Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 354/2020-T
Data da decisão: 2021-10-06  IVA  
Valor do pedido: € 3.113.487,25
Tema: IVA. Sujeito Passivo Misto. Pro rata de dedução (leasing e ALD). Ofício Circulado n.º 30108.
*Decisão arbitral anulada por acórdão do STA de 22 de março de 2023, recurso n.º 142/21.9BALSB
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SUMÁRIO: 

1.          Para a imposição da utilização do método de afectação directa com “condições especiais”, em termos que a jurisprudência superior reconhece como legítimos face à redacção do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA (conjugado com a alínea b) do seu n.º 3), se impõe a constatação de uma determinada realidade de facto, que é a verificação de distorções significativas na tributação na utilização do pro rata (cfr. a al. b) do n.º 3 do art.º 23.º do CIVA).

2.          A demonstração de tal realidade não poderá deixar de ser entendida, julga-se, como um ónus da AT, que esta não pode transferir para o sujeito passivo.

3.          Esta demonstração está a jusante do ónus da prova que incide sobre o contribuinte quanto aos factos que constituem o fundamento do seu direito à dedução, e a montante do ónus da prova que igualmente assiste àquele de demonstrar que o método da afectação real com “condições especiais” imposto pela AT, não é adequado a evitar, ou agrava, as “distorções na concorrência”.

4.          A AT não pode definir por circular e com carácter geral e abstracto o modo como deve ser exercido o direito de dedução do IVA relativamente às despesas efectuadas com bens ou serviços de utilização mista, designadamente qual o critério a utilizar na determinação da parte desse IVA que confere o direito à dedução.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Relatório 

1.      O A..., S.A. (Requerente), titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva n.º..., com sede em ..., ..., ...-... Lisboa, apresentou, no dia 9 de Julho de 2020, requerimento de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º n.º 1 alínea a) e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, Regime Juridico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT, em conjugação com o disposto na al. a) do artigo 99.º e no n.º 1 do artigo 102.º, todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário -  CPPT, aplicável por força da al. a) do n.º 1 do artigo 10.º daquele Decreto-Lei.

2.       Pediu a anulação do acto tributário de autoliquidação de IVA respeitante ao período de Dezembro de 2017, com o n.º ..., entregue a 12 de Fevereiro de 2018, e bem assim, a anulação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra aquele acto. Na medida da procedência dos pedidos anteriores, requereu a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios e das custas do processo. A título subsidiário, no cenário de reenvio previsto no artigo 276.º do TFUE, requereu que o Tribunal Arbitral (i) convide o Requerente a pronunciar-se sobre as questões concretas a submeter à apreciação do TJUE, e (ii) suspenda a presente instância até à prolação de decisão pelo TJUE.

3.      Nomeados os signatários, que aceitaram a designação no prazo aplicável, e não tendo o Requerente, nem a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida), suscitado qualquer objecção, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 28 de Setembro de 2020.

4.       Seguindo-se os normais trâmites, em 01 de Novembro de 2020 a AT apresentou resposta na qual se defendeu por impugnação. Não foi junto ao processo pela AT o processo administrativo.

5.      A 13 de Novembro de 2020 foi proferido despacho a dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a convidar as Partes a produzirem alegações, podendo o Requerente 
fazê-lo no prazo de 15 dias, contados da notificação do despacho, e a AT no mesmo prazo, contado da notificação das alegações do Requerente, ou da falta de apresentação das mesmas.

6.      A 14 de Dezembro de 2020, o Requerente apresentou as suas alegações, nas quais reiterou a argumentação anteriormente produzida e suscitou que a AT, na sua resposta, utilizou fundamentação a posteriori que não pode ser admitida, quando indicou que impende sobre o Requerente o ónus de demonstrar os custos suportados com a disponibilização dos veículos locados. Segundo o Requerente tal questão foi levantada pela primeira vez na referida resposta e não integra os fundamentos que alicerçaram a decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

7.      A 17 de Dezembro de 2020, a AT apresentou requerimento a solicitar que fossem expurgadas dos autos as alegações apresentadas pelo Requerente por serem extemporâneas,  apresentadas cerca de 30 dias após a data em que o despacho arbitral foi elaborado.

8.      A 4 de Janeiro de 2021, na sequência de despacho arbitral a conceder-lhe o contraditório, o Requerente apresentou requerimento de defesa à alegada intempestividade das alegações, no qual indicou: (i) que o despacho arbitral em causa foi disponibilizado na caixa postal do VIACTT do mandatário no dia 13 de Novembro de 2020, conforme registo no sistema de gestão processual do CAAD (ii) que não existindo regra específica no RJAT que vigorasse nesta matéria é aplicável o artigo 39.º n.º 10 do CPPT, na redacção da lei n.º 119/2019 de 18 de Dezembro, segundo o qual a notificação se considerada efectuada no décimo quinto dia posterior ao registo de disponibilização, iniciando-se a contagem do respectivo prazo no primeiro dia útil seguinte (iii) que no caso concreto, sendo o despacho arbitral disponibilizado no VIACTT no dia 13 de Novembro de 2020, a notificação dá-se a 28 de Novembro de 2020, sábado, terminando o prazo no dia 14 de Dezembro de 2020, pelo que se devem considerar tempestivas as alegações apresentadas naquela data (o Requerente refere 14 de Novembro de 2020 no ponto 30.º e 31.º do seu requerimento mas resulta do contexto sistemático do documento que tal se deve a um lapso linguae, devendo ler-se 14 de Dezembro). Por fim, o Requerente alega que tendo sido dado prazo para alegações sucessivas, se encontrava ultrapassado o prazo para apresentação de alegações por parte da Requerida que havia terminado a 29 de Dezembro de 2020.

9.       A 12 de Janeiro de 2021 a AT apresentou as suas contra-alegações nas quais: (i) em resposta ao invocado pelo Requerente quanto à aplicação do artigo 39.º n.º 10 do CPPT, indicou que nos termos do artigo 3.º -A, n.º 2 do RJAT, os prazos para a prática de actos durante o processo arbitral contam-se nos termos do CPC, presumindo-se as notificações aos mandatários efectuadas no 3.º dia posterior ao da elaboração ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja, de acordo com o artigo 248.º do CPC, e (ii) apresentou as suas alegações.

10.   No dia 8 de Fevereiro a AT requereu a junção aos autos do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 0101/19.1BALSB, de 20-01-2021, acerca da temática da locação financeira automóvel. 

 

    I.       SANEAMENTO

 

 

1.     O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

2.     As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

3.     São de admitir as alegações apresentadas pelo Requerente e Requerida, dando assim plena eficácia ao princípio do contraditório, na medida em que: 

(i)            à data da apresentação das alegações do Requerente e Requerida – 14 de Dezembro de 2020 e 12 de Janeiro de 2021 respectivamente – não existia norma específica no RJAT que dispusesse sobre o modo de efectivação de notificações de actos judiciais, incluindo de despachos arbitrais (tal norma foi apenas introduzida pela Lei n.º 7/2021 de 26 de Fevereiro, que aditou o n.º 4 ao artigo 10.º do RJAT no sentido de presumir as notificações efectuadas através do sistema de gestão processual do CAAD como realizadas no 3.º dia posterior ao da sua elaboração, ou no 1.º dia útil seguinte quando este não o seja, com efeitos a partir de 27 de Fevereiro de 2021); são assim aplicáveis, no caso concreto, as normas de natureza processual subsidiárias, nos termos do disposto no artigo 29.º n.º 1 alínea a) do RJAT;

(ii)           resulta da consulta ao sistema de gestão processual do CAAD que a notificação do despacho arbitral de 13 de Novembro de 2020 foi disponibilizada, nessa mesma data, ao Requerente, via o seu mandatário, pela caixa postal VIACTT, e à Requerida (na mesma data), via o seu mandatário, por comunicação eletrónica (e-mail);

(iii)         resulta da consulta ao sistema de gestão processual do CAAD que a notificação da apresentação das alegações pelo Requerente a 14 de Dezembro de 2020 foi disponibilizada, nessa mesma data, à Requerida, via o seu mandatário, por comunicação electrónica (e-mail); 

(iv)         resulta da subsunção dos factos às normas legais aplicáveis que, nos termos do artigo 39.º n.º 10 do CPPT (redacção da lei n.º 119/2019 de 18 de Dezembro), considera-se o Requerente notificado para apresentar alegações no dia 28 de Novembro de 2020, sábado, sendo consequentemente tempestivas as alegações por si apresentadas a 14 de Dezembro de 2020;

(v)           resulta da subsunção dos factos às normas legais aplicáveis que, nos termos do artigo 248.º n.º 1 do CPC e do artigo 17.º-A do RJAT, considera-se a Requerida notificada para apresentar alegações no dia 17 de Dezembro de 2020, sendo tempestivas as alegações por si apresentadas a 12 de Janeiro de 2021, considerando-se a suspensão do prazo fixado no despacho arbitral durante as férias judiciais, que ocorreram entre 22 de Dezembro de 2020 e 3 de Janeiro de 2021.

 

4.     Não se verificam nulidades nem questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

 II.       DECISÃO

A.     Matéria de facto 

A.1.    Factos provados

          Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a causa:

1.     O Requerente é uma instituição de crédito estabelecida em território nacional, abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras que exerce, a título principal,  a actividade de “OUTRA INTERMEDIAÇÃO MONETÁRIA” (CAE 64190). 

2.     Para efeitos de IVA, configura-se como um sujeito passivo nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, encontrando-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do mesmo diploma.

3.     Caracteriza-se por ser um sujeito passivo "misto", uma vez que exerce actividades que conferem direito à dedução (nas quais se incluem as relativas à locação financeira de veículos em Leasing e ALD) e também realiza operações internas no âmbito da actividade financeira, a qual é isenta do imposto sem direito à dedução nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, procedendo ao apuramento do IVA de cada período com recurso ao disposto no artigo 23.º do mesmo diploma.

4.     Para efeitos de dedução do IVA dos bens de utilização mista adoptou o procedimento vertido no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30 de Janeiro de 2009. Em consequência, na determinação do pro rata de dedução, o Requerente desconsiderou do cálculo da percentagem de dedução as amortizações financeiras (amortização de capital) relativas aos contratos de locação financeira, tendo apurado, no final do exercício, um pro rata de dedução de 10% do qual resultou uma dedução de IVA de 3.459.430,29 EUR.  

5.     Com esta base, ao longo do ano de 2017 foi deduzido IVA com base em pro rata provisório de 7%, num total de 2.421.601,20 EUR. Na declaração periódica de Dezembro de 2017, tendo sido calculada a percentagem definitiva de 10% de pro rata, foi regularizado IVA a favor do Requerente no valor de 1.037.829,09 EUR.

6.     Em revisão interna, o Requerente identificou que no apuramento do pro rata impunha-se que considerasse no numerador da fracção também as componentes de capital das rendas, facturadas sujeitas a IVA e isentas com direito a dedução e, no denominador, as componentes de capital das rendas facturadas sujeitas a IVA e isentas.

7.     O Requerente apresentou por correio registado a 31.12.2019, reclamação graciosa do acto de autoliquidação de IVA efectuado na declaração periódica de Dezembro de 2017, com indicação de que caso tivesse relevado a componente de capital das rendas facturadas nesse ano no cálculo do pro rata, teria apurado um pro rata de dedução de 19% (e não 10%), havendo lugar a uma dedução de IVA no valor de 6.572.917,54 EUR, pelo que tinha suportado indevidamente IVA no montante de 3.113.487,25 EUR. Solicitou a anulação do acto de autoliquidação na parte referente ao IVA que resulta da divergência de aplicação daquelas percentagens aos bens e serviços com utilização mista, ou seja, 3.113.487,25 EUR.

8.     É o seguinte o teor dos pontos 5 a 9 do Ofício-Circulado 30108, de 30 de Janeiro de 2009, assinado pelo Diretor-Geral da Autoridade Tributária:

5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução. 

6. Face à anterior redacção do artigo 23º do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas. No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do nº 4 do artigo 23º do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um prorata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.

7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

“8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº.2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades. 9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.”

9.     Foi elaborado e recebido pelo Requerente despacho de Indeferimento do pedido de Reclamação Graciosa que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

VI.1.2. Síntese das Alegações da Reclamante

28.   A Reclamante vem, através da presente Reclamação Graciosa, invocar a ilegalidade do Ofício­circulado 30108, de 30 de Janeiro de 2009, por o mesmo aplicar ao apuramento da percentagem de dedução do IVA relativo aos bens e serviços de utilização mista, um critério incompatível com o direito nacional.

29.   Nesse sentido, depois de efectuar uma resenha das disposições do CIVA e da Diretiva IVA aplicáveis à situação em análise, tendo em consideração os dois únicos métodos previstos no CIVA, conclui que, não sendo possível definir um critério objetivo que permita determinar o grau de utilização dos bens e serviços no âmbito da atividade de locação financeira, o que levaria à aplicação do método da afetação real, por exclusão de parte, deve ser adotado o método da percentagem de dedução de acordo com o previsto 23.º n.º 4 do CIVA.

30.   Ressalvando que, não obstante,"( ... ) a Diretiva do IVA permite aos Estados-membros a adoção de regras de cálculo do pro rata distintas do disposto no artigo 23.º, n.0 4 do CIVA, também é certo que essa opção não foi transposta para o ordenamento jurídico nacional." (ponto 37.0 da petição de Reclamação Graciosa).

31.   Pelo que, «( ... ) não pode ser sustentada a imposição de um "coeficiente de imputação específico" na medida em que não se estará perante nem um pro rata definido pelo artigo 23.º, n.º 1, alínea b), nem o método da afetação real do artigo 23. º, n º 2 » (ponto 38.0 da petição de Reclamação Graciosa).

32.   Não existe assim suporte legal para o entendimento constante no oficio-circulado.

33.   Pelo que, estando a AT sujeita ao princípio da legalidade em toda a sua atuação por força do disposto no n.º 2 do artigo 266.º da CRP, no 55.º da LGT e no n.º 1 do artigo 3.º do CPA, não pode a mesma socorrer-se do supra mencionado critério, para o apuramento do IVA dedutível nos casos como o presente.

34.   A que acresce o facto do Ofício apenas se encontrar dotado de eficácia interna, restrita à AT, não vinculando os contribuintes.

35.   Por fim, e no sentido de sustentar a sua posição, vem invocar decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.º 309/2017-T, 311/2017-T e 312/2017-T do CAAD, referindo que nas mesmas estão em causa situações de facto em tudo semelhante à presente, relativas à legalidade do coeficiente de imputação específico.

Vl.1.3. Apreciação

36.   A pretensão controvertida na Reclamação Graciosa em apreço, consubstancia-se na anulação parcial da autoliquidação de IVA, subjacente à declaração periódica n.º..., entregue a 12 de fevereiro de 2018, referente ao período de dezembro de 2017 (1712), decorrente da alegada entrega em excesso da importância de € 3.113.487,25, considerando, a Reclamante, tratar-se de um erro na autoliquidação consubstanciado num erro relativo ao regime jurídico aplicável à dedução do imposto referente a recursos de utilização mista.

37.   Analisado o requerimento apresentado pela Reclamante, bem como os fundamentos invocados, verifica-se que a questão aqui em análise prende-se com a análise da legalidade do método de dedução imposto pela AT no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009 e possibilidade de utilização do método da percentagem de dedução – pro rata, com inclusão da componente de capital no cálculo do pro rata.

38.   No caso concreto, estamos perante operações de locação financeira mobiliária, e pretende aferir-se a legalidade, face às normas de direito comunitário ou de direito interno, da exclusão do cálculo da percentagem de dedução, da parte do valor da renda da locação que corresponde à amortização financeira, apenas considerando o montante de juros e outros encargos faturados.

39.   Antes de procedermos à apreciação do mérito da presente Reclamação Graciosa, importa aludir ao facto da Reclamante se enquadrar, em sede de IVA, no regime normal, com periodicidade mensal, assumindo a natureza de sujeito passivo "misto".

40.   Isto porque, realiza operações financeiras que não conferem o direito à dedução de IVA, por se encontrarem isentas ao abrigo do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA e operações com liquidação de IVA, como acontece, por exemplo, com as rendas de leasing e ALD, que conferem direito à dedução do IVA suportado.

41.   A Reclamante realiza ainda outras operações financeiras ou acessórias que conferem, igualmente, o direito à dedução de IVA, em conformidade com o disposto no artigo 20.º do CIVA.

42.   No conjunto das operações que conferem direito à dedução do IVA, integram-se os contratos de locação, nos quais a Reclamante assume a posição de locadora e, nessa qualidade, adquire os bens (ou o financiamento para a sua aquisição) que são objeto desses contratos, acrescidos de IVA, sendo os mesmos entregues aos respetivos locatários para seu uso e fruição.

43.   Em contrapartida, a Reclamante fatura rendas aos locatários, às quais acresce o IVA.

44.   No que se refere às aquisições de bens e serviços de utilização mista, em razão de terem sido indistintamente afetas às diversas operações desenvolvidas pela Reclamante, para efeitos do exercício do direito à dedução, entende dever aplicar-se o método geral e supletivo da percentagem de dedução - também designado por pro rata - nos termos estatuídos na alínea b) do n ° 1 e do n.º 4, ambos do artigo 23.º do CIVA.

45.   No exercício de 2017, o total de IVA incorrido com a aquisição de recursos utilizados nas operações sujeitas, com e sem direito à dedução (utilização mista), ascendeu a € 3.459.430,29, conforme referido pela Reclamante no ponto 1.º da petição de Reclamação Graciosa.

46.   Sucede que, por erro, a Reclamante, inicialmente não utilizou o método de percentagem de dedução do pro rata, no entanto, entende que deve ser este o método utilizado, e que deve considerar quer no numerador, quer no denominador da fórmula de cálculo do pro rata o valor do capital das rendas de locação financeira, apurando assim uma percentagem de dedução definitiva de 19%, a que correspondeu uma dedução de € 6.572.917,54.

47.   De facto, a utilização do método de dedução do pro rata e a inclusão da componente de amortização de capital conduziria ao apuramento de uma percentagem de dedução de 19%, contra os 10% refletidos na declaração periódica de IVA relativa ao período de dezembro de 2017. O que significa que teria direito a deduzir o montante de € 6.572.917,54.

48.   Efetuado o necessário enquadramento factual, procede-se à análise, propriamente dita, dos argumentos aduzidos pela Reclamante, com vista à apreciação do mérito da Reclamação Graciosa:

49.   Face à questão em análise nos presentes autos, importa que ressalvar que não se considera existir qualquer erro no preenchimento da declaração, consubstanciado em erro no apuramento do método de dedução de IVA. relativa a bens de utilização mista.

50.   Com efeito, o apuramento da percentagem de dedução efetuado pelo sujeito passivo está em perfeita concordância com as normas de direito comunitário e interno, pelo que, não se afigura assistir razão à Reclamante quanto à pretensão formulada no seu requerimento inicial.

51.   Trata-se de uma matéria relativamente à qual a AT já se pronunciou através do Oficio-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, do Gabinete do Subdiretor-Geral - Área de Gestão Tributária do IVA.

52.   Esta instrução administrativa veio contemplar a doutrina defendida pela então DGCI (atual AT) que visou "(. . .) divulgar a correta interpretação a dar ao artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a atividade de Leasing ou de ALD.

53.   Da leitura do Ofício n.0 30108, conclui-se que o apuramento da percentagem de dedução definitiva antes referida (10%) foi efetuado, pela Reclamante, em perfeita concordância com os termos aí previstos 

(…)

54.   Isto é, a percentagem de dedução inicialmente apurada não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, mas antes assenta na aplicação do método de afetação real, através da utilização de um critério de imputação objetivo, tendo em conta os valores envolvidos nas operações desenvolvidas no âmbito das atividades de Leasing ou de ALD.

55.   A título prévio importa efetuar o enquadramento jurídico - tributário do contrato aqui em análise, que está subjacente à prestação de serviços de leasing: contrato de locação financeira.

56.   A base jurídica de qualquer modalidade de contrato de locação encontra-se plasmada, em termos gerais, nos artigos 1022º a 1114° do Código Civil. Não obstante, e porque se trata de um tipo particular de locação, importa atender ao previsto no regime jurídico especialmente criado para este tipo de contratos, e que vem consagrado no Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho, com as subsequentes alterações.

57.   De acordo com o artigo 1 .º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho, a locação financeira é o "(...) contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder a outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados."

                    (…)

 

59.  Trata-se, portanto, de um contrato comummente utilizado como forma de proporcionar crédito bancário, pelo qual, a instituição financeira, perante solicitação do interessado, adquire o bem em causa e cede-o a este em locação, ficando o mesmo, obrigado a pagar uma "( …) retribuição que traduza a amortização do bem e os juros: no final, o locatário poderá adquirir o bem pelo valor residual ou celebrar novo contrato; poderá, ainda, nada fazer" [ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, 4ª ed, Almed1na, Coimbra, 2010, pp, 671]. 

60.  Daqui decorre que, o objeto deste tipo de contrato não é a transferência da propriedade, mas sim a cedência, pela locadora do uso do bem, isto é, a locadora obriga-se a prestar um serviço, traduzido na disponibilidade do bem em causa, recebendo em contrapartida, uma prestação, sem prejuízo, de nele se poder prever a opção de compra, no final do contrato, a favor do locatário, por um valor residual fixado por acordo das partes.

61.  Atenta esta qualificação jurídica, e transpondo-a para a perspetiva tributária, conclui-se que a locação financeira constitui uma prestação de serviços sujeita a imposto, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA, e é efetuada pelo sujeito passivo no âmbito duma atividade económica.

62.  Efetivamente, no caso das operações de locação, dúvidas não restam de que a respetiva contrapartida se concretiza nas rendas auferidas pela entidade que assume a posição contratual de locadora.

