SUMÁRIO:
1) O ónus da prova da duplicação do pagamento do Imposto do Selo que vem alegada pela Requerente recai sobre si e em caso de non liquet essa falta de prova do facto reverte em seu desfavor – cfr. art.ºs 74.º/1 da LGT, 342.º do CC e 414.º do CPC; 2) A possibilidade de ocorrência de duplicação de colecta, cujo conceito consta do art.º 205.º, n.º 1 do CPPT e que pode constituir ilegalidade a viciar o acto de liquidação, fica desde logo afastada se não se prova que houve uma segunda liquidação referente ao mesmo facto tributário; 3) O acto tributário de segundo grau que mantém na Ordem Jurídica a liquidação relativamente à qual vem invocada ocorrência de duplicação de pagamento não carece de falta de fundamentação substancial se não se provou ter havido segunda liquidação referente ao mesmo facto tributário.
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A..., S.A., nipc..., com sede na Rua..., n.º..., ...-... E..., doravante designada por “A...” ou “Requerente”, veio, nos termos dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a), art.º 5.º, n.ºs 1 e 2, art.º 6.º, n.º 1 e art.º 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), doravante “RJAT”, e – como refere – dos art.ºs 97.º, n.º 1, al. c) e 99.º, al. c) do CPPT, requerer a constituição do Tribunal Arbitral.
Como objecto imediato do Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante também “PPA”) na origem dos autos, a Requerente peticiona, assim o entendemos, a anulação do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, a qual interpôs tendo por objecto a autoliquidação de Imposto do Selo referente ao período de 2017/Novembro. Como expõe, foi por não se conformar com a decisão de indeferimento em causa que requereu a constituição do Tribunal Arbitral.
Por sua vez, como objecto mediato do Pedido a Requerente peticiona a “anulação da liquidação da Guia de Imposto de Selo n.º ... no montante de € 19.095,95”.
Mais peticionando o reembolso da quantia que entende ter sido por si indevidamente paga, por se tratar de quantia paga em duplicado, no valor de € 19.095,95. Valor ao qual, peticiona ainda, deverão acrescer juros indemnizatórios.
Tendo celebrado, na posição de mutuária, a 15 de Novembro de 2017, um contrato de empréstimo mercantil, no montante de € 3.182.658,00, pelo prazo de 17 anos, o imposto do selo devido constituía encargo seu – nos termos do art.º 3.º, n.º 1 do Código do Imposto de Selo (“CIS”).
Ainda assim, desenvolve, nos termos do art.º 2.º, n.º 1, al. b) do mesmo Diploma legal era a parte mutuante - a saber, a empresa B..., S.A., nipc..., em cujo capital social a Requerente detém 50% - “o sujeito passivo responsável” pelo imposto devido pela celebração do dito contrato (doravante “o Contrato” e/ou “o Loan Agreement”), “[o]u seja, era [a B..., S.A.] a entidade responsável pela respectiva liquidação, cobrança e entrega”.
Não tendo a mutuante B..., S.A. (doravante também “B...”) assim procedido, e para evitar o atraso no respectivo pagamento, refere, procedeu ela própria Requerente ao pagamento do imposto devido, no valor de € 19.095,95, a 20 de Dezembro de 2017.
E foi depois informada pela mutuante de que esta efectuara também o pagamento. Pelo que o imposto devido pela celebração do Contrato foi, defende, pago em duplicado.
Por assim ser, interpôs Reclamação Graciosa (“RG”) requerendo a devolução da quantia de € 19.095,95. Tendo depois sido notificada do respectivo projecto de indeferimento, onde se lia, transcreve, que os documentos juntos “não comprovam que existiu liquidado e pago o mesmo facto tributário, nem que as guias (…) dizem respeito ao mesmo facto tributário”.
As quantias liquidadas e pagas (Imposto do Selo) pela parte mutuante (B....) foram de € 38.191,88 por esta ter liquidado não só o imposto devido pela celebração do Contrato, como também o imposto devido pela celebração de outro contrato de empréstimo. E é daí a não coincidência com o valor liquidado e pago pela Requerente.
Expõe que a mutuante B... celebrara a 29 de Novembro de 2017 outro contrato de empréstimo mercantil, no valor de € 3.182.657,32, em que é mutuária outra empresa, a C..., nipc ... (doravante também “a C...”). E que (a B...) liquidou o imposto de ambos os contratos, assim dando origem à respectiva Guia, n.º..., no valor de € 38.191,88. Houve assim, conclui, duplicação do pagamento do imposto devido pelo Contrato.
Sumaria que a questão a decidir é a da legalidade do seu acto de autoliquidação.
À autoliquidação do período de 2017 que a Requerente assim coloca em crise corresponde a Guia de Imposto de Selo com o n.º..., de 18.12.2017 (doravante também “a Liquidação”).
Inexiste, desenvolve, fundamentação legal para a Requerida AT não devolver a quantia de € 19.095,95 por si Requerente liquidada e paga.
A decisão da RG em que foi indeferido o pedido de reembolso do imposto por si pago carece de fundamentação legal, contrariando o disposto no art.º 268.º, n.º 3 da CRP. Provou-se que o imposto foi pago, também, pela mutuante no Contrato, pelo que houve duplicação, e pelo que deve a sua (da Requerente) autoliquidação ser anulada.
