Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 762/2020-T
Data da decisão: 2021-11-20  IMT Selo  
Valor do pedido: € 5.941,19
Tema: IMT e IS – excesso da quota-parte; herança.
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SUMÁRIO:

 

I.             Só os imóveis existentes no património hereditário no momento da partilha relevam naquele cálculo fiscal sendo que, nos casos em que os herdeiros vendem bens imóveis da herança ainda indivisa, é o preço de venda desses mesmos bens imóveis que, em substituição destes, integra o âmbito da herança a partilhar (cf. n.º 1 dos artigos 2162.º e 2031.º, ambos do CC)

II.            A adjudicação de imóvel cujo valor excede a quota parte do herdeiro nesse mesmo imóvel, independentemente da constituição da obrigação de tornas ou da obrigação do seu pagamento, a diferença entre o valor da sua quota ideal e o valor da adjudicação no imóvel remanescente da herança e levado à partilha, constitui transmissão onerosa ficcionada – nos termos conjugados da alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º, com o n.º 2 do artigo 5.º, ambos do CIMT – sujeita a IMT.

III.          O excesso de quota parte no identificado imóvel, adjudicado ao R. também está sujeita a Imposto do Selo da verba 1.1 Tabela Geral de Imposto do Selo.

IV.          Esse mesmo excesso é calculado nos termos do artigo 12.º, n.º 1 e n.º 4, regra 11.ª do CIMT, em função do «valor que tiver servido de base à partilha», ou do VPT, consoante o que for superior.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Marisa Almeida Araújo, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 21 de maio de 2021, decide:

 

I.             Relatório

 

A..., contribuinte fiscal n.º..., com residência habitual na Rua ..., n.º..., ...-... Parede, (adiante designado apenas “Requerente”) veio, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante apenas designado por RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, requerer a constituição de tribunal arbitral.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante “Requerida” ou “AT”).

 

O Requerente pretende que o Tribunal declare ilegais e anule a liquidação de Imposto de selo com o DUC n.º ..., no valor de € 1.138,00, e a liquidação de IMT n.º..., no valor de € 4.732,37, ambas emitidas a 12-09-2020 e, consequentemente, condene a AT a proceder à devolução do valor pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

 

O Requente alega, sumariamente, que

a)            É filho e herdeiro testamentário da quota disponível da sua mãe, B..., a qual faleceu no dia 10-12-2007, no estado de viúva do pai do autor, C..., falecido a 15-07-1989, tendo-lhe sucedido, como únicos herdeiros as suas três filhas e o aqui Requerente.

b)           O pai do autor faleceu intestado em 15-07-1989, deixando como seus únicos herdeiros a viúva e seus cinco filhos sendo que, segundo o Requerente, à data do óbito do pai, o património era composto por quatro imóveis, dois urbanos, atual Art.º..., da União de freguesias de ... e ..., o Art.º urbano- ... de ..., Sintra, o Art.º rustico ... secção L, e o Art.º rustico..., secção L , também de ..., Sintra, não tendo havido qualquer partilha por morte do mesmo, mantendo-se o mesmo património indiviso.

c)            Em 10-09-2003, faleceu o irmão do Requerente, D..., no estado de solteiro e maior de idade, tendo-lhe sucedido como sua única herdeira, a sua mãe, tendo o mesmo como património, à data da sua morte, segundo o Requerente, o direito que lhe cabia na herança indivisa do seu falecido pai.

d)           Na data do óbito da mãe do autor, a 10-12-2007, o património desta e que compunha a herança era composto pelos mesmos 4 imóveis, sobre os quais incidiam vários direitos indivisos dos herdeiros e da falecida. Os quatro herdeiros, por acordo, atribuíram ao conjunto dos três imóveis de Sintra, o valor de 570.000,00 € e ao imóvel sito na ..., concelho de Cascais o valor de 247.391,30 €.

e)           Antes de partilhas, por escritura pública de 29-05-2020, os herdeiros, representando a herança indivisa, decidiram vender o conjunto dos 3 imóveis de Sintra, pelo referido valor de 570.000,00 €, recorrendo para o efeito a uma mediadora imobiliária. Desta forma, Segundo o Requerente, na data da abertura da herança, o valor global dos bens da herança era assim de 817.391,30 €, e o passivo da herança era no valor de 42.831,96€, no qual se incluíam os impostos IMI e a comissão da mediadora imobiliária, perfazendo um valor líquido de 774.559,34 €.