63.  No entanto, não podemos abstrair-nos do facto dessas operações de locação (leasing e ALO) consubstanciarem uma modalidade de crédito (entre outras), pelo que a atividade da entidade locadora é, em substância, a concessão de financiamento, cuja contrapartida remuneratória é constitui da, essencialmente, por juros e outros encargos incluídos nas rendas.

64.  Refere a Reclamante, invocando que o disposto no artigo 16.º do CIVA, em especial, a alínea h) do n.º 2, que a contraprestação decorrente deste tipo de contratos (renda) deve ser integralmente incluída no cálculo do pro rata (cf. ponto 50.º e 51.º da petição de Reclamação Graciosa).

65.  Razão pela qual as rendas decorrentes de contratos de locação financeira (desde que não seja aplicável uma isenção) são, de facto, integralmente sujeitas a IVA.

66.   A esse propósito, deve ter-se presente que, um dos objetivos do legislador nesta matéria, foi assegurar o cumprimento do princípio da neutralidade fiscal, na vertente de princípio da igualdade que, no caso concreto, se consubstancia no facto de ser assegurado um tratamento fiscal equivalente, no sentido de igual onerosidade, em relação aquele que adquire um bem através de um contrato de locação financeira, face a outra pessoa que o adquire diretamente.

67.  Ora, o facto do valor integral da renda, pago pelo locatário ao locador, constituir o valor tributável sobre o qual incidirá IVA tal não significa que a parte integrante da renda, correspondente à amortização financeira ou do capital tenha de ser incluída no cômputo do apuramento da percentagem de dedução, conjuntamente com a parte correspondente aos juros e outros encargos.

68.  Desde logo porque, a renda constitui o pagamento do serviço de concessão de financiamento ao locador, sendo composta por duas partes: capital ou amortização financeira, que mais não é que o reembolso da quantia "emprestada" e juros, acrescidos de eventuais encargos, que constituem a remuneração do locador.

69.  Note-se que, na perspetiva da operação de locação enquanto operação de concessão de financiamento, o valor de aquisição do bem objeto de contrato de locação corresponde ao capital financiado que constitui a componente de amortização financeira na renda liquidada pelo locador ao locatário.

70.  Sendo que, no momento da aquisição desse mesmo input, o sujeito passivo (locador) exerceu o direito à dedução integral do montante do IVA liquidado pelo fornecedor do bem objeto do contrato de locação, por via do método da imputação direta.

71.  Razão pela qual, não pode deixar de ser excluída do cálculo da percentagem de dedução, sendo-lhe aplicável o método de afetação real com recurso a um critério de imputação objetivo, a parte da amortização financeira incluída na renda, uma vez que esta mais não é do que a restituição do capital financiado/investido para a aquisição do bem.

72.  Logo, à luz do princípio da neutralidade em que assenta o sistema deste imposto, fácil se torna perceber que a incidência do IVA sobre a totalidade da renda é a única forma de garantir que o Estado recupera o valor do imposto que foi já deduzido pelo sujeito passivo.

73.  Por outro lado, a inclusão no rácio entre operações com e sem direito à dedução da componente relativa à restituição do capital (amortização financeira), enquanto parte integrante da renda, provoca um aumento injustificado na percentagem de dedução definitiva, atendendo a que será significativa e positivamente influenciada, por via de uma mera restituição de um financiamento, cujo bem subjacente foi já objeto de liquidação e dedução de IVA no momento da aquisição.

74.  Este facto gerará deduções acrescidas para o sujeito passivo, relativamente à generalidade dos inputs de utilização mista, por via da utilização de um coeficiente, que nessa medida, se apresenta como exagerado, face à realidade das operações tributáveis.

75.  A atividade principal da locadora não consiste na compra e venda de bens, mas tão só na concessão de créditos a terceiros para aquisição desses bens, ainda que se substitua aos destinatários dos bens na aquisição, reservando para si o direito de propriedade. E dessa atividade obtém, fundamentalmente, juros.

76.  Deste modo, torna-se compreensível que no cálculo do mencionado coeficiente de imputação específico, aplicável ao caso objeto de análise, e em harmonia com o entendimento da AT, deve considerar-se, apenas, o montante que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, uma vez que, através do método de imputação direta o IVA da parte relativa ao capital é integralmente deduzido.

77.  E é apenas aquele valor diferencial (que, genericamente, corresponde a juros) que se encontra conexo com os custos de aquisição de recursos utilizados indistintamente em operações com e sem direito à dedução.

78.  Se assim não fosse, permitia-se um aumento artificial da percentagem de dedução do IVA incorrido com a generalidade dos bens ou serviços com utilização mista adquiridos pelo sujeito passivo.

79.  Do entendimento propugnado pela AT, não decorre, assim, qualquer restrição do direito legítimo à dedução, como alega a Reclamante. Antes pelo contrário, pugna pela inadmissibilidade do exercício do direito à dedução ilegítimo, na medida em que, a eventual execução do procedimento defendido pela Reclamante colocaria em causa a neutralidade fiscal inerente à mecânica do IVA.

80.  Acresce, ainda, que o método do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, que a Reclamante pretende ver aplicado, não tem mérito para medir o grau de utilização que as duas categorias de operações, com e sem direito à dedução, fazem dos bens e serviços que lhe são indistintamente alocados (utilização mista) e, consequentemente, não pode ser utilizado para determinar a parcela dedutível, cuja liquidação foi efetuada a montante por outros operadores económicos que se situam na fase imediatamente anterior do circuito económico.

81.  São dois os métodos de dedução previstos no CIVA (artigo 23º).

82.  Por um lado, o denominado método da afetação real, que "(…) consiste na aplicação de critérios objetivos, reais, sobre o grau ou intensidade de utilização dos bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito. i= de acordo com esse grau ou intensidade de utilização dos bens, medidos por critérios objetivos, que o sujeito determinará a parte de imposto suportado que poderá ser deduzida. Os critérios estão sujeitos (…) ao escrutínio da Direção-Geral dos Impostos que pode vir a impor condições especiais ou mesmo a fazer cessar o procedimento de afetação real, no caso de se verificar que assim se provocam ou podem provocar distorções significativas da tributação. (. . .). [JOSÉ XAVIER DE BASTOS e MARIA ODETE OLIVEIRA," Desfazendo os mal - entendidos em matéria de direito à dedução de imposto sobre o valor acrescentado - as recentes alterações ao artigo 23° do Código do IVA", 1n Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal Ano 1, n ° 1, p. 35 a 72].

83.  E por outro, o método da percentagem de dedução ou pro rata, definido na alínea b) do n.º 1 e n ° 2, do artigo 23.º, e desenvolvido nos n.ºs 4 a 8 do mesmo preceito legal. No fundo, trata-se de uma dedução parcial, que se traduz no facto do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços utilizados num e noutro tipo de operações, apenas ser dedutível na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dão lugar a dedução.

84.  Neste caso, a percentagem de dedução a aplicar é calculada provisoriamente com base no montante de operações realizadas no ano anterior (pro rata provisório), sendo corrigida na declaração do último período do ano a que respeita, de acordo com os valores definitivos de volume de negócios referente ao ano a que reportam, determinando a correspondente regularização por aplicação do pro rata definitivo.

85.  Ora, com a alteração introduzida ao artigo 23º pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, tais procedimentos foram "estendidos" ao método da afetação real, nomeadamente, aos casos em que o mesmo é imposto pela Administração Tributária, quer para as situações em que o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas, quer para os casos em que se apure que a utilização dos demais métodos poderá originar distorções significativas na tributação, conforme dispõe o n.º 3 do artigo em análise.

86.  O que se mostra perfeitamente justificável, e em nada contraria o sistema comum de IVA De facto, de um ano para outro pode mudar o grau de utilização dos bens no regime da afetação real e os critérios objetivos de apuramento do mesmo.

87.  É precisamente no âmbito dos poderes conferidos à Administração Tributária pela alínea b) do n.º 3 do artigo 23º CIVA, que tem por base a faculdade que vinha conferida na alínea e) do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta diretiva, que se enquadra o Oficio - Circulado n.º 30.108, aqui em discussão, prevendo uma solução que permite afastar a possibilidade de ocorrência de distorções significativas,quando estamos perante sujeitos passivos que realizem operações de locação financeira e ALD.

88.  Assim, no seu ponto 9. prescreve que "Na aplicação do método da afetação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n. º 4 do artigo 23° do CIVA" (sublinhado nosso).

89.  Ou seja, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) veio estabelecer a adoção de critérios mais adequados que permitam aferir com maior objetividade o grau de afetação de bens e serviços de utilização mista, nos casos como o presente.

90.  Importa ressalvar que a adoção do critério referido, é demostrativa que a AT admite a existência de algum grau de afetação dos recursos integrantes do conceito de despesas gerais incorridas pelos bancos no âmbito da celebração deste tipo de contratos. Muito embora seja um facto notório que, por norma, as operações desta natureza exigem uma utilização de recursos técnicos e administrativos bastante menos relevante que aqueles que se encontram afetos às atividades principais desenvolvidas pelas instituições bancárias como a Reclamante.

91.  Por outro lado, tal não significa que os sujeitos passivos sejam obrigados a seguir o entendimento preconizado no Ofício-circulado, aplicando o critério nele definido. Com efeito, como decorre do mesmo, a AT aceita que as instituições financeiras recorram a outros critérios de afetação real, desde que, os mesmos se mostrem idóneos ao fim pretendido.

92.  Posto isto, a questão que se coloca é saber se o procedimento adotado pela Administração Tributária, está conforme com as normas internas e comunitárias, em especial, o artigo 16.º e 23.º CIVA, já referidos, e bem assim, os artigos 174.º e 175.º da Diretiva IVA.

93.  Esta instrução administrativa veio contemplar a doutrina defendida pela então DGCI (atual AT) que visou "(...) divulgar a correta interpretação a dar ao artigo 23° do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a atividade de Leasing ou de ALD (. .)", procurando afastar algumas dificuldades interpretativas suscitadas pela redação do artigo 23° do CIVA, harmonizando-o com a doutrina e jurisprudência comunitárias.

94.  Não obstante, grande parte da doutrina preconizada, já vinha sendo aplicada pela Administração Tributária antes mesmo da sua publicação [nesse sentido, veja-se o Parecer de 0610612005, elaborado pelo Gabinete do Diretor Geral dos Impostos].

95.  A questão principal que se dirime, nesta sede, foi já objeto de apreciação por parte do T JUE (Acórdão proferido no processo Banco Mais, C-183/13, de 10 de julho de 2014), sendo que, o entendimento nele preconizado confirma a posição que tem vindo a ser assumida pela AT relativamente a esta matéria.

(…)

97.  A este propósito refere Tânia Meireles da Cunha "Neste contexto, o TJUE entendeu que o direito interno (concretamente o art. 23°, n.ºs 2 e 3, do CIVA, na redação vigente) legitimava a atuação da AT, no sentido de derrogar a regra de cálculo do pro rata prevista na Sexta Diretiva  O entendimento do TJUE foi no sentido de que o acervo normativo em causa, considerando os principias que enformam o IVA (designadamente os da neutralidade e da proporcionalidade) e considerando que o cálculo de um quociente de dedução deverá ser o mais possível aproximado da realidade (apesar de alguma margem de erro que o caracteriza, por definição), não se opõe a que os EM apliquem um método ou um critério diferente do volume de negócios. se este método for o mais preciso.

No caso em concreto, o TJUE entendeu que o método que a AT portuguesa definiu é, em princípio mais preciso do que o previsto na Sexta Diretiva, dado que considerou apenas a parte das rendas pagas que servem para compensar a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador". [ln TÂNIA MEIRELES DA CUNHA, "IVA e locação financeira de bens moveis na jurisprudência do TJUE", Cadernos de IVA 2015, Almedina, 2015, p 419-448].

98.  Não há dúvidas que a situação em apreço se enquadra na "maioria dos casos" a que se refere o citado acórdão, uma vez que, a realização pela Reclamante deste tipo de operações de locação financeira (maioritariamente) dirigidas ao setor automóvel, implica a utilização de parte dos bens ou serviços promíscuos, mas esta é "(. . .) sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos."

99.  Sendo que este entendimento veio, necessariamente, a ter acolhimento pelos nossos tribunais superiores, nomeadamente, no âmbito dos processos onde havia sido solicitado o reenvio prejudicial para o referido tribunal [Nesse sentido, Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 04.03.2015, recursos n ° 1017/12 e n.º81/13, de 29.10.2014, recurso n ° 1075/13, de 17.06.2015, recurso n ° 01874/13, de 27.012016, recurso n,º 331/14, e de 15 11 2017, recurso n ° 0485/17].

100.                 Quanto a este ponto em concreto, importa realçar que "as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia constituem fonte imediata, permitindo a uniformidade e a harmonização na aplicação do direito da União no território dos Estados-Membros(. . .)" sendo fundamental "(. . .) atentar ao papel da jurisprudência principia lista do TJUE, que gozando ainda de precedente vinculativo, assume particular relevância na fixação e subsequente densificação dos princípios que subjazem a esta ordem jurídica." Relevando aqui o princípio do primado, que determina a prevalência do direito da União Europeia sobre o direito nacional dirigindo-se "(. . .) ao juiz nacional e a quem de resto incumbe fiscalizar e zelar pela aplicação do direito da União e a sua efetiva tutela jurisdicional." Pelo que, "(. . .) no que aos efeitos materiais da decisão prejudicial (. . .) diz respeito (. . .) o tribunal que suscitou a questão e os restantes tribunais nacionais e do espaço da União estão vinculados às conclusões - bem como à fundamentação - do acórdão prejudicial, sendo razões de uniformidade as subjacentes a tal obrigatoriedade. (negrito e sublinhado nosso)".

101.                 Ora, sendo os pressupostos de facto e de direito da questão controvertida em análise na decisão do TJUE acima referida idênticos aos da presente, deve considerar-se que a interpretação e doutrina dele constante, mostra-se inteiramente aplicável ao caso em apreço.

102.                 Aliás este entendimento veio a ser reiterado e explicitado num recente Acórdão do TJUE, onde se refere expressamente que: "( ... ) nos termos do artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da referida diretiva, os Estados Membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços. 

Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os Estados Membros podem, graças a essa disposição, aplicar, numa determinada operação, um método ou um critério de repartição diferente do método do volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios (Acórdão de 8 de novembro de 2012, BLC Baumarkt, C 511110, EU:C:2012:689, n. º 24). 

(. . .) o Tribunal de Justiça considerou que o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas atividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o setor automóvel."

103.                 Na verdade, a componente de capital contida nas rendas não deve onerar o cálculo da percentagem de dedução, uma vez que, não constitui rendimento da atividade do sujeito passivo, ao invés do que sucede com as demais variáveis que integram a fórmula, sendo que, a sua consideração, provocaria distorções significativas na tributação, e também desvirtuaria o próprio método do pro rata e todos a sistema de dedução do IVA, ao reconhecer como dedutíveis, custos que não contribuíram, para a realização de operações tributadas. Só assim é alcançada a neutralidade do imposto. Não são todas as operações tributadas e/ou não tributadas que devem ser integradas na fórmula, mas apenas aquelas que, realizadas no âmbito de uma atividade económica realizada pelo sujeito passivo, tenham utilizado custos comuns para gerar valor acrescentado (no caso da locação financeira, advém da cedência do uso do bem objeto do contrato, através da qual o locador obtém rendimentos, sob a forma de juros).

104.                Ora, resulta claro à evidência, que consubstanciando a componente das rendas correspondente à amortização financeira, um mero reembolso de capital, que nesse sentido, não gera qualquer valor acrescentado, só a título muito diminuto é que os custos comuns suportados pelo locador numa operação de locação financeira, poderão, eventualmente, contribuir para a sua realização se não contribuíram para a amortização financeira, não lhe podem ser imputáveis.

105.                Face a tudo o que ficou dito, não subsistem dúvidas que o procedimento adotado pela Administração Fiscal está de acordo com as normas internas e comunitárias e nenhuma ilegalidade se lhe pode assacar.

106.                 De facto, o artigo 174° da Diretiva IVA (que corresponde ao nº 5 do artigo 17º da Sexta Diretiva) consente aos Estados-Membros opções em relação ao apuramento do IVA dos "inputs promíscuos", autorizando ou impondo que utilizem determinados métodos específicos de dedução do IVA quando as circunstâncias o justifiquem.

(…) 

123.Face ao que se deixou dito, ressalvando o devido respeito pelo decidido pelo CAAD nas decisões invocadas pela Reclamante não podemos concordar pelo entendimento nelas sufragado, acompanhando, na integra, a jurisprudência do T JUE, que necessariamente, foi acolhida pelo STA.

124.Nestes termos, conclui-se que o entendimento constante do Oficio-Circulado n.º 30.108, de 30 de janeiro de 2009, não viola, ele próprio, quaisquer normativos internos ou comunitários em matéria de IVA, não padecendo, nessa medida, de quaisquer dos vicies invocados pela Reclamante.

125.Nessa medida, ao contrário do alegado pela Reclamante, inexiste, na presente situação qualquer erro.

126.Sendo que, ainda que se admitisse a sua existência, a verdade é que o mesmo não poderia ser imputado à ATA dedução ou não de imposto e respetivos métodos e critérios estão na disponibilidade dos sujeitos passivos, dependendo, aliás, de escolhas discricionárias e conhecimentos inerentes à gestão da atividade tributada que só estão ao alcance do próprio sujeito passivo, designadamente a separação por setores de atividade onde são aplicados os bens e os serviços adquiridos.

127.Face ao exposto, conclui-se pela improcedência dos argumentos apresentados pela Reclamante no que respeita à questão controvertida, devendo ser indeferida a sua pretensão.

(…)

 

A.2.    Factos dados como não provados

 

1.     Que a utilização dos bens e serviços nas operações de “Leasing” e de “ALD”, como os que estão em causa nos presentes autos, que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou outros serviços transversais, fosse sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos respectivos.

2.     Que a utilização dos bens e serviços das actividades de “Leasing” e de “ALD”, como os que estão em causa nos presentes autos, que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou outros serviços transversais, não fosse sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos respectivos.

3.     Que, no caso concreto, a aplicação do processo referido no art.º 23.º, n.º 1, al. b), do CIVA (método do pro rata), relativamente ao imposto suportado com os bens e serviços das actividades de “Leasing” e de “ALD”, como os que estão em causa nos presentes autos, que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou outros serviços transversais, conduza a distorções significativas na tributação.

 

A.3.  Fundamentação da decisão da matéria de facto 

 

No processo arbitral é expressamente concedida aos Árbitros o poder de «livre apreciação dos factos», com base na sua «livre convicção» (artigo 16.º, alínea e), do RJAT). O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada ou não provada com base nos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral e tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º do CPPT.

Em particular, quanto aos factos dados como não provados, o Tribunal teve em consideração que o Requerente invoca no PPA (art. 239º) que estão em causa bens e serviços de utilização mista relativamente aos quais aplicou o método do pro-rata precisamente pela dificuldade ou impossibilidade na sua afectação directa, por não ser possível apurar de forma concreta quais dos gastos decorrentes da utilização de bens mistos – por exemplo, telefones ou electricidade – respeitam à actividade de disponibilização dos veículos e que parte respeita ao financiamento e gestão dos contratos. Esta alegação foi impugnada pela AT na sua resposta mas não foi contraprovada. Não existem nos autos elementos probatórios que identifiquem ou listem com exactidão os bens e serviços comuns utilizados pelo Requerente de forma mista, nem os bens e serviços concretos utilizados com a disponibilização dos veículos (ou seja, identificação dos fornecedores, dos registos contabilísticos efectuados, dos centros de imputação de custos contabilísticos, das facturas, de datas em que os custos são incorridos, dos nomes e extensão dos bens e serviços, dos valores incorridos). Em consequência, não existem elementos probatórios que demonstrem o grau de utilização destes custos (área ocupada/número de elementos de pessoal afecto, massa salarial, horas-máquina, horas-homem) pelo Requerente e que permitam concluir que a sua utilização pelo Requerente respeita mais à actividade de disponibilização dos veículos ou respeita mais ao financiamento e gestão dos contratos.

De igual modo, e como adiante se detalhará, nenhuma prova concreta foi produzida, em sede graciosa ou contenciosa, acerca da efectiva e concreta ocorrência de distorções significativas na tributação.

 

 

B.      Questão decidenda

 

A questão que se apresenta a resolver nos presentes autos prende-se com a consideração, ou não, do total do montante da renda (componente de capital [amortizações] e componente de juro) relativo às operações de locação financeira e ALD, no cálculo do pro rata relativo aos recursos de utilização mista.

 

C.      Matéria de direito

 

*

 

Com relevo na matéria ora em apreço, dispõe o artigo 23.º do CIVA aplicável:

“1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.

3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:

a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas;

b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.

4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.

5 - No cálculo referido no número anterior não são, no entanto, incluídas as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizadas na actividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo.”

No que diz respeito à (des)consideração do valor das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e ALD do cálculo da percentagem de dedução aplicada ao IVA incorrido pelo Requerente nos recursos de utilização mista, está em causa aferir-se a legalidade, face às normas de direito comunitário ou de direito interno, da exclusão do cálculo da percentagem de dedução, da parte do valor da renda da locação que corresponde à amortização financeira, apenas considerando o montante de juros e outros encargos facturados.

A este propósito, começa a Requerida por notar que o artigo 23.º do Código do IVA corresponde a duas normas comunitárias: o n.º 1 do artigo 173.º e o artigo 174.º da Directiva do IVA (Directiva 2006/112/CE, de 28-11-2006, em vigor à data dos factos, que veio reformular a Directiva 77/388/CEE de 17-05-1977 – Sexta Directiva).

