Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 32/2021-T
Data da decisão: 2021-11-05  IRC  
Valor do pedido: € 80.937,50
Tema: IRC, EBF, Livre Circulação de Capitais; Fundos de Investimento, Dividendos; Desnecessidade de Reenvio Prejudicial.
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SUMÁRIO

 

I. Na medida em que a norma do artigo 22.º, n.º 1, do EBF impõe aos organismos de investimento coletivo um regime de tributação consideravelmente mais gravoso do que o aplicável aos organismos de investimento coletivo constituídos segundo a legislação nacional portuguesa, tem potencialidade para «dissuadir os não residentes de investirem num Estado Membro», desde logo porque têm de enfrentar a concorrência das entidades que usufruem do benefício fiscal, que ficam em melhores condições para comercialização dos seus produtos de investimento.

II. Os nºs. 1 e 10 do artigo 22.º do EBF, ao limitarem o regime neles previsto a organismos de investimento coletivo constituídos segundo a legislação nacional, estabelecem uma discriminação arbitrária, que é de molde a conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais no espaço da União Europeia, proibida pelo artigo 63.º do TFUE.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Os Árbitros, Fernanda Maçãs (Árbitro Presidente), Cristina Coisinha (Árbitro Vogal) e Alexandre Andrade (Árbitro Vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante designado apenas por CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 21 de Maio de 2021, decidem no seguinte:

 

I. Relatório

 

1. A... (adiante designado apenas por Requerente), Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de identificação fiscal português ..., com sede em ..., ..., Alemanha, representado por B... GmbH, na qualidade de sociedade gestora, com sede na mesma morada, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante designado apenas por RJAT), para apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos aos anos de 2017 e 2018, bem como da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa previamente apresentada. O Requerente pede a anulação dos atos tributários de retenção na fonte de IRC sindicados por vício de violação de lei, e pelo consequente reconhecimento do direito do Requerente à restituição da quantia de EUR 80.937,50, relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos distribuídos nos anos de 2017 e 2018.

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 13 de janeiro de 2021 e posteriormente notificado à Requerida.

3. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os Árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4. Em 3 de maio de 2021, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 21 de maio de 2021.

6. Em 8 de setembro de 2021, o Tribunal Arbitral Coletivo proferiu o seguinte Despacho Arbitral: 1. Relega-se para a sentença a apreciação da eventual suspensão da instância até decisão do TJUE, em sede do pedido de reenvio prejudicial das questões formuladas no processo n.º 93/2019-T. 2. Não havendo lugar a produção de prova constituenda e não tendo sido suscitada matéria de excepção, o Tribunal dispensa a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, o que faz ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Vd. arts. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT. 3. Notifiquem-se ambas as partes para produzirem alegações escritas, no prazo de quinze dias a partir da notificação do presente despacho, sendo que se concede à Requerida a faculdade de, caso assim o entenda, juntar as suas alegações com carácter sucessivo relativamente às produzidas pelo sujeito passivo. 4. Designa-se o dia 21 de Novembro de 2021 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral. 5. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em formato WORD. Do presente despacho, notifiquem-se ambas as partes.

7. As Partes apresentaram alegações.

 

II. Saneador

8. O Tribunal Arbitral Coletivo é competente e foi regularmente constituído.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, ambos do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir

 

III- Do Mérito

 

III-1- Matéria de Facto

 

1.1 Factos Provados

Analisada a prova produzida no âmbito do presente Processo, este Tribunal Arbitral Coletivo considera provados, com relevo para a presente Decisão Arbitral, os seguintes factos:

1.            O Requerente é uma pessoa coletiva de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (OIC) constituído sob a forma contratual e não societária, comumente designado de fundo de investimento;

2.            O Requerente era, à data dos factos, gerido por uma entidade gestora de fundos de investimento, a B... GmbH, entidade com sede na Alemanha;

3.            O Requerente é um fundo aberto autónomo que se baseia num contrato entre a entidade gestora “B... GmbH”, os seus investidores e o banco responsável pela custódia dos valores mobiliários;

4.            O Requerente é um sujeito passivo de IRC, não residente, para efeitos fiscais, em Portugal, e sem qualquer estabelecimento estável em Portugal;

5.            O Requerente é uma entidade residente, para efeitos fiscais, na Alemanha, sujeito a imposto sobre as pessoas coletivas na Alemanha;

6.            Ao Requerente foi concedida uma isenção, na Alemanha, nos termos da Secção 1 parágrafo 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Sociedades Alemão – German Corporate Income Tax Act – e da secção 11 parágrafo 2 do Código Fiscal de Investimento Alemão – German Investment Tax Act, o que impossibilita o Requerente de recuperar, a título de crédito por dupla tributação internacional ou formular qualquer pedido de reembolso, impostos suportados ou pagos no estrangeiro;

7.            O Requerente e a entidade gestora são entidades sujeitas a supervisão do Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht, entidade federal responsável pela supervisão do setor financeiro na Alemanha;

8.            Nos anos de 2017 e 2018, o Requerente era detentor de lotes de participações sociais na seguinte sociedade residente em Portugal: C... SGPS S.A.:

 

9.            A entidade responsável pela custódia dos títulos detidos pelo Requerente em Portugal era a entidade D...;

10.          Nos anos de 2017 e 2018, o Requerente recebeu dividendos e suportou em Portugal imposto por retenção na fonte, à taxa de 35% (taxa liberatória), como a seguir é discriminado:

 

11.          O Requerente foi o beneficiário dos rendimentos, tendo suportado, em Portugal, nos anos de 2017 e 2018, a quantia total de imposto de € 80.937,50;

12.          Em 21 de Outubro de 2019, o Requerente apresentou, ao abrigo dos artigos 98.º e 137.º do Código de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC), 132.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), Reclamação Graciosa dos atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2017 e 2018, na qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal. Reclamação Graciosa que correu termos na Direção de Finanças de Lisboa e à qual foi dado o número ...2019...;

13.          Por documento datado de 13 de julho de 2020, o Requerente foi notificado para exercer, querendo, o direito de participação na decisão na modalidade de audição prévia previsto no artigo 60.º da LGT;