f)            Tendo em conta o testamento e o pré falecimento do irmão do Requerente, o direito à quota ideal deste na herança pela morte do pai (5%), foi herdado pela sua mãe, passando esta a deter 80% da herança, a qual por sua vez deixou a sua quota disponível, ao autor, logo a quota ideal do Requerente passou a ser de 42,50% da herança e a quota ideal das restantes suas três irmãs ficou com os remanescentes 57,50% da herança, para ser dividida em três partes iguais. Desta forma, segundo o Requerente, numa herança com um valor líquido total de 774.559,34 €, cabia ao autor uma quota da herança no valor de 329.187,72 € (42,50%), e ao conjunto das restantes herdeiras caberá um total de 445.371,62 € (57,50%), ou seja a cada uma o valor de 148.457,21€. Sendo a herança integralmente composta por imóveis, à data da sua abertura, o facto da herança ter alienado a terceiros os imóveis de Sintra, ficando apenas para ser partilhado o imóvel de ..., entende o Requerente que não pode influir no cálculo do eventual excesso de imóveis do autor, para efeito da liquidação do Imposto de selo e IMT pois que teria que se ter em conta o valor total (dos imóveis da herança) à data da sua abertura, uma vez que o Código Civil no artigo 2119.º, indica que a aquisição por via sucessória retroage à data da abertura da herança, logo não poderá deixar de ser tido em conta a existência dos 4 imóveis, na herança, sendo o valor destes, não o patrimonial, mas o mais alto e declarado pela herança na escritura de venda desses bens.

g)            Entende o Requerente que, quando os herdeiros efetuaram a partilha do remanescente herança, o imóvel ainda não alienado, atribuindo ao Requerente, para preenchimento da sua quota na herança no valor de 329.187,72€, o bem imóvel sito na freguesia de..., concelho de Cascais, descrito na ... conservatória do registo predial de Cascais sob o número ..., dessa mesma freguesia, inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias de ... e ... sob o artigo ..., (anterior artigo urbano ... da extinta freguesia de...) averbado na matriz a favor da herança que tem o número de contribuinte ..., com o valor patrimonial de € 132.757,85 e ao qual foi atribuído o valor de 247.391,30 € verifica-se que a quota do autor, não foi preenchida com imóveis que tenham excedido a sua quota ideal na herança, não tendo este pago quaisquer tornas.

h)           Concluiu o Requerente que se trata de uma aquisição gratuita, que de acordo com as regras de Imposto do Selo se encontra isenta e não está sujeita a IMT, pois que este que apenas incide sobre aquisições onerosas pelo que entende que as liquidações em apreço nos autos são ilegais.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado a 13 de dezembro de 2020 tendo sido aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD a 14 de dezembro de 2020 e seguiu a sua normal tramitação.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitra do Tribunal Arbitral Singular a aqui signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes, notificadas dessa designação em 3 de maio de 2021, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 21 de maio de 2021.

 

Notificada para o efeito, a Requerida apresentou resposta 21 de junho de 2021, na qual se defende por impugnação e pugna pela improcedência do pedido e consequente absolvição do pedido, e juntou o processo administrativo.

 

A Requerida alega sumariamente que,

 

a)            O IMT e o Imposto do Selo da verba 1.1 da TGIS, exigidos ao Requerente reportam-se à adjudicação do excesso da quota-parte que lhe pertence no imóvel U-..., objeto da partilha outorgada em 6 de agosto de 2020 - facto tributário ficcionado no CIMT porque o Requerente, na qualidade de adjudicatário, adquiriu parte ou o quinhão hereditário nesse mesmo imóvel, pertencente aos outros herdeiros, ex vi fenómeno sucessório mortis causa. Excesso que também está, segundo a Requerida, sujeito a Imposto do Selo, cujo valor tributável é calculado nos termos dos artigos 12.º, n.º 1 e n.º 4, regra 11.ª do CIMT.

