqui controvertido, alegando o constante na informação recebida através do sistema de troca de informações;
b) A esta evidência acresce a que resulta da explicação detalhada apresentada pelo D... Suisse no documento apresentado pelos Requerentes no âmbito da RG e junto como documento nº 5 e 6 em anexo à RG, no qual se insere a informação prestada pelo C..., o qual consta a fls. 64 a 67 do processo administrativo;
c) A estas evidências acresce uma terceira que é a de não haver outra explicação para o facto dos Requerentes terem declarado no ano anterior (2013), o mesmo valor que a AT alega não terem declarado como juros na declaração de 2014. Que outra explicação poderia existir para esta coincidência de valor? Se a AT tinha dúvidas porque não usou o sistema de troca de informações e procurou esclarecer a dúvida antes de passar à correção, liquidação e tributação do valor em causa?
24. Constata-se que a AT, perante as evidências supra descritas, atendendo às explicações fornecidas pelo contribuinte e aos documentos apresentados em sede de RG, com destaque para o documento emitido pelo D... Suisse, se ainda tinha dúvida sobre se o valor era ou não o mesmo constante da declaração de 2013, devia, em cumprimento do princípio do inquisitório, ter solicitado através da sua direção de relações internacionais a informação detalhada sobre a proveniência dos ditos rendimentos.
É que cabe á AT o ónus da prova dos factos que fundamentam o ato tributário a praticar.
Este é aliás o entendimento que foi sufragado, entre outros, pela decisão arbitral proferida no processo nº 541/2018, de 10/01/2020, que seguiu de perto e entendimento do Acórdão arbitral proferido no Processo 236/1014-T de 4 de Maio de 2015, aos quais se adere integralmente. Citando a jurisprudência arbitral deste último acórdão:
«(…) Em consequência, cabe à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua actuação, para o que deve provar os factos constitutivos de que legalmente depende a decisão administrativo-tributária com certo conteúdo e com certo sentido. Pelo seu lado, cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca..” (…) “Como tal, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT, cabe à Requerente a demonstração das bases e situações fácticas em que se sustentam os ajustamentos, desconhecimentos e regularizações que, por ela, foram promovidos e cuja relevância e consistência tributárias afirma, recaindo, pois, sobre a Requerente o ónus de esclarecer, comprovar e documentar as operações em causa e sua justificação.”. (nosso negrito) (…) Nesta sequência, deve, ainda, assinalar-se que resulta do artigo 75.º, n.º 1 da LGT que as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, se presumem verdadeiras. Porém, esta presunção cessa nomeadamente se essas declarações, contabilidade ou escrita, ou os respectivos dados de suporte, apresentarem omissões, erros e inexactidões ou forem recolhidos indícios fundados de que não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (art. 75.º, n.º 2, al. a) da LGT). Recorde-se ainda que, nos termos do n.º 3 do art. 75.º da LGT, “[a] força probatória dos dados informáticos dos contribuintes depende, salvo o disposto em lei especial, do fornecimento da documentação relativa à sua análise, programação e execução e da possibilidade de a administração tributária os confirmar”. (…) Ora, sempre que se aplique a al. a) do n.º 2 do art. 75.º da LGT, “será sobre o contribuinte que recai o ónus de prova dos factos declarados ou inscritos na sua contabilidade ou escrita sobre que existam dúvidas probatórias”, pelo que “as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas” para os efeitos do n.º 1 do art. 100.º do CPPT (vd. assim Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, vol. II, 6ª ed, 2011, p. 133).»
25. Posto isto, consta da matéria assente que as unidades de participação nos fundos de investimento em causa foram resgatadas/liquidadas em 2013, pelo que, não se percebe como poderiam os Requerentes receber juros no ano seguinte, e precisamente, no mesmo valor das unidades de participação alienadas. Como bem alegam os Requerentes não é, nem racional nem logico, à luz das regras da experiência comum, que em 2014 (já depois de resgatados) continuassem a proporcionar rendimentos de juros, e muito menos que num período de 6/7 dias (entre 01.01.2014 e 06.01.2014) proporcionassem rendimentos dos montantes declarados.
26. Diga-se que a AT, considera credível o documento emitido no âmbito do sistema de troca de informações, bastando-se com o facto desse documento identificar os bancos, o nº de conta, os titulares e os montantes do rendimento (vd. iten 12 da fundamentação da RG). Sendo este um documento construído de forma genérica, pouco discriminada (como a própria AT assume, quer na decisão da RG quer na resposta), não pode ignorar a informação (esta bem mais detalhada) constante do documento emitido pela entidade bancária gestora da carteira de títulos dos Requerentes, sob pena de violação do princípio do contraditório, da legalidade, da participação, da proporcionalidade, entre outros. Tanto mais que, como se disse, o sistema de troca de informações é construído com base nas informações prestadas pelas entidades bancárias.
