Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 450/2020-T
Data da decisão: 2021-11-29  IVA  
Valor do pedido: € 50.172,58
Tema: IVA. Atividade marítimo-turística. Verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA. Natureza inovadora ou interpretativa da nova redação. Informações vinculativas.
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SUMÁRIO:

1.            O serviço de passeio de barco é um todo, do qual o transporte é uma componente que naquele se dilui, carecendo de sentido fora do conjunto de que faz parte, em que não se subsume no conceito de transporte de pessoas sendo, aliás, manifestamente, uma realidade de tipo diferente, expressamente qualificada pela Lei como “actividades marítimo-turísticas” na modalidade de “Passeios marítimo-turísticos”.

2.            A consideração como lei interpretativa implica que é necessário que o legislador a qualifique expressamente como tal ou que, pelo menos, essa intenção resulte em termos suficientemente inequívocos.

3.            Não deve ser vista como interpretativa a situação em que o legislador pretendeu apenas afastar as dúvidas para o futuro, não o movendo a intenção de considerar a nova lei como conteúdo ou expressão da antiga.

4.            O facto da mesma questão jurídica estar a ser resolvida repetidamente da mesma forma pela administração, traduz uma tendência interpretativa reiterada das normas jurídicas em causa, que vai para lá da particularidade do caso concreto.

5.            A obrigação de não tratar discriminatoriamente os contribuintes, que deriva do princípio da igualdade, impõe que se repita a aplicação do regime de informações vinculativas em relação a contribuintes que estejam em situação idêntica à que foi objeto de informação, independentemente da transformação da informação vinculativa em orientação genérica.

6.            Padece de vício de violação da lei a prática de um ato que contrarie o firmado numa orientação genérica, qualquer que seja a forma que essa orientação tome.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro designado para formar o Tribunal Arbitral Singular constituído em 2 de dezembro de 2020, Rui Miguel Zeferino Ferreira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), decide o seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

A..., S.A., adiante “Requerente”, sociedade anónima, pessoa coletiva com o número de identificação de pessoa coletiva (NIPC)..., com sede na..., ..., ..., ...-... Quarteira, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente.

 

A Requerente no âmbito do identificado pedido de pronúncia arbitral pretendia, a anulação dos atos tributários de liquidações adicionais de IVA, e respetivos juros compensatórios, referentes às liquidações n.º 2018..., relativa ao 1.º Trimestre de 2015 (1503T); n.º 2018..., relativa ao 2.º Trimestre de 2015 (1506T); n.º 2018..., relativa ao 3.º Trimestre de 2015 (1509T); n.º 2018..., relativa ao 4.º Trimestre de 2015 (1512T); n.º 2018..., relativa ao 3.º Trimestre de 2016 (1609T); n.º 2018..., relativa ao 3.º Trimestre de 2017 (1709T); n.º 2018..., relativa ao 3.º Trimestre de 2018 (1809T), que na globalidade implicaram um imposto a pagar de € 40.535,41, acrescido de juros compensatórios de € 1.992,19, correspondentes a um total de correções de € 48.273,39, mas do qual aceitou o montante de € 93,15, perfazendo um total contestado de € 48.180,39, a que acresce os juros compensatórios referenciados, num total global de € 50.172,58.

 

Nesse âmbito, formula o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IVA, acima devidamente identificadas, com fundamento em vício de violação de lei e, consequência, a declaração da sua anulabilidade.

 

Como fundamento da sua pretensão, a Requerente invoca, em síntese:

 

a)            Que, à semelhança de outras empresas que desenvolvem a atividade económica marítimo-turística, vinha a considerar a sua atividade como sendo de transporte e, como tal, nessa parte, sujeita à taxa reduzida de IVA, mas que a Requerida veio a entender que a sua atividade correspondia a um conjunto de atividades desenvolvidas no mar, e vão desde. Os passeios junto à costa, visita a grutas, pesca desportiva de fundo, pesca ao tubarão, observação de golfinhos e passeios com refeições a bordo.

b)           Que, os serviços de inspeção concluíram que os serviços enumerados, evidenciados no seu site (...) não podem consubstanciar um transporte simples de passageiros, ainda esteja incluído, por não ser essa a sua finalidade (...).

c)            Que, a Requerida conclui que o serviço prestado pela aqui requerente não é de transporte de passageiros (...), mas sim de um conjunto de serviços (...) em que os serviços de transporte é um dos elementos necessários mas não a finalidade da prestação de serviços, nem os elementos que a caracteriza, e como tal estariam tais serviços excluídos do âmbito de aplicação da verba 2.14 da Lista I do CIVA.

d)           Que, sobre o entendimento da Requerida, deduziu reclamação graciosa, que veio a ser indeferida com o principal fundamento que a sua atividade não é de transporte marítimo, mas antes, de passeio marítimo, e, por isso, fora do enquadramento da verba 2.14.

e)           Que, sobre a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, interpôs o recurso hierárquico, mas que veio a merecer um novo indeferimento, onde a Requerente sustentava que:

“a) a sua prestação de serviços principal deveria ser considerada como transporte marítimo ainda que se destinasse a passeios turísticos e, como tal, enquadrada na verba 2.14, da Lista I anexa ao Código do IVA, independentemente do fornecido de outros serviços acessórios como é o das refeições que (...) faturada a 23% (taxa de 2015);

b) tinha vindo aplicar a taxa reduzida de IVA na parte em que prestava um serviço de transporte marítimo em conformidade com a doutrina administrativa vigente, à data dos factos, designadamente a constante da informação vinculativa n.º 1768 de 8 de Abril de 2011, segundo a qual a taxa reduzida prevista, na verba 2.14, da Lista I anexa ao Código do IVA, é aplicável ao transporte de passageiros, individual ou coletivo, por qualquer via ainda que o fim seja um passeio turístico.

c) o artigo 270.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado de 2019, veio introduzir uma clarificação ao âmbito de aplicação do estabelecido na verba 2.14 ao introduzir, na sua redação, a expressão “bem como o transporte de pessoas no âmbito de atividades marítimo-turísticas, tendo-lhe sido atribuída natureza interpretativa e, nessa medida, aplicação retroativa.

f)            Que, não se conforma com o entendimento que “com a Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, (...), foi incluindo o transporte de pessoas no âmbito de atividades marítimo-turísticas. Não obstante, esta alteração da lei não afeta a apreciação realizada, porque, como antedito, o que está em causa é a tributação de um conjunto de serviços prestados”.

g)            Que, é uma sociedade que tem por objeto a atividade marítimo-turística, no âmbito do qual promove o transporte de passageiros em passeio turístico na costa do Algarve, designadamente, o transporte dos clientes a um determinado ponto da costa e o seu regresso a Vilamoura, com rotas diárias fixas, com vista a dar a conhecer a costa algarvia e diversos locais de interesse de visita turística (a observação de golfinhos era meramente acessória e dependente do acaso); a mesma viagem, também com rotas diárias fixas, mas com maior duração (cerca de 6 horas) em que pode ser servida uma refeição aos clientes que a solicitam (sendo a refeição faturada com IVA liquidado a 23%) e em que a embarcação ruma a uma praia onde os passageiros desembarcaram algum tempo e depois regressam a Vilamoura; programas de pesca; aluguer de embarcação com tripulação (condutor);

h)           Que, a sua atividade é efetivamente a dos passeios turísticos e aluguer de embarcação com condutor, em que esta transporta as pessoas numa viagem de lazer.

i)             Que, no caso do transporte marítimo e também no aluguer de embarcações com tripulação (condutor), estes serviços são faturados de forma individualizada e em que é liquidado IVA com aplicação da referida taxa reduzida, já que nas suas operações discrimina os serviços em conformidade com a taxa de IVA a aplicar, ou seja, o transporte de passageiros a 6% e a alimentação a 23%.

j)             Que, nos serviços de pesca e em algumas deslocações com um fim específico em que um grupo de clientes “fretam” a embarcação para seu uso exclusivo e decidem onde querem ir, em que se limita a prestar um serviço de aluguer de embarcação tripulada, ou seja, com condutor, realizando a deslocação para o local de pesca ou para onde esse grupo de clientes desejem ir e promover o respetivo regresso à marina.

k)            Que, nas deslocações para pesca, opera o transporte dos clientes para os locais de pesca por estes escolhidos, sendo esta atividade exercida livremente pelos clientes, ou seja, limitando-se a Requerente a fornecer a embarcação e a tripulação para a conduzir de forma a transportar os clientes para o locar em que a pescaria se realiza.

l)             Que, os denominados passeios turísticos não se confundem com as saídas de pesca, uma vez que nas últimas os barcos saem exclusivamente com este fim, sendo que aqui optou por liquidar IVA à taxa de 23%.

m)          Que, nos denominados passeios turísticos, o serviço básico que é prestado é a deslocação do passageiro a um destino específico e o regresso a Vilamoura, e em que os restantes fatores de entretenimento apenas servem para promover o serviço e aliciar os clientes à sua aquisição, não constituindo qualquer prestação de serviços distinta da principal que acresça ao preço ou sequer que seja parte integrante do mesmo.

n)           Que, com exceção das refeições, o preço cobrado aos clientes é exclusivamente constituído pelo custo do transporte ou deslocação, uma vez que os restantes componentes do passeio turístico são facultativas e não representam qualquer custo para o cliente.

o)           Que, a Requerida até 2018 sempre manifestou o entendimento que as viagens que faz com os seus clientes, mesmo que seja, entendidas como passeios turísticos, que entende tratar-se de um verdadeiro transporte de passageiros para efeitos da inclusão na verba 2.14.

p)           Que, pelas prestações de serviços que efetuava em 2015 liquidava IVA à taxa de 6%, no que se refere ao transporte de passageiros, enquanto liquidava IVA à taxa de 23% no fornecimento de refeições, decorrente do seu entendimento que as primeiras eram enquadráveis nas atividades de “transporte de passageiros”, incluídas na verba 2.14. da Lista I, anexa ao Código do IVA.

q)           Que, da informação vinculativa, referente ao processo 1768, de 08-04-2011, em vigor em 2015, por nessa data se desconhecer outra posição da AT, se entendia que:

“6. Com efeito, no que respeita ao transporte de passageiros, a verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA tributa à taxa reduzida de 6%, de acordo com a alínea a) do nº 1 do artº 18º do CIVA, o "Transporte de passageiros, incluindo aluguer de veículos com condutor. Compreende-se nesta verba o serviço de transporte e o suplemento de preço exigido pelas bagagens e reservas de Processo: nº 1768 2 lugar".