b)           Entende a Requerida que a expressão “tornas” não tem um mínimo de correspondência verbal no elemento literal da alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º do CIMT, para que, da adjudicação do excesso em bens imóveis em partilhas, se possa concluir que aquelas traduzem a correspetiva contraprestação condicionante da génese da

 obrigação/prestação tributária em sede de IMT. A alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º do CIMT (nem tacitamente) contempla, como pressuposto da sua aplicação, as tornas como contraprestação da adjudicação do excesso da quota parte em bens imóveis que ao partilhante pertencer, como realidade jurídico-tributária sujeita a IMT.

c)            Entende a Requerida que nas partilhas hereditárias, é comum os partilhantes reportarem as tornas ao valor do excesso da quota parte em bens imóveis, por estes serem, normalmente, os bens de maior valor a partilhar, isto é, as tornas são, na maioria das partilhas, pagas pelo partilhante/herdeiro a quem são adjudicados bens imóveis em valor superior ao da sua quota – o que constitui uma questão meramente jurídico-civil. Mas, os partilhantes também podem reportar as tornas às adjudicações do excesso da quota parte em bens móveis, continuando a ser uma questão meramente jurídico-civil. Sejam as tornas reportadas ao excesso de bens imóveis, de móveis ou composto com bens das duas naturezas (como é o caso concreto segundo a Requerida), a sua determinação não funciona, como “contrapartida” do excesso da quota parte, pois, como já se disse, são apenas uma forma de igualação dos quinhões na partilha. O que não constitui, por isso, uma questão jurídico-tributária.

d)           Nas partilhas, e para efeitos de aplicação da alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º do CIMT, nada impede que possa existir uma coincidência entre o valor de tornas que o herdeiro tem de pagar aos outros herdeiros na partilha hereditária, para igualação dos quinhões e o valor do excesso da quota parte em bens imóveis que lhe é adjudicado. Porém, entende a Requerida, que não é essa coincidência que concretiza a onerosidade do facto tributário em IMT, porque aquela norma tributária não estabelece uma relação jurídica mediata ou imediata entre as tornas (relação jurídico-civil) e a relação jurídico-tributária originada pela adjudicação do excesso de quota parte em bens imóveis. Sendo que, de acordo com a posição da Requerida, o que prevalece, para efeitos tributários, em sede de IMT, é a adjudicação do «excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em ato de divisão ou partilhas», [cf. alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º do CIMT – incidência objetiva], que, de per si, constitui o pressuposto legal conducente à aplicação da alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º do CIMT – facto tributário, 32. sendo o IMT «devido pelo adquirente dos bens imóveis cujo valor exceda o da sua quota nesses bens» [cf. alínea a) do artigo 4.º do CIMT – incidência subjetiva]. Pelo que, a incidência objetiva e subjetiva de IMT basta-se com a adjudicação do excesso da quota parte em bens imóveis que ao partilhante pertencer. Para efeitos tributários, «o valor que tiver servido de base à partilha» ou o VPT, constitui uma expressão legal inconfundível com as tornas. Com efeito, a alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º do CIMT, como norma de incidência objetiva que é, ficciona a transmissão onerosa de bens imóveis no CIMT, a adjudicação, em partilha hereditária, de bens daquela natureza, em tudo o que exceder o valor da quota-parte ou quinhão que ao adquirente/adjudicatário pertencer nos bens imóveis do património da herança, sendo aquele excesso o facto tributário ficcionado passível de IMT. Assim, segundo a Requerida, é a adjudicação que concretiza a ficcionada transmissão fiscal e, consequentemente, a sua subsunção na identificada norma de incidência de IMT.

e)           Por outro lado, segundo a Requerida, a adjudicação desse excesso imobiliário não reporta os seus efeitos ao momento da abertura da sucessão, mas antes, constitui ou tem a natureza de uma aquisição real a título oneroso (transmissão fiscal ficcionada nos termos conjugados da alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º, com o n.º 2 do artigo 5.º, ambos do CIMT), como se de uma compra e venda do direito de propriedade se tratasse no momento da celebração da escritura [cf. nº 1 do artigo 408.º e alínea a) do artigo 1317.º, ambos do CC], sendo que, sobre a adjudicação de tal excesso, se e por comportar bens imóveis, incide IMT (cf. alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º do CIMT).