27. Ora, chegados aqui cumpre dizer que, mesmo considerando que tenha havido erro por parte da entidade bancária ao enviar as informações para o sistema, a partir do qual se processa a troca de informações. Certo é que posteriormente a informação emitida pela entidade bancária Suíça, não deixa dúvidas sobre alienação dos títulos ocorrida em 2013.
Neste ponto, parece-nos que os Requerentes provaram que as unidades de participação dos fundos de investimento identificados na declaração “juros” comunicada pelo C... às autoridades fiscais Suiças, foram alienadas em 2013, data em que foram realizados os ganhos, não poderiam os mesmos produzir rendimentos de “juros” em 2014.
Assim, como lhe assiste razão quando alegam ter declarado o valor das mais-valias no ano 2013, como bem resulta do Anexo J (rendimentos provenientes do estrangeiro) à declaração de IRS de 2013. Do que resulta ter sido cumprida a obrigação declarativa e ter sido pago o respetivo imposto no ano de referência, considerando-se este como aquele em que ocorre o facto tributário gerador de imposto, no caso, a alienação dos títulos. Factos provados na matéria assente.
28. Face ao exposto, vejamos o enquadramento jurídico aplicável. Assim, dispõe o artigo 6.º da Directiva Poupança:
«Definição de pagamento de juros
1. Para efeitos da presente directiva, entende-se por «pagamento de juros:
a) Os juros pagos ou creditados em conta, referentes a créditos de qualquer natureza, com ou sem garantia hipotecária e com direito ou não a participar nos lucros do devedor, nomeadamente os rendimentos da dívida pública e de obrigaço˜ es de empréstimos, incluindo prémios atinentes a esses títulos. As penalidades por mora no pagamento não são consideradas como pagamento de juros;
b) Os juros vencidos ou capitalizados realizados na altura da cessão, do reembolso ou do resgate dos créditos referidos na alínea a)
(…)
d) Rendimentos realizados na altura da cessão, do reembolso ou do resgate de partes ou unidades de participação nos organismos e entidades seguintes, caso tenham investido, directa ou indirectamente, por intermédio de outros organismos de investimento colectivo ou autoridades abaixo referidas, mais de 40 % do seu activo em créditos referidos na alínea a).
(…)
3. No que se refere à alínea d) do n.º 1, caso um agente pagador não tenha qualquer informação relativa à percentagem do activo investido em créditos ou em partes ou unidades de participação tal como definidas nessa alínea, essa percentagem deve ser considerada como superior a 40 %. Quando o agente pagador não possa determinar o montante do rendimento realizado pelo beneficiário efectivo, considera-se que o rendimento é o produto da cessão, do reembolso ou do resgate das partes ou unidades de participação.”
Do texto legal transcrito conclui-se, com relevância para a questão em análise que se o Fundo é, em mais de 40%, constituído por ativos que pagam juros, os rendimentos auferidos aquando da alienação das respetivas unidades de participação são considerados pela ESD (Diretiva Poupança) como rendimentos de “juros”.
29. Chegados aqui, importa ter em conta o disposto no Código do IRS português. Ora, à luz do disposto no nosso CIRS, os rendimentos obtidos com a alienação de unidades de participação em fundos de obrigações, são, independentemente da composição da carteira do Fundo, considerados como rendimentos de mais-valias. Foi a consideração pelo disposto na lei portuguesa que terá levado os Requerentes a declararem logo em 2013 o rendimento proveniente da alienação das unidades de participação como mais-valias. O que se compreende e regista como correto, porquanto a diretiva dá liberdade aos Estados-membros para poderem ajustar ou manter diferentes conceitos à luz do direito interno, desde que daí não resulte dano para alcançar o desiderato da diretiva.
Assim, em conformidade com o que vem exposto, e com a matéria assente como provada, resulta que os Requerentes, em cumprimento da legislação nacional e tomando por base a declaração emitida pela entidade gestora da carteira de aplicações dos Requerentes (o D... SUISSE), apresentaram na sua declaração de rendimentos de 2013, o respetivo Anexo J, no qual foram declarados os ganhos obtidos com a alienação daquelas unidades de participação, como ganhos de mais-valias.