7. Nesta conformidade, o transporte de passageiros, individual ou colectivo, por qualquer via ainda que o fim seja um passeio turístico, é passível de imposto à taxa reduzida (6%), por enquadramento na citada verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA.

8. De igual modo, por menção expressa na referida norma, o aluguer de embarcações com condutor (tripulação) beneficia da taxa reduzida (6 %).

(...)

11. Quanto às "prestações de serviços de alimentação e bebidas" as mesmas estão contempladas na verba 3.1 da Lista II anexa ao CIVA. Assim, os referidos serviços são tributados à taxa intermédia a 13%, de acordo com a alínea b) do nº 1 do artº 18º do CIVA. 12. Deste modo, se o "passeio turístico" incluir diversos serviços, nomeadamente de alimentação e bebidas (refeições), etc., ou seja, se a operação for facturada como "Passeio Turístico" não tendo enquadramento nas Listas anexas ao CIVA, é tributado à taxa normal (23%), face ao preceituado na alínea c) do nº 1 do artº 18º do CIVA.

13. No entanto, se a factura que titula a referida prestação de serviços (Passeio Turístico), discriminar as operações de acordo com a sua natureza, a taxa a aplicar será a que lhes corresponder, nomeadamente: - No caso do transporte de passageiros 6%, de acordo com a verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA; - Relativamente às prestações de serviços de alimentação e bebidas 13%, de acordo com a verba 3.1 da Lista I anexa ao CIVA.”

r)            Que, baseou a sua atuação na identificada informação vinculativa, que sustenta a aplicação da taxa reduzida de IVA ao “transporte de passageiros”, individual ou coletivo, por qualquer via e ainda que o fim seja o passeio turístico, o mesmo se aplicando ao aluguer de embarcações com condutor/tripulação.

s)            Que, a identificada informação vinculativa fala expressamente em “passeio turístico” e na possibilidade deste incluir diversos serviços, nomeadamente de alimentação e bebidas e não os discriminar, caso em que é aplicada a taxa normal ou, por outro lado e caso da prestação de serviços/passeio turístico discriminar as operações de acordo com a sua natureza em que as taxas a aplicar serão as que correspondem a cada tipo de operação, ou seja, designadamente: no caso de transporte de passageiros a de 6%; e no caso das prestações de serviços de alimentação e bebidas a de 13%.

t)            Que, não restam dúvidas que sendo a sua atividade de passeios turísticos e aluguer de embarcação com condutor e sendo estes serviços prestados e faturados de forma individualizada, que a liquidação do IVA à taxa reduzida se mostra correta.

u)           Que, não é aceitável que a Requerida venha agora corrigir as liquidações de IVA, com base num novo entendimento, que, entretanto, veio manifestar, muito tempo posteriormente à data dos factos, e que contraria a única doutrina administrativa conhecida, e que serviu de guia à sua atuação.

v)            Que, a verba 2.14, compreende atualmente também “(...) o transporte de pessoas no âmbito de atividades marítimo-turísticas”, tal como continua a referir-se a “transporte de passageiros”, cujo acrescento deve ser visto como uma mera clarificação na sequência do que já era a doutrina administrativa anterior.

w)          Que, o entendimento sempre foi do tratamento autónomo para efeitos de IVA do transporte marítimo de passageiros, mesmo quando este possuísse finalidades turísticas e mesmo quando lhe fossem associados serviços diferentes, desde que faturados com autonomia.

x)            Que, a Requerida ao contrariar o entendimento por si firmado nas identificadas orientações genéricas, incorre em manifesto vício de violação de lei, designadamente, do estabelecido no artigo 68.º-A, da Lei Geral Tributária, uma vez que a doutrina administrativa, anterior a 2018, e que era vigente à data dos factos, permitia o comportamento adotado.

y)            Que, para eliminar qualquer dúvida, o legislador veio consagrar, por via do artigo 270.º, da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, uma nova redação para a verba 2.14 - “(...) compreende-se nesta verba o serviço de transporte e o suplemento de preço exigido pelas bagagens e reservas de aluguer, bem como o transporte de pessoas no âmbito de atividades marítimo-turísticas” – que apresenta uma natureza clarificadora e meramente interpretativa.

z)            Que, é inquestionável e incontornável a interpretação da verba 2.14 no sentido de esta incluir o transporte de passageiros, ainda que em passeios turísticos, como resulta claramente do que antes ficou alegado, pelo que, em consequência, as correções em sede de IVA que foram efetuadas pela Requerida, bem como as liquidações adicionais daí decorrentes, são manifestamente ilegais, e como tal, devem ser anuladas.

aa)         Que, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) tem vindo a entender que se deverá considerar a existência de uma prestação única quando um ou mais elementos devam ser considerados a prestação principal, ao passo que, pelo contrário, outros elementos devem ser considerados uma prestação ou prestações acessórias que partilham do tratamento fiscal da prestação principal.

bb)         Que, o TJUE esclarece que uma prestação deve ser considerada acessória de uma prestação principal quando não constitua para os clientes um fim em si mesmo, mas o meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador, que entende ser a situações dos serviços por si prestados.

cc)          Que, as prestações de serviços efetuadas em 2015, tendo por referência o entendimento expresso pelo TJUE, consubstanciam uma prestação de serviços de transporte marítimo-turístico, tributável à taxa reduzida de 6% e em que as demais prestações efetuadas (com exceção das refeições), a serem realizadas, são acessórias daquela e, assim, suscetíveis de beneficiar da mesma taxa de imposto, na medida em que são componente de uma prestação de serviços única.

 

É demandada a AT, doravante também designada por “Requerida”.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi efetuado em 10 de setembro de 2020, e aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 11 de setembro de 2020 e, de seguida, notificado à AT.

 

 

Nos termos do disposto do artigo 5.º, n.º 2, do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico designou o árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo.

 

Em 30 de outubro de 2020, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 2 de dezembro de 2020.

 

Com a aprovação da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, foram suspensos os prazos procedimentais e processuais, no âmbito das medidas da pandemia Covid 19. Esta suspensão cessou com a entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, prosseguindo a tramitação processual a partir de 6 de abril de 2021.

 

Em 26 de janeiro de 2021, a Requerida apresentou Resposta, bem como remeteu o processo administrativo, na qual se defende por impugnação, pugnando, pela improcedência total do pedido de pronúncia arbitral, com todas as consequências legais.

 

A Requerida alega, em resumo:

 

a)            Que, as prestações de serviços realizadas pela Requerente têm natureza complexa, em que o serviço de transporte é apenas um dos elementos necessários à prossecução da finalidade dessa prestação de serviços e, como tal estão excluídas do âmbito da aplicação da verba 2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA, estando, portanto, sujeitas às regras gerais do imposto, pelo que devem ser tributadas à taxa normal de 23%, de acordo com o previsto no art.º 18.º n.º 1 al. a) do referido Código.

 

b)           Que, a argumentação de facto e de direito da Requerente está longe de poder fundamentar e de sustentar a pretensão formulada no pedido de pronúncia arbitral, que deve improceder.

 

c)            Que, a Requerente efetua prestações de serviço marítimo-turísticas que consiste num conjunto de atividades desenvolvidas no mar, e vão desde os passeios junto à costa, visita a grutas, pesca desportiva de fundo, pesca ao tubarão, observação de golfinhos e passeios com refeição a bordo.

 

d)           Que, a angariação de clientes é feita maioritariamente na loja da marina de Vilamoura, mas também existem angariadores junto dos operadores turísticos como hotéis ou alojamento para turistas.

 

e)           Que, a Requerente angaria clientes em loja própria ou através de operadores hoteleiros, para a realização de serviços que incluem passeio marítimo junto à costa ou em alto mar, podendo ou não incluir refeição, visita às grutas, observação de tubarões e golfinhos, pesca de fundo ao tubarão, espadarte e atum, liquidando IVA à taxa reduzida (6%), nos serviços que presta, dando-lhe cabimento na verba 2.14 da lista I do Código do IVA, nos termos da alínea a) nº 1 do Art.º 18º do CIVA.

 

f)            Que, a verba. 2.14. contempla unicamente “transporte de passageiros, incluindo aluguer de veículos com condutor, o que contempla o serviço de transporte e o suplemento de preço exigido pelas bagagens e reserva de lugar”.

 

g)            Que, os serviços antes descritos, estão excluídos do âmbito de aplicação desta verba, uma vez que o serviço prestado pela Requerente não é o transporte de passageiros propriamente dito, mas sim um conjunto de serviços: cruzeiro às grutas, pesca ao fundo, observação de tubarões e golfinhos (entre outros), em que o serviço de transporte é um dos elementos necessários, mas não a finalidade da prestação de serviços, nem o elemento que a caracteriza.

 

h)           Que, as referidas operações estão sujeitas às regras gerais do IVA, sendo tributadas à taxa normal e, por isso, para determinar a taxa adequada aos serviços prestados à data de 2015, aplicou o art.º 18º nº 1 alínea c), do CIVA, concluindo-se que é a taxa de 23%, pelo que tendo a Requerente faturado no ano em apreço um montante de € 283.414,12 em que liquidou IVA à taxa de 6%, efetuou a correção do IVA liquidado, de acordo com o quadro seguinte:

 

 

 

i)             Que, faltou liquidar IVA no valor de €48.180,39 no ano de 2015 em consequência da atividade económica de “marítimo-turística” pelos Serviços Prestados.

 

j)             Que, à data dos factos a verba 2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA dispunha que eram sujeitos à taxa reduzida o “Transporte de passageiros, incluindo aluguer de veículos com condutor. Compreende-se nesta verba o serviço de transporte e o suplemento de preço exigido pelas bagagens e reservas de lugar.”.

 

k)            Que, sendo o IVA um imposto de matriz comunitária, a interpretação das normas do respetivo Código, e da legislação complementar, tem de se fazer em conformidade com as normas comunitárias, pelo que, a possibilidade de aplicar a taxa reduzida de imposto, vem prevista no artigo 98.º da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE), segundo o qual: “1. Os Estados-Membros podem aplicar uma ou duas taxas reduzidas. 2. As taxas reduzidas aplicam-se apenas às entregas de bens e às prestações de serviços das categorias constantes do Anexo III. […]”.

 

l)             Que, no anexo III da Diretiva IVA consta a lista das entregas de bens e das prestações de serviços a que se podem aplicar as taxas reduzidas previstas no seu artigo 98.º, designadamente o “Transporte de pessoas e respetiva bagagem”.