Tendo a Requerente pago o montante da Liquidação, que veio colocar em crise (em sede de procedimento administrativo e, agora, nos presentes autos), tendo a mesma quantia sido também paga - paga em duplicado, como supra – pela B..., e tendo sido incumprido o dever de fundamentação na decisão de indeferimento da RG, vem peticionar, a final, no seu PPA, a anulação da Liquidação, o reembolso da quantia por si paga, de € 19.095,95, e juros indemnizatórios.
Sumária e fundamentalmente Requerente e Requerida têm entendimentos divergentes sobre o que resulta provado (como já assim também no procedimento administrativo de RG). Com as consequências daí advenientes.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 02.12.2020 e notificado à AT.
Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo.
A 25.01.2021 as Partes foram notificadas da designação de árbitro e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 03.05.2021.
Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta, pugnando pela total improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral e consequente manutenção do acto em crise na Ordem Jurídica.
Entende a Requerida, contrariamente à Requerente, que o acto por esta colocado em crise não padece de qualquer ilegalidade, desde logo não tendo resultado provados os requisitos de que depende a ocorrência de duplicação da colecta.
Não se verifica a alegada falta de fundamentação da decisão de indeferimento da RG, pelas razões que expõe, e o que a Requerente contesta é, sim, a fundamentação substancial daquela decisão. O que não se confunde com um vício formal de falta de fundamentação.
A respeito da alegada duplicação de pagamento, por sua vez, faz notar que a figura da duplicação da colecta vem regulada no art.º 205.º do CPPT, que estabelece os respectivos pressupostos, e que à Requerente faltou demonstrar, de entre eles, a identidade do facto tributário e o estarmos perante um segundo tributo.
No que à identidade do facto tributário respeita, as Guias Multimposto, ambas do período 2017-11, têm valores distintos – a saber, € 19.095,95 a Guia emitida pela Requerente, e € 38.191,88 a Guia emitida pela B... Esta última Guia não permite comprovar a identidade do facto tributário, apenas comprova que houve Imposto do Selo – Operações Financeiras, liquidado e pago.
A informação contabilística junta também não permite aferir a identidade de valores e períodos. Não permite aferir da ocorrência de dois pagamentos de € 19.095,95 referentes ao período 2017-11 e ao mesmo facto tributário. O art.º 53.º do CIS estabelece obrigações contabilísticas quanto ao imposto liquidado e a Requerente continua a não juntar a informação ali mencionada.
Acresce, refere sem conceder, que o pagamento em questão - pela Requerente, cfr. Guia que emitiu – nunca poderia corresponder a uma duplicação de colecta, pois que à data da sua realização inexistia imposto pago referente ao mesmo facto tributário e período. E o art.º 205.º do CPPT exige que o imposto pago corresponda a um segundo tributo. Não ocorre, assim, obrigação de restituição ao abrigo do dispositivo legal em questão. Invoca Jurisprudência dos Tribunais superiores em abono do seu entendimento.
Cabia à Requerente demonstrar quer a identidade do facto tributário, quer a existência de uma primeira liquidação e pagamento referentes ao mesmo tributo, cfr. regras subjacentes à repartição do ónus da prova – art.º 74.º, n.º 1 da LGT. O que não logrou fazer.
A decisão na RG e a Liquidação são legais. Nada do peticionado, incluindo quanto a juros indemnizatórios, poderá proceder.
*
Por despacho de 21.06.2021 o Tribunal notificou as Partes, a Requerente para vir informar se mantinha interesse na produção de prova testemunhal e de declarações de Parte que solicitara, e o mais a respeito, e a Requerida para a junção do PA. A Requerente veio prescindir da produção de prova, e a Requerida juntar o PA.
A 29.06.2021 o Tribunal notificou as Partes dispensando a reunião do art.º 18.º do RJAT e para alegações escritas facultativas. A Requerente não apresentou alegações e a Requerida remeteu para a sua Resposta.
Por despacho de 02.11.2021 o Tribunal determinou, nos termos do n.º 2 do art.º 21.º do RJAT, a prorrogação por dois meses, por motivos justificados, do prazo para prolação da Decisão.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. Cfr., também, art.º 18.º, n.º 4, al. a) da LGT e art.º 9.º do CPPT .
O Processo não enferma de nulidades e não existe matéria de excepção, nada obstando ao conhecimento do mérito da causa.
O PPA é tempestivo, apresentado que foi dentro do prazo legal de 90 dias – cfr. al.s t) e u) dos factos provados, infra, e art.º 10.º, n.º 1, al. a), primeira parte, do RJAT (v. art.º 102.º, n.º 1, al. e) do CPPT).
