Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 791/2020-T
Data da decisão: 2021-11-17  IRS  
Valor do pedido: € 51.948,71
Tema: IRS – Rendimentos obtidos na Suíça. Diretiva Poupança. Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça.
Versão em PDF

 

SUMÁRIO:

I. A comunicação de rendimentos provenientes de pagamento de juros efetuada por autoridades fiscais estrangeiras ao abrigo da Diretiva da Poupança não determina a sua qualificação, ao abrigo da legislação fiscal portuguesa, como juros, não dispensando a AT de fazer o respetivo enquadramento de acordo com as normas de incidência fiscal.

II. Impende sobre a AT o ónus de provar os factos constitutivos do seu direito.

III. Não se verificando nenhuma das hipóteses previstas no nº 2 do artigo 75º da Lei Geral Tributária, impende sobre a AT o ónus de afastar a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes apresentadas nos termos legais.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I.             RELATÓRIO:

A..., titular do número de identificação fiscal..., doravante simplesmente designada Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa com o número ...2020... e, em consequência, a declaração de ilegalidade e anulação do ato tributário de liquidação de IRS referente ao período de 2015, da qual resultou imposto a pagar no montante de € 51.948,71.

Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:

a)            No ano de 2015 a Requerente encontrava-se inscrita, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, abreviadamente, AT), como residente fiscal em Portugal;

b)           No decurso desse ano auferiu rendimentos na Suíça, provenientes de um portfolio de ativos financeiros, que declarou mediante o preenchimento do Anexo J da declaração Modelo 3 de IRS;

c)            Na sequência da declaração apresentada pela Requerente, a AT liquidou o IRS relativo ao exercício de 2015, da qual resultou imposto a pagar no valor de € 8.765,41, que a Requerente pagou;

d)           Ao abrigo da Diretiva nº 2003/48/CE (Diretiva da Poupança), as Autoridades Fiscais Suíças comunicaram à AT os rendimentos auferidos pela Requerente na Suíça, no exercício de 2015;

e)           A AT notificou a Requerente da intenção de promover a correção da declaração de rendimentos apresentada, mediante a inscrição do montante de € 167.435,16 no quadro 8-A do anexo J, com o Código de Rendimento E 24 e para, querendo, exercer o direito de audição prévia no prazo de 15 dias, o que a Requerente fez;

f)            Por ofício de 17/10/2019, a AT notificou a Requerente da decisão final proferida;

g)            A AT procedeu à correção oficiosa da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS relativa ao exercício de 2015, nos termos constantes da notificação efetuada para audição prévia;

h)           Da liquidação efetuada em resultado da correção levada a cabo pela AT resultou imposto a pagar no valor de € 51.948,71;

i)             A Requerente deduziu reclamação graciosa da liquidação efetuada, a qual veio a ser objeto de despacho de indeferimento;

j)             Os valores comunicados pelas autoridades fiscais Suíças, ao abrigo da Diretiva da Poupança, não se encontram qualificados de forma coincidente com as regras de incidência constantes do Código do IRS;

k)            A Diretiva da Poupança contém uma obrigação de reporte de juros auferidos pelos contribuintes com origem na detenção de unidades de participação em Fundos de Investimento, bem como resultantes da sua alienação ou resgate;

l)             A comunicação efetuada pelas autoridades fiscais suíças inclui, para além dos juros auferidos pela Requerente e incluídos na declaração Modelo 3 de IRS por si apresentada, juros recebidos pelos fundos de investimento não distribuídos aos titulares das unidades de participação e rendimentos realizados na altura da cessão, reembolso ou resgate de partes ou unidades de participação;

m)          Os juros recebidos pelos fundos de investimento não distribuídos aos titulares das unidades de participação não são, ao abrigo da legislação fiscal portuguesa, tributáveis;

n)           Os rendimentos realizados na altura da cessão, reembolso ou resgate de partes ou unidades de participação são tributáveis em sede de mais-valias e foram incluídos na declaração Modelo 3 de rendimentos apresentada pela Requerente, no quadro 9.2.A do anexo J, com os Códigos G10 e G20;

o)           À AT incumbia afastar a presunção de veracidade da declaração entregue pela Requerente, o que não fez;

p)           E fazer prova de que os rendimentos que lhe foram comunicados pelas autoridades fiscais suíças correspondem a rendimentos que, nos termos da legislação fiscal portuguesa, deveriam ter sido declarados como rendimentos provenientes de juros, o que não fez.

A Requerente juntou 9 documentos e arrolou uma testemunha.