 

m)          Que, a sua posição está justificada na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) e, de igual modo, quando uma operação é constituída por um conjunto de elementos e de atos, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão, para determinar, por um lado, se se está na presença de duas ou mais prestações distintas ou de uma prestação única.

 

n)           Que, o TJUE considerou igualmente que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente e que, a operação constituída por uma só prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta, para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA, pelo que há, assim, que considerar que existe uma prestação única quando dois ou mais elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estejam tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição teria carácter artificial.

 

o)           Que, no caso dos autos, está-se em presença de uma prestação única, quando um ou vários elementos devam ser considerados a prestação principal, ao passo que, pelo contrário, outros elementos constituem prestações acessórias que partilham do tratamento fiscal da prestação principal, devendo a prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal, quando não constitua para a clientela um fim em si mesmo, mas sim um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador.

 

p)           Que, se tem vindo a interpretar que a verba 2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA inclui apenas o “mero transporte de passageiros”, tal como se encontra aí definido e não houve, qualquer inflexão no entendimento que tem vindo a ser seguido.

 

q)           Que, o que sempre afirmou é que, verificados os pressupostos da verba 2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA, ou seja, quando se está perante um mero transporte de passageiros, incluindo o suplemento de preço exigido pelas bagagens e reservas de lugar, é aplicável a taxa reduzida.

 

r)            Que, as operações passíveis de tributação à taxa reduzida, tal como decorre da jurisprudência do TJUE, podem, no entanto, constituir um “aspeto concreto e específico” das prestações realizadas pelas empresas de transporte de pessoas e respetivas bagagens, mas é necessário apreciar, casuisticamente, se se trata de uma prestação de serviços identificável em si mesma, pois não se pode permitir a decomposição artificial das operações, tendo em vista o aproveitamento indevido das taxas reduzidas.

 

s)            Que, acolhendo o entendimento constante de jurisprudência do TJUE, a Direção de Serviços do IVA já se pronunciou (pedido de informação vinculativa n.º 1205, sancionada superiormente por despacho do Subdiretor-Geral do IVA, por delegação do Diretor-Geral, de 02.11.2010) no sentido de que, quando uma prestação de serviços é constituída por um ou vários componentes e os mesmos são essenciais para a realização da mesma, ou seja, que, no plano económico, formem objetivamente um todo, estamos perante uma prestação única.

 

t)            Que, no caso em apreço, os “passeios turísticos”, como os que aqui estão em causa, não têm como objetivo o transporte de pessoas e suas bagagens, mas antes proporcionar a observação de golfinhos, a visita a grutas, o parasailing, a pesca, a realização de festas, com a disponibilização de música com utilização de “DJ”, ou a utilização de biólogos marinhos, etc.

 

u)           Que, tais passeios configuram uma prestação única, que não se consubstancia no “transporte de pessoas e suas bagagens”, estando fora do âmbito da verba 2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA e correspondente n.º 5 do Anexo III da Diretiva IVA.

 

v)            Que, considerando este elenco de serviços e mesmo o tipo de embarcação de que o Requerente dispõe, não é decerto pelo transporte de pessoas e bagagens que os clientes contratam os serviços prestados, sendo este transporte apenas mais um elemento integrante, (talvez até residual), do conjunto de serviços prestados.

 

w)          Que, assumindo uma natureza unitária, as prestações de serviços realizadas, devem ser tributadas nos termos do artigo 18º nº1 al. c) do Código do IVA, por não se mostrar demonstrado que o mero transporte tem autonomia suficiente para que esse serviço seja contratado sem mais.

 

x)            Que, as liquidações adicionais de IVA não padecem de qualquer vício.

 

 

Em 30 de julho de 2021 e 30 de setembro de 2021, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, fez-se uso da possibilidade aí prevista, e determinou-se a prorrogação do prazo acima identificado por um período de 2 (dois) meses, indicando-se o dia 30 de novembro de 2021 como data previsível para prolação da decisão arbitral.

 

Em 3 de novembro de 2021, foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e foi concedido o prazo de 10 dias para alegações. A Requerente não apresentou alegações. A Requerida, em 18 de novembro de 2021, apresentou alegações no prazo concedido, que vieram no essencial reproduzir o conteúdo já resultante da Resposta apresentada nos autos

 

Em 4 de novembro de 2021 a Requerente procedeu ao pagamento da taxa de arbitragem subsequente.

 

 

 

II. DO SANEAMENTO DO PROCESSO

 

O Tribunal Arbitral Singular é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devida e legalmente representadas (artigos 3º, 6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.

 

O processo não enferma de nulidades

 

III.          DA FUNDAMENTAÇÃO

A.           MATÉRIA DE FACTO

A.1.  FACTOS PROVADOS

 

Com relevo para a decisão do processo arbitral, importa atender à seguinte factualidade, que se julga provada:

 

A.           A Requerente iniciou a sua atividade em 14-11-1991, e está enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, para o exercício da atividade principal de “Atividade Auxiliares dos Transportes por Água” (CAE 52220).

B.            A Requerente tem como objeto social, registado na Conservatória do Registo Comercial, as “atividades marítimo-turísticas”.

C.            A Requerente está inscrita no Registo Nacional de Agentes de Animação Turística (RNAAT) sob o n.º .../2010.

D.           A Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo realizado a coberto da OI2018..., para o exercício de 2015, de âmbito geral, que teve início em 21-03-2018 e cuja nota de diligência foi notificada ao sujeito passivo em 13-09-2018.

E.            A atividade principal da requerente consiste na exploração da sua frota de embarcações que se destinam à prestação de serviços como sejam passeios de barco junto à costa, visitas a grutas, pesca desportiva, pesca ao tubarão, observação de golfinhos, e passeios com refeições a bordo.

F.            A Requerente liquidou, sobre os valores faturados aos seus clientes, no período abrangido pelo presente processo, IVA à taxa reduzida relativamente ao transporte de passageiros e ao aluguer de embarcação com tripulação, e IVA à taxa normal aos serviços de alimentação.

G.           Os serviços de Inspeção Tributária no projeto de conclusões do relatório concluíram que: “O sujeito passivo faturou no ano em apreço um montante de € 283.414,12 em que liquidou IVA à taxa de 6%. Assim sendo, é indispensável efetuar a correção do IVA liquidado, conforme se demonstra no mapa seguinte (...)

 

De acordo com o mapa anterior, faltou liquidar IVA no valor de € 48.180,39 no ano de 2015, em consequência da atividade económica de “turismo-marítimas” pelos Serviços Prestados.

(...)

H.           Os serviços da inspeção tributária concluíram no relatório final que “Da factualidade exposta, releva a conclusão que não se reportando a simples transporte de passageiros, as operações levadas a termo pela A... Lda., na sua atividade de operador marítimo-turístico, são tributadas em IVA à taxa normal, nos termos do art.º 18.º n.º 1 alínea c) do CIVA, pelo que são de manter as correções aritméticas propostas em sede de IVA.

I.             Das correções efetuadas apurou-se imposto em falta no montante total de € 48.180,39, distribuído entre os períodos de 1503T e 1212T.

J.             O Relatório de Inspeção Tributária consta o seguinte quanto, às correções propostas por período de imposto:

 

K.            A Requerente foi notificada para, querendo, exercer o seu direito de participação, no prazo de 15 dias, nos termos do artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPITA, a qual exerceu esse mesmo direito, o qual foi objeto de análise e de resposta, tendo sido mantidas no relatório final as correções inicialmente propostas.

 

L.            A Requerida emitiu as seguintes liquidações adicionais de imposto:

LIQUIDAÇÃO N.º              PERÍODO             VALOR

2018 ... 1503T    0 €

(correção de € 669,25)

2018 ... 1506T    0 €

(Correção de € 9.158,00)

2018 ... 1509T    15.507,31 €

(correção de € 34.807,38)

2018 ... 1512T    1.690,44 €.            (correção de € 3.638,43)

2018 ... 1609T    13.000,00 €

2018 ... 1709T    9.563,32 €

2018 2...              1809T    774,34 €

 

M.          A Requerida emitiu, ainda, as seguintes liquidações de juros compensatórios:

LIQUIDAÇÃO N.º              PERÍODO             VALOR

2018      1503T    0 €

2018      1506T    0 €

2018      1509T    1.408,99 €

2018      1512T    172,84 €

2018      1609T    0 €

2018      1709T    410,36

2018      1809T    0 €

 

N.           Nas notificações das liquidações efetuadas ao sujeito passivo, consta, além do mais, o seguinte, em algumas “Liquidação Adicional feita com base em correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária” e, noutras, “Liquidação efetuada nos termos do art.º 87.º do Código do IVA, em resultado do processamento da declaração corretiva, enviada para um período de imposto para o qual já tinha sido enviada declaração periódica”.

O.           Na Informação vinculativa n.º 1768, sancionada com despacho de 08.04.2011, do Subdiretor-Geral, substituto legal do Diretor-Geral, refere-se que:

“(…) no que respeita ao transporte de passageiros, a verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA tributa à taxa reduzida de 6%, de acordo com a alínea a) do nº 1 do artº 18º do CIVA, o "Transporte de passageiros, incluindo aluguer de veículos com condutor. Compreende-se nesta verba o serviço de transporte e o suplemento de preço exigido pelas bagagens e reservas de lugar".

7. Nesta conformidade, o transporte de passageiros, individual ou colectivo, por qualquer via ainda que o fim seja um passeio turístico, é passível de imposto à taxa reduzida (6%), por enquadramento na citada verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA.

8. De igual modo, por menção expressa na referida norma, o aluguer de embarcações com condutor (tripulação) beneficia da taxa reduzida (6 %).

(…)

11. Quanto às "prestações de serviços de alimentação e bebidas" as mesmas estão contempladas na verba 3.1 da Lista II anexa ao CIVA. Assim, os referidos serviços são tributados à taxa intermédia a 13%, de acordo com a alínea b) do nº 1 do artº 18º do CIVA.

12. Deste modo, se o "passeio turístico" incluir diversos serviços, nomeadamente de alimentação e bebidas (refeições), etc., ou seja, se a operação for facturada como "Passeio Turístico" não tendo enquadramento nas Listas anexas ao CIVA, é tributado à taxa normal (23%), face ao preceituado na alínea c) do nº 1 do artº 18º do CIVA.