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os factos que seguem:
a) A Requerente, “A..., S.A.”, nipc..., é uma Sociedade Anónima, constituída ao abrigo da lei Portuguesa, com sede em ..., que se dedica à promoção, desenvolvimento, montagem, investimento e gestão de projectos de energias renováveis, incluindo a prestação de serviços de consultoria e estudo de soluções para problemas no sector da energia;
b) A Requerente e a “B..., S.A.”, nipc..., constituída ao abrigo da lei Portuguesa, celebraram entre si um contrato de empréstimo mercantil (“Loan Agreement”), em 15 de Novembro de 2017, nos termos do qual esta, detida a 50% por aquela (a Requerente), se obriga a mutuar-lhe (à Requerente), a 30.11.2017 (“Effective Date”), a quantia de € 3.182.658,00, pelo prazo de 17 anos; (cfr. Doc. 2 junto pela Requerente, PPA e PA)
c) Do contrato de empréstimo mercantil (“Loan Agreement”) (cfr. al. anterior) não consta qualquer menção quanto a pagamento de Imposto do Selo; (cfr. Doc. 2 junto pela Requerente)
d) Com a disponibilização à Requerente, a 30 de Novembro de 2017, da quantia mutuada ao abrigo do contrato de empréstimo mercantil (“Loan Agreement”) (cfr. al.s anteriores) a entidade mutuante (B..., S.A.) não procedeu à cobrança/liquidação e entrega ao Estado do Imposto do Selo; (cfr. PPA e documentação junta pela Requerente);
e) A 18.12.2017 a Requerente submeteu a Guia Multimposto com o número de documento ... e as seguintes referências: “Código 317 - IS – Operações financeiras”, “Importância € 19.095,95”, “Período 2017/novembro”, “Valor a pagar € 19.095,95”, “Data limite de pagamento 2017-12-20”; (cfr. Doc. 3 junto pela Requerente)
f) A 20.12.2017 a Requerente efectuou o pagamento da Guia com o número ... (cfr. al. anterior), no valor de € 19.095,95; (cfr. Doc. 3 junto pela Requerente)
g) A “B..., S.A.” e a “C... SAS” celebraram entre si um contrato de empréstimo mercantil (“Intra-Group Loan Agreement”), a 29 de Novembro de 2017, nos termos do qual a B... se obriga a mutuar à C...- constituída ao abrigo da lei Francesa e que indirectamente detém a B... a 100% - contra pedido de disponibilização (“drawdown request”) da C... a ter lugar dentro do prazo de um mês após a celebração do contrato, a quantia de € 3.182.657,32, pelo prazo de 17 anos; (cfr. Doc. 11 junto pela Requerente, e PA)
h) Do contrato de empréstimo mercantil entre a B..., S.A. e a C... SAS (cfr. al. anterior) não consta qualquer menção quanto a pagamento de Imposto do Selo; (cfr. Doc. 11 junto pela Requerente)
i) Em 02.01.2018 a B..., S.A. submeteu uma Guia Multimposto com o número ... e com as seguintes referências: “Código 317 - IS – Operações financeiras”, “Importância € 38.191,88”, “Período 2017/novembro”, “Valor a pagar € 38.191,88”, “Data limite de pagamento 2017-12-20”; (cfr. Doc. 5 junto pela Requerente)
j) A 03.01.2018 a B..., S.A. efectuou o pagamento da Guia referida na alínea anterior, no valor de € 38.191,88; (cfr. Doc. 5 junto pela Requerente)
k) A 08.11.2019 a Requerente interpôs Reclamação Graciosa, que tramitou sob o n.º ...2019..., na qual invocou a duplicação do pagamento por si efectuado no valor de € 19.095,95 e pugnou por o referido valor dever ser-lhe devolvido; (cfr. Doc. 10 junto pela Requerente, e PA)
l) Por Ofício da Requerida de 08.06.2020, a Requerente foi notificada do projecto de decisão da Reclamação Graciosa e para o exercício do direito de audição; (cfr. PA)
m) Do projecto de decisão consta, entre o mais (tudo se dando por reproduzido):
“(...) Face aos elementos que instruem o processo (…) a reclamante contesta a autoliquidação (…) no valor de € 19.095,95, alegando pagamento em duplicado pela entidade mutuante e por si (…). (…) propõe-se o indeferimento do pedido (...) uma vez que não está devidamente comprovado o pagamento em duplicado pelas duas entidades. As guias de retenção na fonte têm valores diferentes, desconhecendo-se as operações financeiras que estiveram na base do apuramento do imposto. Por outro lado, os documentos juntos afiguram-se insuficientes para aferir se existe IS liquidado em excesso/duplicado, como está demonstrado na informação. (…) / INFORMAÇÃO (…) 22 – Analisada toda a documentação do processo e, depois de feita a consulta a base de dados do sistema informático, informa-se que: / 23 – A Reclamante alega que, em 2017-11-15 (…) outorgaram um contrato (…), juntando para o efeito o “Loan Agreement”. / 24 – Não tendo a mutuante liquidado e cobrado o respectivo IS, a Requerente efectuou o pagamento do imposto devido (…), juntando para o efeito (…) a Guia n.º ... (…), emitida pela Reclamante; (..) a Guia n.º ... (…) emitida pela B..., S.A. (…). / (…) 29 – O n.º 1 do art.º 53.º do CIS prevê que (…). / 30 – Conforme resulta do n.º 3 do art.º 53.º do CIS (…). / 31 – Os documentos juntos afiguram-se insuficientes para aferir se existe IS liquidado em excesso, na medida em que:
31.1. - O “Loan Agreement” comprova que houve um contrato outorgado, em 2017-11-15, entre a Reclamante e B..., S.A., NIF..., no âmbito do qual foi acordado o empréstimo de € 3.182.658,00, por um período de 17 anos;
31.2 – A Guia n.º... do Período 2017-11, no valor total de € 19.095,95, emitida pela Reclamante e a Guia n.º ... do período de 2017-11, no valor de € 38.191,88, emitida pela B..., S.A., NIF..., apenas comprova que houve IS – Operações Financeiras liquidado e pago.
32- Os documentos ora juntos não comprovam que existiu IS liquidado e pago sobre o mesmo facto tributário, nem que as guias supra indicadas dizem respeito ao mesmo facto tributário (operação financeira decorrente do “Loan Agreement”).
33- Aliás, a Guia n.º ... do período de 2017-11, no valor de € 38.191,88, emitida pela B..., S.A., NIF..., é de valor superior ao IS calculado sobre o capital mutuado, desconhecendo-se quais os factos tributários que deram origem àquela liquidação/pagamento de IS.