Ora, não se afigura razoável ignorar estes factos e toda a documentação entretanto junta pelos Requerentes em sede de RG, mantendo a tributação sobre os mesmos rendimentos já declarados em 2013, na declaração de 2014, sem proceder às correções necessárias nas duas declarações e não apenas na de 2014, sob pena de duplicação da coleta, como alegam os Requerentes.
30. Podemos conceder que o desfasamento temporal que se verifica entre a declaração emitida pelo D... SUISSE e a declaração emitida pelo C... (doc 4 e 5 junto em anexo ao p.a./ fls, 64-67 processo administrativo) possa gerar confusão nos dados enviados através do sistema de troca de informações. Porém, os documentos e esclarecimentos entretanto prestados pelos Requerentes permitiram perceber o erro e o alcance prático do mesmo, ou seja, que o mesmo rendimento declarado em 2013 como mais-valias, coincide precisamente com o valor de juros incluídos pela AT nos rendimentos de 2014, no seguimento da inspeção e correção processada. Daqui resulta que, a seguir o raciocínio da AT, aquele mesmo rendimento seria tributado duas vezes, em 2013 e em 2014, o que não se pode aceitar como correto.
31. Em suma, dos elementos de prova juntos aos autos conclui-se que os valores declarados como rendimentos de “juros” mais não são do que os valores creditados na conta bancária dos Requerentes em consequência da alienação/resgate das ditas unidades de participação, ocorrida em 2013.
Verifica-se, assim, erro sobre os pressupostos de facto porque as unidades de participação dos fundos de investimento constantes do documento emitido pelo C... foram alienadas em 2013 e os ganhos de mais-valias obtidos foram declarados na declaração de rendimentos modelo 3 apresentada com referência ao ano de 2013. Logo, como muito bem alegam os Requerentes, se foram alienadas por terem atingido a sua maturidade no ano de 2013 não poderiam estas unidades originar, para os Requerentes, rendimentos em 2014.
A AT ao não reconhecer a verdade material dos factos revelados por prova documental, e insistir em manter a liquidação impugnada incorreu em erro sobre os pressupostos de facto, o que conduziu a uma errónea quantificação da matéria coletável no ano de 2014, ao considerar como juros um valor que correspondia, outrossim, a ganhos declarados no ano anterior como mais-valias. O que, só por si, impõe a declaração de ilegalidade dos atos tributários impugnados.
32. Mas os atos tributários impugnados também padecem de erro sobre os pressupostos de direito, porquanto, a correta interpretação e conciliação dos preceitos contidos na Diretiva poupança e no CIRS, não deixam dúvida sobre a qualificação do rendimento proveniente da alienação das unidades de participação como mais valias. De acordo com as instruções de preenchimento do “Anexo J” este destina-se efetivamente, a declarar os rendimentos obtidos fora do território português, por residentes, e a identificar contas de depósitos ou de títulos abertas em instituição financeira não residente em território português. Este Anexo J deve ser apresentado pelos sujeitos passivos residentes, no ano a que respeita a declaração, se esses rendimentos tiverem sido obtidos fora do território português no mesmo período. Isso mesmo resulta do disposto no artigo 63.º A da LGT, reforçado pelo disposto no n.º 1 do art.º 7.º do CIRS. O momento relevante para proceder à declaração dos ganhos provenientes da alienação das unidades de participação era o ano de 2013, por ter sido nesse ano que ocorreu a sua alienação e por terem sido então colocados à disposição do seu titular., são liquidados ou desde a data do apuramento do respetivo quantitativo, conforme os casos. Da conjugação do disposto no n.º 5 da alínea b) do n.º 1 com o n.º 3 do art.º 10.º do CIRS, os ganhos resultantes, entre outros, da “Alienação onerosa” e do “resgate de unidades de participação em fundos de investimento e a liquidação destes fundos” consideram-se obtidos no momento da prática dos atos.
Ora, sendo assim, nenhuma crítica é de dirigir ao comportamento dos Requerentes que procederam de acordo com as regaras em vigor no seu país de residência, em Portugal.
Outro entendimento, seria manifestamente violador do princípio da capacidade contributiva, da justiça e equidade tributária, pois resultaria na duplicação de coleta, tributando o mesmo valor de rendimento, simultaneamente, em 2013 (como mais-valias) e em 2014 (como juros). Tal traduziria clara violação do princípio da legalidade e da proporcionalidade, razão pela qual os atos tributários devem ser declarados ilegais e anulados.