f)            Por sua vez, quanto à questão de saber se no cálculo fiscal do excesso de quota parte em bens imóveis objeto da partilha, relevam, ou não, os bens imóveis alienados pelos herdeiros a terceiros antes de titularem a partilha. É a alínea b) do artigo 2069.º do CC que responde à questão segundo a Requerida quando refere que é o “preço dos alienados” que integra o âmbito da herança a partilhar. O que vale por dizer que só os imóveis existentes no património hereditário no momento da titulação da partilha relevam naquele cálculo fiscal, ficando, portanto, afastada a ideia da inexistência de excesso de quota parte quando o património hereditário partilhado é composto de bens imóveis de número inferior ao que foi transmitido mortis causa.

g)            Desta forma, conclui a Requerida que a simples adjudicação do imóvel U-..., cujo valor excedeu a quota parte do Requerente nesse mesmo imóvel, independentemente da constituição da obrigação de tornas ou da obrigação do seu pagamento, a diferença entre o valor da sua quota ideal e o valor da adjudicação no imóvel remanescente da herança e levado à partilha de 6 de agosto de 2020, constitui transmissão onerosa ficcionada – nos termos conjugados da alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º, com o n.º 2 do artigo 5.º, ambos do CIMT - sujeita a IMT. O excesso de quota parte no identificado imóvel, adjudicado ao Requerente também está sujeita a Imposto do Selo da verba 1.1 Tabela Geral de Imposto do Selo. 57. Esse mesmo excesso é calculado nos termos do artigo 12.º, n.º 1 e n.º 4, regra 11.ª do CIMT, em função do «valor que tiver servido de base à partilha», ou do VPT, consoante o que for superior, e constitui o valor tributável, para efeitos de aplicação da taxa da verba 1.1 da TGIS.

h)           Desta forma, conclui a Requerida pela improcedência do pedido de pronúncia arbutral.

 

A 28 de junho de 2020 foi dispensada a reunião a que alude o art. 18.º do RJAT e concedeu-se prazo para apresentação de alegações escritas tendo sido, por despacho de 3 de outubro de 2021, designado o dia 20 de novembro de 2021 como data para a prolação da decisão final.

 

 

II.            Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

Não há nulidades ou matéria de exceção para conhecer passando-se para a análise do mérito da causa.

 

 

III.          Fundamentação

 

III.I. Matéria de facto

 

A.           Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

1.            O Requerente é herdeiro, legitimário e testamentário, da sua mãe, que faleceu no dia 10-12-2007, no estado de viúva do pai do Requerente, falecido a 15-07-1989, sem testamento e deixando como herdeiros a mulher e cinco filhos.

2.            À data do óbito do pai do autor, o património do mesmo era composto por quatro imóveis, dois urbanos, atual Art..., da União de freguesias de ... e ..., o Art. Urbano - ... de ..., Sintra, o Art. rústico ... secção L, e o Art. Rústico ..., secção L, também de..., Sintra, não tendo havido qualquer partilha por morte do mesmo, mantendo-se o mesmo património indiviso.

3.            Um dos irmãos do Requerente morreu, no estado de solteiro, tendo-lhe sucedido como sua única herdeira, a sua mãe, tendo como património, à data da sua morte, o direito que lhe cabia na herança indivisa do seu falecido pai.

4.            A mãe deixou ao Requerente, por testamento, a sua quota disponível.

5.            Na data do óbito da mãe do Requerente o património desta era composto pelos imóveis referidos no ponto 2 sobre os quais incidiam vários direitos indivisos dos herdeiros e da falecida mãe do Requerente.

6.            Os 4 quatro herdeiros, por acordo, atribuíram ao conjunto dos três imóveis de Sintra, o valor de 570.000,00 € e ao imóvel sito na ... o valor de 247.391,30 €.

7.            Antes de partilhas, por escritura pública de 29-05-2020, os quatro herdeiros, representando a herança indivisa, venderam a terceiros, o conjunto dos 3 imóveis de Sintra, pelo valor de 570.000,00 €, recorrendo para o efeito a uma mediadora imobiliária.