34- Nos termos do n.º 1 do art.º 74.º da LGT, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos (…) dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, pelo que deverá a Reclamante comprovar os factos alegados. (…)”.
n) A Requerente exerceu o direito de audição, reiterando ter existido duplicação do pagamento do Imposto do Selo devido com referência ao contrato de empréstimo mercantil celebrado entre si e a B..., S.A. (“Loan Agreement”) e juntando o contrato de empréstimo mercantil celebrado entre a B..., S.A. e a C... SAS (“Intra-Group Loan Agreement”); (cfr. PA)
o) Por ofício da Requerida de 20.07.2020, a Requerente foi notificada do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa; (cfr. PA)
p) Do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, de 17.07.2020, que incorpora e adere também ao projecto de decisão de indeferimento (cfr. al.m) supra), consta, entre o mais (tudo se dando por reproduzido):
“(...) de acordo com a informação prestada infra, com o parecer que antecede, e com os demais elementos integrantes dos autos (...) indefiro o pedido da reclamante nos termos e com os fundamentos das informações prestadas. / (...) constatando-se que fez uso de tal direito [de audição prévia], porém sem apresentar qualquer elemento novo que possa fazer alterar a posição (…), porquanto permanece sem apresentar documentação de prova bastante, propõe-se que seja convertida em definitiva a proposta efectuada no referido projeto [de decisão], nos termos e com os fundamentos dele constantes, pelo que se conclui pelo indeferimento do pedido. / (...) 8 – Conforme foi informado em Projeto de Decisão, os documentos juntos afiguram-se insuficientes para aferir se existe IS liquidado em excesso, na medida em que:
8.1- O “Loan Agreement” comprova que houve um contrato outorgado, em 2017-11-15, entre a Reclamante e B..., S.A., NIF..., no âmbito do qual foi acordado o empréstimo de € 3.182.658,00, por um período de 17 anos;
8.2- A Guia n.º ... do Período 2017-11, no valor total de € 19.095,95, emitida pela Reclamante e a Guia n.º ... do período de 2017-11, no valor de € 38.191,88, emitida pela B..., S.A., NIF..., apenas comprova que houve IS – Operações Financeiras liquidado e pago.
9- Ora, estes documentos juntos à petição inicial, como se referiu em Projeto de Decisão, não comprovam que existiu IS liquidado e pago sobre o mesmo facto tributário, nem que as guias supra indicadas dizem respeito ao mesmo facto tributário (operação financeira decorrente do “Loan Agreement”).
10- A Reclamante junta, em sede de exercício de direito de audição, o “Intra-group loan agreement" outorgado, em 2017-11-29, entre B..., S.A. e C..., SAS, no valor de € 3.182.657,32, para justificar a diferença de valor das guias, mas continua a não comprovar que sobre o mesmo facto tributário foi apurado IS em duplicado.
11- Conforme se informou em projeto de decisão, reitera-se que o n.º 1 do artigo 53.º do CIS prevê que “as entidades obrigadas a possuir contabilidade organizada nos termos dos Códigos do IRS e do IRC devem organizá-la de modo a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários à verificação do imposto do selo liquidado, bem como a permitir o seu controlo”, acrescendo o n.º 3 do mesmo artigo que o registo das operações e dos atos realizados sujeitos a IS, na contabilidade, deve evidenciar: / a) O valor das operações e dos atos realizados sujeitos a IS, segundo a verba da TGIS; / b) O valor das operações e dos atos realizados isentos de imposto, segundo a verba aplicável da TGIS; / c) O valor do IS liquidado, segundo a verba aplicável da TGIS; / d) O valor do IS compensado.
12- A Reclamante não junta quaisquer destes elementos.
13- Nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, pelo que deverá a Reclamante comprovar os factos alegados, designadamente que sobre o mesmo facto tributário existiu duplicação de coleta.
14- Pelo exposto, propõe-se a manutenção do projeto de decisão. (…)”
q) Do “Balancete 7 colunas” da Requerente reportado ao período de 01.01.2017 a 31.12.2017 consta, na Conta 25, Financiamentos obtidos, o valor de € 3.192.118,76, Crédito, e na Conta 26812, Empréstimos – Empresas do Grupo, o valor de € 3.192.118,76, Débito, e na Conta 68123, Imposto do Selo, o valor de € 19.105,55, Débito; (cfr. Doc. 4 junto pela Requerente)
r) Do “Extrato Conta Detalhado” da Requerente reportado ao período de 01.01.2017 a 31.12.2017 consta, na Conta C/G: 2532112, Empréstimo obtido no valor de € 3.182.657,98, e na Conta C/G: 68123, Imposto do Selo no valor de € 19.095,95; (cfr. Doc. 4 junto pela Requerente)
s) Do Balancete, “Trial Balance 12 months”, da C... SAS reportado ao período de 2017.01 a 2017.12 constam registos de retenção na fonte como segue: Retenção na Fonte - Outros (“Witholding Tax – Other”), Saldo de conta (“Solde Tenue de Compte”) no valor de “- € 38.191,88”, antecedido pelo registo Retenção na Fonte – Juros (“Witholding Tax – Interests” no valor de “- € 101,72”; e, noutra página, com data de registo 31.12.2017, constam dois movimentos de Retenção na Fonte em empréstimo - “WHT on upstream loan – 12/2017”, cada um no valor de € 19.095,94; (cfr. Doc. 6 junto pela Requerente)
t) A Requerente foi notificada do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa a 01.09.2020;
u) A 30.11.2020 a Requerente interpôs o Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”) na origem do presente processo.