14.          Constava do Projeto de Decisão da Reclamação Graciosa: Informação: I – DESCRIÇÃO SUMÁRIA DO PEDIDO. 1. B... GMBH A... -, com o número de identificação fiscal português (NIF) ..., não residente fiscal em Portugal, com sede/ residência em ..., ..., REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA, vem apresentar reclamação graciosa, nos termos do artigo 137.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e n.º 3 e 4 do artigo 132.º do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), das seguintes guias de retenção na fonte com os n.os ..., ..., ..., nos valores reclamados de € 30.625,00, € 26.250,00 e € 24.062,50 (num total reclamado de € 80.937,50), referentes a rubrica 204 IRC – Capitais – valores mobiliários – entidades registadoras ou depositárias, respeitantes ao período de setembro de 2017, maio e setembro de 2018, respetivamente. 2. A reclamante é uma pessoa coletiva de direito alemão, enquanto organismo de investimento coletivo (OIC) – fundo de investimento, sujeito passivo de IRC, por retenção na fonte a título definitivo, não residente e sem estabelecimento estável em Portugal, gerido por uma entidade gestora de fundos de investimento, a B... GmbH, com sede na Alemanha. 3. Nos anos de 2017 e 2018, a reclamante recebeu dividendos de ações da entidade emitente C... SGPS, S.A., com o NIF ..., sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte, cuja retenção na fonte foi efetuada pela entidade responsável pelos títulos – E..., com o NIF..., alegando ter sofrido a taxa de 35% (artigo 87.º do Código de IRC). 4. Tendo em conta o disposto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), considera a reclamante que sujeitar a retenção na fonte os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC ́s não residentes, ao mesmo tempo que a isenta quando distribuídos a OIC ́s domiciliadas em Portugal, consubstancia uma discriminação em razão da residência (artigo 18.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia) e, por via disso, uma restrição a uma das liberdades fundamentais previstas no TFUE, bem como viola o disposto no artigo 63.º do TFUE (proibição de qualquer restrição à livre circulação de capitais). 5. Em suma, verifica-se uma manifesta desconformidade do artigo 22.º do EBF com o artigo 63.º do TFUE, violando-se o artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), plasmada não só na legislação comunitária como na sua jurisprudência, elencada pela reclamante na sua petição. 6. Esta situação é tanto mais gravosa porquanto a reclamante não consegue recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência fiscal (Alemanha) por nele se encontrar isenta do imposto em moldes semelhantes ao IRC. 7. Atendendo ao invocado, solicita o reembolso da retenção na fonte de dividendos aqui reclamada, no montante de € 80.937,50, bem como o pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT. II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS. 8. Nos termos do artigo 65.º da Lei Geral Tributária (LGT) e n.º 1 do artigo 9.º do CPPT, a reclamante tem legitimidade no presente procedimento, não tendo nomeado representante fiscal, sendo essa nomeação meramente facultativa para residentes em Estados Membros da União Europeia (para os efeitos dos n.os 6 a 8 do artigo 19.º da LGT e do n.º 1 e 2 do artigo 126.º do CIRC). 9. [...]. 10. Atendendo às datas das guias de retenção na fonte identificadas de setembro de 2017, maio e setembro de 2018 e à data de remessa via postal do requerimento para esta Direção de Finanças de 2019-10-21, a reclamação graciosa é tempestiva, nos termos da regra especial constante do n.º 3 do artigo 137.º do Código do IRC. 11. Não há conhecimento que tenha sido apresentada impugnação judicial até à presente data (n.º 3 do artigo 111.º do CPPT). III – ANÁLISE DO PEDIDO E PARECER. 12. A reclamante, não residente fiscal em Portugal e sem estabelecimento estável, é sujeito passivo de IRC, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRC, incidindo o imposto apenas sobre os rendimentos obtidos em território nacional (país da fonte), nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 3.º e n.º 2 do artigo 4.º, ambos do CIRC, objeto de retenção na fonte a título definitivo ou liberatório, na data da verificação do facto tributário (pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos), cujas importâncias retidas devem ser entregues nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que forem deduzidas, nos termos da al. c) do n.º 1, al. b) do n.º 3, n.º 5 e n.º 6, todos do artigo 94.º do CIRC. 13. Quanto à entrega do imposto retido nos cofres do Estado pelo substituto tributário, cumpre mencionar que as guias de retenção na fonte indicadas pela reclamante apresentam valores muito superiores ao reclamado. 14. No entanto, é possível descortinar os valores em concreto ora reclamados no que diz respeito às guias dos períodos de setembro de 2017, de maio de 2018 e de setembro de 2018, através da consulta do sistema informático da AT, nomeadamente da Declaração Modelo 30 (rendimentos pagos ou colocados à disposição de sujeitos passivos não residentes) da reclamante. 15. Quanto à alegada desconformidade das normas legais internas com o Direito da União Europeia, mais precisamente, a não consideração destes rendimentos para efeitos do apuramento do lucro tributável, prevista no n.º 3 do artigo 22.º do EBF e sua impossibilidade de aplicação aos rendimentos distribuídos aos Organismos de Investimento Coletivo com sede fora de Portugal, cumpre dizer o seguinte: 16. Através do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro (1), procedeu-se à reforma do regime de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC), alterando, no que aqui importa ressaltar, a redação do artigo 22.º do EBF, aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário e sociedades de investimento mobiliário e imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (2), conforme resulta do n.º 1 do artigo 22.º do EBF e Circular n.º 6/2015 (3). 17. Com a nova redação, estabeleceu o legislador, para esses sujeitos passivos de IRC, uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código de IRS, conforme resulta do n.º 3 do referido artigo 22.º do EBF. 18. Exclusão esta não aplicável à reclamante – pessoa coletiva de direito alemão – por falta de enquadramento com o disposto no n.º 1 do artigo 22.º do EBF, o que é por si contestado no presente pedido. 19. A consagração da liberdade de circulação dos capitais e, consequentemente, a proibição de adoção de medidas restritivas da mesma, encontra-se consagrada nos artigos 63.º e seguintes do TFUE, concretização do artigo 18.º do TFUE, aplicável entre Estados-membros que integram a UE. 20. Não obstante, conforme resulta da alínea a) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, é permitido que os Estados-membros apliquem “(...) as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido”, tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que, verificado o n.º 3 da mencionada disposição legal. 21. Evidenciando-se que, ao contrário do que se verifica com o IVA, não existe no TFUE uma previsão quanto à harmonização de impostos sobre o rendimento ou tributação direta (4), embora, numa tentativa de aproximação de legislações dos Estados-membros, a mesma encontre alguma expressão, nos artigos 114.º e 115.º do referido Tratado. 22. Cumpre referir que não compete à AT avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, nem tão pouco apreciar da sua constitucionalidade, realçando-se que, na senda do entendimento acolhido pela recente jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Administrativo (5), atendendo ao disposto nos artigos 266.º da CRP e 55.º da LGT, a Administração Tributária deve atuar em conformidade com a lei, não podendo, por regra, deixar de aplicar uma norma tributária constante de diploma legal, por alegada inconstitucionalidade, a não ser quando o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do artigo 281.º da CRP. 23. E, por outro lado, não pode a AT aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) quando estas não têm, na sua origem, a apreciação da compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu. 24. Sendo que a jurisprudência trazida à colação pela reclamante respeita a normas legais de outros ordenamentos jurídicos, não se conhecendo, quaisquer decisões do TJUE que tenham concluído pela desconformidade do artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, com o TFUE. 25. Todavia, sempre se dirá que, de acordo com Paula Rosado Pereira (6), “(...) no Caso Schumacker, o Tribunal de Justiça aceitou que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes (...)”, considerando a autora que “A análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça revela, assim, que na perspetiva deste órgão, em termos genéricos, o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas CDT, é aceitável e não contraria as liberdades de circulação consagradas no TFUE.”. 26. Pelo exposto, é de indeferir o presente pedido. 27. Acrescenta-se, ainda que, por não se verificarem in casu os pressupostos do artigo 43.º da LGT, não assiste à reclamante o direito a juros indemnizatórios. IV – CONCLUSÃO. Face ao exposto, sou de parecer que deve a presente reclamação graciosa ser INDEFERIDA, devendo notificar-se a reclamante para efeitos do exercício do direito de audição, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT. À consideração superior.  (1) Cuja produção de efeitos ocorreu a partir de 1 de julho de 2015, conforme resulta do seu artigo 9.º, tendo-se estabelecido no artigo 7.º do referido diploma um regime transitório. (2) Regime jurídico dos OIC (Decreto-Lei n.º 252/2003, de 17 de outubro, republicado pelo Decreto-Lei n.º 71/2010, de 18 de junho), encontrando-se no artigo 11.º do referido diploma os elementos necessários para a sua constituição e autorização. (3) Através da qual foram divulgadas as características essenciais do regime, bem como, esclarecimentos sobre a sua aplicação. (4) Neste sentido vide DOURADO, Ana Paula, in “Direito Fiscal, Lições 2015”, Coimbra, Almedina, 2015, p. 29. (5) Veja-se a título de exemplos os Acórdãos do STA de 2015/01/21, Proc.0843/14 e de 2016/05/11, Proc. 0704/14, disponíveis em www.dgsi.pt. (6) in “Princípios do Direito Fiscal Internacional, Do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu”, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 349 e 350;

15.          O Requerente não exerceu o direito de audiência;

16.          Por documento datado de 21 de outubro de 2020, o Requerente foi notificado do Despacho de Indeferimento da Reclamação Graciosa;

17.          O Requerente não se conformou com a decisão de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa proferida pela Autoridade Tributária e apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral;

18.          Em 12 de janeiro de 2021 deu entrada o Pedido de Pronúncia Arbitral em causa nos presentes Autos Arbitrais.

 

III-1-2. Factos Não Provados

Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.

 

III-1-3. Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes e nos documentos juntos pelas Partes ao presente Processo Arbitral, incluindo o Processo Administrativo.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos presentes Autos Arbitrais, consideraram-se provados, com relevo para a presente Decisão Arbitral, os factos acima elencados.