8.            Na data de abertura da herança o passivo da herança era de 42.831,96 €, no qual se incluíam nomeadamente os impostos IMI e a comissão da mediadora imobiliária, perfazendo um valor líquido da herança, após pagamento dos passivos, de 774.559,34 €.

9.            Tendo em conta o testamento da mãe do Requerente e o falecimento do seu irmão, após a morte do pai de ambos, o direito à quota ideal deste na herança pela morte do pai, correspondente a 5%, foi herdado pela sua mãe, passando esta a deter 80% da herança, a qual por sua vez deixou a sua quota disponível, ao autor, logo a quota ideal do Requerente passou a ser de 42,50% da herança e a quota ideal das restantes suas três irmãs ficou com os remanescentes 57,50% da herança, para ser dividida em três partes iguais.

10.          Ao Requerente cabia, nesta herança, uma quota no valor de 329.187,72€ (42,50%), e ao conjunto das restantes três herdeiras um total de 445.371,62 € (57,50%).

11.          Ao Requerente foi atribuído o bem imóvel sito na freguesia de ..., concelho de Cascais, descrito ... conservatória do registo predial de Cascais sob o número..., dessa mesma freguesia, inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias de ... e ... sob o artigo ..., (anterior artigo urbano ... da extinta freguesia de ...) averbado na matriz a favor da herança que tem o número de contribuinte ..., com o valor patrimonial de € 132.757,85.

12.          O Requerente não pagou tornas às restantes co-herdeiras.

13.          O Requerente foi notificado das liquidações de Imposto de Selo com o DUC n.º..., no valor de € 1.138,00, e de IMT n.º..., no valor de € 4.732,37, emitidas a 12-09-2020.

14.          O Requerente procedeu ao pagamento em 14-09-2020.

15.          O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado a 13 de dezembro de 2020.

 

B.            Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.

 

C.            Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes e nos documentos juntos pelas Partes, mormente processo administrativo.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.

 

 

III.II Matéria de Direito (fundamentação)

 

O presente pedido de pronúncia arbitral fundamenta-se no facto do Requerente entender que a sua quota na herança não foi preenchida com imóveis que excedam a sua quota ideal, e não tendo este pago tornas às co-herdeiras, a mesma é isenta de IS e não está sujeita a IMT.

Desta forma, a questão que importa apreciar e decidir prende-se com a apreciação da legalidade das liquidações de IMT e IS, proveniente da partilha de bens imóveis herdados.

 

Nos termos da alínea c) do n.º 5 do art. 2.º do CIMT, está sujeito a IMT o excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em ato de divisão ou partilhas, bem como a alienação da herança ou quinhão hereditário sendo que, neste caso, o IMT é devido pelo adquirente dos bens imóveis cujo valor exceda o da sua quota nesses bens (cf. alínea a) do artigo 4.º do CIMT).

Desta forma concluímos que estão sujeitas a IMT as transmissões onerosas de imóveis, no que às partilhas diz respeito, da parte que recebe bens imóveis que excedam a sua quota parte no conjunto dos bens imóveis objeto da partilha. Sendo o excesso calculado em face do valor patrimonial tributário dos bens imóveis ou, se superior, do valor que tiver servido de base à partilha (cf. art. 12.º, n.º 4 e 11.º do CIMT).

Desta forma, a partilha de bens imóveis gera imposto na medida em que uma das partes fica com bens cujo valor é superior à sua quota-parte na totalidade dos imóveis objeto da partilha sendo que, em relação ao IMT, e como resulta da letra da lei, o imposto incide sobre esse excesso independentemente de serem pagas, ou devidas, ou não, as denominadas tornas.

 

Como refere José Maria Fernandes Pires (in Lições de Impostos sobre o Património e o Selo, 3.ª edição, Coimbra, Almedina), na senda da decisão proferida no âmbito do processo n.º 666/2019-T do CAAD e que aqui seguimos, a partilha “[...] não é um ato sujeito em si a Imposto do Selo nem IMT.” Mas, como acrescenta, a função da partilha é proceder à distribuição dos bens “[...] em função da quota ideal de cada um dos herdeiros, pelo que se essa distribuição respeita aquela proporção não haverá IMT a pagar.” Nestes casos não há, de facto, qualquer transmissão no ato da partilha já que, nos termos do art. 2119.º do CC, a aquisição por via sucessória tem efeitos retroativos ao momento da abertura da herança.