Ainda quanto ao ónus da prova acresce referir que:
33. Pelo que fica exposto nos pontos anteriores fica prejudicado o conhecimento de outras questões suscitadas pelas partes.
Contudo, diga.se que, relativamente à questão do ónus da prova suscitada pela AT, que apesar de ser entendimento deste tribunal que cabe em primeira linha à AT provar os factos que serviram de base à liquidação oficiosa que entendeu emitir, bem assim como da liquidação de juros associada, sempre se dirá que não resta qualquer dúvida, face a toda a prova apresentada pelos Requerentes em anexo ao pedido arbitral e que, para além disso, tinha já sido apresentada em sede de reclamação graciosa, que os Requerentes provaram, sem margem de dúvida, a duplicação da coleta face à declaração e tributação efetuada em 2013 sobre o valor das unidades de participação que, por erro da informação fornecida pelas entidades bancárias, aparecem erradamente mencionados no ano de 2014.
34. Ora, alega a AT que a declaração recebida no âmbito do sistema de troca de informações beneficia de presunção de veracidade e que, por isso, inverte o ónus da prova, cabendo aos Requerentes demonstrar o erro.
Quanto a esta matéria, para além do que ficou já dito nos itens anteriores, diga-se que ainda que o entendimento da AT em sede de ónus da prova fosse o correto, no caso dos presentes autos os Requerentes juntaram meios de prova documental, da qual resulta a veracidade do que alegam. Dito de outro modo, fizeram prova dos factos que invocaram. Logo, sempre se dirá que alcançaram com sucesso o seu propósito de fazer prova dos factos que invocam como fundamento do presente pedido arbitral.
Assim sendo, ficou provado que aquele rendimento erradamente designado por juros (que acresceu na liquidação oficiosa de 2014), resultou, outrossim, da alienação das unidades de participação e já havia sido declarado e tributado em 2013, logo forçoso será concluir que os Requerentes fizeram prova dos factos que invocaram como fundamento do seu pedido.
35. Conforme o disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.” (no mesmo sentido, o artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil).
Como referem a este propósito, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA: “(…) em regra, a administração tributária terá o ónus da prova dos pressupostos dos factos constitutivos dos direitos que pretender exercer no procedimento, enquanto os sujeitos passivos terão o ónus de provar os factos que possam servir de suporte à concretização desses direitos.”
No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência dos nossos tribunais administrativos e arbitrais, que tem vindo a afirmar, reiteradamente, o mesmo princípio de que cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente, quando esta se revela de forma «agressiva e desfavorável» ao sujeito passivo. Em contrapartida, cabe ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos, solução hoje fixada pelo artigo 74.º, n.º 1 da LGT.
Podemos citar inúmeros acórdãos dos nossos tribunais administrativos sobre esta questão, dos quais apenas destacamos, a título de exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 0951/11, de 26 de fevereiro de 2014, ou os acórdãos arbitrais proferidos nos processos n.ºs 64/2018-T, de 22 de agosto de 2018 e 25/2018-T, de 21 de fevereiro de 2014, na decisão arbitral proferida no processo nº541/2018, de 10 de janeiro de 2020.
36. Do acima exposto conclui-se que, no caso dos presentes autos, a AT não apresentou prova suscetível de abalar a presunção de veracidade das declarações e operações constantes dos modelos de IRS relativos aos anos de 2013 e 2014. E concretamente nada diz, ou seja, ignora todos os elementos de prova que os Requerentes juntaram aos autos.
Uma coisa é certa, há erro na declaração apresentada pelas entidades bancárias para o sistema de troca de informações. Desconhece-se se esse erro teve origem na errónea qualificação dos rendimentos por parte do C... (Suisse), SA, ou na errada interpretação das disposições da Diretiva ou mesmo na transmissão da informação. Face à evidência do erro cabia à AT apurar a verdade material, solicitando as explicações necessárias e devidas ao sistema de informações ou às entidades bancárias em questão. Certo é que não o fez, mas os Requerentes fizeram essas diligências e apresentaram documentos emitidos pelas entidades bancárias que têm de ser devidamente considerados.
Na verdade, alega a Requerida no ponto 17 da sua Resposta que “a idoneidade da informação proveniente das autoridades fiscais estrangeiras constitui um dos principais instrumentos de combate a fraude e à evasão fiscais”.
Essa informação é recolhida a partir das declarações das entidades bancárias. Contudo, sempre que essa informação se revele equívoca, confusa ou errada, como é o caso dos autos, é imperioso que a AT use do seu poder/dever de apuramento da verdade material (princípio do inquisitório), e solicite as informações adicionais que se revelem necessárias, sob pena do erro persistir e conduzira tributação injusta e inconstitucional por violação do princípio da capacidade contributiva.