 

III-2- Matéria de Direito (fundamentação)

 

III-2-1- Posição das partes

 

A)           Posição do Requerente:

No Pedido de Pronúncia Arbitral, pode ler-se, em suma, o seguinte:

a)            O Requerente defende que é inequívoco que a norma constante do artigo 22.º do EBF, à data dos factos tributários ora sindicados, padece de manifesto vício de lei, por violação ostensiva dos princípios da legalidade tributária e do primado do direito internacional e da liberdade de circulação de capitais, violando, por conseguinte, os artigos 8.º da CRP e 18.º e 63.º do TFUE e a jurisprudência firmada sobre a matéria pelo TJUE, o que se invoca para os devidos efeitos legais;

b)           Argumenta o Requerente que é um OIC constituído de acordo com a legislação alemã (e aí residente), sendo a respetiva sociedade gestora igualmente residente e constituída ao abrigo da legislação da Alemanha, estando os seus nacionais cobertos pelas liberdades e garantias conferidas pelo TFUE;

c)            Nos casos de distribuição de dividendos por parte de sociedades residentes em Portugal os OIC não constituídos ao abrigo da lei portuguesa e aqui não residentes, os rendimentos obtidos em Portugal estão sujeitos a retenção na fonte liberatória a uma taxa de 25% (ou 35% no caso acima identificado), tal como preceituado nos artigos 94.º n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4 também do CIRC, não beneficiando do regime previsto no artigo 22.º do EBF;

d)           A legislação nacional concede expressamente aos OIC constituídos em Portugal a possibilidade de beneficiarem de um regime que lhes permite receber os dividendos totalmente isentos de tributação, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, bastando, para tal, que estejam constituídos de acordo com a legislação nacional. Por oposição, no caso de OIC constituídos noutros Estados Membros da UE, os mesmos não são passíveis de beneficiar de idêntica isenção, estando sujeitos sempre a uma tributação efetiva e liberatória de 25% (ou 35% no caso acima identificado) em sede de IRC, sobre os dividendos auferidos, nos anos de 2017 e 2018, em Portugal;

e)           Facto que assume maior gravidade no caso do Requerente, uma vez que o mesmo não consegue recuperar o imposto retido na fonte (Portugal) no seu estado de residência (Alemanha), em virtude do seu estatuto de entidade isenta de tributação nesse país;

f)            O artigo 18.º do TFUE estabelece uma proibição genérica de discriminações baseadas na nacionalidade, princípio esse concretizado, no que diz respeito à livre circulação de capitais, no artigo 63.º, o qual proíbe todas as formas de discriminação baseadas na nacionalidade ou no local de investimento entre entidades/ pessoas residentes em Estados Membros da EU;

g)            Segundo o Requerente a desconformidade da norma supra citada do EBF com o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade deverá ser analisada da seguinte forma: (i) Se os artigos 18.º e 63.º do Tratado se opõem a que a legislação fiscal portuguesa introduza um tratamento mais favorável, na distribuição ou colocação à disposição de lucros aos OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa e negue esse mesmo tratamento quando o OIC seja constituído ao abrigo da legislação de outro Estado Membro da UE, in casu a Alemanha; (ii) Se tal discriminação é arbitrária ou se, pelo contrário, se encontra abrangida por qualquer cláusula de salvaguarda e se se encontra objetivamente justificada;

h)           Para o Requerente, o que está em causa é um tratamento discriminatório na liberdade de circulação de capitais e no próprio acesso ao mercado de capitais, baseado exclusivamente no critério da residência, sendo que, para esse efeito, o Requerente e os OIC estabelecidos em Portugal estão inequivocamente em situações comparáveis;

i)             O Requerente refuta igualmente o argumento usado pela Requerida quanto ao facto de não se encontrar numa situação de comparabilidade porquanto um OIC em Portugal está sujeito a outros e distintos tipos de tributação, tais como o Imposto do Selo e tributações autónomas em sede de IRC, porquanto o imposto sindicado em causa é o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e não qualquer outro tipo de tributo devido pelos OIC decorrente da sua atividade e incidente sobre a sua atividade, mas apenas e tão só um imposto de rendimento incidente sobre dividendos obtidos em Portugal;

j)             Tratando-se, portanto, de uma discriminação evidente em sede de tributação direta sobre o rendimento, é irrelevante o regime de Imposto do Selo aplicável aos OIC residentes em Portugal;

k)            Por último, o Requerente refere que em sede de outro processo arbitral, que corre termos junto deste Centro de Arbitragem (leia-se, no processo n.º 93/2019-T), em que se discute a mesma questão de Direito quanto à discriminação existente no artigo 22.º do EBF entre OIC residentes e não residentes na tributação de dividendos (estando em causa um outro OIC residente na Alemanha que obteve dividendos sujeitos a retenção na fonte de IRC em Portugal), foi proferido despacho arbitral no dia 9 de julho de 2019 que contém a decisão de reenvio prejudicial de questões prejudiciais para análise do TJUE semelhantes às dos presentes autos, tendo sido ordenada a suspensão da respetiva instância;

l)             O Requerente conclui pedindo a procedência do presente pedido, por provados os factos invocados, e a final: (i) Pela anulação dos atos tributários de retenção na fonte de IRC ora sindicados por vício de violação de lei, em concreto por violação do Direito Comunitário e da CRP, nos termos acima melhor expostos, e pelo consequente reconhecimento do direito do Requerente à restituição da quantia de EUR 80.937,50, relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos distribuídos nos anos de 2017 e 2018, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do CIRC e 22.º do EBF, tudo com as demais consequências legais; (ii) Pela eventual suspensão do processo até decisão por parte do TJUE em sede do pedido de reenvio prejudicial das questões prejudiciais formuladas no âmbito do processo n.º 93/2019-T, dado que, como acima referido, está em causa a mesma questão de Direito, com um substrato fáctico em tudo semelhante ao do Requerente no presente processo; (iii) Subsidiariamente, requer-se o reenvio prejudicial para o TJUE do presente processo quanto à questão relativa à incompatibilidade do artigo 22.º do EBF com o Direito da UE, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do Tratado; (iv) com a procedência dos pedidos formulados supra, a condenação da Autoridade Tributária no pagamento das custas de arbitragem.

 

B)           Posição da Requerida

Na Resposta, a Requerida alega, entre o mais:

a)            A Requerida remete para a fundamentação da decisão sobre a reclamação graciosa, reafirmando que não lhe compete avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, nem tão pouco apreciar da sua constitucionalidade, realçando que, na senda do entendimento acolhido pela recente jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Administrativo, atendendo ao disposto nos artigos 266.º da CRP e 55.º da LGT, a Administração Tributária deve atuar em conformidade com a lei, não podendo, por regra, deixar de aplicar uma norma tributária constante de diploma legal, por alegada inconstitucionalidade, a não ser quando o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do artigo 281.º da CRP;

b)           Na ótica da Requerente, a legislação nacional sobre a tributação dos OICs está conforme com o princípio da liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE, como é, aliás, [...] reconhecido pela Advogada-Geral nas suas Conclusões sobre o processo Allianzgi Fonds Aevn C-545/19, em que está em apreciação o mesmo quadro legislativo. [...];

c)            O modelo em que se recorta o regime especial de tributação dos OICs em sede de impostos sobre o rendimento, assenta na chamada tributação “à saída”, que consiste, no essencial, em tributar os rendimentos obtidos por estas entidades no momento da atribuição aos investidores (titulares das unidades de participação), seja por distribuição ou por resgate das unidades de participação. Em consonância com esse modelo, é afastada a tributação à entrada dos rendimentos na esfera patrimonial dos OICs e, nesse sentido, o n.º 10 do artigo 22.º do EBF estatui que “Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1”;

d)           No entanto, como os OICs estão sujeitos a tributações autónomas (cf., n.º 8 do artigo 22.º do EBF), relativamente aos lucros distribuídos, pode ser-lhes aplicável o disposto no n.º 11 do artigo 88.º do Código do IRC, “quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.”. O quase esvaziamento da tributação, em IRC, dos OICs é compensado pela tributação destas entidades em imposto do selo, de acordo com a Verba 29 da TGIS, que prevê a incidência de uma taxa de 0,0025%, por cada trimestre, sobre o valor líquido global do património dos organismos de investimento coletivo que investam, exclusivamente em instrumentos o mercado monetário e depósitos (Verba 29.1) e a incidência da taxa de 0,0125% , por cada trimestre, sobre o valor líquido global dos restantes OICs (verba 29.2 da TGIS). Assim, os dividendos distribuídos a OICs constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional estão, em geral, quase isentos de IRC, mas estas entidades são tributadas em imposto do selo;

e)           De acordo com o artigo 65.º, n.º 1, alínea a), do TFUE, o artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