Chama, a Requerida, a atenção para a circunstância de que quando estamos perante instituições de crédito, o conceito de “volume de negócios”, não contempla a parte correspondente à amortização financeira, já que esta visa a redução do crédito concedido pelo locador e não influencia o resultado do exercício. Salienta, ainda, que apenas os juros estão em conexão com os custos comuns utilizados, uma vez que estes, ao constituírem a remuneração do serviço prestado têm por objectivo a cobertura dos custos suportados a montante. E conclui, que para efeitos do cálculo do pro rata, nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, apenas se poderá considerar no numerador, os lucros relativos à actividade de locação financeira e outros proveitos tributados e, no denominador, os valores de todas as operações, incluindo as isentas, com exclusão das importâncias respeitantes às amortizações financeiras. 

Já o Requerente, começa por notar que a adopção do método de dedução previsto no n.º 2 do art.º 23.º do CIVA – ou seja, a afectação real – tem de ter sempre por base critérios objectivos, salientando que relativamente a métodos de dedução, nada mais é previsto no Código do IVA, ainda que a Directiva n.º 2006/112/CE permita que os Estados-Membros adoptem outros métodos de dedução para além do pro rata e da afectação real.

No que respeita ao Ofício-Circulado n.º 30108, o Requerente aponta que o mesmo terá sempre de ser analisado à luz das normas nacionais implementadas, e que o mesmo vem impor a utilização de um “critério de imputação específico”, o qual:

- Não é um pro rata nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA;

- Nem um método de afectação real, nos termos do artigo 23.º, n.º 2 do CIVA porque não é possível o recurso a critérios objectivos.

Assim, conclui o Requerente, não sendo possível adoptar o método da afectação real, o único outro método de dedução previsto no CIVA é o pro rata, apurado nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, pelo que aquilo que a AT vem propor no Ofício-Circulado n.º 30108 não tem enquadramento nem no artigo 23.º, n.º 1 do CIVA, nem no 23.º, n.º 2 do mesmo diploma.

Louvam-se, ainda, ambas as partes em jurisprudência que enumeram, e em doutrina citada por aquela.

*

No Acórdão Volkswagen Financial Services (Processo C-153/17) do TJUE, procurou-se responder à questão de saber se o artigo 168.º e o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Directiva IVA devem ser interpretados no sentido de que, por um lado, mesmo quando os custos gerais relativos às prestações de locação financeira de bens móveis, como as que estão em causa no processo principal, não são repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja, a parte tributável da operação, mas sim no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação, ou seja, a parte isenta da operação, esses custos gerais devem ser considerados, para efeitos do IVA, como um elemento constitutivo do preço dessa disponibilização e, por outro lado, se os Estados-Membros podem aplicar um método de repartição que não tem em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega.

Note-se desde logo, que as situações do Requerente nos presentes autos e da Volkswagen Financial Services no processo C-153/17, não são idênticas, porquanto esta é uma instituição especializada, dedicada exclusivamente a operações financeiras conexionadas com o ramo automóvel.

Não obstante julga-se, ainda, assim, que o TJUE emitiu, com clareza, pronúncia com relevância para a matéria que ora se discute, pelo que será útil analisar a decisão em questão.

Na mesma, começa o TJUE por definir se, do ponto de vista do IVA, diferentes operações como a concessão de financiamento e a disponibilização de veículos, devem ser tratadas como operações distintas tributáveis separadamente ou como operações complexas únicas compostas por vários elementos, tendo concluído que a resposta a tal questão deve ser dada pelo órgão jurisdicional nacional, tendo em conta os seguintes critérios:

a) cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente, e uma operação constituída por uma só prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta, para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA; 

b) há que considerar que existe uma prestação única quando dois ou vários elementos ou actos fornecidos pelo sujeito passivo estão tão estreitamente ligados que formam, objectivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria carácter artificial;

c) está-se em presença de uma prestação única quando um ou mais elementos devam ser considerados a prestação principal, ao passo que devem ser considerados uma prestação ou prestações acessórias que partilham do tratamento fiscal da prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesmo, mas o meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador.

Adicionalmente, esclareceu o TJUE que o pagamento diferido do preço de compra de um bem, mediante o pagamento de juros, pode ser considerado como uma concessão de crédito, que constitui uma operação isenta nos termos desta disposição, desde que o pagamento dos juros não constitua um elemento da contrapartida recebida pela entrega dos bens ou pelas prestações de serviços, mas sim a remuneração desse crédito.

Relativamente ao direito à dedução, o TJUE reafirmou que o sistema comum do IVA garante, por conseguinte, uma neutralidade perfeita quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, independentemente dos respectivos fins ou resultados, desde que essas actividades estejam elas próprias sujeitas a IVA, sendo admitido, no entanto, um direito à dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de uma relação directa e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa sejam parte das despesas gerais deste último e sejam, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens fornecidos ou dos serviços prestados pelo mesmo, sendo que a decisão de não incluir estes custos no preço das operações tributáveis, mas unicamente no preço das operações isentas, não pode ter qualquer repercussão nesta conclusão de facto e que o resultado dessas operações económicas não é pertinente, à luz do direito à dedução, na condição de a própria actividade estar sujeita a IVA.

Ressalva, no entanto, o TJUE que o âmbito desse direito à dedução varia em função do uso a que os bens e os serviços em causa se destinam, já que, ao passo que, para os bens e serviços destinados a serem utilizados exclusivamente para realizar operações tributáveis, os sujeitos passivos estão autorizados a deduzir a totalidade do imposto que incidiu sobre bens ou serviços que lhes tenham sido fornecidos ou prestados, para os bens e serviços destinados a uso misto, resulta do artigo 173.º, n.º 1, da Directiva IVA que o direito à dedução se limita à parte do IVA que é proporcional ao valor respeitante às operações que conferem direito à dedução realizadas através desses bens ou serviços, e que nos termos do artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da referida Directiva, os Estados-Membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços.

A este propósito, recordando o Acórdão Banco Mais, acrescenta o TJUE que qualquer Estado-Membro que decida autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços deve garantir que as modalidades de cálculo do direito à dedução permitam estabelecer com a maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução, dado que o princípio da neutralidade fiscal, inerente ao sistema comum do IVA, exige que as modalidades do cálculo da dedução reflictam objectivamente a parte real das despesas efectuadas com a aquisição de bens e serviços de utilização mista que pode ser imputada a operações que conferem direito à dedução, sendo que o método escolhido não tem necessariamente de ser o mais preciso possível, mas deve poder garantir um resultado mais preciso do que aquele que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios. 

Ainda a propósito do Acórdão Banco Mais, refere o TJUE que o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel.

Conclui o TJUE que atendendo à natureza fundamental do direito à dedução, sempre que as modalidades de cálculo da dedução não tenham em conta uma afectação real e significativa de uma parte dos custos gerais a operações que confiram direito à dedução, não se pode considerar que tais modalidades reflictam objectivamente a parte real das despesas efectuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações, pelo que tais modalidades não são susceptíveis de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.

*

 

Na sequência do Acórdão do TJUE Banco Mais, foi emitida jurisprudência pelo STA, no sentido de que:

Relativamente à previsão do art. 17º, n° 5, terceiro parágrafo, da Sexta Directiva, o TJUE considerou (acórdão de 10/7/2014, no processo C-183/13) que nas circunstâncias ali referidas, os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.[1].

            Posteriormente a mesma questão foi apreciada por vários tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD.

Em todas as referidas decisões, proferidas por Tribunais Arbitrais colectivos, após análise do quadro legal nacional e comunitário aplicável, foi entendido de forma unânime que o Código do IVA efectuou a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva (a que corresponde o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Directiva 2006/112/CE) para o direito interno mas não permite sustentar a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à actividade de locação financeira, não sendo determinante que o Tribunal de Justiça tenha interpretado a Directiva no sentido de que não se opõe a que, nas actividades de locação financeira, no cálculo da percentagem a deduzir deva entrar apenas a parte das rendas correspondente aos juros, dado que o Tribunal de Justiça limitou-se a interpretar o direito comunitário e a norma em causa deixa uma margem de livre conformação ao legislador, cabendo às instâncias jurisdicionais nacionais verificar se subsiste norma no ordenamento jurídico interno que permita acolher o critério interpretativo adoptado pelo Tribunal de Justiça.

Daí que da pronúncia do TJUE não decorra a validade/invalidade de uma norma de direito nacional, mas unicamente, a interpretação correcta do direito europeu a aplicar. Com efeito, “um reenvio deve ter por objeto a interpretação ou a validade do direito da UE, e não das regras de direito nacional ou questões de facto suscitadas no litígio no processo principal.”[2].

Assim, no acórdão arbitral proferido no processo n.º 311/2017-T do CAAD, escreveu-se o seguinte:

“A AT, através do Ofício Circulado nº 30.108, de 30.01.2009, veio divulgar a sua interpretação do artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a atividade de Leasing ou de ALD, para efeitos do apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução. 

Entendeu a AT que estes sujeitos passivos devem utilizar, nos termos do nº 2 do artigo 23º, do CIVA, a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, por considerar que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º, do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação” (Cfr nº 8 do referido Ofício Circulado). E entendeu ainda a AT que, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico (sublinhado nosso), tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA (nº 9 do referido Ofício Circulado).

Ora esta interpretação dada pela AT ao artigo 23º-4, do CIVA e que esteve na origem do citado ofício circulado nº 30108, de 30-1-2009, não tem suporte mínimo na letra da lei [CIVA e Diretiva IVA] e, consequentemente, aquele entendimento (da AT) de que só o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de locação financeira da Requerente deve ser considerado no cálculo da percentagem de dedução, não pode, como tal, ser sufragado.

Na verdade, tal como dispõe e impõe o artigo 16º-2/h), do CIVA, nas operações de locação financeira, o valor tributável em sede de IVA, é o da totalidade da renda (sublinhado nosso) recebida ou a receber do locatário.

Ou seja: é sobre a totalidade da renda, sem distinção entre juro e capital, que se deve liquidar IVA, pois o valor tributável do imposto, nas operações de locação financeira é, segundo a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, “o valor da renda recebida ou a receber do locatário”; e de ser claro também que o numerador da fracção que exprime a percentagem a dedução é constituído pelo “montante anual”, imposto excluído, das operações que dão lugar à dedução”, ou seja pelo valor das operações que foram tributadas, e que o respectivo denominador é o “montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo…”, o que obviamente inclui as primeiras.

A solução proposta pela Administração Fiscal de tributar toda a renda, como manda a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º, sobre o valor tributável, e de expurgar, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fração a parte da renda correspondente à amortização financeira não tem apoio direto nos textos legais.

Certo que neste tipo de contratos (também denominados de leasing), o proveito que releva para efeitos contabilísticos e, consequentemente, para efeitos de tributação do rendimento, é apenas aquele que isola a componente de juros da renda a pagar pelo locador; ou seja: a parte da renda relativa à amortização do capital não releva na, digamos, folha contabilística do locador.

Sendo a parcela dos juros a única que afeta o resultado contabilístico, também, consequentemente, o mesmo sucede para efeitos de tributação em IRC por força da relação de dependência (parcial) prevista no artigo 17º, do CIRC.

Já não assim é, porém, para efeitos de IVA, na medida em que a base tributável encara as duas componentes da renda como uma só, fundindo-as no conceito geral de contrapartida [a renda tout court] previsto no citado artigo 16º, do CIVA, cuja epígrafe é “valor tributável”.

Por seu lado, o artigo 23º, do CIVA, consagra objetivamente o pro rata como o regime de dedução do IVA para – como é o caso dos autos – os comummente denominados “sujeitos passivos mistos” – Cfr nºs 1 e 4 – sem prejuízo de opção do sujeito passivo pela dedução segundo a afetação real (sublinhado nosso), com base em critérios objetivos e igualmente sem prejuízo – agora sim -, de intervenção Autoridade Tributária e Aduaneira (que poderia impôr, em determinadas circunstâncias, condições especiais ou mesmo fazer cessar esse procedimento, se for entendido que aquele provoca ou pode provocar distorções significativas na tributação) (nº 2, do citado artigo 23º).

Apenas em duas situações, porém, foi feita a transposição para a legislação nacional da margem estabelecida na Diretiva IVA, relativamente à possibilidade de obrigar um sujeito passivo a não aplicar o método pro rata de dedução: (i) quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas e (ii) no caso de se verificarem distorções significativas na tributação – Cfr artigo 23º- 3, do CIVA.

Assim é que, in casu, ao colocar, inicialmente, no numerador e no denominador do pro rata o montante anual das rendas sobre o qual incidiu IVA – ou seja, o montante da contrapartida – o Banco requerente utilizou a base de liquidação de IVA devida e legal.

Ao contrário, as liquidações ora impugnadas, na linha ou em cumprimento do determinado no ofício circulado nº 30108, de 30-1-2009 [que traduz o entendimento da AT de que para o cálculo do pro rata apenas pode concorrer a componente de juros], enfermam, à luz do exposto, de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito.

Na verdade, e de acordo com a legislação comunitária (artigos 173º, 174 e 175º da Diretiva nº 2006/112/CE do Conselho, de 28.11.2006) e com a legislação interna já citada (artigo 23º, nº1, nº4, nº6, nº7 e nº8, do Código do IVA), resulta que: (a) o método da percentagem de dedução deve ser o aplicado nas situações como a dos autos (b) o método da afetação real será de aplicação facultativa pelos sujeitos passivos, (c) a AT pode obrigar à aplicação do método da afetação real, (d) a única fórmula de cálculo da percentagem de dedução ou prorata prevista na legislação interna portuguesa é a que consta do nº 4 do artigo 23º do CIVA , (e) este artigo 23º não prevê outra fórmula de determinação do pro rata.

Daqui decorre, reafirma-se, que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» nos termos referidos no ponto 9 do Ofício Circulado nº 30.108, de 30.01.2009, da AT, não tem o necessário enquadramento legal.

Assinale-se ainda a natureza manifestamente infundada ou não fundamentada de que a aplicação do método do pro rata pretendida pela Requerente na determinação do grau de utilização de bens e serviços utilizados em operações mistas segundo os termos do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA conduza a “distorções significativas na tributação”(!)

O caso “Banco Mais” 

O TJUE considerou que a Sexta Directiva do IVA não se opõe a que os Estados-Membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante daqueloutro método.

Ora compulsado o Acórdão do TJUE proferido no Caso Banco Mais logo se verifica que o mesmo parece assentar num equívoco, já que assume, sem efetivamente o apurar, que a lei portuguesa (mais precisamente o disposto no artigo 23.º do Código do IVA) prevê ou não mecanismos que permitam à AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista.

Assim, o § 19 do Acórdão do TJUE refere: «Consequentemente, importa considerar, como confirmou o Governo português na audiência, que o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA constitui a transposição, para o direito interno do Estado-Membro em causa, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva».

Como bem refere JOSÉ MARIA MONTENEGRO (in Comentário ao Acórdão “Fazenda Pública contra Banco Mais, SA” de 10 de julho de 2014 – Proc C-183/13) é «…neste ponto base, diria mesmo, nevrálgico – que nos distanciamos do Acórdão do TJUE de 10 de julho de 2014. Pois não é verdade que a disposição constante do n.º 2 do art.º 23.º do Código do IVA (conjugado com o n.º 3) reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que é uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, dessa Diretiva. E mais dificuldade teremos em acompanhar a afirmação de que o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA constitui a transposição, para o direito interno do Estado-Membro em causa, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva» (Anotação à aludida jurisprudência, reproduzida como documento 8, junto com a Petição).

É manifesto, por outro lado, que o citado Acórdão do TJUE não responde diretamente à pergunta prejudicial formulada e que assentou na questão de saber se a renda correspondente à amortização financeira deve ser considerada no denominador do pro rata, ou, ao invés, se apenas deveriam ser considerados os juros, por apenas estes constituírem a remuneração ou o proveito de uma entidade que desenvolve atividades de locação financeira (sujeitas) e outras atividades associadas à concessão de crédito (isentas).

Daí que, recolocada a questão, a resposta ao pedido prejudicial pretende incidir justamente sobre «…se as disposições do sistema comum do IVA em matéria do direito à dedução, em particular as constantes do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Diretiva, permitem a um Estado membro estabelecer que os bancos que também, realizam operações de locação financeira, apurem o direito à dedução relativo a bens e serviços de uso misto tomando em consideração, quanto às mencionadas operações, a parte correspondente à remuneração do capital (juros) investido na aquisição dos bens dados em locação, assim como eventuais comissões e encargos afins».

Assinale-se que, tal como resulta dos factos alegados e não contestados pela AT em sede de procedimento de Reclamação Graciosa e de Recurso Hierárquico, a locação financeira não constitui uma atividade meramente acessória de uma instituição financeira como a Requerente.”

No acórdão arbitral proferido no processo 312/2017T, do CAAD, por sua vez, exarou-se que: 

“Em suma e concluindo:

Os dois únicos métodos de dedução previstos para os bens de utilização mista afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica previstos no artigo 23.º do Código do IVA são a: a aplicação de uma «percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução» (n.º 1 alínea b) do artigo 23.º do Código do IVA com remissão para o n.º 4; 

«a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito» (n.º 2 do artigo

23.º do Código do IVA).

Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 23.º, quando a aplicação do método previsto no n.º 1 (que para os afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica é a percentagem de dedução, como refere a alínea b) do n. º 1) «conduza a distorções significativas na tributação», a AT pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no n.º 2.

E compulsado este n.º 2, o mesmo apenas prevê a «afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito».

É manifesto que a aplicação de uma percentagem, qualquer que ela seja, como faz a Requerida, no caso em apreço, não permite «determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução» e, por isso, não pode constituir um critério objectivo para efeitos de aplicação do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA.

Pelo que a imposição da AT de operar com um pro rata diferente do definido no n.º 4 do artigo
23.º do CIVA afigura-se sem fundamento legal no direito nacional. Não é um Ofício-circulado,
que não é mais que uma instrução interna que apenas obriga os serviços, mas que não tem
eficácia externa, que pode substituir-se à lei, impondo aos sujeitos passivos aquilo que a lei não
prevê.

Donde, conclui-se de que o método da percentagem de dedução só pode ser utilizado nas
situações em que está previsto directamente, in casu, na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, do
Código do IVA, e este método é o que consta do n.º 4 do mesmo artigo e mais nenhum.
Não se desconhece a possibilidade conferida pelo artigo 173.º, n.º 2, c) da Directiva n.º
2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, aos seus Estados Membros de «obrigar o sujeito
passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos
serviços», mas tal possibilidade não foi transposta para o Código do IVA nacional, i.e., a
possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4
do artigo 23.º do mesmo código.

E, não tendo essa possibilidade sido acolhida por via legislativa, não a pode aplicar a AT, pois
está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT).

Decorre de tudo o supra exposto que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade, procedendo, assim, o pedido de pronúncia arbitral.”.

Posteriormente, no processo arbitral n.º 335/2018T, na sequência do que já havia sido referido no processo arbitral n.º 309/2018T veio a referir-se que: 

“Parece não haver dúvidas que o artigo 23.º, n.º 1, alínea b), consagra o método pro rata para a dedução do IVA para sujeitos passivos mistos, estabelecendo no n.º 4 o cálculo da percentagem de dedução. Por outro lado, nos termos do n.º 2, pode o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, o que corresponde à aplicação de um método de dedução alternativo baseado na afectação real em função da efectiva utilização dos bens. Para esta última hipótese, esse n.º 2 prevê igualmente que a Administração possa impor condições especiais ao método de afectação real e fazer cessar o procedimento quando se verifiquem distorções significativas na tributação. E nos termos da alínea b) do n.º 3, a Administração pode também obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o método de afectação real quando a aplicação do método pro rata possa conduzir a distorções significativas na tributação.

Não pode deixar de reconhecer-se que as disposições conjugadas dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º correspondem, em substância, à regra de determinação do direito de dedução a que se refere o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Diretiva, contemplando a possibilidade de, por iniciativa do sujeito passivo ou por impulso da Administração, vir a ser adotado o método de afectação real para a dedução do imposto relativamente a bens de utilização mista. E é também ponto assente que o n.º 2 permite que a Administração, através do controlo dos critérios utilizados pelo sujeito passivo na aplicação do método de afectação real, possa impor condições especiais, que, na prática, poderão traduzir-se na aplicação de um critério que permita precisar melhor o grau de utilização dos bens de uso misto de uma empresa.

Todavia, não pode afirmar-se, à luz de uma interpretação literal e sistemática dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º, que o legislador tenha consagrado expressamente a possibilidade de a Administração, por sua iniciativa, mitigar o método pro rata de modo a instituir um terceiro método ou um método específico que altere a regra de cálculo da percentagem de dedução que

consta do n.º 4 desse artigo 23.º

De facto, como se deixou esclarecido, os poderes que o Código confere à Administração, através daquelas disposições, apenas consentem que possam ser utilizados critérios mais objectivos na dedução pelo método de afectação real ou que se obrigue o sujeito passivo a utilizar esse método em substituição da dedução por percentagem. Mas não se descortina aí uma qualquer referência à possibilidade de a Administração fixar um cálculo de dedução em aplicação do método do volume de negócios distinto do previsto no n.º 4 do artigo 23.º e que permita inserir no numerador e denominador da fracção representativa do pro rata apenas uma parte dos rendimentos que estão sujeitos a IVA.

O coeficiente específico de dedução que permite calcular a percentagem de dedução apenas com base no montante anual de juros foi somente introduzido pelo Ofício Circulado n.º 30108, de 30 da janeiro de 2009, pelo qual, a Administração Fiscal, tendo concluído, relativamente às instituições de crédito que desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD, que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA pode conduzir a “distorções significativas na tributação” determinou, no uso da faculdade prevista no artigo 23.º, n.º 3, que esses sujeitos passivos passassem a utilizar a afectação real.

Segundo os pontos 8 e 9 do Ofício Circulado, a afectação real poderá fazer-se das duas seguintes formas: (a) se for possível, faz-se a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades; (b) se não for possível aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.