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº1 do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

O tribunal arbitral foi constituído em 21 de Maio de 2021.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, invocando, em síntese:

a)            As autoridades fiscais suíças comunicaram à AT, ao abrigo da Diretiva da Poupança nº 2003/48/CE e do Acordo celebrado entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça, o pagamento à Requerente, no ano de 2015, de rendimentos sob a forma de juros no valor de € 167.435,16;

b)           Nos termos do disposto no artigo 76º da LGT, as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras fazem fé;

c)            É sobre a Requerente que incumbe o ónus de demonstrar que os rendimentos que as autoridades fiscais suíças comunicaram à AT não estão corretos, o que não logrou fazer.

Conclui, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

A Requerida juntou cópia do processo administrativo, não tendo arrolado nenhuma testemunha.

Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT.

As Partes apresentaram alegações escritas, nas quais mantiveram as posições anteriormente assumidas e defendidas nos seus articulados.

II.            SANEAMENTO:

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

Não existem nulidades que invalidem o processado.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legitimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

Não existem exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.

III.          QUESTÕES A DECIDIR:

Atentas as posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos, cumpre:

a.            Determinar a quem incumbe o ónus da prova da existência de rendimentos não declarados;

b.            Determinar a qualificação e consequente tributação dos rendimentos auferidos pela Requerente no estrangeiro no exercício de 2015.

 

IV.          MATÉRIA DE FACTO:

a.            Factos provados

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:

1.            No ano de 2015 a Requerente encontrava-se inscrita, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, abreviadamente, AT), como residente fiscal em Portugal;

2.            No decurso desse ano auferiu rendimentos na Suíça, provenientes de um portfolio de ativos financeiros, que declarou mediante o preenchimento do Anexo J da declaração Modelo 3 de IRS;

3.            Na sequência da declaração apresentada pela Requerente, a AT liquidou o IRS relativo ao exercício de 2015, da qual resultou imposto a pagar no valor de € 8.765,41, que a Requerente pagou;

4.            Ao abrigo da Diretiva nº 2003/48/CE (Diretiva da Poupança), as Autoridades Fiscais Suíças comunicaram à AT os rendimentos auferidos pela Requerente na Suíça, no exercício de 2015;

5.            Após notificação da Requerente da intenção de promover a correção da declaração de rendimentos apresentada e para exercício do direito de audição prévia, a AT procedeu à correção oficiosa da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS relativa ao exercício de 2015, mediante a inscrição do montante de € 167.435,16 no quadro 8-A do anexo J, com o Código de Rendimento E 24;

6.            Da liquidação efetuada em resultado da correção levada a cabo pela AT resultou imposto a pagar no valor de € 51.948,71;

7.            A Requerente declarou os rendimentos auferidos no estrangeiro no ano de 2015, comunicados pela entidade pagadora (B... AG), inscrevendo-os no quadro 8-A do anexo J, com os Códigos de Rendimento E 11, E 21 e E 24 e no quadro 9.2-A do Anexo J, com os Códigos de Rendimento G 20;

8.            A inscrição dos rendimentos auferidos na Suíça no Anexo J foi efetuada com base nos elementos constantes da declaração emitida pelo C... (Suisse) – entidade gestora – intitulada “D... 2015”;

9.            A Requerente deduziu reclamação graciosa da liquidação oficiosa efetuada, a qual veio a ser objeto de despacho de indeferimento, notificado à Requerente por ofício datado de 25/09/2020;

10.          O pedido de constituição do tribunal arbitral em matéria tributária e de pronúncia arbitral foi apresentado em 30/12/2020.

 

b.            Factos não provados

Com interesse para os autos, nenhum outro facto se provou.

c.            Fundamentação da matéria de facto

A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base a prova documental junta pelas partes, indicada relativamente a cada um dos pontos, e cuja adesão à realidade não foi questionada, bem como a matéria alegada e não impugnada.

V.           DO DIREITO:

A primeira questão a decidir nos autos prende-se com a determinação da distribuição do ónus da prova quando em causa estão rendimentos alegadamente auferidos pelo contribuinte e não declarados aquando da apresentação da respetiva declaração anual de rendimentos.

Em concreto, impõe-se saber se, nas hipóteses em que, como no caso dos autos, a AT obtém, através dos mecanismos de comunicação previstos na Diretiva da Poupança, informação de que o contribuinte auferiu rendimentos de valor diferente do valor por este declarado, é à AT que incumbe demonstrar que os rendimentos declarados não correspondem aos rendimentos efetivamente auferidos ou, ao invés, é ao contribuinte que incumbe demonstrar ter declarado todos os rendimentos auferidos.

Em causa nos presentes autos estão rendimentos auferidos pela Requerente no exercício de 2015, na Suíça, impondo-se, por isso, convocar o respetivo quadro normativo aplicável, isto é, o Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça que prevê medidas equivalentes às previstas na Diretiva 2003/48/CE do Conselho, relativa à tributação dos rendimentos da poupança sob a forma de juros, publicada no JOUE de 29/12/2004 (doravante, abreviadamente, o Acordo); a Diretiva 2003/48/CE do Conselho, de 03 de junho, comummente designada por Diretiva da Poupança e o DL 62/2005, de 11 de março, que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva.