f)            O TJUE tem entendido que esta norma, por constituir uma derrogação ao princípio da livre circulação de capitais, deve ser objeto de interpretação estrita, tanto mais que é limitada pelo disposto no n.º 3 desse mesmo artigo, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 “não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º TFUE” ([...]). Por conseguinte, há que distinguir entre as diferenças de tratamento autorizadas pelo artigo 65.º, n.º 1, alínea a), e as discriminações proibidas pelo n.º 3 do mesmo artigo, resultando da jurisprudência do TJUE que, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações que não são comparáveis objetivamente ou que se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral ([...]);

g)            A este propósito, a Advogada-Geral, nas Conclusões sobre o processo C- 545/19, recorda que resulta da jurisprudência do TJUE no processo que deu origem ao Acórdão Pensioenfonds Metaal en Techniek (C-252/14) que, ao apreciar a questão da restrição da livre circulação de capitais, não se deve atender apenas formalmente à isenção de um tipo de impostos. Pelo contrário, há que tomar em consideração todo o contexto fiscal da tributação dos OIC e, portanto, proceder a uma apreciação global (material). E observa ainda a Advogada Geral que, diferentemente das situações analisadas nos Acórdãos do Tribunal de Justiça, nos processos [...], em que o Estado de origem dos rendimentos se abstém de tributar os rendimentos pagos aos OIC residentes, na legislação nacional os rendimentos são passíveis de tributação, mas segundo uma técnica de tributação diferente, pelo que há também que ter em conta esta outra técnica de tributação para se apreciar a existência de uma restrição;

h)           Portanto é legitimo concluir que um OIC residente em território português e um OIC não residente, geralmente, não se encontram numa situação comparável no plano da tributação e, consequentemente, as diferenças nos regimes de tributação dos dividendos não constituem uma restrição à livre circulação de capitais;

i)             Mas, mesmo que as situações possam ser consideradas comparáveis, pelo TJUE, como observa a referida Advogada-Geral, a diferença de tratamento pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral traduzidos na salvaguarda da repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados Membros, na aplicação efetiva dos direitos de tributação a fim de evitar dupla não tributação e na preservação da coerência do sistema fiscal português e que, no caso concreto, a limitação da isenção da retenção na fonte sobre os dividendos apenas aos OIC residentes em Portugal é adequada e não excede o que é necessário para atingir esses objetivos, ou seja respeita o princípio da proporcionalidade;

j)             A Requerida termina pugnado pela improcedência do pedido ou, caso assim não se entenda, seja dado provimento ao pedido de suspensão do processo até decisão por parte do TJUE em sede do pedido de reenvio prejudicial das questões prejudiciais formuladas no âmbito do processo n.º 93/2019-T.

 

III-2- 2-Quanto à legalidade dos atos impugnados 

 

§1.º A questão decidenda e a sua resolução na jurisprudência

 

A questão central a decidir gira em torno de saber se é admissível, para efeito de tributação de dividendos e retenção na fonte em IRC, a existência de uma diferença de tratamento entre organismos de investimento coletivo residentes e não residentes em Portugal.

Caso se entenda admissível tal diferenciação de regime, importará então saber se há de facto um tratamento mais favorável dispensado às entidades residentes em sede de IRC (tendo sido invocadas duas linhas argumentativas diferentes para o recusar: a de tal ilusão resultar de não se ter em conta a totalidade do regime fiscal a que estão sujeitos os organismos de investimento coletivo residentes; e a de tal resultar de se desconsiderar que os organismos de investimento coletivo não residentes, ou os seus beneficiários, podem recuperar o valor do imposto retido). 

Assim recortada a questão verifica-se que a mesma já foi objeto de outras decisões arbitrais, tais como as proferidas nos Processos n.ºs 926/2019-T, de 19 de outubro de 2020, 528/2019-T, de 27 de dezembro de 2019, 90/2019-T, de 23 de julho de 2019 e, mais recentemente, no Processo n.º 922/2019-T, de 11 de Janeiro de 2021, todas no sentido de que o artigo 22.º do EBF é contrário ao disposto no direito da União.

Na decisão do CAAD, proferida no processo n.º 528/2019-T, de 27 de dezembro de 2019, estava em causa um fundo de investimento especializado constituído à luz da legislação alemã, com residência fiscal alemã, gerido por uma entidade gestora com sede na Alemanha, que apresentou reclamação graciosa de atos de retenção na fonte de IRC decorrentes da distribuição de dividendos por empresas residentes em território nacional referentes ao ano de 2017. Ali se pode ler que, tal como no presente caso, “A questão decidenda consiste em determinar a conformidade das normas relevantes do CIRC e do EBF em vigor à data dos factos tributários relativas ao regime de tributação dos dividendos auferidos pelo OIC em presença com os princípios estabelecidos no TFUE, em particular com o artigo 63.º do TFUE que garante a liberdade de circulação de capitais”. Por outras palavras, em causa está saber se a retenção na fonte em IRC sobre os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC’s estabelecidos noutros Estados-Membros da União Europeia (in casu a Alemanha), simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC’s estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, ou não, o artigo 63.º do TFUE.

Assim sendo, a identidade de situações torna especialmente adequada a reiteração da argumentação adotada pelo Tribunal que decidiu o processo n.º 528/2019-T, uma vez que a uniformidade na aplicação do direito constitui um valor em si. O que também nesses autos já fora entendido, ao seguir-se de perto uma anterior decisão sobre a mesma matéria – de resto conforme com a jurisprudência estabilizada do STA e do TJUE.

Na decisão do referido Proc. n.º 528/2019-T, depois de salientar-se a estreita relação entre a criação do mercado interno e a liberdade de circulação de capitais, escreveu-se o que a esta emerge consagrada pelo “(…) artigo 63.º do TFUE como uma liberdade fundamental do mercado interno, dotada de relevância constitucional no âmbito do Direito da União Europeia. Nessa qualidade, a mesma goza da primazia normativa sobre o direito interno, cabendo aos poderes públicos legislativos e administrativos a tomada das medidas internas de transposição, execução e aplicação, consoante os casos, do direito primário e secundário relevante, de forma a assegurar a efetividade da livre circulação de capitais. 34. Aos tribunais nacionais, na sua qualidade de tribunais europeus em sentido amplo, compete assegurar a primazia de aplicação do direito da União Europeia, desaplicando o direito nacional de sentido contrário. Neste âmbito, sublinha-se a importância do papel interpretativo do TJUE, nomeadamente em sede de ações por incumprimento e de reenvios prejudiciais, devendo os tribunais nacionais conformar-se com o entendimento das normas dos Tratados que venha a ser vertido na jurisprudência daquele tribunal, sob pena de incumprimento do direito da União Europeia e de responsabilidade por parte do Estado-Membro, nos termos que resultam da jurisprudência Francovich.

Mais adiante acrescenta-se esta liberdade é indissociável das demais liberdades fundamentais, a saber, de circulação de pessoas, de estabelecimento e de prestação de serviços, diferenciando-se delas na medida em que se estende a terceiros Estados. A liberdade de circulação de capitais implica a proibição de diferenciação discriminatória entre capitais do Estado-Membro e capitais provenientes de fora. Os Estados-Membros podem regular em alguma medida a circulação de capitais, mas não podem discriminar.  Quando se trata de densificar o âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais observa-se a inexistência de uma definição deste conceito. Por este motivo, o TJUE tem sucessivamente acolhido e sublinhado o valor enumerativo e indicativo, mas não exaustivo, da Diretiva n.º 88/361/CEE, incluindo o respetivo Anexo I, nomeadamente o número IV, onde se subsume ao conceito uma vasta constelação de operações e transações transfronteiriças sobre certificados de participação em organismos de investimento coletivo, em que se incluem as relevantes in caso. Com efeito, a distribuição de dividendos efetuada por sociedades residentes em Portugal ao ora Requerente é passível de ser qualificada como movimento de capital na aceção do artigo 63.º do TFUE e da própria Diretiva 88/361/CEE, de 24 de junho de 1988.