13. No entanto, se a factura que titula a referida prestação de serviços (Passeio Turístico), discriminar as operações de acordo com a sua natureza, a taxa a aplicar será a que lhes corresponder, nomeadamente: - No caso do transporte de passageiros 6%, de acordo com a verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA; - Relativamente às prestações de serviços de alimentação e bebidas 13%, de acordo com a verba 3.1 da Lista I anexa ao CIVA.”.

P.            Consta do relatório de inspeção tributária como “Motivo do procedimento de inspeção” o “seleção aleatória de sujeitos passivos - 2015”.

Q.           Consta ainda do relatório de inspeção tributária como “fins do procedimento d inspeção” que a mesma teve por finalidade “Procedimento de comprovação e verificação”.

 

A.2.  FACTOS NÃO PROVADOS

 

Com relevo para a decisão, não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

A.3.  FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA E NÃO PROVADA

 

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importa, para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT e artigo 607º, nº 3, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental e o PA anexo, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

 

B.            DO DIREITO

 

B.1 QUESTÕES A DECIDIR

 

                               Cumpre solucionar as seguintes questões:

(i)           A ilegalidade das liquidações por erro de direito cometido pela Requerida na interpretação e aplicação da verba 2.14, da Lista I anexa ao CIVA, referente a bens e serviços sujeitos à taxa reduzida;

(ii)          A ilegalidade das liquidações por vício de lei, pela violação do artigo 68.º-A, n.º 1, da Lei Geral Tributária.

 

B.2 A ilegalidade das liquidações por erro de direito cometido pela Requerida na interpretação e aplicação da verba 2.14, da Lista I anexa ao CIVA, referente a bens e serviços sujeitos à taxa reduzida

 

Quanto às questões que cabe solucionar, cumpre começar por avaliar a legalidade das liquidações face à redação da verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA, antes da entrada em vigor da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro.

 

Com efeito, à data dos factos a verba 2.14 da lista I anexa ao CIVA tinha a seguinte redação:

 

“Transporte de passageiros, incluindo aluguer de veículos com condutor. Compreende-se nesta verba o serviço de transporte e o suplemento de preço exigido pelas bagagens e reservas de lugar.”.

 

                               Conforme resulta da matéria de facto dada como provada, a Requerente exerce a atividade de exploração da sua frota de embarcações que se destinam à prestação de serviços como sejam passeios de barco junto à costa, visitas a grutas, pesca desportiva, pesca ao tubarão, observação de golfinhos, e passeios com refeições a bordo, estando inscrita no Registo Nacional de Agentes de Animação Turística.

 

                               No exercício desta atividade sobre os valores faturados aos seus clientes, a Requerente liquidou, nos períodos a que respeitam as liquidações objeto do presente processo, IVA à taxa reduzida relativamente ao transporte de passageiros e ao aluguer de embarcação com tripulação, e IVA à taxa normal aos serviços de alimentação. Está assim em causa saber se a liquidação de imposto, efetuada parcialmente à taxa reduzida era subsumível na verba em causa, na redação à data do facto tributário.

                               Nos termos da referida verba, estava em causa o serviço de transporte de passageiros, incluindo aluguer de veículos com condutor. Sobre o tipo contratual do contrato de transporte escreve Pedro Pais de Vasconcelos:

“Pelo contrato de transporte, o transportador obriga-se, mediante remuneração, a deslocar ou fazer deslocar pessoas ou mercadorias alheias de um lugar para outro” (in Direito Comercial, Almedina, Vol. I, 2014, p. 228).

                              

                               Por seu lado, no Decreto-Lei n.º 349/86, de 17 de outubro, é definida no seu artigo 1.º como:

“Contrato de transporte de passageiros por mar é aquele em que uma das partes se obriga em relação à outra a transportá-la por via marítima mediante retribuição pecuniária.”.

 

                               Estando em causa “serviço de transporte”, a que é inerente a respetiva relação contratual, regulada pelo direito comercial, não decorrendo da lei fiscal um conceito próprio, não pode deixar de se aplicar o artigo 11º, nº 2, da Lei Geral Tributária que determina que:

 “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei”.

 

                               Por sua vez, Carlos Lacerda Barata entende que:

“No contrato de transporte, o dever de deslocar constitui a obrigação principal e nuclear (a cargo do transportador), correspondendo ao cerne do objecto negocial, permitindo, assim, distinguir este tipo contratual de outros” (in CONTRATOS DE TRANSPORTE TERRESTRE: FORMAÇÃO E CONCLUSÃO, Texto base (com ligeiras alterações) da intervenção do autor, em 11-Jan.-2013,no Curso de Pós-Graduação em Direito dos Transportes, realizado na Faculdade de Direito da Universidade de lisboa, sob coordenação do Prof. Doutor Dário Moura Vicente e do Prof. Doutor M. Januário da Costa Gomes).

 

                               De modo distinto, nos termos do Artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 108/2009 de 15.05.2009:

“1 - São consideradas actividades próprias das empresas de animação turística, a organização e a venda de actividades recreativas, desportivas ou culturais, em meio natural ou em instalações fixas destinadas ao efeito, de carácter lúdico e com interesse turístico para a região em que se desenvolvam.

 

                               Dispondo o artigo 4.º do mesmo diploma que:

“(…) 2 - As actividades de animação turística desenvolvidas mediante utilização de embarcações com fins lucrativos designam-se por actividades marítimo-turísticas e integram as seguintes modalidades:

a) Passeios marítimo-turísticos;

b) Aluguer de embarcações com tripulação;

c) Aluguer de embarcações sem tripulação;

(…)”

 

                               A Requerente dedica-se à prestação de serviços de passeios de barco junto à costa, visitas a grutas, pesca desportiva, pesca ao tubarão, observação de golfinhos. Como é bom de ver, a necessidade económica que a prestação de serviços efetuados pela Requerente visa satisfazer não são as mesmas que as do contrato de transporte. No primeiro caso, são necessidades lúdicas. No segundo caso visa-se satisfazer as necessidades de mobilidade e deslocação das pessoas.

 

                               É certo que, no âmbito passeios de barco os clientes da Requerente também são transportados, mas tal transporte é instrumental relativamente à atividade lúdico/turística, não sendo a deslocação a necessidade económica que a atividade do transportador visa prosseguir, ao passo que no contrato de transporte a deslocação do utente do serviço constitui o cerne do objeto negocial.

 

                               O serviço de passeio de barco é um todo, do qual o transporte é uma componente que naquele se dilui, carecendo de sentido fora do conjunto de que faz parte. Está imbrincado com as finalidades e serviços globais inerentes ao passeio. Não se subsume, pois, no conceito de transporte de pessoas sendo, aliás, manifestamente, uma realidade de tipo diferente, expressamente qualificada pela Lei como “actividades marítimo-turísticas” na modalidade de “Passeios marítimo-turísticos”.

 

                               Esta conclusão está em harmonia com a teleologia da norma em causa que é a redução da oneração ao consumidor dum serviço essencial, não se encontrando abrangido pela letra, nem pelo espírito da norma, as “actividades marítimo-turísticas”. Assim, os atos tributários em causa não violaram o disposto na verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA, na redação anterior à conferida pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro. A este mesmo entendimento chegou a decisão arbitral adotada no processo n.º 132/2019-T, de 3 de março de 2020, que se adota, neste ponto, nos presentes autos.

 

                               No que concerne à questão interpretativa da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, esta veio conferir à verba 2.14 da Lista I a seguinte redação:

 2.14 - Transporte de passageiros, incluindo aluguer de veículos com condutor. Compreende-se nesta verba o serviço de transporte e o suplemento de preço exigido pelas bagagens e reservas de lugar, bem como o transporte de pessoas no âmbito de atividade marítimo-turísticas.

 

A Requerente sustenta a natureza interpretativa e a sua consequente aplicação aos factos tributários em causa.

 

                               A Lei nova não foi expressamente qualificada como interpretativa. No entanto pode ler-se na Proposta de Lei n.º 156/XIII/4.ª do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, aprovada em 31.12.2018 e vertida na Lei do Orçamento de Estado para 2019, o seguinte:

“A Autoridade Tributária (AT) tem vindo a ter o entendimento que “o transporte de passageiros, individual ou coletivo, por qualquer via ainda que o fim seja um passeio turístico, é passível de imposto à taxa reduzida (6%), por enquadramento na citada verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA.”, entendimento este que foi inclusive assumido em diferentes informações vinculativas.

A existência de refeições incluídas no preço, ou de outras atividades, não deve excluir a qualificação como transporte de passageiros das restantes componentes do preço, desde que discriminadas as atividades na fatura.

Contudo, mais recentemente, a Autoridade Tributária tem vido, em certos casos, a assumir um entendimento que o serviço de transporte de passageiros, quando praticado no âmbito de atividades marítimo turísticas, deverá ser tributado com uma taxa de (23%).

(…)

Face às dúvidas que se colocaram e à incerteza criada pela recente prática da Autoridade Tributária em recusar a aplicação da taxa reduzida no transporte de passageiros em passeios turísticos, é conveniente que o sentido da lei seja esclarecido.

O esclarecimento é que o transporte de pessoas com finalidade de passeio turístico é tributado como transporte de passageiros, independentemente da presença de outros elementos no serviço, desde que estes estejam discriminados e aplicando-se a este a sua taxa própria. (…)

 

                               Neste contexto, impõe-se, assim, averiguar se estamos ou não perante uma lei qualificável como interpretativa.

 

                               Diz-nos João Batista Machado:

“Na grande maioria dos casos, porém, o legislador não se preocupa com a classificação como interpretativas de normas que edita, que são efectivamente interpretativas e estão sujeitas, como tais, ao disposto no art. 13º (…).

Ora a razão de ser pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da LA com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretativa aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado. Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior.

(…)

Para que uma LN possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos limites da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites impostos à interpretação e aplicação da lei (…). (in INTRODUÇÃO AO DIREITO E AO DISCURSO LEGITIMADOR, ALMEDINA, COIMBRA, 1996, pgs.245- 247.)

 

                               Daqui resulta a irrelevância da classificação da lei como interpretativa impondo-se antes como requisito essencial que, repete-se, nas palavras daquele Autor:

 “(…) a solução definida pela nova lei se situe dentro dos limites da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites impostos à interpretação e aplicação da lei (…)”.