2.2. Factos não provados
Resultou não provado que no pagamento processado através da Guia com o número..., submetida e paga pela B..., na importância de € 38.191,88, se inclua o Imposto do Selo devido pela operação de crédito ao abrigo do contrato de empréstimo mercantil celebrado entre a Requerente e a B... (“o Contrato” e/ou “Loan Agreement”).
Com relevo para a decisão da causa não existem outros factos considerados não provados.
2.3. Fundamentação da matéria de facto
Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos, incluindo o PA, que se dão por integralmente reproduzidos, e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados, tudo criticamente apreciado.
Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e art.º 596.º do CPC ), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC ).
No que respeita ao facto dado como não provado refira-se, por um lado, que nada constava da documentação junta pela Requerente em sede de procedimento administrativo de RG que permitisse provar a alegada relação entre a Guia submetida pela B... e o Contrato (“Loan Agreement”). Com efeito, não foi junta ali qualquer documentação contabilística, e a mera junção - em sede de direito de audição - de um contrato de empréstimo mercantil celebrado entre a mesma mutuante B... e outra entidade do Grupo não é de molde a provar o dito facto alegado. Como o não é nesta sede, o que também melhor se verá no nosso iter decisório.
Por outro lado, não é dado ao julgador formar uma tal convicção - de que a referida Guia se reportaria, numa sua parte, ao IS devido pelo Contrato (“Loan Agreemet”) quando, ademais, não constando dos autos documentação, desde logo contabilística, ou outra, que o prove, também nada nos autos permite assegurar (nem a Requerente tal alega) não ter a B... celebrado, em período coincidente ou próximo, outros contratos de empréstimo mercantil para além dos dois que vêm referidos pela Requerente. Em sentido oposto, aliás, apontam os registos contabilístico na contabilidade da C... SAS (cfr. al. s) factos provados) - em que se reflecte retenção na fonte de imposto no valor total precisamente de € 38.191,88 e, noutra página, dois registos de retenções na fonte, no valor de € 19.095,94 cada, em empréstimos intra-grupo upstream (“WHT on upstream loan”).
Da documentação contabilística junta não consta qualquer referência a um elemento, nos registos, que permita ser identificado como reportado seja ao Contrato (“Loan Agreement”), seja a qualquer um outro contrato de empréstimo em concreto. Ao que acresce que nada consta de qualquer um dos dois contratos de empréstimo juntos aos autos quanto a pagamento do IS devido – cfr. al.s c) e h), factos provados.
3. Matéria de Direito
Recapitulando brevemente.
A Requerente alega ter havido pagamento em duplicado do montante devido a título de IS por aplicação da verba 17.1.3. da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) com referência à operação de crédito em que foi mutuária nos termos do contrato de empréstimo mercantil que celebrou com a B... a 17 de Novembro de 2017 (“o Contrato” e/ou “Loan Agreement”). Montante que é de € 19.095,95, facto este que não vem questionado nos autos.
Entende, nesse contexto, ter direito a que lhe seja devolvido esse mesmo montante. Acrescido de juros indemnizatórios.
E é por ter sido, segundo alega, incumprido o dever legal de fundamentação no despacho de indeferimento da RG e por, segundo entende, ter ficado provado que o pagamento da quantia por si liquidada e paga - € 19.095,95 - foi depois paga também por outrem que não por si (como supra), que a Requerente imputa ilegalidade à Liquidação (a sua autoliquidação). Assim peticionando a anulação da mesma, com as legais consequências.
Aproximemos assim as questões a decidir, como segue:
3.1. Questões a decidir
A) O despacho de indeferimento da RG que manteve a Liquidação na Ordem Jurídica padece de vício de falta de fundamentação? Se sim, resulta a Liquidação por essa via inquinada de vício de violação de lei?
B) O pagamento de IS cfr. verba 17.1.3. da TGIS realizado pela Requerente cfr. Guia Multimposto n.º ... configura um pagamento feito indevidamente, em excesso do legalmente devido por feito em duplicado? Se sim, a Liquidação a que a Requerente assim procedeu encontra-se por essa via ferida de vício de violação de lei? - Ocorre duplicação de colecta?
Caso se venha a responder afirmativamente às questões supra, ou a alguma delas, caberá ainda apreciar e decidir quanto a (i) reembolso de quantias pagas, no valor de € 19.095,95, e, decidindo-se pelo reembolso, quanto a (ii) juros indemnizatórios.
Vejamos então.
Estabelece o art.º 124.º do CPPT quanto à ordem de conhecimento dos vícios, e no que respeita aos vícios conducentes à anulação, que, não tendo sido estabelecida pelo impugnante uma relação de subsidiariedade (como é o caso nos autos), o Tribunal apreciará primeiro os vícios de cuja procedência decorra, “segundo o prudente critério do julgador”, “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos”.
Afigura-se, não obstante, bem vistas as coisas, que a Requerente peticiona a anulação da Liquidação (e concomitantemente a devolução da quantia por si paga e juros indemnizatórios) invocando para o efeito pagamento em duplicado do imposto . Reconhece o imposto em causa ser devido, no montante pago, porém invoca o mesmo ter sido pago em duplicado. Com esse fundamento requer a anulação da Guia e a devolução da quantia que pagou (de € 19.095,95).