(…) 36. Existem pelo menos quatro aspetos fundamentais de regime jurídico que se revestem de grande relevância hermenêutica e metódica, e que por esse motivo devem ser salientados. O primeiro diz respeito à aplicabilidade direta do artigo 63.º TFUE e da inerente proibição de restrições injustificadas da liberdade de circulação de capitais. O segundo refere-se ao facto de as liberdades fundamentais do mercado interno terem como principais destinatários os Estados-Membros, que devem abster-se de adotar medidas legislativas, administrativas e jurisdicionais de restrição das mesmas. O terceiro aspeto prende-se com a relação de complementaridade – e por vezes de sobreposição – que a liberdade de circulação de capitais estabelece com as liberdades de circulação de mercadorias e de pessoas, a liberdade de estabelecimento e a liberdade de prestação de serviços. Um quarto ponto tem que ver com o reforço progressivo da importância da liberdade de circulação de capitais no mercado interno, especialmente a partir da criação da União Económica e Monetária (UEM). Um dos principais objetivos da UEM consiste, precisamente, em facilitar a livre transferência de capital entre os Estados-Membros no quadro do mercado interno e das relações económicas e financeiras com Estados terceiros. (…)  

Embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados Membros, a mesma deve ser exercida no respeito do direito da União Europeia, sem qualquer discriminação em razão da nacionalidade ou da residência. 38. O problema específico do tratamento fiscal da distribuição de dividendos tem ocupado um lugar central na jurisprudência europeia, incluindo não apenas o TJUE, mas também o Tribunal EFTA. Tanto este último órgão, no caso Focus Bank, como o TJUE, em casos como ACT GLO, Denkavit, Amurta, Truck Center, Aberdeen Property, Comissão v. Países Baixos, Comissão v. Portugal, Santander Asset Management  e Sofina SA, para citar apenas alguns dos mais relevantes exemplos, pese embora algumas diferenças factuais e jurídicas nas respetivas decisões, apontam globalmente no sentido de dever considerar-se que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes – v.g. imputando aos investidores residentes um crédito de imposto e sujeitando as entidades não residentes a retenção de imposto sem imputação; retendo imposto sobre dividendos pagos a não residentes e não retendo no caso de dividendos pagos a residentes – configurar, em princípio, uma violação da liberdade de circulação de capitais e nalguns casos também da liberdade de estabelecimento, pondo em causa o funcionamento do mercado interno.

39. Como acima se assinalou, a discriminação começou a ser apontada pelo Tribunal EFTA no caso E – 1/04, Focus Bank ASA v. The Norwegian State, 23.11.2004, sobre dividendos pagos por uma empresa norueguesa a acionistas residentes e não residentes na Noruega, beneficiando os primeiros (e não os segundos) de um crédito de imposto sobre a retenção feita na empresa. Posteriormente, o TJUE sustentou, no caso C-374/04 - Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, 12.12.2006, sobre o tratamento diferenciado de dividendos pagos por sociedades britânicas a sociedades mãe residentes ou não residentes no Reino Unido, sofrendo as mesmas uma desvantagem no fluxo de caixa, que quando o Reino Unido exerce a sua jurisdição fiscal sobre rendimento obtido na fonte deve fazê-lo de forma a garantir a igualdade de tratamento em matéria de crédito de imposto relativamente a residentes e não residentes, considerando-se que uns e outros estão em situação comparável.

40. No mesmo sentido se pronunciou a mesma instância jurisdicional no caso C-170/05, Denkavit, 14.12.2006, relativamente à retenção de imposto, pela França, sobre dividendos pagos por filiais residentes a sociedades mães não residentes, ficando os dividendos pagos a sociedades mães residentes quase isentos de impostos, tendo o tribunal sublinhado que a partir do momento em que a França, unilateralmente ou mediante tratado, decide impor uma retenção sobre pagamentos a não residentes, os mesmos ficam colocados em situação comparável aos residentes.

No caso C-379/05, Amurta SGPS, 08.11.2007, relativamente retenção de imposto de 25%, pela Holanda, sobre dividendos pagos a sociedades mães não residentes, sendo os dividendos pagos a residentes isentos de imposto, considerou-se que ambos estão em situação comparável, devendo qualquer mitigação da dupla tributação abranger residentes e não residentes.

41. Importa igualmente ter em conta a decisão proferida no caso C-282/07, Belgian State - SPF Finances v Truck Center SA., 22.12.2008, relativamente à retenção de imposto sobre pagamentos de juros ao exterior, em que o TJUE considerou que residentes e não residentes não estavam em situação comparável, na medida em que, quando a sociedade distribuidora de juros e a sociedade beneficiária desses juros residem na Finlândia, esta última atua na sua qualidade de Estado da residência, ao passo que quando uma sociedade residente nesse Estado paga juros a uma sociedade não residente, a Finlândia atua na sua qualidade de Estado de origem dos juros.

No caso C-282/07, Aberdeen Property Fininvest Alpha, 18.06.2009, o TJUE sustentou que a diferença de tratamento fiscal dos dividendos entre as sociedades mãe, em função do local da sua sede, é suscetível de constituir uma restrição à liberdade de estabelecimento, em princípio proibida pelo TFUE, uma vez que torna menos atraente o exercício da liberdade de estabelecimento por sociedades estabelecidas noutros Estados Membros, as quais poderiam, consequentemente, renunciar à aquisição, à criação ou à manutenção de uma filial no Estado Membro que aplica esta diferença de tratamento.

42. Na decisão proferida no processo C-521/07, Comissão v. Países Baixos, 11.06.2009, entendeu-se que a não isenção de retenção de imposto a dividendos pagos a sociedades não residentes, diferentemente do que sucedia relativamente a sociedades residentes com participações iguais ou superiores a 5% constitui uma restrição da liberdade de circulação de capitais no EEE. Também no caso C-493/09, Comissão v. Portugal, 06.10.2011, o TJUE entendeu que não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 63.° TFUE e 40.° do Acordo Espaço Económico Europeu, o Estado Membro que reserva o benefício da isenção de imposto sobre as sociedades apenas aos fundos de pensões residentes no seu território. Esta diferença de tratamento tem por efeito dissuadir os fundos de pensões não residentes de investir em sociedades portuguesas e os aforradores residentes de investir nesses fundos de pensões.

43. Uma posição semelhante foi seguida pelo TJUE na decisão relativa aos casos C 338/11 a C 347/11, Santander Asset Management SGIIC SA, 10.05.2012, numa situação de retenção de 25% sobre dividendos distribuídos a OIC’s (valores mobiliários) não residentes, em que se considerou que quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OIC beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do caráter discriminatório ou não da referida regulamentação.

Também no caso C-575/17, Sofina, Rebelco e Sidro, 22.11.2018, o TJUE sustentou, relativamente a uma retenção na fonte de 25% sobre dividendos distribuídos a não residentes, reduzida a 15% por uma CDT, que, uma vez que os dividendos recebidos por uma sociedade não residente são tributados aquando da sua distribuição, há que ter em conta o exercício fiscal de distribuição dos dividendos para comparar a carga fiscal que incide sobre esses dividendos e a que incide sobre os dividendos distribuídos a uma sociedade residente. 44. Embora não estejam sempre numa situação comparável, residentes e não residentes são colocados nessa posição a partir do momento em que o Estado-Membro que se considere, unilateralmente ou por convenção, opte por tributar os acionistas não residentes de maneira menos favorável que os residentes, relativamente aos dividendos que uns e outros recebam de sociedades residentes. Especialmente relevante, em sede das liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais, é o facto de o tratamento fiscal menos favorável dos não residentes os dissuadir, na qualidade de acionistas, de investirem no Estado da residência das empresas distribuidoras de dividendos, e constituir, igualmente, um obstáculo à obtenção de capital no exterior por parte dessas empresas.

45. Por outro lado, a jurisprudência europeia tem insistido na noção de que um Estado-Membro não pode deixar de cumprir as suas obrigações jurídicas decorrentes das liberdades fundamentais do mercado interno por considerar que outro Estado-Membro se encarregará de compensar de alguma maneira o tratamento desfavorável gerado pela sua própria legislação.  Neste domínio vale o princípio geral de que as liberdades de circulação de capitais e de estabelecimento requerem a igualdade de tratamento fiscal dos dividendos pagos a residentes e não residentes pelo Estado-Membro anfitrião, no caso de ambos estarem sujeitos a tributação de dividendos.

46. Na interpretação e aplicação das liberdades fundamentais do mercado interno prevalece o entendimento, amplamente sufragado pelo TJUE, segundo o qual a liberdade é a regra e as restrições à liberdade são a exceção. Estas últimas compreendem, quer as limitações ao exercício da liberdade, quer as discriminações no exercício da liberdade. Atento o caráter excecional das restrições, devem as mesmas ser devidamente fundamentadas e objeto de interpretação restritiva.