Como é sabido, no entanto, as circulares são meras orientações genéricas que se destinam a uniformizar, no âmbito dos serviços, a interpretação e aplicação das normas tributárias, mas que, apesar de possuírem força vinculativa para a Administração Tributária (artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT), não podem sobrepor-se aos actos normativos de valor hierárquico superior nem podem servir por isso como fundamento jurídico válido para a imposição de um critério de dedução que não tenha suficiente apoio nos textos legais.

Certo é que o acórdão do TJUE proferido no Processo n.º C-183/13 concluiu que a norma do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro obrigue uma instituição que exerce atividades de locação financeira a incluir no método de dedução pro rata para os bens e serviços de utilização mista apenas a parte das rendas pagas que correspondem aos juros.

A norma comunitária não tem, no entanto, a característica própria do efeito directo, que apenas é reconhecido às disposições que confiram ou imponham obrigações de forma, clara, precisa e incondicionada. E, pelo contrário, deixa alguma margem de liberdade de conformação ao legislador nacional quanto à definição dos critérios de afectação real (Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 356). Basta notar que a norma, depois de enunciar o critério geral de dedução por percentagem, que consta do n.º 1, apenas se limita a conferir aos Estados-membros, no n.º 2, alínea c), a possibilidade de tomar medidas no sentido de “autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”.

E embora a norma comunitária admita que, na aplicação do método de afectação real, seja apenas considerada uma parte dos bens de uso misto utilizados, e não a sua totalidade, o certo é que na transposição efectuada pelo legislador nacional apenas se prevê a “afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”.

Ora, é claro que não é com base no valor parcial da renda (correspondente aos juros) que é possível determinar, com objectividade, as despesas comuns que estão afectas à actividade de locação financeira que conferem o direito à dedução (neste sentido, o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 309/2017).

Sendo assim, haverá de concluir-se que o poder concedido à Administração Fiscal pelo artigo 23.º, n.º 3, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução. Tanto mais que, como determina o artigo 16.º, n.º 1, alínea h), o valor tributável nas operações resultantes de um contrato de locação financeira é o valor da renda recebida ou a receber do locatário, e na fórmula legalmente prevista para calcular a percentagem de dedução deve intervir o valor de negócios total (artigo 23.º, n.º 4).

Em resumo, o Código do IVA efectuou a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva para o direito interno mas não permite sustentar a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à actividade de locação financeira. Não é determinante, por outro lado, que o Tribunal de Justiça tenha interpretado a Diretiva no sentido de que não se opõe a que, nas atividades de locação financeira, no cálculo da percentagem a deduzir deva entrar apenas a parte das rendas correspondente aos juros. O Tribunal de Justiça limitou-se a interpretar o direito comunitário e, como se deixou exposto, a norma em causa deixa uma margem livre conformação ao legislador, cabendo às instâncias jurisdicionais nacionais verificar se subsiste norma no ordenamento jurídico interno que permita acolher o critério interpretativo adoptado pelo Tribunal de Justiça. 

Não sendo esse o caso e verificando-se que o critério específico de dedução foi adoptado pela Administração na sequência de uma circular interna, as liquidações impugnadas e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa enfermam de ilegalidade por violação do disposto no artigo 23.º, n.º 2 e 3, alínea b), do Código do IVA.”

No processo arbitral 339/2018T, prosseguiu-se entendendo que:

“Parece não haver dúvidas que o artigo 23.º, n.º 1, alínea b), consagra o método pro rata para a dedução do IVA para sujeitos passivos mistos, estabelecendo no n.º 4 o cálculo da percentagem de dedução. Por outro lado, nos termos do n.º 2, pode o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, o que corresponde à aplicação de um método de dedução alternativo baseado na afectação real em função da efectiva utilização dos bens. Para esta última hipótese, esse n.º 2 prevê igualmente que a Administração possa impor condições especiais ao método de afectação real e fazer cessar o procedimento quando se verifiquem distorções significativas na tributação. E nos termos da alínea b) do n.º 3, a Administração pode também obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o método de afectação real quando a aplicação do método pro rata possa conduzir a distorções significativas na tributação.

Não pode deixar de reconhecer-se que as disposições conjugadas dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º correspondem, em substância, à regra de determinação do direito de dedução a que se refere o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Diretiva, contemplando a possibilidade de, por iniciativa do sujeito passivo ou por impulso da Administração, vir a ser adotado o método de afectação real para a dedução do imposto relativamente a bens de utilização mista. E é também ponto assente que o n.º 2 permite que a Administração, através do controlo dos critérios utilizados pelo sujeito passivo na aplicação do método de afectação real, possa impor condições especiais, que, na prática, poderão traduzir-se na aplicação de um critério que permita precisar melhor o grau de utilização dos bens de uso misto de uma empresa.

Todavia, não pode afirmar-se, à luz de uma interpretação literal e sistemática dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º, que o legislador tenha consagrado expressamente a possibilidade de a Administração, por sua iniciativa, mitigar o método pro rata de modo a instituir um terceiro método ou um método específico que altere a regra de cálculo da percentagem de dedução que consta do n.º 4 desse artigo 23.º.

De facto, como se deixou esclarecido, os poderes que o Código confere à Administração,
através daquelas disposições, apenas consentem que possam ser utilizados critérios mais
objectivos na dedução pelo método de afectação real ou que se obrigue o sujeito passivo a
utilizar esse método em substituição da dedução por percentagem. Mas não se descortina aí
uma qualquer referência à possibilidade de a Administração fixar um cálculo de dedução em
aplicação do método do volume de negócios distinto do previsto no n.º 4 do artigo 23.º e que
permita inserir no numerador e denominador da fracção representativa do pro rata apenas uma
parte dos rendimentos que estão sujeitos a IVA.

O coeficiente específico de dedução que permite calcular a percentagem de dedução apenas com base no montante anual de juros foi somente introduzido pelo Ofício Circulado n.º 30108, de 30 da janeiro de 2009, pelo qual, a Administração Fiscal, tendo concluído, relativamente às instituições de crédito que desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD, que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA pode conduzir a “distorções significativas na tributação” determinou, no uso da faculdade prevista no artigo 23.º, n.º 3, que esses sujeitos passivos passassem a utilizar a afectação real.

Segundo os pontos 8 e 9 do Ofício Circulado, a afectação real poderá fazer-se das duas seguintes formas: (a) se for possível, faz-se a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades; (b) se não for possível aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.

Como é sabido, no entanto, as circulares são meras orientações genéricas que se destinam a uniformizar, no âmbito dos serviços, a interpretação e aplicação das normas tributárias, mas que, apesar de possuírem força vinculativa para a Administração Tributária (artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT), não podem sobrepor-se aos actos normativos de valor hierárquico superior nem podem servir por isso como fundamento jurídico válido para a imposição de um critério de dedução que não tenha suficiente apoio nos textos legais.

Certo é que o acórdão do TJUE proferido no Processo n.º C-183/13 concluiu que a norma do
artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva deve ser interpretada no
sentido de que não se opõe a que um Estado-membro obrigue uma instituição que exerce
atividades de locação financeira a incluir no método de dedução pro rata para os bens e serviços de utilização mista apenas a parte das rendas pagas que correspondem aos juros.

A norma comunitária não tem, no entanto, a característica própria do efeito directo, que apenas é reconhecido às disposições que confiram ou imponham obrigações de forma, clara, precisa e incondicionada. E, pelo contrário, deixa alguma margem de liberdade de conformação ao legislador nacional quanto à definição dos critérios de afectação real (Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 356). Basta notar que a norma, depois de enunciar o critério geral de dedução por percentagem, que consta do n.º 1, apenas se limita a conferir aos Estados-membros, no n.º 2,

alínea c), a possibilidade de tomar medidas no sentido de “autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”.

E embora a norma comunitária admita que, na aplicação do método de afectação real, seja
apenas considerada uma parte dos bens de uso misto utilizados, e não a sua totalidade, o certo
é que na transposição efectuada pelo legislador nacional apenas se prevê a “afectação real de
todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam
determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a
dedução e em operações que não conferem esse direito”.

Ora, é claro que que não é com base no valor parcial da renda (correspondente aos juros) que é possível determinar, com objectividade, as despesas comuns que estão afectas à actividade de locação financeira que conferem o direito à dedução (neste sentido, o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 309/2017). 

Sendo assim, haverá de concluir-se que o poder concedido à Administração Fiscal pelo artigo 23.º, n.º 3, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução. Tanto mais que, como determina o artigo 16.º, n.º 1, alínea h), o valor tributável nas operações resultantes de um contrato de locação financeira é o valor da renda recebida ou a receber do locatário, e na fórmula legalmente prevista para calcular a percentagem de dedução deve intervir o valor de negócios total (artigo 23.º, n.º 4).

Em resumo, o Código do IVA efectuou a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva para o direito interno mas não permite sustentar a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à actividade de locação financeira. Não é determinante, por outro lado, que o Tribunal de Justiça tenha interpretado a Diretiva no sentido de que não se opõe a que, nas atividades de locação financeira, no cálculo da percentagem a deduzir deva entrar apenas a parte das rendas correspondente aos juros. O Tribunal de Justiça limitou-se a interpretar o direito comunitário e, como se deixou exposto, a norma em causa deixa uma margem livre conformação ao legislador, cabendo às instâncias jurisdicionais nacionais verificar se subsiste norma no ordenamento jurídico interno que permita acolher o critério interpretativo adoptado pelo Tribunal de Justiça.

Não sendo esse o caso e verificando-se que o critério específico de dedução foi adoptado pela Administração na sequência de uma circular interna, as liquidações impugnadas e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa enfermam de ilegalidade por violação do disposto no artigo 23.º, n.º 2 e 3, alínea b), do Código do IVA.”

Por fim, no acórdão arbitral n.º 498/2018T reafirmou-se o seguinte: 

“Em suma, decorre da legislação aplicável que:

(i) O método da percentagem de dedução deve ser o aplicado nas situações como a que está subjacente aos presentes autos; 

(ii) O método da afetação real será de aplicação facultativa pelos sujeitos passivos;
(iii) A Autoridade Tributária pode obrigar à aplicação do método da afetação real em certos casos;
(iv) Porém, a única fórmula de cálculo da percentagem de dedução ou pro rata prevista na legislação interna portuguesa é a que consta do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, não havendo margem para a alterar.

Assim, e subsumindo tudo o que antecede ao caso em apreço, ter-se-á de concluir que, tendo as autoliquidações ora impugnadas resultado das orientações vertidas no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30 de Janeiro de 2009 – e de acordo com o qual, para o cálculo do pro rata apenas pode concorrer a componente de juros – enfermam, à luz do exposto, de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito.

Diga-se, por fim, que, ao contrário do que refere a Requerida, este entendimento não é colocado em causa pela Jurisprudência do TJUE e, em particular, pelo Acórdão daquele Tribunal datado de 10/07/2014 e proferido no âmbito do processo C-183/13 (“Banco Mais”). Desde logo porque, como ressalta da mera leitura do mesmo e vem sendo denunciado pela Doutrina, o referido Acórdão lavra em erro de facto. Na verdade, e como decorre dos §.18 e 19 do referido aresto, assentou o TJUE a sua decisão no pressuposto de que o n.º 2 do artigo 23.º
do Código do IVA “reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução
enunciada no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que é uma
disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º
1, dessa Diretiva constitui a transposição, para o direito interno do Estado Membro em causa,
do artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva”.

Por outro, o citado Acórdão do TJUE não responde diretamente à pergunta prejudicial
formulada e que assentou na questão de saber se a renda correspondente à amortização
financeira deve ser considerada no denominador do pro rata, ou, ao invés, se apenas deveriam
ser considerados os juros, por apenas estes constituírem a remuneração ou o proveito de uma
entidade que desenvolve atividades de locação financeira (sujeitas) e outras atividades
associadas à concessão de crédito (isentas).

Não se ignora que o TJUE considerou que a Sexta Directiva do IVA não se opõe a que os
Estados-Membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério diferente
do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação
do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante daqueloutro método.
Porém, e como bem se refere na Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo n.º 309/2017-T (Jorge Lopes de Sousa), nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), a competência do TJUE em sede de reenvio prejudicial, limita-se à “interpretação dos Tratados”, e à “validade e a interpretação dos actos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União”.

Não cabe, pois, ao TJUE aplicar o direito europeu “à situação de facto subjacente ao processo
principal. Esse papel incumbe ao juiz nacional e, por isso, não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das regras de direito nacional”.

Decorre do exposto que a referida Jurisprudência não tem qualquer influência na interpretação do artigo 23.º do Código do IVA, na parte em que este contém opções do legislador nacional em matérias explicitamente deixadas pela Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28/11/2006, à sua discricionariedade. Recorde-se a este propósito que que a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva IVA não é uma disposição de efeito directo, carecendo de transposição para o Direito interno de acordo com o procedimento legislativo vigente em cada Estado Membro.

Ora, no caso em apreço, a norma de Direito interno (artigo 23.º do Código do IVA) apenas prevê dois métodos de dedução para os bens de utilização mista afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica previstos, a saber:

– a aplicação de uma «percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução» - alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA por remissão para o n.º 4 da mesma norma; e

– «a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito» (n.º 2 do artigo 23.º do Código do CIVA).

Ademais, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 23.º, quando a aplicação do método previsto no n.º 1 «conduza a distorções significativas na tributação», a Autoridade Tributária e Aduaneira pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no n.º 2. Contudo, nesta norma apenas se prevê a “afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”. (...)

Assim, ter-se-á de concluir que a faculdade concedida à Autoridade Tributária pelo n.º 3 do artigo 23.º não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que, assim, só pode ser utilizada nas situações em que está prevista directamente na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo.

Embora, à luz da referida Jurisprudência, se possa admitir que a Directiva IVA permitia ao legislador interno “obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da
totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”, a verdade é que este não usou tal prerrogativa,
pelo que não pode a mesma ser aplicada internamente por ausência de base legal.
Sem prejuízo do que antecede, só por si suficiente para conduzir à anulação dos actos tributários impugnados, dir-se-á ainda, no que concerne ao argumento invocado pela Requerida no §. 41 da Resposta, e segundo o qual a aplicação do método referido no Ofício-Circulado n.º 30.108 é uma imposição do “princípio da neutralidade do imposto e mais do que

 esse o princípio o da sã concorrência no espaço da União Europeia”, dir-se-á que também não procede.

Desde logo, não fundamenta a Requerida, como lhe competia, as suas alegações. De todo o modo, e como referem José Xavier de Basto e António Martins no Parecer junto aos autos e já citados, tal afirmação não é rigorosa. Na verdade, “o apuramento da parcela de IVA dedutível pelo método que a administração tenta impor, provoca, ela sim, distorções significativas de tributação, pois tanto na modalidade de rendas de leasing constantes como de rendas variáveis, e uma vez que os juros se apuram e pagam antes da amortização de capital, a proporção de juros contida na totalidade da renda flutua ao longo do período contratual, originando flutuações da percentagem de dedução, que nada têm que ver com diferentes intensidades de uso dos inputs comuns e que portanto têm de ser julgadas arbitrárias e sem fundamento legal e económico» e que «pelo método imposto pela administração, a parcela de IVA dedutível fica claramente desajustada do desígnio do imposto de libertar o empresário de todo o IVA suportado a montante, quando é certo que a jusante a renda foi integralmente tributada”.”.

 

*

Como se referiu anteriormente, todas as referidas decisões foram tomadas por unanimidade, tendo apreciado extensivamente o quadro legal, nacional e comunitário aplicável, e analisado aprofundadamente os argumentos apresentados pela AT, quer no Ofício-Circulado n.º 30108 quer nos próprios processos arbitrais, em termos que se continuam a subscrever.

Nota-se, adicionalmente, no que respeita aos argumentos que, sobre a matéria, até ali se foram discutindo, que se julga que o entendimento, segundo o qual a renda corresponde à devolução do capital (amortização da dívida), e por isso não constitui uma remuneração do sujeito passivo, que estará, nessa parte, a “receber de volta” o montante de capital que disponibilizou e com o qual adquiriu o veículo automóvel, não se afigura congruente.

Efectivamente, caso assim fosse, ou seja, caso estivesse em questão a restituição do capital correspondente a uma operação de crédito, tal restituição seria sujeita a Imposto do Selo, nos termos da verba 17 da TGIS, e, como tal, isenta de IVA nos termos do art.º 9.º/27)/a) do CIVA. Assim, em coerência com o entendimento por si sustentado, a AT, salvo melhor opinião, deveria considerar isento de IVA o pagamento da parte que considera como correspondente à restituição de capital na renda paga pelo locatário.

Com efeito, a concluir-se que, em substância, na parte das rendas imputáveis ao capital, estamos perante uma operação de concessão de crédito, que tal parte nem será uma contraprestação verdadeira e própria, desde logo em IVA, nem constitui um preço, que a determinação do valor tributável em IVA nas rendas da locação financeira não segue a regra, não se justifica, minimamente, que ao locatário, naquelas operações, seja liquidado, cobrado, e entregue à AT, IVA sobre aquela mesma parte das rendas imputáveis ao capital.

A acolher-se a argumentação da AT, quem estaria a beneficiar indevidamente seria a AT, que receberia de uma viatura, adquirida através de um financiamento, não o IVA correspondente ao valor base da viatura (IVA excluído), e o correspondente aos encargos financeiros e despesas com o crédito, como acontece, nesses casos, mas o IVA correspondente ao valor total do crédito, acrescido daqueles.

Assim, por exemplo, se um determinado sujeito passivo decidir adquirir uma viatura automóvel com o valor de €10.000,00 + IVA, num total de (à taxa actual) €12.300,00, e optar por recorrer a um crédito (mútuo bancário), a AT arrecadaria o IVA, correspondente ao preço base da viatura (ou seja, calculado sobre €10.000,00), mais o IVA correspondente aos encargos financeiros e despesas com o crédito.

Já se o sujeito passivo optasse por adquirir a mesma viatura por via de leasing/ALD, e
em que, portanto, aquilo que a AT reputa de capital mutuado, fosse o preço final da viatura (no exemplo, €12.300,00), a AT estaria a arrecadar IVA sobre este valor, mais o IVA
correspondente aos encargos financeiros e despesas com o crédito.

Deste modo demonstra-se, julga-se, que o critério/método preconizado pela AT, ao
pretender reconduzir as operações de leasing/ALD a simples operações de crédito, ignorando
as especificidades próprias desses instrumentos contratuais, que justificam, precisamente, o seu
reconhecimento no ordenamento jurídico, poderá resultar, efectivamente, em distorções significativas na tributação, em prejuízo do consumidor final.

Acresce que, se a AT - como é o caso – entende que as operações realizadas a jusante,
no caso, pelo Requerente, são integralmente sujeitas a IVA (ou seja, que a renda paga pelos
clientes do Requerente), não poderá, fundadamente, considerar que o IVA suportado a
montante, com os recursos consumidos para a realização de tais operações, não seja dedutível.

Efectivamente, como se refere no ponto (30) da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE
do Conselho, de 28 de Novembro de 2006), um dos princípios fundamentais desse imposto é
que “A fim de preservar a neutralidade do IVA, as taxas aplicadas pelos Estados-Membros
deverão permitir a dedução normal do imposto aplicado no estádio anterior.
”.
Daí que o art.º 1.º, n.º 2, segundo parágrafo da mesma Directiva, prescreva que “Em
cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido
bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido
directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.
”.

De resto, bem vistas as coisas, o direito à dedução, pelo método do pro rata, reflecte,
como não poderia deixar de ser este princípio.

Assim, o art.º 168.º da Directiva IVA, prescreve que quando “os bens e os serviços
sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no
Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é
devedor
[3].

Deverá ser neste contexto que o regime do pro rata deverá ser entendido, ou seja, se
bens ou serviços forem utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo
tem direito a deduzir do montante do imposto de que é devedor.

Daí que o CIVA disponha, no seu art.º 19.º, em conformidade e para além do mais, que
Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem (...) ao imposto incidente
sobre as operações tributáveis que efectuaram
: a) O imposto devido ou pago pela aquisição
de bens e serviços a outros sujeitos passivos
[4].

Assim, quando o art.º 173.º da Directiva diz que “No que diz respeito aos bens e aos
serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à
dedução, referidas nos artigos 168.º
, 169.º e 170.º
[5], e o art.º 23.º do CIVA refere,
correspondentemente, que “Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar
operações que conferem direito a dedução
[6], tal se deva entender como reportando a operações
referidas, respectivamente, no art.º 168.º e 19.º.

Ora as operações realizadas a jusante pelo Requerente em questão no caso,
designadamente as operações subjacentes à cobrança das rendas (na parte reputada como
equivalente à restituição de um capital mutuado), não são entendidas, pela AT como operações
que sejam abrangidas pelas excepções ao direito à dedução, nem que não sejam tributadas. Daí
que não deva ser legítimo à AT precludir – seja pelo método da imputação directa, se possível,
ou pelo método do pro rata, subsidiariamente – o direito à dedução do sujeito passivo
que realiza tais operações.

Por outro lado, e no que respeita ao método aplicado pela AT, e concretizado no Ofício Circulado n.º 30108, o certo é que (ainda que em contraciclo com a jurisprudência mais recente do STA que, entretanto, se veio a formar) o mesmo não se reconduz nem à aplicação, nos termos que resultam do CIVA, do método de imputação directa, nem do método, nos mesmo termos, do pro rata.

Daí que, quer se considere o mesmo como um terceiro método, como ocorre nas
decisões arbitrais citadas, quer se considere o mesmo como um “pro rata embora com um
elemento de afectação real
”, sempre se deverá concluir pela sua inadmissibilidade, face ao
direito positivo português, já que o n.º 2 do art.º 23.º do CIVA refere-se, exclusivamente, ao
método da afectação real.