A Requerente não imputa ao acto senão este vício. A quantia em questão teria sido autoliquidada e paga em excesso, por em duplicado, assim: “(…) existiu uma duplicação do pagamento do imposto de selo devido (...) / Não existindo qualquer fundamentação legal para que a Autoridade Tributária não devolva o montante de € 19.095,95 liquidado e pago pela Reclamante” .
E apela ainda, para assim peticionar, à Constituição da República Portuguesa, a saber ao seu art.º 268.º, n.º 3, no segmento em que se determina os actos administrativos carecerem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legamente protegidos. Há, segundo defende, violação do dever de fundamentação na decisão de indeferimento da RG, a decisão “carece de fundamentação legal, tendo ficado provado que o imposto pago pela Requerente foi também pago pela B..., existindo assim uma duplicação, [p]elo que deve a autoliquidação ser anulada” .
Ou seja, a Requerente invoca o vício de falta de fundamentação da decisão de indeferimento na RG (que manteve a autoliquidação da Requerente na Ordem Jurídica por a entender conforme à mesma) - apelando ao referido normativo Constitucional - para arguir a ilegalidade da autoliquidação. No mais, tão só invoca duplicação de pagamento (por feito por si e, em momento ulterior, também pela B...).
Afigura-se-nos que, em bom rigor, não vem invocado pela Requerente um vício de violação de lei stricto sensu . E também por assim ser seguiremos precisamente a ordem por que aproximámos as Questões a decidir, supra.
*
Assim prosseguindo, avancemos.
Quanto ao alegado incumprimento do dever de fundamentação, em sede de despacho de indeferimento da RG – cfr. Questão A).
Vejamos se o vício que vem invocado se verifica e, mais, de molde a daí derivar viciada a Liquidação.
Comece por referir-se que da simples anulação do despacho de indeferimento, caso assim se viesse a decidir nestes autos, por o mesmo carecer de falta de fundamentação como vem invocado, não poderia decorrer sem mais a anulação da autoliquidação. A decidir-se pela anulação do despacho de indeferimento, a Liquidação não deixaria de manter-se na Ordem Jurídica (“OJ”), como bem se compreende.
Sempre se note que ao o acto de segundo grau (que conheceu da legalidade do acto em crise) manter a autoliquidação está, afinal, a aderir àquela que deve entender-se ser a fundamentação subjacente à dita autoliquidação. Assim, a validá-la, confirmando-a. Donde também, não seria por se anular o despacho que indeferiu a RG interposta pela Requerente que deixaria a sua autoliquidação de continuar válida na OJ.
Dito isto, apreciemos em qualquer caso.
O dever legal de fundamentação dos actos administrativos, como se sabe, destina-se, em súmula, e primacialmente, a facultar ao destinatário os elementos necessários ao conhecimento do correspondente iter decisorio e assim a que lhe seja possível tomar em termos adequados uma posição no sentido da conformação ou não com o mesmo e, não se conformando, reagir adequadamente. “Fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram a entidade administrativa à prática do acto, é enunciar as premissas de facto e de direito nas quais a respectiva decisão administrativa assenta” . A fundamentação deve, quanto à respectiva suficiência e clareza, ter como padrão um destinatário normal. E quando o destinatário revele a ter bem compreendido entende-se que ela terá sido suficiente. V., entre o mais, na CRP o já referido art.º 268.º, n.º 3, no CPA o art.º 125.º, e especificamente quanto aos actos tributários o art.º 77.º da LGT. Mais sendo Doutrina e Jurisprudência tributárias em geral pacíficas neste sentido, reconhecendo-se, aliás, que a medida da fundamentação necessária também variará em função dos actos em causa e que a fundamentação de direito poderá fazer-se, entre o mais, com recurso a princípios.
Ora, no que aqui releva, resulta desde logo claro, pela leitura dos seus articulados (seja em sede de direito de audição no procedimento de RG, seja agora no PPA), que à Requerente foi dado bem compreender as razões que subjazem à decisão de indeferimento da RG. Sem necessidade de maiores delongas, veja-se como a aqui Requerente decidiu juntar em sede de direito de audição na RG um segundo contrato de empréstimo mercantil que não o que deu causa à autoliquidação que colocou (e coloca) em crise, e como, por sua vez, nos presentes autos veio juntar alguma documentação contabilística. Com o fito, que se percepciona, de fazer prova de que pela Guia Multimposto submetida pela B... se processou, segunda vez, o pagamento do IS devido por referência ao Contrato – “Loan Agreement”.
Ademais, sempre se note como o acto de indeferimento da RG contém de forma expressa e clara as razões de facto e de direito em que se alicerça, de maneira que não podemos deixar de entender suficiente – aqui se remetendo para o teor do mesmo transcrito em factos provados supra, al.s m) e p), ali se lendo, entre tudo o mais: “(...) não está devidamente comprovado o pagamento em duplicado pelas duas entidades. As guias de retenção na fonte têm valores diferentes, desconhecendo-se as operações financeiras que estiveram na base do apuramento do imposto. Por outro lado, os documentos juntos afiguram-se insuficientes para aferir se existe IS liquidado em excesso/duplicado (…)” / “(…) Nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, (...)”.
Pelo que, à Questão
A) O despacho de indeferimento da RG que manteve a Liquidação na Ordem Jurídica padece de vício de falta de fundamentação? Se sim, resulta a Liquidação por essa via inquinada de vício de violação de lei?
Há que responder em sentido negativo, o despacho não carece de falta de fundamentação. A Liquidação não resulta, como nem poderia resultar por aqui (vimo-lo), inquinada de vício de violação de lei.