 

No que se refere mais propriamente à comparabilidade das situações, sublinha-se na decisão que estamos reproduzir que:

 47. O artigo 65.º alínea a) do TFUE prevê a possibilidade de os Estados-Membros aplicarem disposições pertinentes de direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao lugar de residência ou ao lugar onde o capital é investido. No entanto, essa previsão deve ser atenuada pelo requisito do artigo 65.º, n.º 3, do mesmo Tratado, segundo o qual qualquer exceção não pode constituir um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida pelo artigo 63.º. Quer dizer, as restrições têm como limite a garantia da própria liberdade de circulação de capitais.”

Importa, pois, para este efeito, saber se a situação dos fundos de investimento residentes e não residentes em Portugal é objetivamente comparável. 48. No caso de fundos de investimento residentes na Alemanha, o artigo 10.º da relevante CDT, permite que o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, seja limitado à taxa de 15%. No entanto, como os fundos de investimento em causa gozam de uma isenção à luz do direito alemão, sendo considerados fiscalmente transparentes, não podem beneficiar do referido artigo. Numa primeira análise, poder-se-ia dizer que essa impossibilidade resulta do facto de gozarem de uma vantagem fiscal, a isenção, de que os seus congéneres portugueses não usufruem. Estes, beneficiam da isenção de retenção, ao mesmo tempo que estão sujeitos a dois impostos – IRC e Imposto do Selo – cujo efeito cumulativo pode, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos.

49. Por outro lado, o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera dos investidores individualmente considerados. Num caso e noutro, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos fundos alemães. Estas diferenças podem ser invocadas, prima facie, para sustentar que não se trata de situações comparáveis. 50. Porém, em causa está saber se a determinação da comparabilidade da situação dos fundos residentes e não residentes em Portugal deve entrar em linha de conta com a situação fiscal em que se encontram os fundos de investimento não residentes em Portugal no respetivo Estado de residência – tendo em conta pertinente regime jurídico e as CDT’s entre Portugal e esses Estados – especialmente no caso dos Estados-Membros da União Europeia ou integrantes do Espaço Económico Europeu, ou ainda levar em conta a situação concreta dos respetivos investidores. Soluções normativas que obrigassem a ter em conta, para efeitos de comparação, a situação concreta dos fundos de investimento dos 28 Estados-Membros, a partir das relevantes CDT’s, se os houver, ou a indagar do impacto fiscal da retenção e das medidas de mitigação da dupla tributação económica na situação fiscal de cada investidor individualmente considerado seriam extremamente complexas, mesmo numa situação em que os acionistas fossem, eles próprios, pessoas coletivas, cada qual residente numa jurisdição diferente. 51. Por outras palavras, se se quiser fazer uma determinação caso a caso para cada fundo de investimento não residente ou investidor individual, o trabalho administrativo envolvido, embora possa compensar os Estados-Membros por via de um aumento das receitas, acaba por ser, tendo em conta o grande número de investidores de alguns fundos, administrativamente impraticável. Tanto os fundos residentes em Portugal como os não residentes podem ter acionistas institucionais e individuais de todos os Estados-Membros da União Europeia e de Estados terceiros. Em causa estão, na prática, diferenças significativas de facilidade e praticabilidade administrativa. Diferentemente, se se circunscrever a análise ao nível da situação fiscal dos fundos residentes e não residentes a quem são distribuídos dividendos, uma única determinação será suficiente.

52. Neste contexto, o que deve relevar é o impacto direto que as normas tributárias têm na atividade dos fundos e não o efeito indireto na situação fiscal dos investidores individualmente considerados. Estes não têm necessariamente a mesma nacionalidade dos fundos, já que hoje é extremamente fácil levar a cabo investimentos transfronteiriços, sendo que esse mesmo é um dos objetivos do mercado interno e da liberdade de circulação de capitais. O rastreamento de investidores individuais espalhados por todo o mundo e a aplicação de um conjunto diferente de regras a cada um deles, dependendo de seu país de domicílio, apresentaria uma situação impraticável para os tribunais que, no futuro, fossem chamados a analisar a conformidade da legislação fiscal nacional em causa com as liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais.

53. O fundo Requerente, residente na Alemanha, pode ter investidores estrangeiros, incluindo portugueses, e os fundos fiscalmente residentes em Portugal podem ter investidores estrangeiros, incluindo alemães. A presente ação não foi intentada pelos investidores nem os mesmos são partes nela, nem é lícito chamar à colação a posição (para efeitos fiscais) dos referidos investidores. O artigo 22.º do EBF não estabelece nenhuma ligação entre o tratamento fiscal dos dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC — residentes ou não residentes — e a situação fiscal dos seus detentores de participações. Da mesma forma, a AT não afere da posição dos investidores em OIC estabelecidos (e residentes para efeitos fiscais) em Portugal para reconhecer a estes o regime fiscal previsto no artigo 22.º do EBF.

54. Deve, por conseguinte, considerar-se decisivo, para efeitos de comparabilidade, o facto de a lei portuguesa diferenciar expressamente, para efeitos de retenção na fonte, entre fundos de investimento residentes e não residentes – e não a situação fiscal, mais ou menos vantajosa, que os fundos não residentes possam gozar nos respetivos Estados da residência ou ainda a situação fiscal individual dos respetivos investidores.

55. Como sublinhou o TJUE no caso Santander Asset Management, quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OIC beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do caráter discriminatório ou não da referida regulamentação. Também não parece a este Tribunal Arbitral ser relevante aferir do impacto fiscal que, nas mais variadas situações individuais e concretas, a sujeição da Imposto de Selo dos OIC residentes em Portugal possa produzir neste ou naquele fundo de investimento, visto tratar-se aí de um imposto sujeito a uma lógica patrimonial totalmente distinta da tributação do rendimento.”

 

Também quanto à questão de saber se a redação do artigo 22.º do EBF encontra justificação, por se tratar de uma medida indispensável para impedir infrações às leis e regulamentos nacionais, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, pode ler-se na decisão arbitral que estamos a reproduzir que:

A própria derrogação prevista nesse preceito é ulteriormente limitada pelo disposto n.º 3, do mesmo artigo – uma norma especial de limite dos limites – que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 “não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º”.(…) Recorde-se que o critério da indispensabilidade aponta para a justificação da diferenciação fiscal em causa apenas quando não existam meios alternativos menos restritivos – de limitação e diferenciação – à disposição do Estado-Membro em presença, adequados à salvaguarda do sistema fiscal ou de supervisão.

59. Em segundo lugar, e na linha do que acaba de ser dito, sempre seria possível isentar de retenção (ou diminuir o respetivo montante) tanto os fundos residentes em Portugal como os fundos residentes noutros Estados-Membros e, simultaneamente, dar um tratamento fiscal em geral idêntico aos investidores residentes em Portugal pelos dividendos recebidos de sociedades residentes em Portugal ou noutros Estados-Membros, seguindo as orientações definidas pela jurisprudência do TJUE em sede de dupla tributação económica. (…). Por outro lado, o TJUE tem sustentado que um tratamento fiscal desfavorável contrário a uma liberdade fundamental não pode ser considerado compatível com o direito da União devido à eventual existência de outros benefícios. Nas suas palavras, se os Estados Membros utilizarem a liberdade de sujeitar a imposto os rendimentos gerados no seu território, são obrigados a respeitar o princípio da igualdade de tratamento e as liberdades de circulação garantidas pelo direito primário da União. (….)

63. Também não colhe o argumento do interesse geral na garantia de uma repartição e equilibrada do poder de tributar, devendo entender-se, com o TJUE, que quando um Estado Membro tenha optado por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários de tais rendimentos. Ou seja, em caso algum se poderá entender que se trata aqui de restrições justificadas por razões de segurança pública ou ordem pública. 64. Do mesmo modo, em quarto lugar, a garantia da efetividade da supervisão financeira não justifica, por si só, a diferenciação de tratamento entre fundos residentes e fundos não residentes em Portugal. (…).