 

                               No mesmo sentido, refere Oliveira Ascensão:

“Se o texto da lei pode ser objetivamente tomado como interpretativo, não há razão para afastar esta qualificação. Se o não pode, temos de concluir que a intenção do legislador de produzir uma lei interpretativa foi uma intenção que se não traduziu nos factos.” (O DIREITO. INTRODUÇÃO E TEORIA GERAL, 13º Ed., 2009, Almedina, p. 562)

 

                               Acrescentando:

“(…) o carácter interpretativo pode resultar ainda do texto, quando for flagrante a tácita referência da nova fonte a uma situação normativa duvidosa preexistente. Não vemos razão para exigir que o caráter interpretativo seja expressamente afirmado (…). Isto não impede que a fonte não se presuma interpretativa” (op. Cit.)

 

                               Em termos, no essencial, coincidentes, escreve, ainda, Inocêncio Galvão Telles que, para uma Lei possa ser havida por interpretativa:

“É necessário que o legislador a qualifique expressamente como tal ou que, pelo menos, essa intenção resulte em termos suficientemente inequívocos: e isto porque nem toda a decisão legal de uma controvérsia gizada em torno do significado de certo preceito legal se deve tomar como interpretação autêntica.

(…)

Bem pode acontecer que o legislador tenha pretendido apenas afastar as dúvidas para o futuro, não o movendo a intenção de considerar a nova lei como conteúdo ou expressão da antiga” (in INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO, Vol. I, 11º Edição, Reimpressão, Coimbra Editora, pp. 241-242).

 

                               Assim, seguindo a mesma linha de raciocínio apresentada no processo n.º 132/2019-T, de 3 de março de 2020, que se adota, nos presentes autos, resulta que, aplicando a doutrina exposta, afigura-se que é esta a situação dos autos. Com efeito, com a Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, o legislador limitou-se a acrescentar à lei antiga um segmento normativo com o seguinte conteúdo: “bem como o transporte de pessoas no âmbito de atividade marítimo-turísticas.”.

 

                               Ora, do uso desta expressão resulta apenas uma extensão do âmbito da isenção não havendo, na letra da lei, qualquer elemento hermenêutico, expresso ou tácito, que aponte para o carácter interpretativo da lei antiga, antes apontando, para o seu carácter claramente inovador.

 

                               Tal como foi decidido no referido processo de arbitragem, não resultando do texto da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, qualquer elemento gramatical, expresso ou tácito, que aponte para o seu carácter interpretativo, não pode o intérprete atribuir-lhe tal carácter, pois como escreve, ainda, Batista Machado “O texto é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei”. (Op. Cit., p. 182)

 

                               Em síntese, o legislador terá sido movido por uma intenção clarificadora do regime em causa, mas claramente com efeitos inovadores e, por conseguinte, de aplicação para o futuro, nos termos do artigo 13.º do Código Civil. Nesta conformidade, conclui este tribunal que os serviços em causa, à data dos factos tributários, não subsumiam, na norma de redução de taxa em questão, nem lhes é aplicável a redação da norma decorrente da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, pelo que a Requerida, ao praticar os atos tributários objeto do processo, não violou lei substantiva, não padecendo as liquidações do vício de violação de lei com este fundamento.

 

B.3 A ilegalidade das liquidações por vício de lei, pela violação do artigo 68.º-A, n.º 1, da Lei Geral Tributária.

 

                               No que concerne à questão da violação da informação vinculativa, em que se centra a segunda questão a decidir, cumpre apreciar se essa informação vinculativa relativa a esta questão, produzida e divulgada pela Autoridade Tributária, podem amparar a atuação da Requerente e justificar a aplicação da taxa reduzida de IVA que o Código do IVA prevê para o “transporte de passageiros” aos passeios turísticos com contornos variados que oferece.

 

                               A Requerente invoca em particular a Informação Vinculativa n.º 1768, com despacho de 08.04.2011, do Subdiretor-geral, substituto legal do Diretor-Geral.

 

                               Nessa informação vinculativa pede-se esclarecimento sobre as seguintes prestações:

- se “o serviço de fretamento/aluguer de barco de uma empresa a outra, quando feito exclusivamente, é considerado “serviço de transporte” e o IVA deve ser cobrado à taxa de 5%?”;

- se “o passeio de barco, para cliente final (individual ou colectivo) for exclusivamente passeio sem qualquer outro serviço é considerado transporte e deve ser cobrado IVA a 5%?”;

 - se “caso o passeio de barco inclua serviço de refeição, que taxa de IVA deve ser aplicada? Uma taxa diferenciada para cada serviço (5% para transporte e 12% para alimentação) ou uma taxa única? Qual?”

 

                               O entendimento veiculado pela AT foi o seguinte:

“(…) o transporte de passageiros, individual ou colectivo, por qualquer via ainda que o fim seja um passeio turístico, é passível de imposto à taxa reduzida (6%), por enquadramento na citada verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA.

8. De igual modo, por menção expressa na referida norma, o aluguer de embarcações com condutor (tripulação) beneficia da taxa reduzida (6 %). (…) Relativamente, à prestações de serviços de “fretamento/aluguer de embarcações” efectuadas por um sujeito passivo a um outro sujeito passivo, ainda que as embarcações sejam ou venham a ser utilizadas exclusivamente para o transporte de passageiros, tratam-se de operações que não beneficiam da verba 2.14 (…) pelo que tais prestações de serviços são passíveis de imposto à taxa normal (…).

11. Quanto às "prestações de serviços de alimentação e bebidas" as mesmas estão contempladas na verba 3.1 da Lista II anexa ao CIVA. Assim, os referidos serviços são tributados à taxa intermédia a 13%, de acordo com a alínea b) do nº 1 do art.º 18º do CIVA.

12. Deste modo, se o "passeio turístico" incluir diversos serviços, nomeadamente de alimentação e bebidas (refeições), etc., ou seja, se a operação for facturada como "Passeio Turístico" não tendo enquadramento nas Listas anexas ao CIVA, é tributado à taxa normal (23%) (…).

13. No entanto, se a factura que titula a referida prestação de serviços (Passeio Turístico), discriminar as operações de acordo com a sua natureza, a taxa a aplicar será a que lhes corresponder, nomeadamente: - No caso do transporte de passageiros 6%, de acordo com a verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA; - Relativamente às prestações de serviços de alimentação e bebidas 13%, de acordo com a verba 3.1 da Lista I anexa ao CIVA”.

 

                               Além desta concreta informação vinculativa, à data dos factos eram conhecidas outras, sobre a temática que nos ocupa, nomeadamente:

 

                               Na Informação Vinculativa n.º 528, com despacho de 23.03.2010, do Diretor-Geral dos Impostos, pede-se esclarecimento sobre as taxas a aplicar às seguintes prestações:

- “passeios marítimo-turísticos”;

- “aluguer de embarcações com e sem tripulação”;

- “serviços efectuados por táxi fluvial ou marítimo”; e

- “pesca turística, bem como aos serviços de reboque de equipamentos de carácter recreativo (bananas, pára-quedas e esqui aquático)”

 

                               O entendimento veiculado pela AT foi o seguinte:

“(…) será de aplicar a taxa reduzida de 5%, por enquadramento na citada verba 2.14 da lista I, aos passeios marítimo-turísticos quando se consubstanciem no mero transporte de passageiros tal como se encontra definido na verba 2.14, independentemente do meio de transporte utilizado (embarcação ou táxi fluvial ou marítimo). (…) o aluguer de embarcações com tripulação (…) encontra-se abrangido pela verba 2.14 [e] ao aluguer de embarcações sem tripulação (…) aplicar-se-á a taxa normal (…). (…) a prática de actividades físicas/desportivas e outros divertimentos públicos (pesca desportiva), com ou sem recurso a monitores, treinadores, professores ou outros, quando efectuada directamente aos praticantes da modalidade, beneficia da taxa reduzida de 5%

(…).

(…) No que se refere aos serviços de reboque de equipamentos de carácter recreativo (bananas, pára-quedas, e esqui aquático), uma vez que tais serviços proporcionam aos utilizadores o acesso a um divertimento público, enquanto serviço de animação, beneficiam ainda, do enquadramento na citada verba 2.15, excluindo-se no entanto, os serviços que consistam na mera locação dos equipamentos em causa, sendo estes tributados à taxa normal de 20%”.

 

 

                               Na Informação Vinculativa n.º 831, com despacho de 08.07.2010, do Subdiretor-Geral do IVA, por delegação do Diretor-Geral dos Impostos, pede-se esclarecimento sobre as taxas a aplicar às seguintes prestações:

- “aos circuitos marítimos e aos serviços de transfer marítimo”

 

                               O entendimento veiculado pela AT foi o seguinte:

“(…) caso se trate do transporte turístico de passageiros, ou seja, o mero "aluguer de embarcação com condutor", com enquadramento nos pressupostos elencados na verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA, encontra-se sujeito a IVA à taxa reduzida de 5%.

8. Os “serviços de transferes que consistem no transporte (marítimo) de turistas entre Marinas/Portos de ……” encontram-se sujeitos (…) à taxa de 5% ou 20%, consoante se trate de aluguer com ou sem condutor”.

 

                               Na Informação Vinculativa n.º 1153, com despacho de 29.09.2010, do Subdiretor-Geral do IVA, por delegação do Diretor-Geral, pede-se esclarecimento sobre a taxa a aplicar à seguintes prestações:

- aos “passeios marítimos-turísticos em causa, [que] consubstanciam-se no mero transporte de passageiros”

 

                               O entendimento veiculado pela AT foi o seguinte:

“(…) os passeios marítimo-turísticos consubstanciados no mero transporte de passageiros tal como se encontra definido na citada verba 2.14, são tributados à taxa reduzida de 4% (se efectuados na RAM) (…)”.

 

                               Na Informação Vinculativa n.º 2283, com despacho de 03.08.2011, do Subdiretor-Geral dos Impostos, substituto legal do Diretor-Geral, pede-se esclarecimento sobre as seguintes prestações:

- se “O transporte de passageiros no circuito de barco, da Marina de ….. até o …… e vice-versa, é passível de tributação em sede de IVA, à taxa de 4% ou à taxa geral de 16%”;

- se “O serviço de snack-bar a bordo é ou não passível de tributação à taxa intermédia de 9%, porquanto enquadrável nas prestações de serviços de alimentação e bebidas, a que se refere a verba 3.1 da Lista II anexa ao CIVA”; e

- se “Deverão ou não os referidos serviços (transporte de passageiros e ou serviços de alimentação e bebidas) ser descriminados separadamente na factura ao cliente, caso ambos venham a ser incluídos no preço do bilhete”

 

                               O entendimento veiculado pela AT foi o seguinte:

“9. De harmonia com o disposto na alínea a) do n.º 1 conjugada com o n.º 3 do artigo 18.º do Código do IVA, a prestação de serviço de transporte de passageiros no circuito de barco, entre a Marina de … e o …… (e vice-versa), é tributada à taxa de 4 % por enquadramento na verba 2.14 da Lista anexa ao Código do IVA.

