Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 271/2020-T
Data da decisão: 2021-11-08  IVA  
Valor do pedido: € 540.739,63
Tema: IVA – Exercício do direito à dedução.
Versão em PDF

SUMÁRIO:

I.             O direito à dedução deve ser exercido na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação, sem prejuízo dos casos especialmente previsto na Lei, em que seja permitido exercer tal direito em declaração de período subsequente.

II.            O n.º 2 do artº. 92.º do CIVA, ao estabelecer que o direito à dedução só poderá ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, não tem o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento dentro desse período para efetuar a dedução, mas sim de fixar um limite máximo que não pode ser excedido, mesmo nos casos em que a dedução pode efetuar-se em momentos diferentes dos indicados no art.º 22.º.

III.          Entendendo o sujeito passivo que determinada declaração de imposto enferma de erro de direito, deverá apresentar declaração de substituição, ou impugnar, graciosa ou contenciosamente a mesma.

 

DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 19 de Maio de 2020, A..., S.A., NIPC ..., com sede na ..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos seguintes atos:

i.             Liquidação adicional de IVA n.º 2019..., relativa ao período de 201610M, e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2020..., em sede da qual foi apurado imposto a pagar no montante de € 164.438,21;

ii.            Liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., relativa ao período de 201610M, a qual reflete o montante a pagar de € 19.984,87 e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2020...;

iii.           Liquidação adicional de IVA n.º 2019..., relativa ao período de 201612M, e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2020..., em sede da qual foi apurado imposto a pagar no montante de € 319.847,26;

iv.           Liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., relativa ao período de 201612M, a qual reflete o montante a pagar de € 36.769,29 e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2020... .

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:

i.             estando em causa a retificação de um erro de direito refletido nas declarações periódicas de IVA de Outubro de 2014 a Dezembro de 2015, a posição sustentada pela Autoridade Tributária carece de fundamento legal, sendo a regularização de imposto operada pela Requerente nas declarações periódicas de IVA de Outubro e Dezembro de 2016 tempestiva e, por conseguinte, admissível à luz do CIVA;

ii.            No presente caso, a Requerente agiu sem culpa porquanto a sua interpretação das normas em questão é legítima, plausível e de boa-fé, não existindo uma sua atuação dolosa ou negligente, mas uma divergência interpretativa em relação à Autoridade Tributária, como resulta do próprio relatório de inspeção, pelo que o elemento subjetivo do direito ao pagamento de juros compensatórios deve ter-se por não preenchido, sob pena de aplicação do instituto da responsabilidade – enquanto fonte ressarcitória de danos causados pelo retardamento da entrega do imposto – sem que se verifiquem os respetivos pressupostos legais, designadamente a culpa do agente.

 

3.            No dia 20-05-2020, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 29-07-2020, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 28-08-2020.

 

7.            No dia 20-10-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelo Requerente, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respetivas posições jurídicas.

 

10.          Pela Requerida foi suscitada a questão da tempestividade das alegações apresentadas pelo Requerente.

 

11.          São de admitir as alegações apresentadas pelo Requerente, na medida em que:

(i)           à data da apresentação das alegações do Requerente não existia norma específica no RJAT que dispusesse sobre o modo de efetivação de notificações de atos judiciais, incluindo de despachos arbitrais (tal norma foi apenas introduzida pela Lei n.º 7/2021 de 26 de Fevereiro, que aditou o n.º 4 ao artigo 10.º do RJAT no sentido de presumir as notificações efetuadas através do sistema de gestão processual do CAAD como realizadas no 3.º dia posterior ao da sua elaboração, ou no 1.º dia útil seguinte quando este não o seja, com efeitos a partir de 27 de Fevereiro de 2021); são assim aplicáveis, no caso concreto, as normas de natureza processual subsidiárias, nos termos do disposto no artigo 29.º n.º 1 alínea a) do RJAT;

(ii)          Será, assim, aplicável o n.º 10 do art.º 39.ºdo CPPT, que dispõe que “As notificações efetuadas para o domicílio fiscal eletrónico consideram-se efetuadas no décimo quinto dia posterior ao registo de disponibilização daquelas, sendo que a contagem só se inicia no primeiro dia útil seguinte, no sistema de suporte ao serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital ou na caixa postal eletrónica da pessoa a notificar”:

(iii)         Resulta da consulta ao sistema de gestão processual do CAAD que a notificação do despacho arbitral de 23 de Outubro de 2020, que concedeu o prazo de 15 dias para a apresentação de alegações, foi disponibilizada a 26 de Outubro de 2020 ao Requerente, via o seu mandatário, pela caixa postal VIACTT, e à Requerida (na mesma data), via o seu representante, por comunicação eletrónica (e-mail) e que a apresentação das alegações pelo Requerente ocorreu a 24 de Novembro de 2020;

(iv)         Assim, nos termos do artigo 39.º n.º 10 do CPPT (redação da lei n.º 119/2019 de 18 de Dezembro), consideram-se tempestivas as alegações apresentadas pelo Requerente.