65. Como tem sido sucessivamente afirmado pelo TJUE, a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE deve ser interpretada em sentido amplo e as possibilidades de restrição à mesma, previstas e limitadas no artigo 65.º do mesmo Tratado devem ser indispensáveis à prossecução de interesses públicos ponderosos, devidamente fundamentadas e interpretadas de maneira restritiva. É sobre o Estado português que recai o ónus de provar que os seus objetivos fiscais e financeiros não poderiam ser prosseguidos por meios alternativos menos restritivos do que a diferença de tratamento fiscal em causa, ónus esse que manifestamente não foi cumprido pela argumentação expendida pela AT, sem prejuízo de se reconhecer o empenhado e competente esforço nesse sentido.

 

Ainda, mesmo que se entenda em sintonia com o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 8 de Fevereiro de 2017, proferido no processo n.º 0678/16, que só se está perante um tratamento diferenciado relevante para este efeito quando aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação, não é essa a situação dos nos presentes Autos Arbitrais. Não existem normas na Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e a Alemanha que permitam neutralizar a maior tributação do Requerente em relação aos OICs constituídos segundo a legislação portuguesa. Na verdade, o que se prevê no n.º 2 do artigo 10.º da CDT é apenas a garantia da limitação a 15% da tributação dos dividendos, e não a neutralização do que é pago a mais pelos OIC’s residentes na Alemanha, comparativamente aos OIC’s residentes em Portugal, por terem recebido dividendos idênticos.

 

A Decisão Arbitral, proferida no Processo n.º 528/2019-T, que temos vindo a reproduzir, conclui que se está claramente diante de uma restrição não indispensável nem justificada da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE.

No mesmo sentido, e em linha do que foi decidido nos Processos n.ºs 528/2019-T, de 27 de dezembro de 2019,  90/2019-T, de 23 de julho de 2019 e no Processo n.º 922/2019-T, de 11 de janeiro de 2021, entende este Tribunal que existe um tratamento discriminatório e uma clara restrição da liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63.º do TFUE, uma vez que o Requerente, na sua qualidade de entidade não residente em Portugal, foi sujeito a uma retenção na fonte em Portugal sobre os dividendos obtidos em Portugal, ao passo que os OICs constituídos ao abrigo da lei portuguesa estão isentos.

Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral Coletivo que a Decisão de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa que correu termos na Direção de Finanças de Lisboa sob o n.º ...2019... e os atos de retenção na fonte de IRC a título definitivo (guias de retenção na fonte: (i) guia n.º ..., no valor de € 30.625,00, (ii) guia n.º ..., no valor de € 26.250,00 e (iii) guia n.º ..., no valor de € 24.062,50), relativos aos anos de 2017 e 2018, no montante total de € 80.937,50, sofrem de vício de violação de lei, devendo, por isso, ser anuladas.

 

§2.º Quanto ao pedido de reenvio 

 

Para além da jurisprudência do TJUE, já mencionada sobre a questão da discriminação, em razão da residência, de entidades que auferem rendimentos gerados em diferentes Estados-Membros da União Europeia, importa sublinhar, a que foi referenciada na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 922/2019-T onde se pode ler:

“No Acórdão de 21 de Junho de 2018, proferido no processo C-480/16 (Fidelity Funds) escreveu-se o seguinte:

«43. Ao fazer uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OICVM não residentes e ao reservar aos OICVM residentes a possibilidade de obter a isenção de tal retenção na fonte, a regulamentação nacional em causa nos processos principais procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OICVM não residentes.

44. Tal tratamento desfavorável é suscetível de dissuadir, por um lado, os OICVM não residentes de investir em sociedades com sede na Dinamarca e, por outro, os investidores que residem na Dinamarca de adquirir participações em OICVM não residentes (Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C 338/11 a C 347/11, EU:C:2012:286, n.o17).

45. Por conseguinte, a regulamentação em causa nos processos principais constitui uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.o TFUE.»

 

“Também no processo C-190/12 (Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company), decidido pelo TJUE em 20 de Abril de 2014, se ponderou a mesma questão:

«38 Importa recordar, antes de mais, que, embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o C 338/11 a C 347/11, n.º 14 e jurisprudência referida).

39 A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n. 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são de molde a dissuadir os não residentes de investirem num Estado Membro ou a dissuadir os residentes desse Estado Membro de investirem noutros Estados (acórdãos de 18 de dezembro de 2007, A, C 101/05, Colet., p. I 11531, n. 40; de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C 436/08 e C 437/08, Colet., p. I 305, n.°50; e Santander Asset Management SGIIC e o já referido, n. 15).

40 No caso vertente, a isenção fiscal prevista pela legislação fiscal nacional em causa no processo principal era concedida unicamente aos fundos de investimento que exerciam a sua atividade em conformidade com a Lei sobre os fundos de investimento.

41 Resulta igualmente da decisão de reenvio que, nos termos da legislação nacional em causa no processo principal, os fundos de investimento só beneficiam da isenção na condição de a sua sede se situar em território polaco. Por conseguinte, os dividendos pagos a fundos de investimento não residentes não podiam beneficiar, apenas devido ao local de estabelecimento desses fundos, da isenção da retenção na fonte, mesmo que esses dividendos pudessem eventualmente ser objeto de uma redução da taxa de tributação ao abrigo de uma convenção preventiva da dupla tributação.

42 Ora, uma tal diferença de tratamento fiscal dos dividendos entre os fundos de investimento residentes e os fundos de investimento não residentes é suscetível de dissuadir, por um lado, os fundos de investimento estabelecidos num país terceiro de adquirirem participações em sociedades estabelecidas na Polónia e, por outro, os investidores que residem nesse Estado Membro de adquirirem participações em fundos de investimento não residentes (v., neste sentido, acórdão Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.º 17).

43 Daqui resulta que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é de molde a conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE.»

 

No despacho do TJUE de 18 de Junho de 2012, proferido no processo C-38/11 (Amorim Energia BV) na sequência de um pedido de decisão prejudicial suscitado pelo STA, escreveu-se o seguinte quanto à possibilidade de compensação do imposto cobrado em Portugal com um crédito de imposto no país de sede da entidade que foi sujeita ao pagamento da retenção na fonte:

«62 O Tribunal de Justiça já declarou, relativamente ao método de imputação para a prevenção da dupla tributação, que a aplicação desse método deve permitir que o imposto sobre os dividendos cobrado no Estado de residência da sociedade que procede à distribuição desses dividendos seja totalmente imputado ao imposto devido no Estado de residência da sociedade beneficiária, de modo a que, se sobre os dividendos recebidos por essa sociedade incidir, no final, uma tributação superior à que incide sobre os dividendos pagos a sociedades residentes no primeiro Estado Membro, essa carga fiscal superior já não seja imputável ao Estado de residência da sociedade distribuidora, mas ao Estado de residência da sociedade beneficiária, que exerceu o seu poder tributário (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Comissão/ Espanha, n.º 60, e Comissão/ Alemanha, n.  67).

63 Por conseguinte, a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte no Estado de residência da sociedade que procede à distribuição dos dividendos só pode ser neutralizada através deste método de imputação se os dividendos provenientes do Estado Membro de residência da sociedade que procede à distribuição forem suficientemente tributados no outro Estado Membro. Ora, se esses dividendos não forem tributados ou não o forem num montante suficiente, não é possível imputar o montante de imposto cobrado no Estado Membro de residência da sociedade que procede à distribuição, ou uma fração dele (v. acórdãos, já referidos, Comissão /Itália, n.º 38; Comissão/ Espanha, n.  62; e Comissão/ Alemanha, n.º 68).»

 

E no que diz respeito à possibilidade de os detentores de participações na entidade sujeita ao pagamento da retenção na fonte poderem deduzir o imposto pago por esta, escreveu-se o seguinte na decisão de 10 de Maio de 2012 do TJUE, proferida nos processos C-338/11 a C-347/11 - Santander Asset Management SGIIC SA:

«28. (…) apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela regulamentação em causa devem ser tidos em conta para efeitos de apreciar se a diferença de tratamento resultante de tal regulamentação reflete uma diferença de situações objetiva. Portanto, quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OICVM beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do caráter discriminatório ou não da referida regulamentação.

29. Quanto à regulamentação fiscal em causa nos processos principais, importa constatar que estabelece um critério de distinção fundado no lugar de residência do OICVM ao submeter apenas os OICVM não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.

30. Acresce que a ligação evocada pelo Governo francês entre a não tributação dos referidos dividendos recebidos pelos OICVM residentes e a tributação dos referidos dividendos aos detentores de participações destes últimos não existe. Com efeito, a isenção fiscal de que beneficiam os OICVM residentes não está subordinada à tributação dos rendimentos distribuídos aos seus detentores de participações.