10. No entanto, se durante o transporte de passageiros forem prestados serviços de alimentação e bebidas, designadamente serviço de snack-bar, e se na factura constarem discriminados, ao transporte de passageiros deve-se aplicar a taxa reduzida de 4 % e às refeições a taxa intermédia de 9 % (cf. alínea b) do n.º 1 conjugada com o n.º 3 do artigo 18.º do Código do IVA).

11. Caso contrário, isto é, se a factura não discriminar os serviços prestados em virtude de os mesmos constituírem uma única operação, a taxa a aplicar é à taxa normal de 16 %, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 conjugada com o n.º 3 do artigo 18.º do Código do IVA.

Conclusão

12. Assim, se o serviço de transporte de passageiros no circuito de barco, entre a Marina de ... e o ……. (e vice-versa), se consubstanciar apenas no transporte de passageiros, o mesmo é tributado à taxa reduzida de 4 %, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 conjugada com o n.º 3 do artigo 18.º do Código do IVA; se além do transporte de passageiros, incluir serviços de alimentação e bebidas, e se na factura constarem discriminados, os mesmos são tributados à taxa intermédia de 9 %”.

 

                               Na Informação Vinculativa n.º 2903, com despacho de 27.03.2012, do Subdiretor-Geral dos Impostos, substituto legal do Diretor-Geral, pede-se esclarecimento sobre as seguintes prestações:

 - “a possibilidade de aplicar a taxa reduzida de IVA aos serviços indicados [““serviços às ordens”, isto é, deslocação de um ou mais passageiros aos locais por estes indicados e espera pelos mesmos”], por enquadramento na verba 2.14 da Lista I, anexa ao Código do IVA”,

 

                               O entendimento veiculado pela AT foi o seguinte:

“5. Deste modo, verificando-se que os serviços prestados pelo requerente, no âmbito de actividades turísticas, consubstanciam, efetivamente, "transporte de passageiros" beneficia da aplicação da taxa reduzida do imposto, por enquadramento na verba 2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA”.

 

                               Na Informação Vinculativa n.º 9638, com despacho de 09.12.2015, do Subdiretor-Geral do IVA, por delegação do Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira – AT, pede-se esclarecimento sobre as seguintes prestações:

- “qual a taxa de IVA a aplicar à atividade de TUKTUK (…), se a taxa normal ou a taxa reduzida (uma vez que a atividade se destina ao transporte de pessoas)”,

 

                               O entendimento veiculado pela AT foi o seguinte:

                               “(…) o transporte de passageiros, individual ou coletivo, por qualquer via ainda que o fim seja um passeio turístico, é passível de imposto à taxa reduzida (6%), por enquadramento na citada verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA. 5. De igual modo, por menção expressa na referida norma, o aluguer de veículos com condutor (tripulação) beneficia da taxa reduzida (6%)”.

 

                               Na Informação Vinculativa n.º 9898, com despacho de 19.02.2016, do Subdiretor-Geral do IVA, por delegação do Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira – AT, pede-se esclarecimento sobre a taxa de IVA a aplicar às seguintes prestações:

- “transferes do Aeroporto para o hotel em viaturas próprias com condutor da empresa”;

- “aluguer de embarcação a grupos com tripulação da empresa”;

- “passeios de barco com skipper”; e

- “transporte costeiro de passageiros”,

 

                               O entendimento veiculado pela AT foi o seguinte:

“5. Sobre as prestações de serviços de transferes do Aeroporto para o hotel em viaturas próprias com condutor da empresa não há dúvida em enquadrá-las na verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA, segundo a qual são tributadas à taxa reduzida as prestações de serviços de “Transporte de passageiros, incluindo o aluguer de veículos com condutor”.

6. Nesse sentido, será, também, de aplicar a taxa reduzida, por enquadramento na citada verba 2.14 da Lista I, aos passeios marítimo-turísticos quando se consubstanciem no mero transporte de passageiros tal como se encontra definido na verba 2.14, independentemente do meio de transporte utilizado (embarcação ou táxi fluvial ou marítimo).

7. No que concerne ao aluguer de embarcações refira-se que: i) O aluguer de embarcações com tripulação (que decerto inclui o condutor) encontra-se abrangido pela verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA; ii) Ao aluguer de embarcações sem tripulação por falta de enquadramento na referida verba 2.4, aplicar-se-á a taxa normal.

(…)

16. Deste modo, as prestações de serviços correspondentes a "transferes do Aeroporto para o hotel em viaturas próprias com condutor da empresa", "aluguer de embarcação a grupos com tripulação da empresa", "passeios de barco com skipper" e "transporte costeiro de passageiros" se efetuadas no território da Região Autónoma xx são consideradas como localizadas nesse território, independentemente da qualidade do adquirente dos serviços, à luz da alínea b) do nº 8 do artigo 6.º do CIVA, sendo tributadas à taxa reduzida de 4% por aplicação conjunta do art.º 18.º, nº 3 al. a), e da verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA”.

 

                               Na Informação Vinculativa n.º 12380, com despacho de 17.11.2017, da Diretora de Serviços do IVA, por subdelegação, pede-se esclarecimento sobre as seguintes prestações:

- “a possibilidade de deduzir o IVA contido na aquisição e reparação, de viatura ligeira de passageiros, com 7 lugares, a adquirir, para utilização na sua atividade”; e

- “se a prestação de serviços de transporte de turistas, relacionadas com a sua atividade [“serviços de organização de atividades de animação turística que inclui passeios turísticos, transporte de passageiros em veículos ligeiros e assistência e acompanhamento a turistas em passeios”], tem enquadramento na verba 2.14 da Lista I, anexa ao CIVA”.

 

                               O entendimento veiculado pela AT foi o seguinte:

“(…) considerando que a requerente está registada com a atividade de "Transporte Ocasional de Passageiros em Veículos Ligeiros", caso as prestações de serviços de "transporte de passageiros", se esgote naquela atividade é permitida a dedução do imposto suportado a montante com a sua aquisição e fabrico e com os serviços prestados (ex: reparação, transformação, conservação...).

 (…) a requerente deve liquidar o IVA à taxa reduzida quando efetua prestação de serviços de transporte de passageiros, no âmbito da referida atividade”.

 

                               Na Informação Vinculativa n.º 12637, com despacho de 15.12.2017, da Diretora de Serviços do IVA, por subdelegação, pede-se esclarecimento sobre as seguintes prestações:

- “venda de passeios em comboio turístico”,

 

                               O entendimento veiculado pela AT foi o seguinte:

“4. A verba 2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA (CIVA) determina a aplicação da taxa reduzida, prevista no artigo 18.º n.º 1 alínea a) do Código do IVA, ao "transporte de passageiros, incluindo o aluguer de veículos com condutor. Compreendendo-se nesta verba o serviço de transporte e o suplemento de preço exigido pelas bagagens e reservas de lugar."

5. Esta verba contempla unicamente o mero transporte de passageiros.

6. Assim, os serviços de transporte que tiverem subjacentes outros serviços que não o suplemento do preço exigido pelas bagagens e reservas de lugar, não têm cabimento na verba 2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA.

7. Exclui-se, pois, do âmbito de aplicação desta verba todas as prestações de serviços complexas em que o serviço de transporte seja apenas um dos elementos necessários à prossecução da finalidade dessa prestação de serviços, mas não o elemento que a caracteriza.

8. É o que acontece, por exemplo, nos denominados "passeios turísticos", em que ainda que esteja englobado também o transporte dos participantes, na verdade o serviço prestado não é o de transporte de passageiros, mas sim um conjunto de serviços, por exemplo, visitas a parques ou museus, guia, animação, etc., que lhe confere as características de atividade turística e o afasta do transporte de passageiros propriamente dito.

9. A requerente refere que possui um comboio turístico utilizado exclusivamente para transportar os turistas/clientes no passeio pelos jardins da quinta.

10. Efetivamente, o serviço que a requerente oferece aos seus clientes não é um transporte de passageiros, mas uma forma alternativa dos turistas usufruírem do passeio pelos jardins da quinta, o que se reconduz na sua atividade turística.

11. Em conclusão, os passeios turísticos promovidos pela requerente, ainda que possam ser efetuados num comboio, não são passíveis de enquadramento na verba 2.14 da lista I anexa ao Código do IVA, pelo que aos mesmos deve ser aplicada a taxa normal de imposto prevista no artigo 18.º n.º 1 alínea c) do Código do IVA”.

 

 

                               Na Informação Vinculativa n.º 13464, com despacho de 03.05.2018, da Diretora de Serviços do IVA, por subdelegação, pede-se esclarecimento sobre as seguintes situações:

- “a. O Requerente procede à recolha de clientes no hotel para realização de um pacote turístico que inclui um passeio marítimo em barco próprio junto à costa ou em alto mar, o passeio inclui uma refeição ligeira fornecida por terceiros, neste passeio podem ou não ocorrer avistamentos de cetáceos. Em sede de IVA, pretende esclarecer se pode optar pelo regime das agências de viagens e liquidar o IVA pela margem, e se este serviço pode ser considerado um pacote turístico”;

- “b. O Requerente realiza passeios de jipe (em viatura da empresa com condutor que serve de guia), durante os quais são servidas refeições ligeiras por terceiros, está, ainda, incluída uma visita a um jardim botânico ou a outros centros de interpretação. O Requerente pretende esclarecer se o que está em causa é um serviço de agência de viagem cujo IVA é liquidado pela margem ou se está em causa um serviço de animação turística enquadrado no regime normal do IVA sujeito à taxa normal de imposto”;

- “c. O Requerente solicita que se esclareça se o conceito de pacote turístico implica a aquisição de serviços a terceiros. Isto é, uma vez que a empresa possui barcos e viaturas próprias e recorre a terceiros apenas para o serviço de refeições, se pode considerar como sendo um serviço de agência de viagem e liquidar o IVA pela margem”;

- “d. Finalmente, um passeio num barco da empresa em que a bordo do barco vai um skipper e um marinheiro para passeio em alto mar, pode ser considerado um transporte de passageiros e a liquidação de IVA ocorrer à taxa reduzida”,

 

                               O entendimento veiculado pela AT foi o seguinte:

“14. Esta verba [2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA] contempla unicamente o transporte de passageiros. Assim, os serviços de transporte que tiverem subjacentes outros serviços que não o suplemento do preço exigido pelas bagagens e reservas de lugar, não têm cabimento na verba 2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA.