 

12.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

13.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            O Requerente é uma instituição financeira que exerce normal e habitualmente a atividade comercial prevista no artigo 4.º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.

2-            Em sede de IVA, o Requerente assume a natureza de sujeito passivo misto, realizando simultaneamente: (i) operações que conferem o direito à dedução (sujeitas a imposto ou dele isentas com direito à dedução) e (ii) operações que não conferem tal direito (isentas sem direito à dedução).

3-            Na área de negócio relativa aos terminais de pagamento automático (“TPA”), o Requerente utilizou uma metodologia de dedução que posteriormente considerou ser incorreta, porquanto desconsiderava a existência de uma ligação direta e imediata entre os encargos suportados e os serviços prestados nessa área de negócio.

4-            Entre Outubro de 2014 e Dezembro de 2015, o Requerente disponibilizava TPA em pontos de venda designados pelos seus clientes, possibilitando o pagamento automático das transações realizadas nesses locais.

5-            Como contrapartida pela disponibilização dos TPA e no âmbito da sua atividade, o Requerente cobrava aos seus clientes uma tarifa mensal designada de “comissão de gestão” – acordada pelas partes em contratos de adesão ao Serviço Pagamento Automático – sobre a qual liquidava IVA.

6-            O Requerente repercutia na generalidade dos seus clientes os custos diretos suportados com a utilização dos TPA – designadamente, comunicações, ligações e manutenções – conexionados com os recursos disponibilizados aos clientes, também liquidando IVA sobre os mesmos.

7-            Nessa área de negócio, todas operações faturadas aos clientes estão sujeitas a IVA à taxa normal, não lhes sendo aplicável qualquer isenção.

8-            Por razões comerciais, o Requerente optou por disponibilizar TPA a alguns clientes de forma não onerosa, pelo que o IVA incorrido afeto a essas disponibilizações não pôde ser deduzido na totalidade.

9-            O Requerente apurou os seguintes montantes de imposto a deduzir:

 

 

 

10-         Tendo em vista o reconhecimento do direito à dedução daqueles montantes, o Requerente inscreveu no campo 40 (“regularizações a favor do sujeito passivo”) das declarações periódicas de IVA de Outubro e Dezembro de 2016 – apresentadas em 10 Dezembro de 2016 e 10 de Fevereiro de 2017, respetivamente – as importâncias de € 164.438,21 e € 319.847,26, tendo em vista corrigir o erro que considerou ter cometido nas declarações periódicas de IVA de Outubro de 2014 a Dezembro de 2015.

11-         A coberto da Ordem de Serviço n.º OI20170..., o Requerente foi alvo de uma ação de inspeção tributária, de natureza externa, realizada pela Divisão de Inspeção a Bancos e Outras Instituições Financeiras da Unidade dos Grandes Contribuintes.

12-         No âmbito de tal ação de inspeção, através do Ofício n.º..., de 27 de Dezembro de 2019, o Requerente foi notificado do relatório de inspeção, em sede do qual a Autoridade Tributária concluiu pela existência de IVA em falta no montante global de € 484.285,47), por dedução indevida de IVA nas operações de TPA.