31. Importa assinalar para este efeito que, tratando se dos OICVM que procedem à capitalização dos dividendos recebidos, não se produzirá nenhuma redistribuição dos dividendos suscetível de ulterior tributação a cargo dos detentores de participações. A regulamentação nacional em causa nos processos principais não estabelece assim nenhuma ligação entre o tratamento fiscal dos dividendos de origem nacional recebidos pelos OICVM de capitalização — sejam estes residentes ou não residentes — e a situação fiscal dos seus detentores de participações.

32. Quanto aos OICVM que procedem à distribuição dos dividendos recebidos, a regulamentação em causa também não tem em conta a situação fiscal dos seus detentores de participações.

33. A este respeito, cumpre observar que a argumentação do Governo francês se baseou na premissa segundo a qual os detentores de participações dos OICVM residentes têm eles próprios a sua residência fiscal em França, ao passo que os detentores de participações dos OICVM não residentes têm a sua residência fiscal no Estado em que o OICVM em causa está sedeado. As convenções bilaterais de prevenção da dupla tributação celebradas entre a República Francesa e o Estado Membro ou o Estado terceiro em causa garantiriam assim, segundo o Governo francês, um tratamento fiscal similar aos detentores de participações dos OICVM residentes e não residentes.

34. No entanto, pela generalização que contém, tal premissa é inexata. Com efeito, não é inabitual que um detentor de participações de um OICVM não residente em França tenha a sua residência fiscal em França ou que um detentor de participações de um OICVM residente em França tenha a sua residência fiscal noutro Estado Membro ou num Estado terceiro.»

 

A jurisprudência do TJUE acima referida permite sustentar que o artigo 63.º do TFUE consubstancia, para o caso sub judice, uma situação de ato esclarecido (acte éclairé). A mesma, suportada em múltiplos casos, fornece parâmetros suficientemente seguros sobre a interpretação e aplicação que deve ser feita do preceito em causa relativamente às circunstâncias fácticas e normativas do caso concreto. Com efeito, por tudo o quanto vai exposto, temos de concluir que a questão dos autos está suficientemente tratada e que tanto a jurisprudência nacional quanto a do TJUE fornecem indicações seguras quanto à desconformidade com o direito da União da disparidade do regime de tributação dos dividendos auferidos por organismos de investimento colectivo residentes e não residentes, que tem consagração nos n.ºs 1 e 10 do artigo 22.º do EBF.

Tendo o TJUE proferido diversas decisões no sentido de julgar incompatíveis com a liberdade de estabelecimento e de circulação de capitais múltiplas diferenciações em matéria de retenção na fonte por dividendos distribuídos a residentes e não residentes em casos com contornos substancialmente semelhantes ao aqui presente – independentemente da natureza dos processos que levaram a essas decisões e mesmo que os factos não fossem estritamente idênticos  – o presente Tribunal, no exercício dos deveres que lhe incumbem no âmbito da cooperação judicial, de afirmar a primazia do direito da União Europeia sobre o direito interno e de seguir a orientação interpretativa acolhida pelo TJUE, e na qualidade que lhe é reconhecida de órgão jurisdicional de reenvio, conclui pela inexistência, em concreto,  do dever de reenvio prejudicial de interpretação previsto no artigo 267.º § 1 alínea a) e § 3 do TFUE, entendendo que se está claramente diante de uma restrição não indispensável nem justificada da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE.

Com o indeferimento do pedido de reenvio fica prejudicado o conhecimento do pedido de suspensão do processo até decisão por parte do TJUE em sede de reenvio prejudicial das questões formuladas no processo n.º 93/2009-T.

 

§3. Questões de conhecimento prejudicado

 

Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vício que assegura estável e eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado, por ser inútil o conhecimento das restantes questões colocadas, de harmonia com o disposto nos artigos 130.º e 680.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

§4.º Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios

 

O Requerente formula pedido de restituição da quantia arrecadada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como o pagamento de juros indemnizatórios.

Nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Este Tribunal Arbitral Coletivo invoca mais uma vez a Decisão Arbitral no processo n.º 528/2019-T, datada de 27 de Dezembro de 2019, onde esta decisão diz o seguinte: 72. Em causa está, no caso, a aplicação, pela AT, da isenção e das retenções resultantes, respetivamente, dos artigos 22.º do EBF e 94.º n.º 1 alínea c), n.º 3 alínea b), e n.º 4 e 87.º, n.º 4, do CIRC, criando uma diferenciação entre fundos de investimento residentes e não residentes, com potencial impacto dentro de cada um de sucessivos exercícios fiscais, em violação da liberdade de circulação de capitais, uma liberdade fundamental do mercado interno, consagrada no artigo 63.º da TFUE, em termos, de resto, que sempre dariam lugar a infração e responsabilidade por parte do Estado português, na linha do disposto nos artigos 258.º a 260.º do TFUE e da jurisprudência Francovich. Na sua atuação, a AT aplicou as normas jurídicas nacionais em vigor, a despeito de as mesmas violarem o direito da União Europeia tal como ele vem sido interpretado pelo TJUE. Sendo a primazia do direito da União Europeia relativamente ao direito nacional uma primazia de aplicação e não uma primazia de validade, cabe ao presente Tribunal arbitral desaplicar o direito nacional contrário ao direito da União Europeia, declarando a respetiva ilegalidade. Caso em que, nos termos do artigo 43.º n.º 3 da LGT, são devidos juros indemnizatórios, a partir do trânsito em julgado da sentença.”

No mesmo sentido, a Decisão Arbitral no Processo n.º 90/2019-T, datada de 23 de julho de 2019.

Este Tribunal Arbitral Coletivo acompanha estes entendimentos.

Sendo de julgar procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral, concluiu-se pela existência de pagamento indevido e, consequentemente, justifica-se a restituição da quantia paga em excesso pelo Requerente, no montante total de € 80.937,50 e o pagamento de juros indemnizatórios, sobre esse montante de € 80.937,50, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT.

Assim, nos termos do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o Requerente tem direito aos juros indemnizatórios, contabilizados nos termos legais.

 

IV. Decisão Arbitral

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral Coletivo o seguinte:

a)            Julgar procedente, por provado, o Pedido de Pronúncia Arbitral, declarando ilegal a Decisão de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa que correu termos na Direção de Finanças de Lisboa sob o n.º ...2019... e os atos de retenção na fonte de IRC a título definitivo (guias de retenção na fonte: (i) guia n.º ..., no valor de € 30.625,00, (ii) guia n.º..., no valor de € 26.250,00 e (iii) guia n.º ..., no valor de € 24.062,50), relativos aos anos de 2017 e 2018, no montante total de € 80.937,50.

b)           Em consequência, anular a Decisão de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa que correu termos na Direção de Finanças de Lisboa sob o n.º ...2019... e os atos de retenção na fonte de IRC a título definitivo (guias de retenção na fonte: (i) guia n.º ..., no valor de € 30.625,00, (ii) guia n.º..., no valor de € 26.250,00 e (iii) guia n.º ..., no valor de € 24.062,50), relativos aos anos de 2017 e 2018, no montante total de € 80.937,50.

c)            Indeferir o pedido de reenvio prejudicial apresentado pelo Requerente.

d)           Condenar a Requerida a restituir ao Requerente o valor de imposto indevidamente pago, no montante de € 80.937,50, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos legais. 

e)           Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

V. Valor do processo

Nos termos do n.º 2 do artigo 306.º do CPC, alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do processo é fixado em € 80.937,50.

 

VI. Custas

Entende este Tribunal Arbitral Coletivo que o valor a considerar para efeitos de determinação das custas no presente Pedido de Pronúncia Arbitral é o valor que motivou a constituição deste Tribunal Arbitral Coletivo, i.e., o valor de € 80.937,50, correspondente à importância cuja anulação o Requerente pretende e valor inicialmente indicado pelo Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral.

Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária. 

Assim, o montante das custas fixado em € 2.754,00, fica a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

Notifique-se o Ministério Público, junto do Tribunal Central Administrativo Sul, para os efeitos tidos por convenientes.

 

Lisboa, 5 de novembro de 2021

 

Os Árbitros,

 

(Fernanda Maçãs, na qualidade de Árbitro Presidente)

(Cristina Coisinha)

(Alexandre Andrade)