Ressalvado o muito respeito devido, não se poderá também subscrever a tese de que a
remissão do n.º 3 do CIVA aplicável para o referido n.º 2, permite à AT impor ao sujeito passivo
outros métodos que não o da afectação real, tal como previsto e regulado no CIVA, nem, muito
menos, fazê-lo retroactivamente. Relativamente a esta última parte, crê-se que o n.º 2 referido é suficientemente claro, no seu elemento literal, ao referir que a Direcção-Geral dos Impostos pode “vir a impor condições especiais[7].

A fórmula verbal utilizada, reporta-se, ressalvada melhor opinião, exclusivamente ao
futuro. Ou seja: utilizado o método da afectação real pelo sujeito passivo a DGI poderá vir a
impor condições especiais para se manter tal utilização, e não corrigir retroactivamente, a
utilização daquele método utilizado pelo sujeito passivo, até porque, como se verá de seguida,
a imposição daquelas condições visará assegurar cabalmente a possibilidade de a AT verificar
a inexistência (real ou potencial) de distorções significativas na tributação.

E não se diga que, pelo Ofício-Circulado n.º 30108 a AT veio impor aos contribuintes,
para efeitos do n.º 3 do art.º 23.º do CIVA aplicável, a utilização do método ali preconizado,
desde logo porquanto – e mais longe não será necessário ir – é consensual que as instruções
administrativas (Circulares, Ofícios Circulados, etc.), não têm eficácia externa, vinculando,
exclusivamente, a própria administração.[8]

Este entendimento, conjuga-se com aquela que se julga ser a melhor leitura da expressão “condições especiais”.

Com efeito, e ressalvado o respeito devido a outras opiniões, as “condições especiais
a que o n.º 2 do art.º 23.º em questão se reporta, não deverão nem poderão ser entendidas como a imposição de métodos de cálculo do direito à dedução, que não os previstos na lei, desde logo porque tratando-se de regulação directamente relacionada com matéria de incidência do próprio imposto, o deferimento da determinação do método de cálculo do montante do direito à dedução à discricionariedade administrativa, resultaria, julga-se, numa violação do princípio constitucional da tipicidade dos impostos.

Por outro lado, se aquele número 2 quisesse, efectivamente, referir-se a métodos de
dedução (expressão utilizada na epígrafe do artigo que o contém), teria, seguramente, utilizado essa expressão.

Daí que, sempre ressalvado o respeito devido a outras opiniões, a expressão “condições especiais” deverá ser entendida como reportando-se a obrigações tributárias acessórias, em especial obrigações de informação e documentação, que sejam necessárias ao efectivo controlo da adequação do método da afectação real, tal como previsto na lei (e não de forma mista, ou mitigada de acordo com critérios de discricionariedade administrativa), tendo sobretudo em vista aferir se a utilização de tal método provoca ou pode provocar distorções significativas na tributação em ordem a, nesse caso, impor a cessação do método da afectação real.

Neste seguimento, o segmento final do número 2 do art.º 23.º em análise, deverá ser
entendido como reportando-se, apenas à faculdade da DGI fazer cessar a utilização do método
da afectação real
, o que é confirmado pela letra daquele preceito, seja na localização da
expressão “no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções
significativas na tributação
”, após, e não antes, da expressão “lhe vir a impor condições
especiais ou a fazer cessar esse procedimento
”, seja na ausência de vírgula, a separar ambas as expressões, seja na exigência de que se “verifique” a ocorrência (real ou potencial) de distorções significativas na tributação, já que não faria sentido que, verificado (ou seja, confirmado efectivamente), que a utilização do método da afectação real é susceptível de causar distorções significativas na tributação, se previsse a possibilidade de manutenção de tal método, ainda que com “condições especiais”.

Daí que, no n.º 3 daquele mesmo art.º 23.º, ao dispor sobre os poderes da AT nos casos
em que o sujeito passivo aplique o método do pro-rata, não preveja a possibilidade daquela
autoridade impor ao sujeito passivo a utilização de tal método com “condições especiais”, não
obstante prever a possibilidade fazer cessar aquele procedimento (de utilização do método do
pro rata), nos casos em que verificar que se provocam ou que se podem provocar distorções
significativas na tributação.

Ou seja: se a ocorrência (real ou potencial) de distorções significativas na tributação,
fosse, na óptica do legislador, susceptível de ser corrigida com a imposição de “condições
especiais
” (seja qual for o entendimento que se tenha deste conceito), seguramente não deixaria o legislador de prever no n.º 3 do art.º 23º do CIVA aplicável a possibilidade de a AT impor tais condições, nos casos em que o sujeito passivo utilizasse o método do pro rata, quando verificasse que tal utilização conduzia a distorções significativas na tributação.

Por outro lado, a não previsão, no n.º 3 do art.º 23.º referido da possibilidade de a AT
impor a utilização do método do pro rata, com “condições especiais”, vem confirmar o
entendimento anteriormente formulado, relativamente à interpretação daquele conceito, no
sentido de se reportar à imposição de obrigações tributárias acessórias, em especial obrigações
de informação e documentação, que sejam necessárias ao efectivo controlo da adequação do
método da afectação real, tal como previsto na lei (e não de forma mista, ou mitigada de acordo com critérios de discricionariedade administrativa), tendo sobretudo em vista aferir se a utilização de tal método provoca ou pode provocar distorções significativas na tributação.

É que, ao pressupor o n.º 3 do art.º 23.º do CIVA aplicável a confirmação da ocorrência de distorções significativas na tributação decorrente na utilização do pro rata, e ao não prever a possibilidade de a AT impor a utilização de tal método com “condições especiais”, confirma-se que estas têm por finalidade facultar à AT a possibilidade de controlar cabalmente a ocorrência daquelas distorções, possibilidade que no caso daquele mesmo n.º 3 não é prevista para o caso de o sujeito passivo estar a utilizar o método do pro rata, por ser esse o regime regra previsto no n.º 1.

Não se poderá deste modo e em caso algum, julga-se, dar o salto da remissão daquele
n.º 3 para o número 2 que o precede, para concluir que o legislador quis conferir, e conferiu,
poderes à AT para impor condições especiais num método de apuramento de pro rata geral,
ignorando que aquele mesmo n.º 2, prevê apenas a possibilidade de a AT impor “condições
especiais
” na utilização do método da imputação directa, e que o n.º 3 não prevê essa
possibilidade, para o caso em que o sujeito passivo esteja a utilizar o método do pro rata, nos
termos do n.º 1.

De resto, a própria AT parece ter consciência disso mesmo, ao referir no Ofício Circulado n.º 30108, que aí está em causa o método da afectação real com “um coeficiente de imputação específico”, o que se explicará, justamente, por ter percebido que o n.º 3 do art.º 23.º não licencia a aplicação de outro método, que não o da afectação real.
Assim, e em suma, da leitura conjugada dos n.ºs 1 a 3 do CIVA aplicável, deverá
concluir-se, no que para o caso importa, que:

i.               O sujeito passivo, no caso dos inputs mistos, deverá utilizar, por
regra, o método do pro rata;

ii.              Opcionalmente, o sujeito passivo pode utilizar o método da afectação
real;

iii.            Neste caso, a AT poderá impor ao sujeito passivo “condições
especiais
”, no sentido acima explanado, não só independentemente,
mas se não demonstrar que ocorrem, ou podem ocorrer, distorções
significativas na tributação;

iv.            Num e noutro caso, verificando e demonstrando que ocorrem, ou
podem ocorrer, distorções significativas na tributação, com a
utilização de um ou de outro método (pro rata ou afectação real) a
AT poderá/deverá impor a utilização do outro método que não o
utilizado pelo sujeito passivo, sendo que se a imposição for da
utilização do método da afectação real, a AT poderá fazer
acompanhar esta imposição de “condições especiais”; 

v.              Na utilização dos seus poderes, não poderá a AT impor a utilização
de outros métodos que não os tipificados na lei, na forma em que a
lei os tipificou. Daí que, sem prejuízo de melhor opinião, nos termos
daquela norma, e é aí que nos situamos porque nenhuma das partes
questiona que se está perante recursos enquadráveis na al. b) do n.º 1
do art.º 23.º do CIVA, a AT apenas poderá impôr o método da
afectação real, e não o método do pro rata, nem, muito menos, este com “com um elemento de afectação real”.

Assim, considera-se, nos termos fundamentados pela jurisprudência arbitral
indicada, que:

- o artigo 23.º do Código do IVA não licencia a aplicação de um coeficiente de
imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros
associados à actividade de locação financeira, excluindo dessa mesma base a dedução das
amortizações de capital;

- a tal conclusão não obsta a circunstância de o Direito Comunitário, tal como
interpretado pelo TJUE, conferir aos Estados-Membros a faculdade de aplicarem, numa
determinada operação, um método ou um critério diferente do método baseado no volume de
negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução mais
precisa do que a resultante daqueloutro método, dado que, face ao direito português, essa
faculdade deve imperativamente ser exercida por via legislativa, não decorrendo deste
entendimento, antes pelo contrário, a violação de qualquer norma da CRP, incluindo o artigo
8.º/4 desta, ou o princípio da igualdade.

 

*

Na verdade, pretende a AT fazer-se valer do disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, isto é, da existência de “distorções significativas na tributação” para legitimar a imposição de condições especiais, o que é confirmado pelo Ac. do STA de 20-01-2021, proferido no processo 0101/19.1BALSB, quando diz que o método preconizado pela AT “constitui ainda uma aplicação do método da afetação real. Isto é, um método de afetação dos custos de bens ou serviços, a montante suportados, à atividade a que são alocados predominantemente.”.

Sem prejuízo do dever de aplicação uniforme do direito, consagrado no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, sempre se dirá, respaldado no poder-dever de livre fundamentação do julgador, que não se consegue aderir a tal tese, porquanto, e para além do que foi acima dito acerca de a possibilidade de serem impostas condições especiais se entender por funcionalizada à verificação da ocorrência de distorções significativas na tributação, a afectação real, como o próprio aresto o declara[9], “não pode deixar de ser entendida como imputação do uso real e efetivo que cada bem ou serviço adquirido tenha em cada um dos tipos de operações em que é usado conjuntamente»”, e, no caso, está assente que estão em causa recursos designados por promíscuos, ou seja, relativamente aos quais não é possível determinar qual a parte dos recursos consumidos que pode ser imputada, real e efectivamente às actividades isentas e não isentas.

Ora, o ofício circulado n.º 30108 não poderá deixar de se considerar contraditório nos seus próprios termos, ao dizer (cfr. ponto 9) que está a impor a utilização de um método de afectação real, ao mesmo tempo que afirma que se reporta a casos em que não é “possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns”. Com efeito, se não é possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, não é possível determinar o “uso real e efetivo que cada bem ou serviço adquirido tenha em cada um dos tipos de operações em que é usado conjuntamente”, ou seja, não se poderá estar perante uma imputação directa[10].

Não obstante, e em homenagem ao supra-referido dever da aplicação uniforme do Direito, por dever de ofício, acolhe-se a leitura Direito feita por aquele alto Tribunal, ou seja, de que “Nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 2, do Código do IVA (conjugado com a alínea b) do seu n.º 3), a Administração Tributária pode obrigar o sujeito passivo que efetua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a efetuar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos através da afetação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação” e de que “Na aplicação do método de afetação real nos termos do n.º anterior, a Administração Tributária pode obrigar o sujeito passivo que seja um banco que exerce atividades de “Leasing” e de “ALD” a incluir no numerador e no denominador que serve para o cálculo da percentagem da dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos a essa atividade, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos respetivos.”.

Não obstante, não pode este Tribunal, igualmente por dever de ofício, deixar de sindicar se estão verificados outros pressupostos legais necessários à legalidade de actuação da Administração Tributária, para lá daqueles analisados pela jurisprudência do STA.

Ora, dispõe o artigo 74.º da LGT que: “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”. 

No caso, pretendendo a AT aplicar o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, conforme o próprio STA reconhece, nos termos do n.º 3, alínea b) do mesmo artigo, e sendo aquela uma norma que impõe obrigações adicionais ao contribuinte, é àquela Autoridade que cabe o ónus de prova da verificação dos requisitos legais da sua actuação, ou seja, o ónus de demonstrar os factos constitutivos do direito que pretende fazer valer, designadamente, o direito de impor condições especiais, pressupostos esses em que avulta, no que para o caso releva, a ocorrência de “distorções significativas na tributação”. 

Com efeito, o que está agora – e face à recente jurisprudência do STA – em causa é que, para a imposição da utilização do método de afectação directa com “condições especiais”, em termos que o STA reconhece como legítimos face à redacção do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA (conjugado com a alínea b) do seu n.º 3), se impõe a constatação de uma determinada realidade de facto, que é a verificação de distorções significativas na tributação na utilização do pro rata (cfr. a citada al. b) do n.º 3 do art.º 23.º do CIVA).

Ora, a demonstração de tal realidade não poderá deixar de ser entendida, julga-se, como um ónus da AT, que esta não pode transferir para o sujeito passivo.

É certo que sobre a questão do ónus da prova, na fundamentação do já citado Acórdão do STA de 20-01-2021[11], se fez constar que “Caberia, por isso, ao sujeito passivo alegar e demonstrar que, no seu caso concreto, a utilização dos bens ou serviços mistos não era sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos.”.

Sucede que, esta questão, sobre a qual o STA expressamente se pronuncia ali, apenas se coloca a jusante da que ora se formula.

Isto é: apenas se colocará a questão de saber se “a utilização dos bens ou serviços mistos não era sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos.”, após se aferirem se as “condições especiais” impostas pela AT são adequadas ou não, após se apurar se se verificam, ou não, os pressupostos do direito da AT à imposição daquelas.

Note-se que não se está aqui no âmbito da matéria relativa ao ónus da prova sobre a qual o STA já se pronunciou, ou seja, no âmbito do ónus da prova dos pressupostos do direito à dedução do imposto pelo contribuinte.

Assim, e desde logo, está assente que o imposto é dedutível – daí ser aplicável o art.º 23.º do CIVA, que pressupõe, justamente, que se esteja perante imposto qualificado como tal.

O que está em causa é a forma de cálculo desse imposto, ou, dito de outro modo, se o mesmo se há-de apurar pelo método do pro rata, conforme entende o contribuinte, ou de acordo com o método da afectação real com “condições especiais”, como entende a AT, secundada pelo STA.

Repita-se, ainda, que, não está em causa apurar se o referido método da afectação real com “condições especiais” é o adequado para evitar distorções na concorrência, questão sobre a qual o STA se pronunciou já integrar o ónus da prova do contribuinte, demonstrando, designadamente, que “no seu caso concreto, a utilização dos bens ou serviços mistos não era sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos.”.

Está em causa agora, isso sim, apurar se se verificam os pressupostos para a AT exercer o seu direito, reconhecido pela mais alta jurisprudência, de impor aos contribuintes a utilização do método da afectação real com “condições especiais” nos termos da al. b) do n.º 3 do art.º 23.º do CIVA.

Assim, a jusante do ónus da prova que incide sobre o contribuinte quanto aos factos que constituem o fundamento do seu direito à dedução, e a montante do ónus da prova que igualmente assiste àquele de demonstrar que o método da afectação real com “condições especiais” imposto pela AT, não é adequado a evitar, ou agrava, as “distorções na concorrência”, situa-se o ónus da prova daquela de que, no caso, “a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação”.

Nesta matéria, e desde logo, não se vislumbra como se poderá, a partir do texto da norma do art.º 23.º, n.º 3, al. b) em causa, que prescreve que “A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior: (...) b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.”, se possa ler no sentido de que “A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior: (...) b) Quando não se demonstrar que a aplicação do processo referido no n.º 1 não conduza a distorções significativas na tributação”.

Por outro lado, cumpre também notar, uma vez mais, as diferenças de redacção da norma ora em análise (art.º 23.º, n.º 3, al. b)), em relação à norma precedente (art.º 23.º, n.º 2), não se podendo deixar, em caso algum, de ter presente que é naquela, e não nesta, que a AT funda em primeira linha a sua pretensão.

Ora, enquanto a segunda daquelas normas (art.º 23.º, n.º 2) menciona a verificação (“se verificar que provocam”), e a possibilidade de verificação (“que podem provocar”) de distorções significativas na tributação, a primeira, tem, exclusivamente como pressuposto que “a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação”, o que não são, claramente, julga-se expressões equivalentes, uma vez que a expressão “conduza” implica uma efectividade substancialmente mais reforçada que a mera possibilidade, denotada pela expressão “que podem provocar”.

No entanto, analisado o ofício circulado 30108, o máximo que se pode retirar do mesmo (cfr. ponto 8[12]) – e ainda assim de forma conclusiva e não consubstanciada em factos concretos – é a alegação da possibilidade de conduzir a distorções significativas na concorrência.

Todavia, o pressuposto da norma do art.º 23.º, n.º 3, al. b), não é a possibilidade (“que possa conduzir”), mas a efectividade (que “conduza”) de conduzir a distorções significativas na concorrência. 

Daí que, no caso, nem em abstracto, nem, muito menos em concreto, se descortina qualquer suporte fáctico para a conclusão, necessária à formação do direito da AT a obrigar o Requerente a proceder de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 23.º do CIVA, de que a aplicação do processo referido no n.º 1 do mesmo artigo conduza a distorções significativas na tributação.

De resto, não se julga passível de acolhimento uma tese que permita à AT, de forma geral e abstracta e através de Circular - que como é pacífico tem uma eficácia estritamente interna - criar ónus ou deveres para o sujeito passivo, nem, muito menos, inverter ónus probatórios que por lei lhe assistem.

Com efeito, as circulares são meios de uniformização da actuação administrativa, por um lado, e de informação dos particulares, que ficam por seu meio inteirados de qual o entendimento da AT nas matérias tratadas por aquelas, não devendo ser entendidas como actos normativos susceptíveis de produzir efeitos nas esferas jurídicas dos particulares, impedindo, modificando ou extinguindo, direitos ou posições jurídicas que decorrem da lei, nomeadamente e no que para o caso interessa, o ónus da prova dos pressupostos da actuação da AT, de impor a aplicação do método de afectação real com “condições especiais”, nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA.

Acresce que não existe na legislação nacional nenhuma presunção de que a realização, por um banco, de operações de locação financeira para o sector automóvel, como as que estão em causa no processo principal, implique a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, sobretudo no financiamento e gestão dos contratos de locação financeira. Nem o TJUE determina tal presunção no Acórdão Banco Mais – pelo contrário, este tribunal indica que apesar de existir uma tendência que assim o seja (e não uma presunção) cabe ao julgador verificar se assim é no caso concreto[13].

Ora no caso concreto, compulsados os autos não resultam elementos probatórios que permitam afastar a aplicação da regra geral de dedução do pro rata pela aplicação das regras e “condições especiais” pretendidas pela AT que dependem – sendo claro o TJUE neste sentido – da prova de que bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou outros serviços transversais, são sobretudo determinadas pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes.

Cumpre notar, ainda, que o Supremo Tribunal Administrativo denota já alguma flexibilização na jurisprudência que tinha estabelecido na matéria, aproximando-se do quanto previamente se expôs.

Assim, no recente acórdão de 22-09-2021, proferido no processo 32/20.2BALSB, ainda não publicado à data, pode ler-se, para além do mais, que:

nunca o Supremo Tribunal Administrativo adoptou essa interpretação: nunca defendeu, nem no acórdão ao qual é imputada a nulidade – que remete para o acórdão de 20 de Janeiro de 2021, proferido no processo com o n.º 101/19.1BALSB  –, nem na sua jurisprudência, a tese de que a AT pode definir por circular e com carácter geral e abstracto o modo como deve ser exercido o direito de dedução do IVA relativamente às despesas efectuadas com bens ou serviços de utilização mista, designadamente qual o critério a utilizar na determinação da parte desse IVA que confere o direito à dedução”.

            Verifica-se assim que o STA constatou já que a AT não pode proceder à imposição de condições especiais, de forma geral e abstracta, por intermédio de circular.

            Ora, é precisamente isso que ocorre no caso sub iudice.

            Com efeito, compulsada a decisão da reclamação graciosa, verifica-se que na mesma se refere expressamente que:

87.     É precisamente no âmbito dos poderes conferidos à Administração Tributária pela alínea b) do n.º 3 do artigo 23º CIVA, que tem por base a faculdade que vinha conferida na alínea e) do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta diretiva, que se enquadra o Oficio - Circulado n.º 30.108, aqui em discussão, prevendo uma solução que permite afastar a possibilidade de ocorrência de distorções significativas, quando estamos perante sujeitos passivos que realizem operações de locação financeira e ALD.[14].

            Assume, assim, expressamente, a Requerida, que, por meio daquele ofício circulado “a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) veio estabelecer a adoção de critérios mais adequados que permitam aferir com maior objetividade o grau de afetação de bens e serviços de utilização mista, nos casos como o presente.” (cfr. ponto 89. da decisão da reclamação graciosa), o que, como para além de mais, o STA afirma, não pode fazer.

            É certo que, na decisão da reclamação graciosa, a Requerida ainda afirma que:

98.     Não há dúvidas que a situação em apreço se enquadra na "maioria dos casos" a que se refere o citado acórdão, uma vez que, a realização pela Reclamante deste tipo de operações de locação financeira (maioritariamente) dirigidas ao setor automóvel, implica a utilização de parte dos bens ou serviços promíscuos, mas esta é "(...) sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos."”.

            Exarando, também que: 

104.   Ora, resulta claro à evidência, que consubstanciando a componente das rendas correspondente à amortização financeira, um mero reembolso de capital, que nesse sentido, não gera qualquer valor acrescentado, só a título muito diminuto é que os custos comuns suportados pelo locador numa operação de locação financeira, poderão, eventualmente, contribuir para a sua realização se não contribuíram para a amortização financeira, não lhe podem ser imputáveis.