13-         Do Relatório de Inspeção consta, para além do mais, o seguinte:

i.             “[Q]uer seja feita a opção pelo método da afetação real ou, em alternativa, pelo método da percentagem de dedução, para cálculo do IVA relativo às aquisições de bens e serviços utilizados em ambas as atividades, os sujeitos passivos utilizam, durante cada ano, uma dedução (afetação real) ou percentagem de dedução provisória (pro rata), correspondente à percentagem apurada para as operações realizadas no ano anterior, procedendo, no final do ano, ao apuramento do valor definitivo, tendo por base os valores efetivos referentes ao ano em causa. Destarte, as regularizações, a favor do sujeito passivo ou do Estado, que se mostrem devidas devem ser incluídas na declaração do último período do ano a que respeita. Parece assim evidente que quaisquer correções na dedução ou no cálculo da percentagem de dedução provisória), devem ser a priori efetuadas no final desse ano, tendo por base os valores definitivos das operações efetuadas pelo sujeito passivo nesse ano. (...) Resulta assim, que o art.º 23.º do Código do IVA não prevê a possibilidade de um sujeito passivo que, no momento em que se constitui o direito à dedução do IVA, tenha optado por um método de cálculo do direito à dedução do imposto suportado em bens e serviços de utilização mista possa alterar retroativamente o método utilizado, recalculando a dedução inicial feita.”;

ii.            “[o] n.º 6 do art.º 78.º do Código do IVA estabelece que a correção de erros materiais ou de cálculo no registo ou nas declarações periódicas é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, podendo ser efetuada no prazo de dois anos, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado. (...) Desde logo, numa perspetiva sistemática, pode-se afirmar que os “erros materiais ou de cálculo” referenciados neste preceito não se podem reconduzir a nenhuma das situações que podem originar regularizações de imposto previstas nos demais números do mesmo preceito. Consequentemente, não estarão em causa no n.º 6 do art.º 78.º do Código do IVA, erros de determinação do valor tributável, erros cometidos nas faturas ou omissão de liquidação de imposto em situações de inversão do sujeito passivo. Da mesma forma, entende-se não poderem subsumir neste preceito as correções ou regularizações de imposto que são reguladas por normas específicas da legislação do IVA, tais como o cálculo e regularizações do pro rata ou da dedução segundo a afetação real com base em critérios objetivos previstos no art.º 23.º e as regularizações relativas aos bens de investimento, a que se referem os artigos 24.º e 26.º do Código do IVA. Finalmente, decorre da formulação do n.º 6 do art.º 78.º do Código do IVA não estarem aí contemplados erros de direito cometidos nos registos ou nas declarações, como sejam, por exemplo, erros na qualificação de operação realizada. Entende-se, assim, que a expressão “erros materiais ou de cálculo nos registos ou nas declarações periódicas” se reporta, primeiramente, a erros de transposição dos dados dos documentos de suporte para a contabilidade ou desta para a declarações periódica ou erros aritméticos cometidos na contabilidade ou nas declarações. (...) [N]o quadro legal em vigor não é possível proceder a alterações retroativas do método de cálculo do direito à dedução inicial dos bens e serviços de utilização comum em atividades isentas e tributadas, nem proceder a correções ao cálculo da percentagem de dedução definitiva ou correções ao cálculo da dedução definitiva efetuada com base em critérios objetivos (método da afetação real) apurada em determinado ano com fundamento no art.º 78.º do Código do IVA, porquanto tais correções não se subsumem nas disposições dele constantes”;

iii.           “(...) do n.º 2 do art.º 98.º do CIVA (...) facilmente se constata que o que se encontra em causa nesta norma é, pois, o exercício pela “primeira vez” do direito à dedução do imposto suportado e não regularizações de imposto. (...) A diferença é que a regularização de imposto consiste na retificação/correção do imposto considerado em declaração periódica anterior, ou seja, o que está em causa é a alteração de um ato anterior do sujeito passivo. (...) Ou seja, o critério diferenciador das situações de dedução e de regularização é a circunstância do direito que se pretende exercer ser relativo a documento ainda não registado (no caso do direito à dedução) ou a documento já registado (direito à regularização). Conclui-se assim que o art.º 98.º do Código do IVA não acolhe a pretensão do sujeito passivo, uma vez que esta norma interna encontra-se amparada no art.º 180.º da Diretiva IVA, impondo, o seu n.º 2, um prazo máximo para exercer o direito à dedução que ainda não se efetivou, o que permite acautelar situações excecionais, que poderiam impedir a dedução de imposto nos termos dos artigos 22.º e 23.º do Código do IVA.”.

14-         A Autoridade Tributária reverteu a regularização de imposto, no montante de € 484.285,47, efetuada pelo Requerente nas declarações de imposto dos períodos de 201610M e 201612M.

15-         Em consequência da aludida correção, o Requerente foi notificado dos atos tributários objeto da presente ação arbitral, tendo procedido ao seu pagamento voluntário.