O valor probatório da informação recebida da Autoridade Fiscal Suiça, que como alega a Requerida beneficia do disposto no n.º 1 do art.º 76.º da LGT, ou seja, as informações oficiais fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, o que não é o caso das informações que estão na origem dos atos tributários controvertidos porque essas não se mostram fundamentadas, nem objetivas e como se disse são contrariadas pelas alegações dos Requerentes que demonstram documentalmente a incoerência dos mesmos.
De resto do n.º 4 do art.º 75.º da LGT, resulta a possibilidade de prova em contrário. Como defendem Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa – LGT 4ª ed, pag. 672 “deve entender-se o n.º 4 com o sentido de que a atribuição de força probatória às informações de administrações tributárias estrangeiras não prejudica a possibilidade de prova em contrário nem a de gerar dúvidas sobre os factos nelas afirmados, como forma de contrariar a sua força probatória”. 2
E, como se disse já, os Requerente demonstraram não só o erro na qualificação dos factos, fazendo prova de que o C... (Suisse) resgatou em 2013 as unidades de participação e disponibilizou o produto do resgate/liquidação em janeiro de 2014, e que estes rendimentos foram declarados em 2013, por terem dado origem a a rendimentos sujeitos a IRS, como mais valias, devendo ser declarados no ano em que ocorreram os factos que lhes deram origem.
Concluindo, este Tribunal não pode validar aquilo que se traduziria numa clara duplicação de coleta. Seguindo a jurisprudência do TCAS, vertida, entre outros, no Acórdão de 26-02-2013:
“4. De acordo com a lei (cfr.artº.287, nº.1, do C.P.Tributário artº.205, do C.P.P.Tributário), a figura jurídico tributária a duplicação de colecta caracteriza-se pelos seguintes vectores: a)Unicidade do facto tributário; b)Identidade da natureza entre a contribuição ou imposto já pago integralmente e o que de novo se pretende cobrar; c)Coincidência temporal entre a incidência do imposto pago e o que de novo se exige.
5. A duplicação de colecta pode configurar-se como o equivalente, no domínio do direito fiscal, ao princípio penal da proibição do “non bis in idem”, sendo causa de ilegalidade do acto tributário”
No caso dos autos todos os pressupostos estão preenchidos. Pelo que estando perante uma clara duplicação de coleta não resta alternativa senão considerar procedente o pedido arbitral.
37. Termos em que o pedido arbitral formulado pela Requerente tem de proceder e as liquidações impugnadas anuladas. Em conformidade, assiste ainda à Requerente o direito ao reembolso do imposto pago em excesso, ou seja, no valor de € 12.866,05.
Quanto a juros indemnizatórios acresce:
38. A Requerente peticiona, ainda, o reembolso da importância indevidamente cobrada em excesso, acrescida de juros indemnizatórios.
O artigo 43.º, nº1, da LGT, dispõe que são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido."
O direito a juros indemnizatórios pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.
O erro é imputável à AT uma vez que nada fez para apurar a verdade material dos factos alegados pelos Requerentes. Não verificou as incongruências apontadas pelos Requerentes e, sobretudo, não deu qualquer valor aos documentos apresentados pelos Requerentes.
No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação, pelas razões que se apontaram anteriormente, a Requerente efetuou o pagamento de importância manifestamente indevida.
Nestes termos, sendo anulada a liquidação impugnada, por ilegalidade, tem a Requerente direito aos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre o montante indevidamente cobrado em excesso, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do efetivo reembolso (cfr. LGT, art.43.º, n.º 1 e CPPT, art. 61.º).
V – DECISÃO
Termos em que decide este Tribunal Arbitral:
a) Julgar totalmente procedente o pedido dos Requerentes;
b) Anular parcialmente a liquidação de IRS impugnada e condenar a AT a devolver à Requerente o valor de imposto pago em excesso, no montante de € 12.866,05 , acrescido de juros indemnizatórios contados nos termos legais;
c) Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais.
IV. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor da causa em € 12.866,05 (dois mil, quinhentos e noventa e três euros e setenta e três cêntimos), nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por remissão das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
V. CUSTAS
Ao abrigo do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), a cargo da parte vencida.
Notifique-se.
Lisboa, 20/11/ 2021
O Tribunal Arbitral singular,
(Maria do Rosário Anjos)