15. Exclui-se, pois, do âmbito de aplicação desta verba todas as prestações de serviços complexas em que o serviço de transporte seja apenas um dos elementos necessários à prossecução da finalidade dessa prestação de serviços, mas não o elemento que a caracteriza.

16. Por exemplo, nos denominados "passeios turísticos", ainda que esteja englobado também o transporte dos participantes, na verdade o serviço prestado não é o de transporte de passageiros propriamente dito, mas sim um conjunto de serviços, por exemplo, refeições, visitas a parques ou museus, guia, etc., que não são valorizados individualmente pelo destinatário. A este são-lhe apresentados os passeios previamente organizados, e o que adquire não é cada um dos serviços, mas um pacote que lhe confere as características de atividade turística.

(…)

a. A situação descrita na alínea a) da exposição em análise, traduz-se num passeio turístico de barco organizado pelo Requerente, para a realização do qual este recorre a meios próprios e a serviços fornecidos por terceiros (refeições a bordo do barco). Esta operação não tem enquadramento no diploma pelo qual se regem as agências de viagem e organizadores de circuitos turísticos (Decreto-lei n.º 221/1985 de 03 de julho, alterado pelo Decreto-lei n.º 206/96 de 26 de outubro), sendo abrangida pelo regime geral do IVA, e tributada à taxa normal de imposto.

b. Na situação descrita na alínea b) da exposição do Requerente, este refere que realiza passeios de jipe (em viatura da empresa com condutor que serve de guia), durante os quais são servidas refeições ligeiras fornecidas por terceiros, está, ainda, incluída uma visita a um jardim botânico ou a outros centros de interpretação. Tal como na situação descrita no ponto anterior esta operação está sujeita às regras gerais do IVA, sendo tributada à taxa normal de imposto.

c. O conceito de pacote turístico para efeitos de aplicação do regime das agências de viagem e organizadores de circuitos turísticos, previsto no Decreto-lei n.º 221/1985 de 03 de julho, alterado pelo Decreto-lei n.º 206/96 de 26 de outubro, pressupõe que o pacote apresentado aos clientes seja constituído integralmente por bens e serviços fornecidos por terceiros. As situações em que o Requerente recorre a bens e serviços próprios e a bens e serviços fornecidos por terceiros estão sujeitos às regras gerais do IVA

d. A última questão apresentada prende-se com os passeios em barcos da empresa, nos quais a bordo do barco vai um skipper e um marinheiro para o passeio em alto mar. Estando em causa um passeio de barco, conforme o Requerente o qualifica, a taxa de imposto é aplicável a taxa normal de IVA”.

 

 

                               Cumpre ainda referir que, com o propósito de aclarar as dúvidas existentes no enquadramento desta atividade, surge a Proposta de Lei n.º 156/XIII/4.ª pela mão do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, aprovada em 31.12.2018 e vertida na Lei do Orçamento de Estado para 2019, onde se escreve que:

“A Autoridade Tributária (AT) tem vindo a ter o entendimento que “o transporte de passageiros, individual ou coletivo, por qualquer via ainda que o fim seja um passeio turístico, é passível de imposto à taxa reduzida (6%), por enquadramento na citada verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA.”, entendimento este que foi inclusive assumido em diferentes informações vinculativas.

A existência de refeições incluídas no preço, ou de outras atividades, não deve excluir a qualificação como transporte de passageiros das restantes componentes do preço, desde que discriminadas as atividades na fatura.

Contudo, mais recentemente, a Autoridade Tributária tem vido, em certos casos, a assumir um entendimento que o serviço de transporte de passageiros, quando praticado no âmbito de atividades marítimo turísticas, deverá ser tributado com uma taxa de (23%).

(…)

Face às dúvidas que se colocaram e à incerteza criada pela recente prática da Autoridade Tributária em de recusar a aplicação da taxa reduzida no transporte de passageiros em passeios turísticos, é conveniente que o sentido da lei seja esclarecido.

O esclarecimento é que o transporte de pessoas com finalidade de passeio turístico é tributado como transporte de passageiros, independentemente da presença de outros elementos no serviço, desde que estes estejam discriminados e aplicando-se a este a sua taxa própria.

(…)

1-            As verbas (…) 2.14 (…) da Lista I anexa ao Código do IVA, passam a ter a seguinte redação:

«…

2.14 - Transporte de passageiros, incluindo aluguer de veículos com condutor. Compreende-se nesta verba o serviço de transporte e o suplemento de preço exigido pelas bagagens e reservas de lugar, bem como o transporte de pessoas no âmbito de atividades marítimo-turísticas.

 …»”

 

                               Em síntese, e ao que aqui importa, pode concluir-se que as informações vinculativas produzidas pela AT na matéria até 2017 iam com razoável clareza no seguinte sentido:

(i)           Sempre que passeio turístico e refeições sejam autonomizados na fatura, as prestações mantêm a sua identidade, cabendo à primeira a taxa reduzida e às segundas a taxa intermédia;

(ii)          Quando passeio turístico e refeições não sejam autonomizados na fatura, as prestações perdem a sua identidade, devendo por isso aplicar-se ao todo a taxa normal do imposto;

(iii)         A finalidade “turística” do transporte de passageiros é irrelevante ao seu tratamento.

 

Com as Informações Vinculativas n.º 12.637, de 2017, e n.º 13.464, de 2018, parece dar-se uma viragem na doutrina administrativa, sugerindo a AT agora a aplicação de taxa normal de IVA a todo o valor dos passeios turísticos sempre que estes compreendam elementos adicionais ao transporte de passageiros, tais como as refeições, e parecendo irrelevante agora à AT o modo como o sujeito passivo os discrimine em fatura.

 

Decisivo é que os factos do processo remontam a 2015 e que a doutrina administrativa produzida até então sempre parece apontar no sentido da atuação desenvolvida pela Requerente.

 

Assim, até à viragem verificada em 2017 e 2018, era legítimo aos sujeitos passivos presumirem que “se a factura que titula a referida prestação de serviços (Passeio Turístico), discriminar as operações de acordo com a sua natureza, a taxa a aplicar será a que lhes corresponder, nomeadamente: - No caso do transporte de passageiros 6%, de acordo com a verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA; - Relativamente às prestações de serviços de alimentação e bebidas 13%, de acordo com a verba 3.1 da Lista I anexa ao CIVA” – Informação Vinculativa n.º 1768.

 

Ora, de acordo com J.M. Pires et alia,

“[o] legislador estabelece a obrigação de converter informações vinculativas prestadas reiteradamente em orientações genéricas. Atendendo à vinculação que resulta para a administração tributária da prestação das informações previstas no artigo anterior [artigo 68.º - Informações Vinculativas], o legislador entendeu que o carácter reiterado da apreciação de determinada questão jurídica da mesma forma, em sede de informação vinculativa, constitui a administração na obrigação de converter tais informações em orientação genérica. De acordo com a norma do n.º 3 deste artigo [artigo 68.ºA da LGT], para tanto é necessário que a administração tributária tenha apreciado no mesmo sentido, por três vezes (não necessariamente consecutivas) certa questão de direito, ou na probabilidade séria de que tal venha a ocorrer. O facto de a mesma questão jurídica estar a ser resolvida repetidamente da mesma forma pela administração (…), traduz uma tendência interpretativa reiterada das normas jurídicas em causa, que vai para lá da particularidade do caso concreto. Deste modo (…), o legislador entendeu que, em tais situações, estão verificados, os pressupostos de estandardização na interpretação e aplicação do direito que determinam a emissão da orientação genérica, sob a forma de circular”. (in PIRES, JOSÉ MARIA FERNANDES, et. Alia, Op. Cit., 2015, Almedina, Coimbra, p. 784-785).

 

 

 No mesmo sentido, afirmam Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa que:

o “n.º 3 deste art. 68.º-A [da LGT] impõe à administração tributária que proceda à conversão das informações vinculativas ou de outro tipo de entendimento prestado aos contribuintes em circulares administrativas, quando tenha sido colocada questão de direito relevante e esta tenha sido apreciada no mesmo sentido em três pedidos de informação ou seja previsível que o venha a ser. Trata-se de um afloramento dos princípios da igualdade e da colaboração da administração tributária com os contribuintes. Por isso, a obrigação de não tratar discriminatoriamente os contribuintes que deriva daquele princípio da igualdade (arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) impõe que se repita a aplicação do regime de informações vinculativas em relação a contribuintes que estejam em situação idêntica à que foi objecto de informação, independentemente da transformação da informação vinculativa em orientação genérica” (CAMPOS, DIOGO LEITE DE, RODRIGUES, BENJAMIM SILVA e SOUSA, JORGE LOPES DE, Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Maio 2012, p. 636)

 

                               E reforçam os autores supracitados que

“[u]ma nova vinculação expressamente reconhecida pela LGT, na redacção inicial, é a relativa às orientações genéricas emitidas sobre a interpretação das normas tributárias que estiverem em vigor no momento do facto tributário [alínea b) do n.º 4 deste art. 68.º, na redacção inicial]. Desta vinculação decorre não serem invocáveis retroactivamente perante os contribuintes que tenham agido com base numa interpretação plausível e de boa-fé da lei os actos administrativos decorrentes de orientações genéricas emitidas pela administração tributária (n.º 5 deste art. 68.º, na redacção inicial).

(…)

Esta vinculação limita-se às orientações genéricas que tenham sido veiculadas através de circulares, regulamentos ou instrumentos de natureza idêntica (…).

Esta vinculação implica que, mesmo que a administração tributária venha a considerar ilegal uma determinada interpretação da lei, tem de aplicá-la aos casos concretos que ocorram durante o período de tempo em que ela vigorava por força de uma orientação genérica.

Esta aplicação traduz-se, assim, no sacrifício do princípio da legalidade, restringido à norma que concretamente regula a situação, para salvaguarda dos princípios da igualdade e da boa fé, que também integram o bloco da legalidade.

(…)

Este princípio da igualdade, porém, só exige que a administração tributária não leve a cabo uma actuação discriminatória e não que mantenha indefinidamente uma mesma interpretação das normas tributárias.

Por isso, se, depois de ter mantido uniformemente, durante um certo período de tempo, uma mesma interpretação da lei, na sua aplicação aos casos concretos, a administração tributária se convence que é correcta uma outra interpretação, o princípio da igualdade não é obstáculo a que a passe a adoptar na sua prática, exigindo apenas, para não existir discriminação, que a nova interpretação seja aplicada generalizadamente.