 

Mas, acrescenta o autor, “[...] nos casos em que dessas partilhas resulte que determinado herdeiro recebe bens imóveis superior à sua quota na herança, haverá sujeição a IMT, nos termos da al. c) do n.º 5 do artigo 2.º do CIMT. Nesses casos a parte do valor do(s) prédio(s) que exceda a quota do herdeiro é adquirida por efeito da partilha e não por mero efeito de sucessão. Por essa razão haverá sujeição a IMT na data da sua outorga, mas o imposto só incide sobre a parte do valor do imóvel recebido pelo herdeiro que excede a sua quota ideal.” (p. 303).

 

No caso em apreço, de facto, e considerando a factualidade apresentada só o imóvel U-... foi objeto de partilha em 6 de agosto de 2020.

Desta forma, e entende a AT, só este imóvel releva para efeitos de tributação nos termos da alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º do CIMT já que, nos termos da al. b) do art. 2069.º do CC, quanto aos bens imóveis alienados pelos herdeiros a terceiros antes de titularem a partilha é o “preço dos alienados” que integra o âmbito da herança a partilhar. I.e., como sufraga a AT, nos casos em que os herdeiros vendem bens imóveis da herança ainda indivisa, é o preço de venda desses mesmos bens imóveis que, em substituição destes, integra o âmbito da herança a partilhar, respeitando-se, assim, a regra de que são efetivamente partilhados os bens existentes no património do autor da sucessão no momento do seu decesso (cf. n.º 1 dos artigos 2162.º e 2031.º, ambos do CC).

 

Desta forma, resulta evidente que em relação ao único imóvel na herança se evidencia um efetivo excesso de quota parte no referido bem totalmente adjudicado ao Requerente, independentemente de qualquer obrigação de tornas, pelo que, a adjudicação desse excesso imobiliário está sujeito a IMT nos termos da alínea c) do 5 do artigo 2.º do CIMT.

Esse mesmo excesso é calculado nos termos do artigo 12.º, n.º 1 e n.º 4, regra 11.ª do CIMT, em função do «valor que tiver servido de base à partilha», ou do VPT, consoante o que for superior, e constitui o valor tributável, para efeitos de aplicação da taxa da verba 1.1 da TGIS, conforme se encontra refletido nas liquidações sub judice.

 

Face ao exposto, só podemos concluir que tem natureza de transmissão a título oneroso, sujeita a IMT, efetuada através da partilha, já que foi adjudicado ao Requerente bem imóvel que excedeu a sua quota ideal nesse mesmo bem imóvel pelo que não há outra conclusão a extrair, na senda da posição da AT que sufragamos, i.e., que se encontra verificado o pressuposto da al. c) do n.º 5 do art. 2.º do CIMT por ocorrer excesso de quota-parte e o excesso de quota parte no identificado imóvel, adjudicado ao R. também está sujeita a Imposto do Selo da verba 1.1 Tabela Geral de Imposto do Selo.

 

Assim, impõe-se concluir que nenhum vício pode, pois, ser imputado aos atos em crise.

 

Desta forma, é entendimento deste tribunal que se encontram destituídas de fundamento as pretensões do Requerente, pelo que é totalmente improcedente o seu pedido.

 

Considerando a decisão descrita fica prejudicado o conhecimento do demais peticionado, mormente em relação a juros indemnizatórios.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

Nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 do CPC (ex vi 29.º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

Neste âmbito, o n.º 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

Nestes termos, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente ao Requerente.

 

IV.          Decisão

 

Nestes termos, este Tribunal Arbitral Singular decide julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

V.           Valor do processo

 

Tendo em consideração o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1 do CPPT e no artigo 3.º, nº. 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 5.941,19.

  

VI.          Custas

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em € 612,00, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de novembro de 2021

 

A Árbitra,

(Marisa Almeida Araújo)