            Todavia, o certo é que, como atrás se referiu, não foi recolhido qualquer suporte fáctico concreto, para aquelas conclusões de que “a realização pela Reclamante deste tipo de operações de locação financeira (maioritariamente) dirigidas ao setor automóvel, implica a utilização de parte dos bens ou serviços promíscuos, mas esta é "(...) sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos."” e/ou de que “custos comuns suportados pelo locador (...) não contribuíram para a amortização financeira”, sendo que, em suma do quanto previamente se expôs:

a)     A AT estava onerada com a prova dos pressupostos legais do seu direito à imposição de condições especiais.

b)    Tal prova não pode ser – como afirmou o STA – feita de forma geral e abstracta por meio de circular; e

c)     Nem pode, a imposição daquelas condições especiais ser, do mesmo geral e abstracto, feita por circular.

Pelo que, na ausência do necessário substrato fáctico, e tendo presente o disposto no artigo 74.º/1 da LGT e 100.º, n.º 1, do CPPT, ter-se-á de concluir pela anulação do acto tributário na parte em que tem subjacente a aplicação das “condições especiais”, impostas pela Circular n.º 30108, procedendo o pedido arbitral. 

 

*

Refira-se, por fim, que a circunstância de, no caso concreto, estarmos perante uma autoliquidação, apreciada pela AT em sede de reclamação graciosa, nada altera no que diz respeito à argumentação previamente exposta.

Efectivamente, embora o princípio seja o de que o contribuinte que pretende rever a sua autoliquidação está onerado com a prova dos pressupostos relativos à revisão que pretende, no caso, a ocorrência de distorções significativas na tributação, e consequente imposição de condições especiais, não é um pressuposto – nem sequer negativo – do direito à dedução, mas uma circunstância modificativa daquele direito, cujo ónus da prova, nos termos gerais das normas que regulam tal matéria, incumbe à parte que dela se quiser prevalecer, que, no caso, à a Requerida.

 

***

 

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pelo Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afecta as liquidações parcialmente anuladas é de considerar imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do artigo 43.º/2 da LGT, uma vez que o Requerente autoliquidou o imposto, conforme aquela reconhece expressamente, de acordo com instruções genéricas devidamente publicadas.

Tem, pois, direito o Requerente a ser reembolsada da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força do acto parcialmente anulado e, ainda, a ser indemnizada do pagamento indevido através de juros indemnizatórios, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

***

 

D.     DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)                 Anular parcialmente a autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) respeitante ao período de Dezembro de 2017, com o n.º..., entregue  a 12 de Fevereiro de 2018, no valor de 3.113.487,25 EUR; 

b)                Anular, em consequência, a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra aquele ato; 

c)                 Condenar a AT no pagamento da restituição do imposto no valor de 3.113.487,25 EUR, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima fixados;

c)           Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante indicado infra.

 

E.      VALOR DO PROCESSO

         

         Fixa-se o valor do processo em € 3.113.487,25, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

F.      CUSTAS

          Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 39.780,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 6 de Outubro de 2021

 


O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

 

 

O Árbitro Vogal

(Catarina Belim)

 

 

O Árbitro Vogal

(Henrique Fiúza – Vencido, conforme declaração de voto que junta))

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto

Votei vencido por não acompanhar nem a Decisão nem o sentido da respectiva fundamentação.

Com efeito, e sempre com o devido respeito, não nos é dado acompanhar a interpretação dos dispositivos legais que subjazem à Decisão Arbitral, conforme de seguida se indica.

Esta é uma matéria que é reconhecidamente das mais complexas de aplicação em Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA): a determinação da medida da dedutibilidade dos montantes de imposto suportado pelo sujeito passivo (SP) nas aquisições de bens e serviços destinados a serem utilizados na sua actividade, quando nesta se incluam quer operações que conferem direito a dedução, quer operações que não conferem direito a dedução, e esses bens e serviços sejam consumidos indistintamente em ambas as operações.

Vejamos.

 

Manda com interesse ao tema, desde logo, a Directiva IVA (“DIVA”) no Artigo 173.º, sendo também relevantes os Artigos 174.º e 175.º, e os Artigos 167.º, 168.º e 169.º, bem como o Artigo 1.º, n.º 2, segundo parágrafo. Matéria anteriormente na Sexta Directiva, Artigo 17.º, e também, 19.º e 20.º. Na Primeira Directiva o Artigo 2.º.

No direito interno português, dispõe o Código do IVA (CIVA) sobre a matéria no artigo 23.º e, ainda com interesse, nos artigos 19.º, 20.º, 21.º e 22.º. Em matéria de locação financeira, rege, com relevo para o caso, o artigo 16.º, n.º 2, alínea h) do referido código.

E, também importante para o caso, para respectivo enquadramento da questão e boa decisão da causa, o Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira, em particular o Decreto-lei n.º 149/95, de 24 de Junho.

De entre estas, as normas que em especial nos ocupam para decidir nos autos são as vertidas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º do CIVA, bem como no n.º 4 do mesmo artigo. Sendo que a norma vertida no n.º 2, é a reprodução, em substância, da alínea c) do n.º 2 do Artigo 173.º da DIVA, conforme inclusive, foi expressamente reconhecido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no Acórdão Caso Banco Mais, afirmando-se corresponder à transposição dessa norma para o nosso Direito interno.

Abrindo aqui um parêntesis, convém lembrar que no seguimento da referida decisão do TJUE, tal reconhecimento foi também assumido pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), impondo-se, portanto, que essa jurisprudência dos tribunais superiores seja seguida.

E sendo ainda que, como também na mesma sede explicitado pelo TJUE, com base nessa disposição, pode um Estado Membro (EM) prever um regime de dedução que tenha em conta a afectação especial (expressão utilizada pelo TJUE – sublinhada por nós) da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços em causa, incumbindo aos EM estabelecer as regras que podem ser usadas em tal situação.

Isto porque, como ali desenvolve o TJUE, a Directiva IVA não estabeleceu quais sejam essas regras, pois que o Artigo 174.º, n.º 1 apenas refere o pro rata de dedução previsto no Artigo 173.º, n.º 1, primeiro parágrafo, e, assim, apenas fixa uma regra de cálculo específica para o caso visado neste artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo [da Sexta Directiva].

A este último correspondendo, refira-se, no nosso Direito interno, a alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA:

b) Sem prejuízo (…), tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica (…), parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.”.

E daqui também se concluindo, pois - e como também não poderia deixar de decorrer da simples interpretação conjugada dos mesmos dispositivos internos - que o n.º 4 do artigo 23.º do CIVA:  A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual (…) e, no denominador, o montante anual (…).”),

Ao estabelecer de determinada maneira uma fórmula de cálculo a reflectir numa fracção para apuramento da porção de IVA dedutível, o faz - fixa essa regra - especificamente para o caso visado naquela alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º. E tão só naquela.

Feitas as notas, continuemos.

O objectivo visado pelo legislador (comunitário e, depois, nacional) ao estabelecer metodologias para apuramento da porção dedutível do IVA suportado em inputs comuns, utilizados pelo SP indistintamente/simultaneamente para os fins das suas operações que conferem direito a dedução e para os fins das que o não conferem, não foi outro senão o de, perante a dificuldade dessa realidade, procurar alcançar, por via do método aplicável, o apuramento de um valor dedutível que seja o mais aproximado possível da realidade.

O mais aproximado possível da medida da utilização dos bens e serviços adquiridos (do IVA contido nessas aquisições) para serem aplicados nas actividades/operações que conferem direito a dedução. 

Ou seja, que o método conduza a um resultado (valor de IVA a deduzir) o mais aproximado possível daquela que tenha sido a real/efectiva utilização dos bens e serviços de utilização mista – ou, ainda com maior rigor, o grau de utilização efectiva – desses inputs nas operações praticadas pelo SP que conferem direito à dedução.

E sendo este o objectivo tido em vista pelo legislador, é com ele em mente que teremos que interpretar as respectivas normas.

Continuando,

O direito à dedução e as operações que conferem o direito à dedução encontram-se plasmados nos artigos 168.º e 169.º da DIVA e artigos 19.º e 20.º do CIVA. 

Nesta matéria, o princípio será sempre o de que os inputs utilizados exclusivamente nas operações que conferem direito à dedução serão dedutíveis na sua totalidade e, por outro lado, os utilizados exclusivamente nas operações que não conferem direito à dedução serão, na sua totalidade, não dedutíveis.

Só se colocando a questão do método de cálculo que nos ocupa quando se não recaia em qualquer dessas situações.

Caso o sujeito passivo tenha incorrido em inputs exclusivamente destinados a serem utilizados nas operações que conferem direito a dedução, assiste-lhe o direito de os deduzir (o IVA neles contidos) por imputação directa, em conformidade com o artigo 20.º do CIVA, ao imposto que tenha liquidado nessas operações, a jusante.

O facto de estarmos perante um Sujeito Passivo parcial (ou misto) em nada afasta esse princípio-regra, que é a imputação directa.

Recai-se, pois, no âmbito do artigo 23.º do CIVA (como no artigo 173.º da DIVA) tão só quando existam inputs incorridos a montante pelo sujeito passivo que são por ele utilizados a jusante não só em operações que conferem direito a dedução, como também em operações que não conferem direito a dedução.

A complexidade surge assim perante sujeitos passivos parciais ou mistos, isto é, que praticam, em simultâneo, operações sujeitas e não isentas, e eventualmente operações sujeitas e isentas com direito a dedução (isenções completas), e operações sujeitas mas isentas sem direito a dedução (isenções incompletas).

É precisamente o caso típico das Instituições Financeiras como a Requerente nos nossos autos, em que a actividade principal beneficia de uma isenção incompleta de acordo com o n.º 27 do artigo 9.º do CIVA – portanto não lhes assistindo, nessa medida, direito a deduzir o IVA contido nos inputs incorridos para os fins dessas suas operações principais, enquanto que a actividade de locação financeira automóvel que também desenvolvam se encontra sujeita e não isenta, conforme o artigo 16.º, n.º 2, alínea h) do CIVA, dando-lhes o direito a deduzir o IVA contido nos inputs correspondentes.

E é na delicadeza do eventual mix de utilização de inputs entre os dois referidos tipos de operações que surge a necessidade de aplicar um método que permita de uma forma o mais aproximada possível da realidade aferir quais os inputs efectivamente utilizados, e em que medida/grau o foram, numa e noutra dessas actividades.

Perante a mais que provável dificuldade, e para ultrapassá-la, entendeu o legislador estabelecer um método aproximativo: o método do pro rata.

E, bem vistas as coisas, também o método da afectação real, que foi previsto pelo legislador a propósito do apuramento do pro rata de dedução.

Se não, vejamos.

É após determinar - no n.º 1, alínea b) do art. 23.º do CIVA – que, tratando-se de inputs mistos será necessário, para apurar a parcela de IVA (neles contida) dedutível, utilizar uma percentagem (o imposto é dedutível na percentagemcorrespondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução), que o legislador vem estabelecer - no n.º 2 - que “não obstante”, o sujeito passivo pode efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos inputs mistos utilizados.

E também no mesmo n.º 2, estabeleceu que no caso de o sujeito passivo ter optado por deduzir o imposto segundo essa afectação real do IVA contido em todos ou numa parte dos inputs mistos, a Direcção-Geral dos Impostos pode vir impor condições especiais, ou mesmo a cessação desse procedimento, por motivo de o mesmo (esse procedimento de dedução segundo a afectação real) provocar ou poder provocar distorções significativas na tributação.

O legislador, após ter determinado na segunda parte do n.º 2 do artigo 23º do CIVA, o poder de a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) vir a estabelecer condições especiais ((ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que (o método da afectação real com os critérios objectivos utilizados) provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação)) aos sujeitos passivos que optem por apurar o IVA dedutível contido em inputs comuns ou mistos pelo método da afectação real

veio também estabelecer no nº 3 desse artigo 23º que a AT passava a ter o poder de, em relação aos sujeitos passivos que utilizavam o método do pro rata de dedução, obrigar a que os mesmos passem a utilizar o método de afectação real(com a eventual imposição de condições especiais), nos casos em que o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas e quando a aplicação do método do pro rata de dedução conduza a distorções significativas na tributação.

Recapitulando:

1.     Em relação aos sujeitos passivos - parciais ou mistos - que, por opção própria, utilizem o método da afectação real dos bens e serviços adquiridos (na medida do IVA neles contidos), utilizados em comum nas suas actividades, para apuramento do IVA dedutível correspondente às operações sujeitas e não isentas de imposto, o legislador concedeu à AT o poder de impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que, tal método e critérios, provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação – conforme a segunda parte do nº 2 do artigo 23.º do CIVA.

2.     Em relação aos sujeitos passivos - parciais ou mistos - que utilizem o método do pro rata de dedução dos bens e serviços adquiridos (na medida do IVA neles contidos), utilizados em comum nas suas actividades, para apuramento do IVA dedutível correspondente às operações sujeitas e não isentas de imposto, o legislador concedeu à AT o poder de impor que os mesmos utilizem a afectação real (com a eventual imposição de condições especiais), nos casos em que o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas e quando a aplicação do método do pro rata de dedução conduza a distorções significativas na tributação – conforme o nº 3 do artigo 23.º do CIVA.

O legislador, por escolha própria, ao invés de fazer constar da lei todas as situações que, a seu ver, podem provocar distorções significativas na tributação e todas as soluções que resolveriam as respectivas distorções – o que seria um trabalho gigantesco e certamente nunca abrangente de todas as situações possíveis -, optou por conceder à AT o poder de, perante cada situação, determinar a aplicação de um procedimento, modelo ou método que conduza a um resultado (valor de IVA a deduzir) o mais aproximado possível daquela que tenha sido a real/efectiva utilização dos bens e serviços comuns.

Em síntese,

O Estado português procedeu à transposição para o direito interno da alínea c) do nº 2 do artigo 173.º da Directiva IVA, como o STA reconheceu, ficando, da forma como o fez, dado o necessário poder à AT para poder vir a impor condições especiais aos sujeitos passivos parciais ou mistos que optem pela afectação real, bem como a impor a afectação real aos sujeitos passivos que usem o pro rata de dedução, no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.

Feito o necessário enquadramento, continuemos.

A questão em causa no presente processo prende-se com o tratamento fiscal – em sede de IVA - a dispensar às operações de locação financeira quando praticadas por instituições financeiras (bancos) em conjunto com a sua actividade principal, a concessão de crédito.

Para a sua melhor apreciação, torna-se necessário caracterizar a locação financeira, para que o seu enquadramento e tratamento, nos diversos aspectos, seja feito com o maior rigor possível.

Assim,

De acordo com o Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira (Decreto-lei n.º 149/95 de 24 de Junho), o leasing ou locação financeira consiste numa modalidade de financiamento através da qual o locador (empresa de leasing), concede ao seu cliente (locatário), de acordo com as suas instruções, um bem móvel ou imóvel, mediante o pagamento de uma renda, por determinado prazo, ficando o cliente com uma opção de compra no final do mesmo prazo, perante o pagamento de valor residual.

Contudo, em termos práticos e apesar das características específicas que lhe subjazem, o contrato de leasing não é mais do que um contrato de financiamento das empresas e famílias, uma vez que, as normas inscritas no seu Regime Jurídico – transpostas para os respectivos contratos – limitam de tal forma os riscos e responsabilidades das locadoras - instituições financeiras – passando todos os riscos, despesas e responsabilidades para o locatário, que o transformam naquilo que realmente os contratos são, contratos de crédito, ao estabelecer, nomeadamente que:

Artigo 14.º - Despesas - Salvo estipulação em contrário, as despesas de transporte e respectivo seguro, montagem, instalação e reparação do bem locado, bem como as despesas necessárias para a sua devolução ao locador, incluindo as relativas aos seguros, se indispensáveis, ficam a cargo do locatário.

Artigo 15.º- Risco - Salvo estipulação em contrário, o risco de perda ou deterioração do bem corre por conta do locatário.

Artigo 22.º - Operações anteriores ao contrato - Quando, antes de celebrado um contrato de locação financeira, qualquer interessado tenha procedido à encomenda de bens, com vista a contrato futuro, entende-se que actua por sua conta e risco, não podendo o locador ser, de algum modo, responsabilizado por prejuízos eventuais decorrentes da não conclusão do contrato, sem prejuízo do disposto no artigo 227.º do Código Civil.

Ao passar todas as despesas, riscos e responsabilidades relacionados com a aquisição e uso do bem para o cliente bancário (locatário), a legislação trata as instituições financeiras com o estatuto que, de facto, elas têm: entidades financiadoras das empresas e das famílias a troco de uma remuneração, a que se chama juro.

 

Mas vejamos o que diz o Banco de Portugal (BdP), entidade reguladora (e fiscalizadora) das entidades licenciadas para a celebração de contratos de locação financeira.

O Banco de Portugal (BdP) define a Locação Financeira como segue (https://www.bportugal.pt/):

Leasing: operação de financiamento através da qual uma das partes (locadora) cede a outra (locatário) o direito de utilização de um determinado bem, durante um período de tempo pré-estabelecido, em contrapartida de um retribuição (renda). No final do contrato, o locatário poderá adquirir o bem objecto de locação, mediante o pagamento do valor residual.

Afirma o BdP que o contrato de locação financeira ou contrato de “leasing” é um contrato de financiamento, não se confundindo com o aluguer ou o arrendamento, nem sequer com o “renting”.

Aliás, o BdP tem publicado informações sobre vários tipos de operações de financiamento automóvel, nas quais se incluem a locação financeira ou leasing, o aluguer longa duração (ALD), o crédito automóvel, com e sem reserva de propriedade, alerta os interessados para o facto de o renting “Ao contrário das opções anteriores, não se trata de um crédito. Portanto, a comercialização desta modalidade não é supervisionada pelo Banco de Portugal.”

Ora, fazendo o BdP o alerta, nas várias soluções financeiras para “Comprar carro novo” informar que o renting “não se tratar de um crédito”, ao contrário de todas as outras opções indicadas, significa que todas as outras soluções são concessão de crédito, leasing incluído.

Também daqui se podendo concluir que o Banco de Portugal considera o leasing como uma forma de concessão de crédito e não um aluguer ou um arrendamento de bens.

Mas continuemos.

 

De seguida, espreitemos o Direito da Contabilidade para se conhecer o que ele estabelece no que aos contratos de locação financeira diz respeito.

Na Norma Contabilística e de Relato Financeiro 9 (NCRF 9) – Locações, pode ler-se o seguinte, com relevo para o tema.

Locação financeira: é uma locação que transfere substancialmente todos os riscos e vantagens inerentes à posse de um activo. O título de propriedade pode ou não ser eventualmente transferido.

§8 - Uma locação é classificada como locação financeira se ela transferir substancialmente todos os riscos e vantagens inerentes à propriedade. Uma locação é classificada como locação operacional se ela não transferir substancialmente todos os riscos e vantagens inerentes à propriedade.

§10 - A classificação de uma locação como financeira ou operacional depende da substância da transacção e não da forma do contrato.

§20 - No começo do prazo de locação, os locatários devem reconhecer as locações financeiras como activos e passivos nos seus balanços por quantias iguais ao justo valor da propriedade locada ou, se inferior, ao valor presente dos pagamentos mínimos da locação, cada um determinado no início da locação.

§32 - Os locadores devem reconhecer os activos detidos sob uma locação financeira nos seus balanços e apresentá-los como uma conta a receber por uma quantia igual ao investimento líquido na locação. (valor do crédito concedido utilizado na aquisição da viatura)

§33 - Substancialmente, numa locação financeira todos os riscos e vantagens inerentes à propriedade legal são transferidos pelo locador, e por conseguinte, os pagamentos da locação a receber são tratados pelo locador como reembolso de capital e rendimento financeiro para reembolsar e recompensar o locador pelo seu investimento e serviços.

As Normas Internacionais de Contabilidade (IAS) e as Normas Internacionais de Relato Financeiro (IFRS), emitidas pela IFRS Foundation que tem como membro proeminente o International Accounting Standards Board (IASB), e que foram adoptadas pela União Europeia (UE), designadamente a “IAS 17 – Locações”, que veio a ser substituída pela “IFRS 16 – Locações”, de utilização obrigatória pelas entidades bancárias como a A..., SA, estabelecem normas equivalentes às nacionais, em especial no respeitante à entidade locadora, pelo que, usando-as as instituições financeiras, as regras aplicáveis são equivalentes e de igual efeito.

Da sua leitura, pode concluir-se que, no plano da normalização contabilística (nacional e internacional), a locação financeira é tratada como um financiamento por parte de uma instituição financeira (locador financeiro) e como uma aquisição ou um direito de uso, a crédito, com pagamentos mensais de juros e amortização da dívida pelo locatário.

 

Aqui chegados, entendemos ser interessante tomar conhecimento de um facto: como é que a Requerente tratou as operações que realizou através de contratos de locação financeira no ano em causa no presente processo arbitral.

Visitado o “Relatório e Contas de 2017” da A..., SA (https://www...), pode ler-se na sua página 382 o seguinte:

“Os contratos de locação financeira são registados no balanço como créditos concedidos”

E ainda

“Os juros incluídos nas rendas debitadas aos clientes são registados como proveitos enquanto as amortizações de capital, também incluídas nas rendas, são deduzidas ao valor do crédito concedido a clientes.”

Tal informação, de acordo com a Normas Internacionais de Contabilidade, faz com que não restem dúvidas de que, os contratos de locação financeira celebrados pela Requerente no ano de 2017 foram tratados como verdadeiros contratos de concessão de crédito – que de facto o são – e não como prestações de serviços aluguer ou outras, com o recebimento rendas que se destinaram a compensar o locador pelo uso de um activo seu, utilizados pelos locatários.

Devendo o seu tratamento fiscal corresponder à sua realidade, de acordo com o tão importante à Contabilidade “Princípio da Substância sobre a Forma”, que no Direito é referido como “Princípio da Prevalência da Substância sobre a Forma”.

Confirme-se pelo recorte abaixo as afirmações acima produzidas.

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

 

Segundo o princípio da prevalência da substância sobre a forma, nuclearmente, o que releva, para o direito fiscal, é o apuramento da efectiva realidade, relevante para efeitos de tributação, que não a mera forma do negócio jurídico concretamente utilizado.