Sucede, também se dirá, que muito embora a Requerente apresente a questão da falta de fundamentação como um vício de forma - remetendo para o referido artigo da CRP e em conformidade alegando que a fundamentação se destina a assegurar a protecção da confiança dos contribuintes face à actuação da AT - na verdade sob a denominação de “falta de fundamentação” a Requerente estará, afinal, ou antes de mais, a pretender referir-se à fundamentação substancial da decisão de indeferimento. É esta, como bem observa a Requerida, aquela com que a Requerente em rigor se não conforma.
Foi ademais este o fundamento que invocou para peticionar a anulação da Liquidação, relacionando-o com o alegado - e, segundo defende, provado - pagamento em duplicado, como vimos.
Sendo que, enquanto que em sede de fundamentação formal o que releva é, como visto, a exteriorização das razões que subjazem ao acto, que determinaram o seu autor a decidir como decidiu, já em sede de fundamentação substancial, diferentemente, releva, entre o mais, a aderência dessas razões à realidade.
O que sempre nos remete, afinal, para a questão que segue.
Quanto agora então à Questão B).
Afirma a Requerente que o IS que era devido, nos termos da verba 17.1.3. da TGIS, a cujo pagamento procedeu atempadamente, submetendo a Guia de retenção na fonte Multimposto que vem agora colocar em crise, foi também pago, em momento posterior, pela B... .
É, com efeito, devido IS, nos termos do respectivo Diploma legal (CIS) e Tabela anexa (TGIS), nas operações de crédito como aquela em que a Requerente interveio e aqui está em apreciação. Estamos, no Contrato, perante operação financeira enquadrável na referida verba da TGIS (verba 17.1.3., que determina a taxa aplicável – a saber, 0,60% - no caso das operações de crédito por prazo igual ou superior a cinco anos, como é o caso – v. factos provados, al. b), supra), correndo o encargo do imposto pela Requerente – como utilizadora do crédito que é, na dita operação de concessão de crédito. Cfr. art.º 3.º, n.º 1 e n.º 3, al. f) do CIS.
Não obstante, determinou também o legislador, no CIS, que é sujeito passivo do imposto - no que às operações de crédito respeita – a entidade concedente de crédito . Cfr. art.º 2.º, n.º 1, al. b).
Assim sendo, ao sujeito passivo caberá, à partida, nestas operações, cobrar/liquidar (retendo) e entregar o montante em causa ao Estado, a colecta. Sendo o facto gerador a utilização do crédito, cfr. Verba 17.1. da TGIS (“Pela utilização de crédito, (...)”) , deverá então a mutuante, no acto de disponibilização da quantia mutuada, proceder à retenção na fonte do IS que em conformidade com o CIS e a referida Verba liquidará para entregar ao Estado. Entrega /pagamento que deverá ser feito mediante Guia de modelo oficial até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que a obrigação tributária se tenha constituído – cfr. art.ºs 43.º e 44.º do CIS. No caso, tendo a disponibilização ocorrido a 30 de Novembro , até ao dia 20 de Dezembro (2017). Cfr., também, art.º 23.º, n.º 1.
Sucede que a entidade concedente de crédito no caso, a B..., assim não procedeu (v. al. d) factos provados, supra). E porque assim foi, foi a Requerente quem então procedeu à autoliquidação e pagamento ao Estado, utilizando a Guia de modelo oficial a que se refere o legislador (v. art.º 43.º, e factos provados supra, al. e)). Como entidade por quem sempre correrá o encargo do imposto que é, por titular do interesse económico – cfr. art.º 3.º -, e cfr. também art.º 42.º, n.º 1, por força do qual sempre seria solidariamente responsável pelo pagamento. Assim submeteu, em prazo (a 18 de Dezembro) a competente Guia, e procedeu, em prazo (a 20 de Dezembro) ao respectivo pagamento – tudo cfr. factos provados supra – al.s e) e f). Aplicando sobre a quantia que lhe foi mutuada a taxa já referida, de 0,6%, e assim apurando o montante de IS a pagar de € 19.095,95.
Consequentemente, a Requerente pagou como devido. A autoliquidação em crise é conforme à lei, que determina que o encargo do imposto é da Requerente, e como vem de se percorrer.
Se, mais tarde, após, a entidade concedente de crédito vem, de sua iniciativa - mesmo que não tendo retido na fonte a quantia correspondente ao imposto devido, mas sim a tendo já entregue à mutuária – fazer um pagamento ao Estado de igual montante a título do mesmo IS devido naquela mesma utilização de crédito, tal não acarreta, como bem se compreende, a ilegalidade da Liquidação feita em primeiro lugar, bem feita como vimos.
*
Abrindo um breve parêntesis:
Quando muito, reunidos que estejam os respectivos pressupostos (v. art.º 205.º do CPPT ), cumulativos, poderá colocar-se nessa hipótese, relativamente a essa segunda liquidação, uma situação de duplicação da colecta.
Fechado o parêntesis.
*
Em todo o caso, muito embora a Requerente afirme que foi este último o cenário que ocorreu na realidade - a B... ter depois efectuado o pagamento da mesma colecta de IS -, tal não resultou provado nos autos. Como já percorrido supra na decisão da matéria de facto. Sem necessidade de maiores desenvolvimentos, e remetendo também para o que ali se deixou referido (fundamentação da matéria de facto), e para o que vimos agora de ver, não só o facto assim alegado resultou não provado, como diversos elementos nos autos apontam em sentido precisamente inverso: de o empréstimo concedido pela B...- a par de um que concedeu à C... SAS cfr. contrato de 30 de Novembro de 2017 que a Requerente juntou - e relativamente (também) ao qual terá submetido a Guia de retenção na fonte a 2 de Janeiro de 2018, ter sido celebrado com entidade que não a Requerente. V., em especial, al. s) factos provados.