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , o “relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

A questão em causa nos presentes autos de processo arbitral tributário, prende-se com verificar se ao Requerente era legítimo, nas declarações periódicas de Outubro e Dezembro de 2016, deduzir valores referentes a imposto (IVA), determinado por aplicação dos métodos pro rata e/ou afetação real, suportado em 2014 e 2015, que, por lapso, não teria deduzido nas declarações dos períodos correspondentes.

               

Efetivamente, o próprio Requerente reconhece expressamente, e está provado que “Tendo em vista o reconhecimento do direito à dedução de tais montantes e estando em tempo, a Requerente inscreveu no campo 40 (“regularizações a favor do sujeito passivo”) das declarações periódicas de IVA de outubro e dezembro de 2016 – apresentadas em 10 dezembro de 2016 e 10 de fevereiro de 2017, respetivamente – as importâncias de EUR 164.438,21 e EUR 319.847,26 tendo em vista corrigir o erro que considerou ter cometido nas declarações periódicas de IVA de Outubro de 2014 a Dezembro de 2015”.

               

Questão semelhante foi já abordada no âmbito dos processos arbitrais n.º 185/2014T, 549/2016T e 278/2018T do CAAD , tendo a decisão daquele processo 549/2016T sido objeto de recurso por oposição de acórdãos para o STA, que no seu acórdão de 20-12-2017, proferido no processo 0366/17, manteve a decisão arbitral em causa.

 

A este propósito, dispõe o artigo 22.º do CIVA aplicável que:

“1 - O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efetuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.

2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efectuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação.

3 — Se a recepção dos documentos referidos no número anterior tiver lugar em período de declaração diferente do da respectiva emissão, pode a dedução efectuar-se, se ainda for possível, no período de declaração em que aquela emissão teve lugar.

Sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes.

5 — Se, passados 12 meses relativos ao período em que se iniciou o excesso, persistir crédito a favor do sujeito passivo superior a € 250, este pode solicitar o seu reembolso.”.

               

Com relevo ainda para o presente caso, dispõe o n.º 6 do art.º 23.º do CIVA, aplicado pela AT, que:

“A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efetuada nos termos do n.º 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objetivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afetação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efetuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.”.

 

*

 

                O n.º 2 do transcrito art.º 22.º do CIVA aplicável, refere que “a dedução deve ser efectuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação”.

               

A este propósito, refere o Ac. do STA 18-05-2011, proferido no processo 0966/10, que:

“I – Em regra, estabelecida no art. 22.º, n.º 1, do CIVA, a dedução de imposto deverá ser efectuada na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação, admitindo-se, no entanto, a possibilidade de correcções previstas no art. 71.º.

II – Assim, a dedução do imposto não pode ser efectuada em qualquer momento, à escolha do sujeito passivo, sendo o alcance útil das normas referidas que indicam os momentos adequados para a dedução precisamente o de excluir que esta se possa fazer em momentos diferentes, quando tal não esteja especialmente previsto.

III – O n.º 2 do art. 92.º do CIVA, ao estabelecer que o direito à dedução só poderá ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, não tem o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento dentro desse período para efectuar a dedução, mas sim de fixar um limite máximo que não pode ser excedido, mesmo nos casos em que a dedução pode efectuar-se em momentos diferentes dos indicados naquele art. 22.º.

IV – Para além do art. 71.º, n.º 6, do CIVA, não existe qualquer disposição legal que se possa interpretar como permitindo ao sujeito passivo o exercício do direito à dedução em momento posterior aos que resultam deste art. 22.º indicados, nos casos em que, por lapso efectuado na sua contabilidade, só detecte que tinha direito à dedução em momento posterior àquele em que o devia efectuar.”.

               

Mais se escreveu no Acórdão em referência que:

“O direito comunitário, que tem primazia sobre o direito interno desde que não sejam violados os princípios fundamentais do Estado de direito democrático (Como está, desde a revisão constitucional de 2004, expressamente estabelecido no n.º 4 art. 8.º da CRP e já anteriormente se entendia), aponta no sentido de ser correcta esta interpretação. (...)

Desta regulamentação, conclui-se que a dedução de imposto apenas pode efectuar-se fora dos momentos considerados adequados em condições que forem fixadas, o que afasta a viabilidade de uma tese que se reconduza à atribuição ao sujeito passivo do direito de fazer a dedução quando entender, dentro do prazo máximo legalmente admissível.”.