Nos termos do disposto no artigo 2º do Acordo, a tributação na Suíça dos juros pagos a um beneficiário efetivo que seja residente num Estado-Membro pode ser substituída pela tributação no Estado-Membro de residência, através dos mecanismos de notificação previstos no artigo 2º do Acordo.

O artigo 7º do citado Acordo regula o que, para efeitos deste Acordo, se entende por “pagamento de juros”.

Analisado o referido artigo 7º verifica-se que a definição de juros para efeitos deste Acordo não coincide com a definição de juros prevista na legislação fiscal portuguesa, abrangendo, para além de rendimentos de juros, rendimentos que, ao abrigo do regime fiscal português não são sujeitos a tributação, por não terem sido auferidos pelos contribuintes e rendimentos tributados em sede mais-valias.

Da mesma forma, a Diretiva da Poupança (assim como o DL que a transpõe para a ordem jurídica interna), prevê um conceito amplo dos rendimentos que, para efeitos da Diretiva, são considerados como “pagamento de juros”, incluindo rendimentos que, nos termos da legislação fiscal portuguesa têm um enquadramento diferente, como é o caso dos rendimentos previstos no artigo 6º nº 1 d) da Diretiva.

Assim, a comunicação efetuada pelas autoridades fiscais suíças à AT inclui todos os rendimentos que, à luz do Acordo e da Diretiva da Poupança, são considerados como pagamento de juros mas que, à luz da legislação fiscal portuguesa, podem não ser, pelo menos na totalidade, enquadrados enquanto tal.

Posto isto, decorre do disposto no artigo 8º nº 2 da Diretiva da Poupança que a comunicação a efetuar pelo agente pagador deve diferenciar os juros de acordo com as suas várias categorias, por reporte aos diversos tipos de juros previstos no artigo 6º.

Pese embora esta obrigatoriedade de diferenciação não tenha sido transposta para o DL 62/2005, a verdade é que decorre ainda do nº 2 do citado artigo 8º da Diretiva que “Os Estados-Membros podem limitar o conteúdo mínimo das informações que o agente pagador deve comunicar no que se refere ao pagamento de juros, ao montante total dos juros ou dos rendimentos e ao montante total do produto da cessão, do resgate ou do reembolso”.

Pelo que, apesar da redação mais restritiva do DL 62/2005, sempre se imporá que a comunicação a efetuar pelo agente pagador diferencie aquilo que é rendimento proveniente de juros e aquilo que é rendimento proveniente de produto da cessão, do resgate ou do reembolso.

No caso dos autos, porém, não foi isto que sucedeu, tendo a informação comunicada às autoridades fiscais suíças pelo agente pagador e que serviu de base à comunicação efetuada pelas autoridades fiscais suíças à AT sido efetuada de forma global, sem qualquer tipo de diferenciação entre os vários tipos de juros.

E tal diferenciação reveste-se da maior importância já que, como é sabido, pese embora todos os rendimentos elencados no artigo 6º da Diretiva sejam considerados, para efeitos dessa Diretiva, como pagamento de juros, tal não determina que, à luz da legislação fiscal portuguesa, tais rendimentos sejam efetivamente considerados como juros para efeitos de tributação em sede de Categoria E.

Posto isto, cumprida a obrigação de reporte por parte das autoridades fiscais suíças, incumbe às autoridades fiscais do Estado-Membro de residência verificar quais, de entre a totalidade dos rendimentos declarados, se encontram sujeitos a tributação no Estado-Membro de residência e qual o concreto enquadramento fiscal do respetivo rendimento.

Não determina o Acordo nem a Diretiva– nem o poderia, já que a tributação direta é competência reservada dos Estados – que todos os rendimentos declarados sejam tributados, no Estado-Membro de residência, como juros, apesar de assim terem sido qualificados pelas autoridades estrangeiras.

Isto porque, como se esclareceu, a qualificação de tais rendimentos como juros é efetuada pelas autoridades estrangeiras ao abrigo do conceito amplo de pagamento de juros relevante para efeitos de obrigação de comunicação, nos termos constantes do Acordo e da Diretiva.

No caso dos autos, as autoridades fiscais Suíças comunicaram à AT, ao abrigo do Acordo, os rendimentos auferidos pela Requerente na Suíça no exercício de 2015, tendo por base os rendimentos declarados pelo agente pagador.

Rececionada esta declaração, incumbia à AT analisar os diversos rendimentos comunicados e qualificá-los individualmente, de forma a subsumi-los nas diferentes categorias de tributação em sede de IRS.