Aqui chegados, 

Tendo ficado demonstrado que o Estado português procedeu à transposição para o direito interno da alínea c) do nº 2 do artigo 173.º da Directiva IVA, como o STA reconheceu, alterando em conformidade o Artigo 23.º do CIVA, mais propriamente o seu n.º 2 e também o nº 3, ficando, da forma como o fez, dado o necessário poder à AT para poder vir a impor condições especiais aos sujeitos passivos parciais ou mistos que optem pela afectação real, bem como a impor a afectação real aos sujeitos passivos que usem o pro rata de dedução, no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.

E também que

Segundo o princípio da prevalência da substância sobre a forma, nuclearmente, o que releva, para o direito fiscal, é o apuramento da efectiva realidade, relevante para efeitos de tributação, que não a mera forma do negócio jurídico concretamente utilizado. E que, apesar do quadro legal, a substância deve obrigatoriamente levar à tributação da locação financeira como se de uma verdadeira operação de crédito se tratasse, que de facto é.

 

Estamos chegados ao momento de analisar e verificar e de seguida apontar as razões da nossa não adesão à fundamentação e à respectiva Decisão, de acordo com a visão que temos do caso e das normas legais aplicáveis.

No seguimento do trabalho do Tribunal de analisar e listar um conjunto de Decisões Arbitrais, nas suas palavras “todas tomadas por unanimidade” que tomaram decisões iguais às que o Tribunal tomou, são tecidas considerações nas quais não nos revemos e que, com o devido respeito, após serem transcritas, merecem as críticas que de seguida serão apontadas.

Nota-se, adicionalmente, no que respeita aos argumentos que, sobre a matéria, até ali se foram discutindo, que se julga que o entendimento, segundo o qual a renda corresponde à devolução do capital (amortização da dívida), e por isso não constitui uma remuneração do sujeito passivo, que estará, nessa parte, a “receber de volta” o montante de capital que disponibilizou e com o qual adquiriu o veículo automóvel, não se afigura congruente.

Efectivamente, caso assim fosse, ou seja, caso estivesse em questão a restituição do capital correspondente a uma operação de crédito, tal restituição seria sujeita a Imposto do Selo, nos termos da verba 17 da TGIS, e, como tal, isenta de IVA nos termos do art.º 9.º/27)/a) do CIVA. Assim, em coerência com o entendimento por si sustentado, a AT, salvo melhor opinião, deveria considerar isento de IVA o pagamento da parte que considera como correspondente à restituição de capital na renda paga pelo locatário.

Com o devido respeito, o Tribunal parece não ter presente nem a razão de ser nem o modelo de funcionamento do Imposto sobre o Valor Acrescentado.

E também as normas que regem o Imposto do Selo.

Se não, pensemos:

1.     Para que um sujeito passivo possa deduzir o IVA suportado nas aquisições de bens e serviços (inputs), esses bens e serviços têm de ser afectos à realização de operações sujeitas a IVA e dele não isentas;

2.     Caso de as rendas da locação financeira, na parte correspondente ao financiamento da aquisição da viatura, ou melhor, da amortização do respectivo crédito, estivessem isentas de IVA, o sujeito passivo (p. ex. um Banco), estaria impossibilitado de deduzir o IVA que suportou na aquisição da viatura;

3.     E mais. No caso de o cliente do Banco (o locatário) ter direito a deduzir o IVA constante das facturas das rendas de locação financeira, não o poderia fazer na parte respeitante ao valor de aquisição da viatura, porque nas facturas das rendas não constaria o valor do IVA correspondente;

4.     A locação financeira, sendo à vista de todos (ou quase) uma forma de financiamento ao investimento e ao consumo, pelo facto de ser a instituição financeira a adquirir a viatura e de haver IVA liquidado nas aquisições, nas locações e nas posteriores transmissões, podendo nelas haver lugar a IVA dedutível, o “financiamento” da aquisição de viaturas através de contratos de locação financeira teria de estar, na totalidade, sujeito a IVA;

5.     E, por isso mesmo, foi excluído da tributação em Imposto do Selo, nos termos do nº 2 do artigo 1º do Código do Imposto dom Selo.

6.     Portanto, só enquadrando a locação financeira na incidência real de IVA é possível a todos os intervenientes, locadores, locatários e terceiros adquirentes, poderem usar do direito à dedução do IVA suportado na aquisição na aquisição e locação de viaturas (viaturas comerciais, táxis, viaturas eléctricas, etc.)

Resumindo, a locação financeira de viaturas só está sujeita a IVA (ao contrário de outras soluções de financiamento ao consumo), porque a jusante o locatário/comprador desse viatura poderia ter o direito a exercer o direito à dedução do IVA suportado nas rendas de locação e no exercício da opção de compra.

Por isso, entre outras razões, a opção do legislador foi a de incluir a locação financeira no âmbito da incidência de IVA, e assim permitir o regular direito à dedução do imposto, quando aplicável.

Contudo, caso o legislador decidisse excluir a aquisição/locação de viaturas automóveis do direito à dedução, a opção legislativa poderia ter sido outra: por exemplo, isentando o financiamento e os juros correspondentes da sujeição a IVA e sujeitando-os a Imposto do Selo.

Em tal caso, o IVA liquidado pelo Stand Automóvel não seria dedutível a jusante, nem pelo Banco nem por nenhuma outra entidade, revertendo a sua receita para os cofres do Estado.

Daí em diante, crédito concedido e juros estariam sujeitos a tributação em Imposto do Selo (IS).

Contudo, não pode esquecer-se que, essa solução poderia ser ruinosa para a locação financeira, pelo facto de não permitir a dedução do IVA suportado na aquisição.

Mas essa não foi a opção do legislador.

Continuando a transcrição das passagens da Decisão às quais, com o devido respeito, não aderimos,

A acolher-se a argumentação da AT, quem estaria a beneficiar indevidamente seria a AT, que receberia de uma viatura, adquirida através de um financiamento, não o IVA correspondente ao valor base da viatura (IVA excluído), e o correspondente aos encargos financeiros e despesas com o crédito, como acontece, nesses casos, mas o IVA correspondente ao valor total do crédito, acrescido daqueles.

Assim, por exemplo, se um determinado sujeito passivo decidir adquirir uma viatura automóvel com o valor de €10.000,00 + IVA, num total de (à taxa actual) €12.300,00, e optar por recorrer a um crédito (mútuo bancário), a AT arrecadaria o IVA, correspondente ao preço base da viatura (ou seja, calculado sobre €10.000,00), mais o IVA correspondente aos encargos financeiros e despesas com o crédito.

Já se o sujeito passivo optasse por adquirir a mesma viatura por via de leasing/ALD, e em que, portanto, aquilo que a AT reputa de capital mutuado, fosse o preço final da viatura (no exemplo, €12.300,00), a AT estaria a arrecadar IVA sobre este valor, mais o IVA correspondente aos encargos financeiros e despesas com o crédito.

Deste modo demonstra-se, julga-se, que o critério/método preconizado pela AT, ao pretender reconduzir as operações de leasing/ALD a simples operações de crédito, ignorando as especificidades próprias desses instrumentos contratuais, que justificam, precisamente, o seu reconhecimento no ordenamento jurídico, poderá resultar, efectivamente, em distorções significativas na tributação, em prejuízo do consumidor final.

Acresce que, se a AT - como é o caso – entende que as operações realizadas a jusante, no caso, pelo Requerente, são integralmente sujeitas a IVA (ou seja, que a renda paga pelos clientes do Requerente), não poderá, fundadamente, considerar que o IVA suportado a montante, com os recursos consumidos para a realização de tais operações, não seja dedutível.

Nos parágrafos atrás transcritos, com o devido respeito, pensamos que o Tribunal perde o foco no essencial – o modelo de apuramento do imposto dedutível correspondente aos inputs comuns – misturando o tratamento a dar a uns – aquisição de bens e serviços directamente imputados às operações sujeitas – com o a dar a outros, isto é, com os que são utilizados indistintamente pelas operações sujeitas e pelas operações isentas sem direito à dedução.

No caso, a questão da dedução do IVA suportado na aquisição de viaturas automóvel nunca foi questionada: determina o Código do IVA que essa dedução seja feita por imputação directa do IVA suportado na aquisição da mesma às operações activas praticadas no mesmo período pelo sujeito passivo (artigos 19º nº 1, alínea a) e 20º nº 1, alínea a) ambos do CIVA).

No exemplo dado pelo Tribunal, salvo melhor opinião, o capital mutuado é de €10.000,00 e não de 12.300,00, como, certamente por lapso foi indicado.

Sendo a viatura adquirida para a realização de uma operação sujeita a IVA (e dela não isenta), a Requerente adquire a viatura por €10.000,00 acrescida de IVA no valor de €2.300,00 que suporta, mas que de imediato deduz esses mesmos €2.300,00 ao IVA a entregar ao Estado referente àquele mesmo período de tributação, na respectiva declaração periódica.

Ficando resolvido o problema da dedução do IVA constante da factura de aquisição da viatura, isto é, ficando a viatura desonerada de IVA na sua totalidade até à aquisição da viatura pelo locador. Claro que, na operação seguinte terá de ser liquidado IVA.

Com a operação de aquisição da viatura por parte da Requerente, o Estado não vai receber um único cêntimo de euro nesse período de tributação. Isto porque, no mês em que a transmissão/aquisição (venda/compra) da viatura acontece, o stand automóvel liquida IVA à Requerente, mas esta deduz de imediato o IVA suportado nessa aquisição. Um valor anulando o outro em termos de receitas do Estado.

E, insiste-se, ficando apenas por resolver a questão do quantum da dedução do IVA nos inputs comuns, isto é, do IVA dedutível contido no IVA suportado nos inputs comuns ou mistos. 

E é apenas e só deles que devemos tratar.

O caso não se prende com o direito à dedução da totalidade do IVA suportado pela Requerente, mas tão só com o direito à dedução dos gastos comuns (do IVA contido nas suas aquisições), mais propriamente, com a determinação do melhor modelo de repartição do valor do IVA suportado na aquisição de bens comuns (de utilização mista), isto é, com o método a utilizar para o cálculo do IVA dedutível correspondente ao IVA suportado nos inputs comuns ou mistos.

Entende-se também importante referir neste momento que, no caso do exemplo dado pelo Tribunal: locação financeira de uma viatura adquirida pelo Banco por €10.000,00, acrescida de IVA no valor de €2.300,00; o valor do contrato será de €10.000,00 a que serão acrescidos os juros e encargos debitados, e sobre cada renda incidirá o devido IVA.

Se se supuser que o contrato possa ser celebrado por 3 anos, isto é, com o pagamento de 36 mensalidades antecipadas correspondentes às rendas mensais e de um valor final igual correspondente à opção de compra da viatura no final do contrato, teríamos 37 facturas mensais no valor de, p. ex., €300,00 cada, acrescidas de IVA à taxa normal de €69,00. 

Ou seja, valor total do contrato €10.000,00 seria repartido pelas 36+1 rendas no valor de (€300,00 + €69,00) que corresponderiam €270,27 ao valor médio de amortização da dívida, e €29,73 ao valor médio dos juros e encargos debitados, e €69,00 ao valor do IVA liquidado em cada renda.

Um banco que realize esta operação irá ter IVA liquidado no montante de €2.553,00 (37 X €69,00) ao longo dos 36+1 meses e IVA dedutível por imputação directa de €2.300,00, de imediato no momento da aquisição da viatura, e ainda o IVA dedutível na parte proporcional dos rendimentos gerados por operações sujeitas em relação ao total das operações, (nas quais não estão incluídos os financiamentos/amortizações da dívida).

Continuando a transcrição de passagens da Decisão Arbitral que, com todo o respeito, nos merecem crítica, (com sublinhados e ênfases nossos).

Por outro lado, e no que respeita ao método aplicado pela AT, e concretizado no Ofício Circulado n.º 30108, o certo é que (ainda que em contraciclo com a jurisprudência mais recente do STA que, entretanto, se veio a formar) o mesmo não se reconduz nem à aplicação, nos termos que resultam do CIVA, do método de imputação directa, nem do método, nos mesmo termos, do pro rata.

Daí que, quer se considere o mesmo como um terceiro método, como ocorre nas decisões arbitrais citadas, quer se considere o mesmo como um “pro rata embora com um elemento de afectação real”, sempre se deverá concluir pela sua inadmissibilidade, face ao direito positivo português, já que o n.º 2 do art.º 23.º do CIVA refere-se, exclusivamente, ao método da afectação real.

Também aqui, com o devido respeito, não acompanhamos o Tribunal.

A imputação directa acontece quando se tratam os inputs directamente atribuídos a operações sujeitas ou a operações isentas de IVA. E apenas esses. Não há imputação directa de bens e serviços consumidos indistintamente/simultaneamente em operações sujeitas e em operações isentas.

Com efeito, o IVA suportado com a aquisição de bens e serviços de uso comum às actividades (operações) sujeitas e não isentas de IVA e às actividades isentas dele é apurado, nuns casos através do pro rata de dedução, e noutros pela afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados em ambos os tipos de operações.

O pro rata é a medição proporcional das operações que dão lugar a dedução de imposto em relação ao total das operações realizadas por um sujeito passivo.

A afectação real é encontrada pela aplicação de um critério, de um método, que melhor aproxime o resultado obtido da realidade das operações realizadas pelos sujeitos passivos.

A afectação real não é a imputação directa.

Costumam ser indicados como critérios objectivos, reais, de repartição do IVA contido em bens de utilização mista, entre outros, a proporção entre a massa salarial das pessoas afectas a um sector em relação ao total da entidade; o número de trabalhadores afectos a um sector em relação ao total da entidade; as áreas dos edifícios afectas a um sector em relação ao total da entidade; e o número de horas de trabalho consumidas com a realização das operações sujeitas, em relação ao total de horas consumidas da entidade. Nada impedindo que em relação a certos inputs se use um critério e em relação a outros inputs se use outro critério.

E, quer o método do pro rata quer o método da afectação real, são de aplicação provisória ao longo do ano e corrigidos na última declaração periódica anual. Assim dita o nº 6 do artigo 23º do CIVA.

Voltando ao núcleo do tema aqui e agora tratado, a AT, nos termos dos poderes que lhe foram concedidos pelo legislador na segunda parte do nº 2 e no nº 3 do artigo 23º do CIVA, determinou que as entidades que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de leasing devem utilizar a afectação real nos exactos termos que se seguem (sublinhados e ênfases nossos):

(…) considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº.2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

Como se pode confirmar pela leitura do texto transcrito, a AT usou dos poderes que lhe foram atribuídos pela lei – nº 2 (e nº 3) do artigo 23º do CIVA - justificando a sua necessidade - considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral (…) é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação” – determinou a obrigatoriedade da aplicação do método da afectação real – (a)os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar (…) a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços (…).

Sintetizando,

Porque o método do pro rata, no caso dos sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação” a AT, apoiando-se nos poderes que lhe foram concedidos pelo legislador no nº 2 (e no n.º 3) do artigo 23º do CIVA, determinou a obrigatoriedade de utilização do método da afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

Terminando por, na impossibilidade (real ou alegada) de aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, estabelecer que o IVA dedutível referente a esses inputs fosse determinado como segue:

Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.

Resumindo, a AT determinou ainda que, no caso de os sujeitos passivos não poderem (ou não quererem) utilizar a afectação real através de critérios objectivos de imputação para apurarem o IVA dos inputs comuns, esse apuramento deve ser efectuado pela utilização de um coeficiente de imputação específico, por entender que o resultado obtido pela aplicação desse coeficiente seria mais apropriado a determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

Isto é, o coeficiente de imputação específico é o indicador (percentual) que visa ocupar o espaço deixado vago pelo critério objectivo não encontrado pelo sujeito passivo.

Por outras palavras, o coeficiente de imputação específico, é o coeficiente de dedução que visa substituir (como segunda escolha) aquele que deveria ser apurado pelo sujeito passivo pelo método da afectação real com base em critérios objectivos.

E é claro que, esta alternativa, esta segunda escolha, teria de ser fixada pela AT com base na lei, sob pena de a afectação real ser um critério inaplicável pelo simples facto de o sujeito passivo alegar não ter condições para aplicar um critério objectivo.

Por isso, este coeficiente de imputação específico só é utilizado nas situações em que o sujeito passivo, no caso, a Requerente, alegue não ser possível utilizar a afectação real com base em critérios objectivos de imputação dos custos comuns, como foi o caso da Requerente.

Mais à frente, escreve o Tribunal o seguinte (sublinhado e ênfase nosso):

(…) no caso, está assente que estão em causa recursos designados por promíscuos, ou seja, relativamente aos quais não é possível determinar qual a parte dos recursos consumidos que pode ser imputada, real e efectivamente às actividades isentas e não isentas.

Ora, o ofício circulado n.º 30108 não poderá deixar de se considerar contraditório nos seus próprios termos, ao dizer (cfr. ponto 9) que está a impor a utilização de um método de afectação real, ao mesmo tempo que afirma que se reporta a casos em que não é “possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns”. Com efeito, se não é possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, não é possível determinar o “uso real e efetivo que cada bem ou serviço adquirido tenha em cada um dos tipos de operações em que é usado conjuntamente”, ou seja, não se poderá estar perante uma imputação directa

Uma vez mais, não nos revemos na argumentação do Tribunal.

Com o devido respeito, o que está escrito no ofício circulado não pode ser lido da forma como o Tribunal o faz. Porque, o IVA que está em causa é o IVA suportado em bens afectos indistintamente a operações sujeitas e a operações isentas. E por esse motivo não é possível de ser imputado directamente a uma ou várias operações sujeitas ou isentas. O que se pretende – o que o legislador, a administração fiscal, os sujeitos passivos, assim como os intérpretes e aplicadores da lei deveriam pretender - é encontrar o método que mais se aproxime da real e efectiva utilização dos bens comuns no apuramento do IVA dedutível correspondente às operações sujeitas e não isentas.

Porque se fosse possível, não estaríamos perante bens e serviços comuns ou de utilização mista. Estaríamos perante bens que seriam directamente imputados às operações sujeitas ou às operações isentas. Não havendo promiscuidade alguma na sua utilização.

Nos bens adquiridos para serem consumidos ou utilizados em operações sujeitas, o IVA é dedutível, por imputação directa.

Nos bens adquiridos para serem consumidos ou utilizados em operações isentas, o IVA é não dedutível, por imputação directa.

Nos bens adquiridos para serem consumidos ou utilizados indistintamente em operações sujeitas e em operações isentas, o IVA é dedutível pelo método do pro rata ou pelo da afectação real.

Sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação, no caso de o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real.

E também

Sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos vir a impor a um sujeito passivo que efectue a dedução segundo o método do pro rata, que passe a efectuar a dedução segundo a afectação real e lhe vir a impor condições especiais, no caso de se verificar que o método do pro rata conduza a distorções significativas na tributação.

Resumindo,

O que está em causa é saber qual o método que melhor poderá apurar o valor do IVA suportado correspondente aos bens mistos ou de uso comum, que foram consumidos na realização de operações tributadas. O que realmente importa e é perseguido com o nº 2 e nº 3 do artigo 23º do CIVA, é estabelecer o método que mostra ser mais eficaz para atingir o objectivo pretendido, que é o de proporcionar a dedução do IVA suportado nos inputs comuns o mais aproximado possível da real e efectiva utilização dos bens que lhe deram origem.

E o que a AT disse no nº 9 do ofício circulado nº 30108 foi que “sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing (…)

No ofício circulado em causa, a AT não disse nada semelhante a “se reporta a casos em que não é “possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns”.

A AT, através do Of. Circ. 30108, considerando que a aplicação do prorata geral é susceptível de provocar distorções significativas na tributação e que por isso não se ajusta ao apuramento do IVA dedutível dos consumos comuns, determinou que esse apuramento se fizesse pela afectação real através da aplicação de critérios objectivos, e que, na impossibilidade (real ou alegada) da sua aplicação, deveria ser usado um coeficiente de dedução específico, por considerar ser aquele que melhor consegue apurar o coeficiente de afectação dos bens comuns às operações sujeitas.

Em nossa opinião, caso a Requerente apresentasse um outro critério objectivo que a AT (ou, na fase actual, o Tribunal) pudesse considerar mais eficaz (mais próximo da real afectação dos inputs comuns) no apuramento da percentagem de dedução específica do que o critério imposto pela AT, a razão poderia ser reconhecida à Requerente e o IVA dedutível poderia ser apurado de acordo com esse melhor método de dedução.

Mas a Requerente não apresentou esse “melhor método de dedução”.

Mais à frente, é afirmado na Decisão Arbitral o seguinte, com sublinhados e ênfases nossos:

Com efeito, o que está agora – e face à recente jurisprudência do STA – em causa é que, para a imposição da utilização do método de afectação directa com “condições especiais”, em termos que o STA reconhece como legítimos face à redacção do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA (conjugado com a alínea b) do seu n.º 3), se impõe a constatação de uma determinada realidade de facto, que é a verificação de distorções significativas na tributação na utilização do pro rata (cfr. a citada al. b) do n.º 3 do art.º 23.º do CIVA).

Ora, a demonstração de tal realidade não poderá deixar de ser entendida, julga-se, como um ónus da AT, que esta não pode transferir para o sujeito passivo.

É certo que sobre a questão do ónus da prova, na fundamentação do já citado Acórdão do STA de 20-01-2021, se fez constar que “Caberia, por isso, ao sujeito passivo alegar e demonstrar que, no seu caso concreto, a utilização dos bens ou serviços mistos não era sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos.”.

Sucede que, esta questão, sobre a qual o STA expressamente se pronuncia ali, apenas se coloca a jusante da que ora se formula.