 

                Isto é, em regra a dedução do imposto deve ser efetuada, em conformidade com o previsto no artigo 22.º do CIVA, na “declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas”.

               

A exceção, será a de que poderá ser efetuada a dedução em declaração “de período posterior àquele”, quando, como indica o acórdão do STA acima referido, tal esteja especialmente previsto, que é o que acontece nos casos previstos no n.º 6 do art.º 23.º, em que a dedução deve ser efetuada na “declaração do último período do ano a que respeita.”.

               

De facto, a norma do n.º 2 do artigo 22.º em causa, ainda na sua presente redação, apenas faz sentido existir, como, justamente, proscrevendo a existência de uma discricionariedade do sujeito passivo na escolha do período para proceder à dedução. A não ser assim, a norma em questão perderia qualquer efeito útil, já que se limitaria a afastar a dedutibilidade do imposto suportado em período anterior à respetiva incidência, o que não faria qualquer sentido.

               

Assim, e deste modo, tendo presente o critério hermenêutico do legislador razoável, a interpretação a fazer da norma do artigo 22.º/2 do CIVA deverá ser no sentido de impor a dedução do imposto suportado na declaração do período em que se tiver verificado a receção das faturas ou de recibo de pagamento, licenciando apenas a dedução em período posterior, nas circunstâncias em que o próprio artigo o prevê especificadamente, designadamente nos números 4 e 5, ou seja, no caso de o montante de imposto a deduzir ser superior ao montante de imposto a pagar, ou noutros especialmente previstos, como seja o caso do art.º 23.º, n.º 6, do CIVA.

               

Ou seja, e em suma, a expressão “de período posterior àquele” empregue no n.º 2 do artigo 22.º do CIVA, não tem por sentido permitir ao contribuinte a escolha do período em que quer deduzir o imposto suportado, mas, antes, de se referir a situações em que a própria lei permite/impõe que tal aconteça.

 

                Conclui-se, assim, que a referência a “período posterior” efetuada no n.º 2 do artigo 22.º do CIVA se reporta às situações em que, especialmente, se admite a possibilidade da dedução de imposto em período posterior (como é o caso do art.º 23.º, n.º 6, do CIVA, que permite a dedução do imposto na última declaração do ano a que respeite), sendo esta a única interpretação conforme ao disposto no artigo 179.º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (Diretiva IVA), que dispõe que: “O sujeito passivo efectua a dedução subtraindo do montante total do imposto devido relativamente ao período de tributação o montante do IVA em relação ao qual, durante o mesmo período, surgiu e é exercido o direito à dedução por força do disposto no artigo 178.º.” (sublinhado nosso).

               

Pelo que, em suma, a regra é a de que, ressalvadas as exceções especialmente previstas, e nos termos destas, a dedução do IVA tem de ser feita na declaração periódica correspondente ao período em que o IVA a deduzir foi suportado, e não, livremente, em qualquer outra declaração periódica subsequente, já que tal é a forma adequada a assegurar que o IVA é deduzido no mesmo período em que é suportado.

               

O caso previsto no art.º 23.º, n.º 6 do CIVA, integrará uma dessas exceções especialmente previstas, sendo que, nas palavras do Requerente “O que está em causa em tal norma é a correção no final do ano da percentagem de pro rata de dedução apurado provisoriamente com base nas operações do ano transato, a qual deve ser efetuada na declaração do último período do ano de acordo com os valores definitivos desse mesmo ano”.

 

                Ou seja, nestes casos, de aplicação dos métodos pro rata e/ou afetação real, as regularizações a efetuar deverão operar-se na última declaração do ano a que disserem respeito, e não, tal como ocorre igualmente com o momento fixado no art.º 22.º, nº 2, do CIVA, em declaração posterior, não havendo, também nesses casos a que se refere aquele art.º 23., n.º 6, do CIVA, qualquer razão, pelo contrário, para, ao arrepio da referida jurisprudência do STA, reconhecer a existência de uma discricionariedade do sujeito passivo na escolha do período para proceder às regularizações em causa.

 

A norma do art.º 23.º, n.º 6, do CIVA fixa, assim, e para além do mais, o período da declaração em que a dedução, nesses casos de regularização, é feita constar, que é a declaração do último período do ano a que respeite.

               

Coisa distinta – e não incompatível – com tal disposição, é o prazo do exercício do direito à dedução, que corresponde ao período de tempo durante o qual é permitido ao sujeito passivo fazer valer o direito à dedução que lhe caiba, em determinado período.