Neste contexto, acresce, também não deixa de ser de notar que não só a Requerente não cumpriu com o que pelo próprio CIS é exigido para efeitos de permitir “o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários à verificação do imposto do selo liquidado, bem como a permitir o seu controlo” (cfr. art.º 53.º), o que, certamente, estaria ao seu alcance, como também não deu cumprimento à obrigação determinada pelo legislador no n.º 6 do art.º 23.º – “Nos documentos e título sujeitos a imposto são mencionados o valor do imposto e a data da liquidação, (…)”. Cfr, também, matéria de facto consolidada, supra. Assim também não contribuindo para lograr fazer a prova que se propunha fazer nestes autos.
Ademais, note-se também como tendo a Guia processada pela B... sido submetida a 2 de Janeiro de 2018, e sendo o prazo de submissão, e pagamento, referente ao Contrato – Loan Agreement, 20 de Dezembro de 2017 , sempre seriam devidos juros compensatórios – cfr. art.º 40.º, ao que também não vem feita qualquer menção nos autos.
Como quer que seja, o certo é que o facto cuja prova reverteria a favor da pretensão que vem submeter a este Tribunal não resultou provado, não o tendo a Requerente também logrado fazer. A Requerente não logrou fazer a prova do facto constitutivo do direito que vem pretender fazer valer nestes autos – o direito ao reembolso da quantia paga, por via da anulação da Liquidação.
Dispõe o art.º 74.º, n.º 1 da LGT que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.” No Código Civil, por seu lado, quanto a ónus da prova, determina o art.º 342.º, n.º 1 que “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.” Em coerência, dispõe por sua vez o CPC no seu art.º 414.º, sob a epígrafe “Princípio a observar em casos de dúvida”, que “A dúvida sobre a realidade de um facto (...) resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.”.
Não tendo sido provado o facto (o pagamento do IS em questão também pela B...) constitutivo do direito que a Requerente invoca, deve tal ser valorado contra a mesma – por aplicação das regras do ónus da prova. Na falta de prova do facto (non liquet), e por força das referidas regras, há que desconsiderá-lo, e dá-lo por não provado.
Descendo novamente mais em concreto aos nossos autos, não ficou provado o pagamento também pela B... do mesmo IS liquidado e pago pela Requerente (o IS devido pela utilização de crédito no Contrato, cfr. Guia submetida pela Requerente).
Donde, não ficou provado o pagamento em duplicado.
Pelo que fica prejudicado o avançarmos na apreciação - o que sempre se faria, a bem do princípio pro actione / princípio do aproveitamento do Pedido - quanto à verificação, ou não, de uma situação de duplicação de colecta.
Sempre se diga que não obstante a duplicação de colecta vir prevista pelo legislador tributário em sede de oposição à execução (v. art.ºs 204.º, n.º 1, al. g) e 205.º do CPPT), é entendido pacificamente pela Doutrina e Jurisprudência que a mesma pode constituir, também, ilegalidade da liquidação (e, assim, fundamento de impugnação. ). De todo o modo, e como também já se deixou dito, a ocorrer duplicação de colecta - o que, vimo-lo, já ficou afastado (não houve duplicação de pagamento pois não houve liquidação segunda vez do mesmo IS devido pela operação de crédito ao abrigo do Contrato) - ela sempre afectaria não a liquidação feita em primeiro lugar (a Liquidação em crise nestes autos) mas sim, a ser o caso, a liquidação feita em segundo lugar (no caso, a liquidação feita pela B..., que não constitui objecto do presente processo ).
Em todo o caso, como se concluiu já, nem tal se chega a colocar. Pois que embora a Requerente afirme em contrário, o certo é que, para além do pagamento feito pela própria, não existiu outro pagamento (segunda vez) do mesmo IS. Melhor, da mesma colecta.
Improcede pois, também por aqui, o Pedido da Requerente. Não se verifica duplicação de pagamento, pois não houve liquidação segunda vez do mesmo facto tributário (como entre o mais se exige no n.º 1 do art.º 205.º do CPPT ), assim desde logo não ocorrendo vício de duplicação de colecta, tudo como supra.
Há que responder negativamente também à Questão B).
A Liquidação não se encontra, pois, ferida de ilegalidade.
E a fundamentação substancial do despacho de indeferimento da RG estava, também, conforme à realidade. Nada afectando, assim, a validade seja da Liquidação, seja do acto de segundo grau que a confirmou na Ordem Jurídica.
4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios
Não houve pagamento de quantias indevidas, por em excesso, como vinha alegado. Conforme à Ordem Jurídica que se confirmou ser a Liquidação, sem que se tenha verificado vício de duplicação de colecta. Improcedem assim os pedidos de reembolso de quantias pagas e de juros indemnizatórios.
5. Decisão
Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o PPA, e assim:
a) Absolver a Requerida do pedido de anulação da liquidação de IS supra e respectiva Guia, melhor identificadas supra;
b) Absolver a Requerida do pedido de anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa;
c) Absolver a Requerida dos pedidos de devolução da quantia paga e juros indemnizatórios.
6. Valor do processo
Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 19.095,95.
7. Custas
Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, a cargo da Requerente.
Lisboa, 11 de Novembro de 2021
O Árbitro
(Sofia Ricardo Borges)