No entanto, também por exigência do princípio da igualdade, impõe-se que aos factos tributários ocorridos no mesmo momento seja dado idêntico tratamento.

Por isso se justifica que as mudanças das orientações genéricas da administração tributária não impeçam a aplicação das anteriores orientações a todos os factos ocorridos no período de tempo em que elas estiveram em vigor” (in CAMPOS, DIOGO LEITE DE, RODRIGUES, BENJAMIM SILVA e SOUSA, JORGE LOPES DE, Op. Cit., 4.ª Edição, Maio 2012, p. 625-626)

 

Acompanha este entendimento J.M. Pires et alia, segundo o qual:

“4. (…) Durante o período de vigência da orientação genérica, a administração tributária está obrigada a actuar em conformidade com a interpretação que deu à lei, não podendo actuar de forma diversa. Esta obrigatoriedade tem fundamento na salvaguarda dos princípios da boa fé e da protecção da confiança dos cidadãos, criada precisamente pela emissão da orientação genérica, que está sujeita a publicação (…).

5. [Contudo, a]lguma doutrina tem defendido a desnecessidade de publicação das orientações genéricas [, como Lima Guerreiro].

(…)

8. As orientações genéricas possuem um carácter obrigatório para a administração tributária, independentemente de não serem emitidas sob a forma de circulares (…). De qualquer modo, a administração tributária não ficará desvinculada, mesmo que não cumpra o dever de elaborar circulares com o conteúdo de todas as orientações genéricas (…).

 (…)

10. O fundamento da não invocação retroactiva de orientações genéricas perante os contribuintes que tenham agido com base numa interpretação plausível e de boa-fé da lei justifica-se em face dos princípios da igualdade, proporcionalidade e protecção da confiança ou boa-fé [que] implicam que, uma vez emitida certa orientação genérica, esta seja aplicada da mesma forma para todos, de modo não arbitrário ou discriminatório enquanto for válida

(…).

11. No entanto, a própria administração pode decidir que já não se justifica manter a interpretação resultante de certa orientação genérica (…). (…)

13. Os contribuintes, desde que estejam de boa fé, têm a segurança de não lhes vir a ser aplicada posteriormente uma orientação em sentido diverso do que estava vigente no seio da administração tributária, no momento em que se verificou o facto tributário (…)” (in PIRES, JOSÉ MARIA FERNANDES, et. Alia, Op. Cit., 2015, Almedina, Coimbra, p. 781-784)

 

A mesma ideia estava já plasmada na redação inicial da lei, sobre a qual Lima Guerreiro teceu o seguinte comentário:

“Entendemos que o presente número 4 [do antigo artigo 68.º da LGT – “A administração tributária está ainda vinculada: b) Às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza emitidas sobre a interpretação das normas tributárias que estiverem em vigor no momento do facto tributário”] inclui as orientações genéricas, mesmo não publicadas, quando o interessado demonstre terem sido reiterada e sistematicamente seguidas pela administração tributária e aprovadas pelos seus órgãos competentes, estando nessa medida na base da conduta do contribuinte que delas teve conhecimento efectivo e actuou de acordo com elas, na expectativa de que a administração fiscal não reagiria contra o seu comportamento.

8 – Os números 5 e 6 alargam o princípio da protecção da confiança em ordem a proibir a aplicação a situações tributárias anteriores das orientações genéricas da administração tributária quando os contribuintes tenham agido de acordo com uma interpretação plausível (ou seja, que, embora eventualmente errónea, se mantenha num quadro de razoabilidade, à luz de uma diligência normal) e de boa fé (não dolosa) da lei, circunstância que se presume, quando o contribuinte tiver solicitado já à administração tributária informação vinculativa sobre a situação tributária em causa.

Nesses casos, as orientações genéricas só se aplicam para o futuro, não abrangendo, pois, as situações tributárias já consumadas.

Deverá, pois, ser a administração fiscal, no momento da emissão das orientações genéricas, a definir fundamentadamente, ao abrigo dessas normas, se e na medida em que serão aplicáveis a factos tributários passados.

Não poderá, no entanto, aplicar essas orientações a factos tributários anteriores se se tiver verificado a circunstância referida no número 5: o contribuinte tiver solicitado informação vinculativa sobre os factos em causa, a não ser que a administração tributária elida a presunção de boa fé que a norma do número 6 atribui ao referido comportamento do contribuinte, circunstância que terá de fundamentar” (in GUERREIRO, ANTÓNIO LIMA, Op. Cit., Abril 2001, Editora Rei dos Livros, Lisboa, p. 314-315)

 

                               E, na linha do que tem sido transcrito até aqui, escrevem de forma clara J.M. Pires et alia:

“14. A prática de um acto em sentido contrário ao resultante da vinculação a uma orientação genérica traduz um vício de violação da lei, gerador de anulabilidade do acto praticado, por a lei não prever especificamente a nulidade como sanção deste vício (cfr. artigos 161.º a 163.º do CPA)” (in PIRES, JOSÉ MARIA FERNANDES, et. Alia, Op. Cit., 2015, Almedina, Coimbra, p. 784)

 

                               Vêm confirmar o entendimento até aqui exposto os acórdãos n.º 142/2012-T, n.º 69/2013-T, n.º 123/2013-T, n.º 443/2018-T e 132/2019-T do CAAD, o n.º 3078/05.7BELSB do TCA Sul e o n.º 01023/09 e n.º 0583/12 do Supremo Tribunal Administrativo.

 

                               Estas decisões sentenciam essencialmente que “não foram alegados nos autos factos suficientes para fundamentar o juízo de que a “questão de direito relevante ... tenha sido apreciada no mesmo sentido em três pedidos de informação ou seja previsível que o venha a ser”, o que seria necessário para concluir que, efectivamente a Administração Tributária teria violado o dever jurídico que, em função dessa norma lhe assistiria” (neste caso, a contrario, que apenas a falta de factos suficientes impediu que se considerasse convertida a interpretação em orientação genérica); “[u]m afloramento desta interpretação do princípio da igualdade está ínsita no regime do artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT [anterior art. 68.º, n.º 4, alínea b)], que impõe à Administração Tributária a observância das orientações genéricas que estejam em vigor no momento do facto tributário, proibindo a aplicação retroactiva de novas orientações genéricas, o que significa que estas podem ser alteradas”; que “[é] por (…) motivos, de inegável relevância constitucional, que se estabelece que as próprias informações vinculativas – todas sujeitas a publicação – devem ser convertidas em circulares administrativas, logo que verificados os pressupostos do artigo 68º-A n.º 3 da LGT”; que “independentemente de ser ou não correcta a interpretação da lei constante de orientações genéricas, tem de se concluir que enfermam de vício de violação de lei, por incompatibilidade com os citados artigos 68.º, n.º 4, alínea b), e 68.º-A, n.º 1, os actos que a Administração Tributária pratique em dissonância com essas orientações”

 

Ademais, cabe referir que “as circulares não constituem regras de decisão para os tribunais e que a circunstância de a Administração Tributária ficar vinculada, em face do disposto no actual artigo 68.º-A, n.º 1, da Lei Geral Tributária, às orientações genéricas constante de circulares que estiverem em vigor no momento do facto tributário, não altera esta perspectiva, porque elas não têm força vinculativa nem para os particulares nem para os tribunais” (Ac. do STA, de 20.102010, processo n.º 01023/09), reafirmando-se que “a Administração Tributária fica vinculada ao teor das circulares que emite sobre o entendimento das normas tributárias aplicáveis, sendo certo que tal vinculação decorre de forma expressa e inequívoca do disposto no artigo 68.º, n.º 4, alínea b) da LGT (actual 68.º-A n.º 1 da LGT) e constitui uma decorrência necessária dos princípios da boa-fé e da igualdade, que presidem ao exercício da actividade administrativa (artigo 266.º n.º 2 da Constituição da República)”  (Ac. do STA, de 17.10.2012, processo n.º 0583/12) e ainda que “[o] objetivo subjacente à emissão destas orientações genéricas é dotar os contribuintes de um instrumento que os esclareça sobre a interpretação que a AT faz num determinado caso, conferindo segurança adicional em termos de previsibilidade da atuação administrativa” (Ac. do TCAS, de 25.06.2019, processo n.º 3078/05.7BELSB).

 

                               É seguro, portanto, em face da nossa lei, da doutrina e da jurisprudência, que padece de vício de violação da lei a prática de um ato que contrarie o firmado numa orientação genérica, qualquer que seja a forma que essa orientação tome.

 

                               Além disto, é seguro que, à data em que foram praticados os factos, tinha a AT produzido informações vinculativas, divulgadas como fichas doutrinárias, que apontavam no sentido do tratamento autónomo para efeitos de IVA do transporte marítimo de passageiros, mesmo quando este possuísse finalidades turísticas e mesmo quando lhe fossem associados serviços diferentes, desde que faturados com autonomia, como sucedeu efetivamente no presente caso.

 

                               Tendo sido instada por sucessivas vezes a clarificar o enquadramento deste tipo de atividades, a AT não foi capaz de enquadrá-las de forma inteiramente clara nem coerente, gerando uma situação de incerteza entre os operadores que obrigaria mais tarde à intervenção legislativa.

 

                               Em face do exposto, impõe-se a este Tribunal arbitral concluir pela invalidade dos atos de liquidação praticados, por violação do artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária.

 

                               Termos em que procede o pedido arbitral devendo, em consequência ser anuladas as liquidações adicionais de IVA impugnadas e respetivos juros, com todas as consequências legais.    

               

IV.          DA RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS

 

                               Nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC (ex vi 29.º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

 

                               Neste âmbito, o n.º 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

                               Consequentemente, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerida.

 

V.           DECISÃO

 

Termos em que este Tribunal Arbitral Singular decide:

 

a)            Julgar procedente o pedido arbitral e, em consequência, anular as liquidações adicionais de IVA, e respetivos juros compensatórios;

 

b)           Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

VI.          VALOR DO PROCESSO

 

                Nos termos do n.º 2 do artigo 306.º do CPC, alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do processo é fixado em € 50.172,58.

 

VII.         CUSTAS

 

Entende este Tribunal Arbitral Singular que o valor a considerar para efeitos de determinação das custas no presente Pedido de Pronúncia Arbitral é o valor que motivou a constituição deste Tribunal Arbitral Singular, e não contestado pela Requerida, i.e., o valor de € 50.172,58.

 

Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 29 de novembro de 2021

 

O árbitro,

Rui Miguel Zeferino Ferreira