 

Assim, o artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, invocado pelo Requerente, estabelece um limite máximo de quatro anos quanto ao exercício do direito à dedução, que não prejudica, nem é incompatível com a imposição nacional e comunitária, devidamente reconhecida pelo STA, de que tal exercício seja efetuado na declaração do período de imposto resultante das normas legais que regem tal matéria.

 

Para se valer do prazo de quatro anos previsto no aludido normativo, o sujeito passivo deve, dentro de tal prazo, apresentar uma declaração de substituição ou um pedido de revisão oficiosa, tendo como objeto a declaração de imposto do respetivo período. Não o tendo feito, não se socorrendo das vias previstas para o efeito, não o poderia ter feito nas declarações periódicas de imposto como se de uma situação normal de liquidação e dedução do IVA no correspondente período de imposto se tratasse. Com efeito, as declarações de substituição destinam-se precisamente a substituir a declaração correspondente do período de imposto em que se detetou, nomeadamente, erro de facto ou de direito, podendo, igualmente, o contribuinte socorrer-se do pedido de revisão do ato tributário. Assim sendo e porque o sujeito passivo não se socorreu dos procedimentos adequados para o efeito, não procede no caso concreto a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, nos termos pretendidos pelo Requerente.

 

                É, assim, insuscetível de sustentar a posição do Requerente nesta matéria, quer o decidido no processo arbitral 117/2013T do CAAD , invocado pelo Requerente, quer a jurisprudência arbitral  e do STA  que, entretanto, emergiu nesse sentido, já que aí as deduções que os sujeitos passivos pretenderam exercer, e lhe foram reconhecidas, foram relevadas nas declarações dos períodos correspondentes, conforme prescrito pelo artigo 22.º, n.º 2 do CIVA, tendo sido apresentadas declarações de substituição ou pedidos de revisão oficiosa dos atos tributários.

 

                O regime em questão não é, por isso, incompatível com o entendimento de que o exercício do direito à dedução do IVA é um direito fundamental que assegura a neutralidade do IVA, só devendo ser restringido em situações excecionais.

                 

Com efeito, tal como o Tribunal de Justiça da União Europeia tem vindo sucessivamente a salientar, e conforme resulta da redação dos artigos 167.° e 179.°/1, da Diretiva IVA, o direito à dedução é exercido, em princípio, durante o mesmo período em que se constituiu, ou seja, no momento em que o imposto se torna exigível. Contudo, nos termos do disposto nos respetivos artigos 180.° e 182.°, o sujeito passivo pode ser autorizado a proceder à dedução do IVA, mesmo que não tenha exercido o seu direito durante o período em que esse direito se constituiu, sem prejuízo da observância de determinadas condições e regras fixadas pelas regulamentações nacionais (v., neste sentido, Acórdão de  8 de Maio de 2008, Proc. C-95/07, Caso Ecotrade, Colect., p. I 03457, n.os 42 e 43).

 

                Isto é, os sujeitos passivos podem, em situações que o justifiquem, ser autorizados a proceder à dedução, mesmo que não tenham exercido o seu direito durante o período em que esse direito surgiu. Contudo, nesse caso, o seu direito à dedução fica dependente de determinadas condições e modalidades fixadas pelos Estados membros.       

 

Neste contexto, o TJUE tem vindo a notar que a possibilidade de exercer o direito à dedução sem limites temporais contraria o princípio da segurança jurídica, que exige que a situação fiscal do sujeito passivo, atentos os seus direitos e obrigações face à Administração Fiscal, não seja indefinidamente suscetível de ser colocada em causa, pelo que não colhe a tese segundo a qual o direito à dedução, tal como o direito à liquidação, não pode ser associado a um prazo de caducidade. A este propósito, o TJUE invoca os princípios da eficácia e da equivalência.

 

No tocante ao primeiro, nota que o prazo de caducidade previsto não pode, por si só, tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito à dedução, quanto ao segundo, tem vindo a analisar se nas situações submetidas à sua apreciação há uma equivalência entre o prazo de caducidade concedido aos sujeitos passivos e o prazo concedido à Administração Fiscal para proceder a correções, tendo concluído, inclusive que, este princípio não é contrariado pelo facto de, em conformidade com a regulamentação nacional, a Administração Fiscal dispor, para exigir a cobrança do IVA devido, de um prazo mais longo do que aquele que é concedido aos sujeitos passivos para solicitarem a sua dedução (cfr., Caso Ecotrade, já cit., n.ºs 43 a 49).