E, se entendia não dispor dos elementos suficientes e necessários para o efeito, pelo facto de a informação não ter sido comunicada nos termos previstos no artigo 8º nº 2 da Diretiva, impunha-se à AT, ao abrigo do principio do inquisitório, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, designadamente solicitando às autoridades fiscais suíças a decomposição dos rendimentos declarados, nos termos do disposto no citado artigo 8º nº 2.

Não foi esta, no entanto, a atuação da AT, que, como que se demitindo da sua competência tributária exclusiva, se limitou a aceitar a qualificação efetuada pelas autoridades fiscais suíças de todos os rendimentos como juros e a tributá-los enquanto tal.

Note-se que é a própria AT que admite não ter efetuado qualquer exercício de qualificação dos rendimentos comunicados, quando, no artigo 32º da resposta apresentada, invoca que “o enquadramento face à lei interna portuguesa foi feito tendo por base a informação fornecida pelas autoridades fiscais Suíças, a qual por sua vez se limitou a reportar a informação fornecida pela entidade bancária.”

O que não pode ter acolhimento, já que, insiste-se, a competência tributária é exclusiva do Estado, não podendo aceitar-se a ingerência de outro Estado na qualificação dos rendimentos à luz da legislação fiscal portuguesa.

Dito isto, defende a AT que era sobre a contribuinte que impendia o ónus de provar não ter omitido qualquer rendimento aquando da apresentação da sua declaração de rendimentos respeitante ao exercício de 2015.

Desde já se adianta não ser este o entendimento deste tribunal.

 

Vejamos:

Nos termos do disposto no artigo 74º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

Por seu turno, dispõe o artigo 75º nº 1 da LGT que as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei se presumem verdadeiras e de boa-fé, presunção que não se verifica nas hipóteses previstas no nº 2 da mesma norma.

No caso dos autos, é a AT que invoca que a contribuinte omitiu rendimentos na declaração apresentada, pelo que dúvidas não restam de que, tratando-se de um facto constitutivo do direito da administração tributária, é sobre esta que recai o ónus de demonstrar que a contribuinte omitiu rendimentos.

O disposto no artigo 76º da LGT não tem aplicação ao caso dos autos já que a Requerente não imputa à comunicação efetuada pelas autoridades fiscais suíças qualquer falsidade ou imprecisão, hipótese em que lhe caberia, ao abrigo do disposto no artigo 76º nº 4 da LGT, fazer prova do contrário.

Bem ao invés, a Requerente aceita os valores constantes de tal declaração, comunicados, nos termos e para os efeitos do disposto no Acordo, como rendimentos provenientes de juros.

A Requerente apenas se insurge contra o facto de a AT ter procedido à qualificação da totalidade dos rendimentos incluídos na declaração como rendimentos de juros, subsumindo-os, em consequência, como rendimentos de capitais.

E tal qualificação dos rendimentos não consta nem poderia constar da declaração emitida pelas autoridades fiscais suíças, pelos motivos já expostos.

Pelo que, não sendo colocada em causa a informação prestada pelas autoridades fiscais suíças, não se verifica qualquer fundamento para inversão das regras gerais do ónus da prova previstas no artigo 74º da LGT, incumbindo, assim, à AT o ónus de provar que a Requerente omitiu rendimentos aquando da apresentação da respetiva declaração.

Não tendo a AT logrado demonstrar tal facto, parece evidente não haver fundamento para a liquidação impugnada.

Note-se, ademais, que, perante os argumentos e documentos apresentados pela Requerente aquando do exercício do direito de audição prévia existiam, pelo menos, indícios fortes de eventuais divergências entre a qualificação dos rendimentos comunicados pelas autoridades fiscais suíças ao abrigo do Acordo e da Diretiva e a sua qualificação ao abrigo do regime fiscal português, tanto mais que a existência destas divergências é recorrente, como resulta, desde logo, da abundante jurisprudência, designadamente arbitral, proferida sobre a matéria.

Pelo que, impunha o dever de boa fé que a AT solicitasse esclarecimentos cabais às autoridades fiscais suíças, o que não resulta demonstrado ter sido efetuado.

Assim, não tendo a AT logrado demonstrar que a Requerente omitiu rendimentos no valor de € 167.435,16, como se lhe impunha, terá necessariamente de se concluir não haver fundamento legal para a liquidação impugnada, que assim deve ser anulada.

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral nos termos expostos, fica prejudicado o conhecimento da segunda questão elencada, sobre a qual o tribunal não se irá pronunciar.

 

VI.          DISPOSITIVO:

Em face do exposto, decide-se julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa com o número ...2020... e o subsequente ato de liquidação de IRS referente ao exercício de 2015, no montante de € 51.948,71.

***

Fixa-se o valor do processo em € 51.948,71, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

***

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142,00, nos termos da Tabela I da Tabela Anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 1 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerida, por ser a parte vencida.

***

Lisboa, 17 de novembro 2021.

 

O Árbitro,

Alberto Amorim Pereira