Isto é: apenas se colocará a questão de saber se “a utilização dos bens ou serviços mistos não era sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos.”, após se aferirem se as “condições especiais” impostas pela AT são adequadas ou não, após se apurar se se verificam, ou não, os pressupostos do direito da AT à imposição daquelas.

Note-se que não se está aqui no âmbito da matéria relativa ao ónus da prova sobre a qual o STA já se pronunciou, ou seja, no âmbito do ónus da prova dos pressupostos do direito à dedução do imposto pelo contribuinte.

Assim, e desde logo, está assente que o imposto é dedutível – daí ser aplicável o art.º 23.º do CIVA, que pressupõe, justamente, que se esteja perante imposto qualificado como tal.

O que está em causa é a forma de cálculo desse imposto, ou, dito de outro modo, se o mesmo se há-de apurar pelo método do pro rata, conforme entende o contribuinte, ou de acordo com o método da afectação real com “condições especiais”, como entende a AT, secundada pelo STA.

Repita-se, ainda, que, não está em causa apurar se o referido método da afectação real com “condições especiais” é o adequado para evitar distorções na concorrência, questão sobre a qual o STA se pronunciou já integrar o ónus da prova do contribuinte, demonstrando, designadamente, que “no seu caso concreto, a utilização dos bens ou serviços mistos não era sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos.”.

Está em causa agora, isso sim, apurar se se verificam os pressupostos para a AT exercer o seu direito, reconhecido pela mais alta jurisprudência, de impor aos contribuintes a utilização do método da afectação real com “condições especiais” nos termos da al. b) do n.º 3 do art.º 23.º do CIVA.

Assim, a jusante do ónus da prova que incide sobre o contribuinte quanto aos factos que constituem o fundamento do seu direito à dedução, e a montante do ónus da prova que igualmente assiste àquele de demonstrar que o método da afectação real com “condições especiais” imposto pela AT, não é adequado a evitar, ou agrava, as “distorções na concorrência”, situa-se o ónus da prova daquela de que, no caso, “a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação”.

Se bem entendemos a exposição feita pelo Tribunal, nela é posta em causa ou pelo menos colocada a discussão sobre o direito da AT de impor aos contribuintes a utilização do método da afectação real com “condições especiais” nos termos da al. b) do n.º 3 do art.º 23.º do CIVA, entendendo ser de exigir à AT a prova de que, no caso, a aplicação do método do pro rata conduza a distorções significativas na tributação”.

No nº 8 do ofício circulado nº 30108 pode ler-se, com apresentação, ênfases e sublinhados nossos, que:

1.     (…) considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados;

2.     pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas,

3.     ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”,

4.     os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº.2 do artigo 23º do CIVA,

5.     a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços,

6.     de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

A leitura deste nº 8 do ofício citado, salvo melhor opinião, deve ser lido e interpretado tendo em vista o seu fim que é o de procurar estabelecer um modelo de apuramento do IVA dedutível, referente ao IVA suportado na aquisição de bens e serviços consumidos em comum na realização de operações sujeitas a imposto.

Isto é, estabelecer as regras para a determinação do direito à dedução do IVA contido nos inputs comuns a aplicar pelas instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD.

Diz-nos o documento que:

Considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados, (porquê?) pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, o que pode conduzir a distorções significativas na tributação, os sujeitos passivos devem utilizar a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

Leitura que pode ser apresentada de modo menos formal mas talvez mais esclarecedora, como segue:

Afirma a AT que:

o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados,

Porquê?

pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, [porque na respectiva fracção se misturam valores não comparáveis, como juros, comissões, serviços (que são rendimentos) e as amortizações da dívida (que são reembolsos do crédito)]

Quais são as consequências?

pode conduzir a distorções significativas na tributação

O que fazer para remediar?

os sujeitos passivos devem utilizar a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

 

Resumindo,

No caso das entidades financeiras que concedem crédito e celebram operações de locação financeira, a falta de coerência das variáveis que fazem parte da fracção que tem por fim apurar a percentagem de dedução, tem como consequência a obtenção de um percentual desprovido de racionalidade, uma percentagem sem significado, que quando aplicada pode conduzir a distorções significativas na tributação em IVA.

Motivo pelo qual, a AT, usando dos poderes que lhe foram atribuídos pelo legislador nos nºs 2 e 3 do artigo 23º do CIVA, determinou e deu a conhecer que os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

E, antevendo que houvesse entidades que viessem alegar ser impossível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, determinou ainda que, em tal caso, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.

Faz-se notar que, perante a constatação de que o pro rata, pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, quando utilizado por bancos que realizem operações de leasing, pode conduzir a distorções significativas na tributação, a AT determinou a utilização obrigatória do método da afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços.

E é só para o caso de o sujeito passivo alegar que tal método com critérios objectivos de imputação dos custos comuns não é de aplicação possível da sua parte, que a AT estabeleceu que, nesse caso, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD, isto é, todos os rendimentos reais e efectivos da locação financeira, obviamente, excluídos os valores das amortizações da dívida contidas nas facturas de locação financeira.

Ou seja, o coeficiente de imputação específico só será utilizado no caso de o sujeito passivo alegar não ter condições para apurar o IVA dedutível referente aos inputs mistos, pela aplicação da afectação real com base em critérios objectivos ou quando o sujeito passivo apurar o IVA dedutível referentes aos inputs mistos de acordo com o método do pro rata, que por produzir distorções significativas na tributação, foi rejeitado, fundamentadamente, pela AT.

Aqui, e uma vez mais, se reafirma que a Requerente poderia ter apresentado um outro critério objectivo que a AT (ou, na fase actual, o Tribunal) pudesse considerar mais eficaz no apuramento da percentagem de dedução específica do que o critério imposto pela AT, podendo nesse caso ser reconhecida a razão à Requerente e o IVA dedutível poderia ser apurado de acordo com esse melhor método de dedução.

Mas, repete-se, a Requerente não apresentou esse “melhor método de dedução”.

Talvez porque (e à frente retomaremos o tema) a Requerente pretenda que o Tribunal lhe reconheça o direito a apurar o IVA dedutível correspondente à parte dos consumos comuns ou mistos através da aplicação do pro rata de dedução, por ser aquele que melhor lhe proporciona maiores vantagens fiscais.

Isto porque, como referiu a AT na exclusão do método do pro rata de dedução (pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas) e imposição do método da afectação real, transmitida pelo OF. Circ. 30108, o pro rata de dedução é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados, podendo conduzir a “distorções significativas na tributação”.

Mas continuemos

Afirma o tribunal que cabe à AT “o ónus da prova (…) de que, no caso, “a aplicação do processo referido no n.º 1 (leia-se, a aplicação do método do pro rata de dedução) conduza a distorções significativas na tributação”.

Entendemos que a AT cumpriu essa sua obrigação, quando perante a constatação de que o pro rata geral era susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados, ou seja, que pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, porque no caso de instituições financeira que realizem empréstimos (isentos de IVA) e simultaneamente realizem operações de locação financeira (sujeitos a IVA) , a falta de coerência das variáveis utilizadas no cálculo do pro rata, leva a que o percentual obtido não seja representativo da efectiva utilização dos bens e serviços comuns consumidos na realização das operações sujeitas pelos sujeitos passivos.

Em primeiro lugar, entendemos que tal justificação para a exclusão do pro rata e a imposição da afectação real pela AT é de constatação imediata sem grande esforço, dispensando grandes raciocínios para atingir essa conclusão: o pro rata pode provocar distorções significativas na tributação porque as variáveis contidas no seu cálculo não têm, entre si, qualquer coerência, resultando num percentual sem qualquer racional que, repita-se, pode provocar distorções significativas na tributação.

Em segundo lugar, entendemos que não haverá melhor prova a dar ao Tribunal de que o pro rata de dedução produz “distorções significativas na tributação” do que aquela (prova) que a Requerente lhe deu.

Explicando,

Cumprindo ao longo do ano de 2017 o apuramento mensal do IVA pela utilização da percentagem de dedução específica referida no Of. Circ. 30108, a Requerente deduziu provisoriamente €2.421.601,20, tendo deduzido mais €1.037.829,09 aquando da entrega da declaração periódica de Dezembro desse ano, pela aplicação da percentagem de dedução específica definitiva.

O IVA dedutível referente às operações tributadas, contido nas aquisições de bens e serviços consumidos indistintamente/simultaneamente nas operações sujeitas e nas operações isentas (inputs mistos), e só esse (dado o IVA suportado nas aquisições das viaturas ter sido deduzido nos meses de aquisição das mesmas por imputação directa), que foi deduzido mensalmente pela percentagem de dedução específica, totalizou com referência ao ano de 2017 o montante de €3.459.430,20.

Porém, depois de tudo ter sido levado a cabo em conformidade com o Of. Circ. nº 30108 e apurado o IVA dedutível na parte correspondente aos bens comuns consumidos, vem a Requerente alegar que se tivesse usado o pro rata (geral) de dedução, o IVA dedutível em causa não seria no montante de €3.459.43020 mas sim no montante de €6.572.917,45, requerendo ao Tribunal que condene a AT a reembolsá-la no valor de €3.113.487,25 por entender que só o pro rata geral é legal, e a percentagem de dedução específica ser contrária à lei.

E pelos números envolvidos no processo, facilmente se verifica que o pro rata de dedução produz “distorções significativas na tributação”: a percentagem de dedução específica de 10% passou a pro rata de dedução de 19%, isto é, o IVA dedutível contido nos bens comuns praticamente duplicou com a aplicação do pro rata, sinal indubitável de distorção significativa na tributação.

E não se diga que o pro rata (geral) de dedução gera uma percentagem mais rigorosa, (mais aproximada da real/efectiva utilização dos bens comuns) que a percentagem de dedução específica (fixada pela AT como solução de recurso), para os efeitos da dedução do IVA contido nos inputs mistos ou comuns.

Porque a percentagem de dedução fixada pela AT (como percentual alternativo à falta daquele que devia ter sido calculado pela Requerente, e o não fez, alegando não lhe ser possível apurá-lo através de critérios objectivos), é claramente menos distante da real/efectiva utilização dos bens comuns, que o pro rata de dedução obtido através de uma fracção que contem variáveis não compatíveis, não comparáveis, como os juros, comissões e serviços (que são rendimentos) e as amortizações dos créditos (que são pagamento da dívida), o que dá origem a um percentual desprovido de racional e que, por isso, não proporciona um indicador da utilização dos bens comuns afectos às operações sujeitas a IVA.

 

Para que ao Tribunal não restem dúvidas que, tal diferença não poderá estar justificada no facto de o pro rata de deduçãoser um percentual mais capaz do que a percentagem de dedução específica, entendemos construir exemplos que provem, sem que reste a menor dúvida, que os sujeitos passivos mistos, como é o caso da Requerente, não podem apurar o IVA dedutível suportado com a aquisição de bens e serviços consumidos indistintamente/conjuntamente na realização de operações sujeitas e de operações isentas, porque tal método, na actividade desenvolvida pela Requerente, pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas (que mistura juros, comissões, despesas e serviços, com a amortização da dívida financiada), pode conduzir a “distorções significativas na tributação”.

Apresenta-se abaixo, os dados comparados de três Bancos, com crédito concedido, rendimentos obtidos, gastos suportados e resultados obtidos iguais. A única diferente entre as três hipóteses colocadas, reside no montante de crédito concedido através da locação financeira de viaturas.

O Banco “A” concedeu crédito automóvel, através de contratos de mútuo (tradicional), no montante de €2.000.000.000,00, o “Banco B” concedeu crédito automóvel, através de contratos de locação financeira, no montante de €2.000.000.000,00, e o “Banco C” concedeu crédito automóvel, através de contratos de locação financeira, no montante de €4.000.000.000,00

Todas as restantes variáveis são iguais. Faz-se notar que, para que as simulações sejam comparáveis, os juros que foram obtidos através dos contratos de leasing, deixaram de ser obtidos como juros de empréstimos tradicionais, sendo os respectivos valores ajustados.

São os seguintes os pressupostos do exercício que se pretende fazer:

1.     Todos os Bancos concederam crédito global no montante de €20.000.000.000,00;

2.     Todos os Bancos obtiveram rendimentos que ascenderam a €1.000.000.000,00;

3.     Todos os Bancos cobraram aos seus clientes diversos tipos de comissões e prestaram diversos tipos de serviços, tendo os respectivos rendimentos atingidos no ano o montante de €100.000.000,00, metade dos quais foi sujeita a IVA.

4.     Todos os Bancos suportaram “juros e custos similares” no montante de €300.000.000,00 e “custos com o pessoal” também no montante de €300.000.000,00.

5.     Todos os Bancos suportaram gastos gerais e administrativos no montante de €300.000.000,00, 80% dos quais foram sujeitos a IVA.

6.     O “Banco A” concedeu crédito automóvel no montante de €2.000.000.000,00 através de diversos empréstimos (contratos de mútuo), tendo com esses empréstimos obtido rendimentos no montante de €100.000.000,00 (cem mil euros), não havendo IVA liquidado nem IVA a deduzir por estas operações estarem isentas desse imposto.

7.     O “Banco B” celebrou contratos de leasing no montante de €2.000.000.000,00, tendo cobrado de juros e encargos aos seus clientes o montante de €100.000.000,00, valor igual ao do “Banco A”;

8.     O “Banco C” celebrou contratos de leasing no montante de €4.000.000.000,00, tendo cobrado de juros e encargos aos seus clientes o montante de €200.000.000,00, valor igual ao dobro “Banco B”;

Os cálculos auxiliares apresentados pretendem mostrar todos os valores envolvidos no processo de cálculo, para eventual verificação e conferência.

Dos pressupostos e cálculos apresentados pode constatar-se o seguinte:

1.     A percentagem de dedução especial (coeficiente de imputação específico) evolui de forma proporcional em relação aos rendimentos (efectivos, desconsiderando os valores de amotrtização das dívidas) sujeitos a IVA obtidos por cada Banco. Sendo 5% para o “Banco A”; 15% para o “Banco B” e 25% para o “Banco C”.

2.     O IVA dedutível apurado por afectação real (pela utilização coeficiente de imputação específico) apresenta valores que são proporcionais às operações sujeitas a IVA; o valor do IVA devido (a entregar ao Estado) também é proporcional às operações sujeitas.

3.     O pro rata de dedução, tendo por base as mesmas operações e os mesmo valores, mudando apenas as variáveis constantes do numerador e do denominador das respectivas fracções, que incluem os valores de amortização do crédito concedido, os pro rata apresentados são 5% para o “Banco A”; 72% para o “Banco B” e 85% para o “Banco C”.

4.     Apresentado o pro rata de dedução percentagens tão díspares, o IVA dedutível apurado pela aplicação do pro rata tem os seguintes valores: €2.760.000,00 para o “Banco A”; €39.560.000,00 para o “Banco B” e €46.920.000,00 para o “Banco C”.

5.     E essas disparidades, resultantes da falta de coerência das variáveis utilizadas no cálculo do pro rata, resultaram que fosse apurado IVA devido (IVA a entregar ao Estado) no valor de €8.740.000,00 para o “Banco A”; IVA devido negativo (IVA a receber do Estado) no valor de -€5.060.000,00 para o “Banco B”, e de novo IVA devido (IVA a entregar ao Estado) no valor de €10.580.000,00 para o “Banco C”.

Assim se demonstrando que, no caso de instituições financeiras que, em simultâneo, realizem empréstimos bancários e celebrem contratos de leasing, o IVA dedutível referente a gastos comuns às duas actividades não pode ser calculado pela utilização do pro rata de dedução por esse rácio introduzir no processo de cálculo distorções significativas na tributação em IVA.

Deve ainda chamar-se a atenção para o facto de, com os mesmos valores, tendo apenas liquidado IVA sobre €50.000.000,00 sobre serviços e comissões, o “Banco A” ter no total do ano apurado IVA a entregar ao Estado no montante de €8.740.000,00, enquanto que o “Banco B” liquidou IVA sobre €50.000.000,00 de serviços e comissões, mas também liquidou IVA sobre as operações de leasing, que em termos líquidos (obtido pela diferença entre o valor de aquisição e o somatório do valor das rendas), - o verdadeiro valor acrescentado - para os efeitos da simulação apresentada, se pode considerar serem montante de €100.000.000,00 (correspondente aos juros e encargos incluídos nas rendas), ao invés de apurar um montante de IVA a favor do Estado muito superior  ao montante apurado pelo “Banco A”, apurou o montante de IVA a receber do Estado no valor de €5.060.000,00. Ou seja, o “Banco B” não entregou ao Estado qualquer valor de IVA liquidado sobre as comissões (IVA devido no montante de €8.740.000,00) nem sobre os juros e encargos, e ainda recebeu IVA do Estado no valor de €5.060.000,00.

E insista-se, com a distorção na tributação provocada pela utilização do pro rata no exemplo (como a Requerente quer ver utilizado no caso): o Estado, para além de não ter recebido qualquer valor respeitante ao IVA que incidiu sobre os serviços e comissões e também de não receber qualquer IVA liquidado nas operações de leasing sobre os juros e encargos, ainda se vê obrigado e reembolsar IVA ao contribuinte no valor de €5.060.000,00.

E tal solução não é susceptível de ser defendida por ninguém, muito menos por quem tem o dever de fazer justiça.

Se compararmos apenas os dados do “Banco A” com os do “Banco B”, para o mesmo volume de negócios: serviços e comissões sujeitas a IVA no montante de €50.000.000,00; serviços e comissões isentas de IVA no montante de €50.000.000,00; financiamento automóvel no montante de €2.000.000.000,00, que geraram €100.000.000,00 de rendimentos totais, residindo a única diferença entre eles no facto de no “Banco A” o financiamento automóvel ter sido concretizado através de mútuos e no “Banco B” o financiamento automóvel ter sido concretizado através de leasing, o “Banco B”, pelo facto de os juros e encargos debitados serem sujeitos a tributação em IVA, tal Banco deveria apurar um montante de IVA devido ao Estado superior ao montante apurado pelo “Banco A”.

Mas como se constata no caso apresentado, tal não acontece, antes pelo contrário.

Tudo isto porque, como é obvio e era esperado, o pro rata, quando utilizado por entidades que, simultaneamente, praticam operações de financiamento e operações de leasing, pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, sendo susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados.

Foi o que se tentou demonstrar com o caso apresentado, que, na nossa modesta opinião, não deixa qualquer margem para dúvidas.

 

Concluindo,

Porque o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, quando se está perante sujeitos passivos, como a Requerente, que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis utilizadas no seu cálculo, levando a que o percentual obtido não tenha qualquer racional e que, por isso, não seja representativo do grau de utilização dos bens e serviços comuns consumidos na realização das operações sujeitas, não sendo, assim, um indicador seguro que permita apurar o IVA dedutível referente a esses bens e serviços comuns, podendo conduzir a “distorções significativas na tributação”, a Administração Tributária pode obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações, através da afetação real de todos ou parte dos bens e serviços comunscom base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens.

Sendo claro que a AT, apenas utiliza os poderes que lhe foram concedidos pelo legislador nos n.º 2 e n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, por ter concluído que o pro rata de dedução é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados, pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, e que por isso pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, sendo essa a razão da necessidade de a AT impor que a dedução do IVA contido na aquisição de bens e serviços de utilização mista não seja feita pela aplicação do “pro rata” de dedução, mas que seja apurado pela afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

No caso de o sujeito passivo alegar que não lhe é possível apurar o IVA dedutível correspondente aos inputs comuns pela afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços de modo a determinar o IVA a deduzir respectivo, como fez a Requerente, a AT fixou “condições especiais” , nos termos do nº 3 e segunda parte do nº 2 do artigo 23º do CIVA, impondo a utilização de um coeficiente de imputação específico, de cuja fórmula de cálculo são retiradas as parcelas das rendas de locação financeira correspondentes à amortização do crédito concedido, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir.

Coeficiente de imputação específico esse que, no âmbito da afectação real, conforme imposição da AT, deverá ser utilizado sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, sendo esta imposição de condições especiais determinada pela AT a coberto da segunda parte do nº 2 e da alínea b) do nº 3 do artigo 23.º do CIVA.

No seguimento da exposição dos factos e da lei acima apresentados, com o devido respeito, deveria o Tribunal julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado e, em consequência manter a autoliquidação de IVA referente ao período de Dezembro de 2017.

E sendo a fundamentação do Tribunal diversa e a decisão contrária à que, em nosso entender, melhor faria justiça, entendemos fazer a presente declaração de voto de vencido.

 

Henrique Fiúza

(Economista)

 

 



[1] Cfr. Ac. do STA de 15-11-2017, proferido no processo 0485/17, disponível em www.dgsi.pt, tal como toda a restante jurisprudência não arbitral citada sem menção de proveniência.

[3] Sublinhado nosso.

[4] Idem

[5] Idem

[6] Idem

[7] Sublinhado nosso.

[8] Cfr., p. ex., o Ac. do STA de 21-06-2017, proferido no processo 0364/14, onde se pode ler que “As orientações administrativas veiculadas sob a forma de circular da Administração Tributária, não se impondo ao juiz senão pelo valor doutrinário que porventura possuam e carecendo de força vinculativa heterónoma para os particulares, não constituem normas que possam ser objecto de declaração de inconstitucionalidade formal.” (sublinhado nosso).

[9] Citando José Guilherme Xavier de Basto e Maria Odete Oliveira.

[10] Razão, provavelmente pela qual, na declaração de voto do processo arbitral 383/2019T do CAAD, se conclui, após extenso estudo e argumentação que o método preconizado pelo ofício circulado 30108 seria, afinal, um método do pro-rata com elementos de afectação directa...

[11] Proferido no processo n.º 0101/19.1BALSB

[12] “Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”” (sublinhado nosso).

[13] Neste sentido, o parágrafo 35 do Acórdão Banco Mais o TJUE determina que “Face a todas as considerações que antecedem, há que responder à questão submetida que o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‑Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.” [sublinhado nosso]

 

[14] Sublinhado nosso.