 

Como nota, embora os Estados-membros tenham a faculdade de adotar, ao abrigo do disposto no artigo 273.º da Diretiva IVA, medidas para assegurar a cobrança exata do imposto e evitar a fraude, estas não devem, contudo, ir além do que é necessário para atingir tais objetivos (princípio da proporcionalidade) e não devem pôr em causa a neutralidade do IVA (veja-se, nomeadamente, Acórdão de 21 de Outubro de 2010, Caso Nidera, Proc. C 385/09, Colet., p. I 10385, n.º 49). Ora, nem o princípio da proporcionalidade nem o princípio da neutralidade são postos em causa com tal solução.

 

                Com efeito, é este o contexto em que, na legislação nacional, se permite que, nomeadamente, ocorrendo um erro material ou de cálculo, que tenha ocorrido em prejuízo do sujeito passivo, o mesmo possa ser corrigido no prazo fixado no artigo 78.º, n.º 6, do CIVA.

 

                Outro tipo de erros, como se apontou já, poderão ser corrigidos mediante a apresentação de declaração de substituição , caso tal ainda seja, nos termos legais, possível, ou, não o sendo, mediante pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º da LGT, desde que verificados, igualmente, os correspondentes pressupostos, sendo esse o sentido do artigo 98.º, n.º 2 do CIVA, ao prescrever que “o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente”, conforme a respetiva epígrafe (“Revisão oficiosa e prazo do exercício do direito à dedução”) e enquadramento sistemático (Capítulo relativo às “Garantias dos sujeitos passivos”, após a norma relativa a “Recurso hierárquico, reclamação e impugnação” e a preceder a norma relativa à “Anulação da liquidação”) evidenciam.

 

                Para além destes casos, também são atendíveis factos supervenientes, nos termos regulados pelo n.º 2 do artigo 78.º do CIVA. Cumpre, contudo, ter bem presente que uma coisa será um erro (um desfasamento entre a realidade representada na declaração periódica e a realidade – erro de facto – ou o direito) e outra coisa é a ocorrência superveniente de um facto (uma alteração na realidade), que acarreta uma alteração no imposto a suportar ou deduzir.

 

                No presente caso, manifesta e confessadamente, o que ocorreu foi, não a superveniência de qualquer facto, mas, antes, um erro – não material ou de cálculo – mas de direito, que se terá traduzido na qualificação como não dedutível de imposto que, a posteriori, o Requerente se terá vindo a aperceber que, afinal, o seria.

                Assim, e como é bom de ver, entre a apresentação das declarações periódicas correspondentes ao momento em que o imposto, entretanto entendido como dedutível, foi suportado, e a apresentação das declarações periódicas onde aquele mesmo imposto foi deduzido, não ocorreu qualquer alteração na realidade (muito menos alguma das descritas no n.º 2 do artigo 78.º do CIVA). O que ocorreu foi que o Requerente se consciencializou, entretanto, que o enquadramento jurídico que fez do imposto por si incorrido – no que à sua dedutibilidade diz respeito – não teria sido o correto, ou seja, que havia incorrido em erro.

 

                Deste modo, não será o erro em causa corrigível nos termos do n.º 2 do artigo 78.º do CIVA, desde logo porquanto tal norma não se destina à correção de erros, assim, como não será corrigível nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, uma vez que não se trata de erro de cálculo (não se traduz na incorreta articulação de parcelas integrantes de operações aritméticas), nem de um erro material (uma divergência entre o que foi escrito e o que, manifestamente, se queria ter escrito no momento em que se escreveu).

 

                O erro em causa – um erro de direito – conforme tem sido reconhecido já há alguns anos pela jurisprudência quer arbitral, quer dos tribunais tributários estaduais, será corrigível nos termos do art.º 98.º, n.º 2, do CIVA, mediante entrega de declaração de substituição ou pedido de revisão do ato tributário, observando-se o prazo de 4 anos nele previsto e não através da dedução do imposto em declarações periódicas referentes a períodos subsequentes, ainda que entregues dentro deste prazo.

 

                Isto é, a correção da situação, face a todo o acima exposto, sempre teria de ocorrer por referência à declaração periódica em que o imposto a deduzir deve constar, se, e nas condições em que legalmente a alteração desta – por iniciativa do contribuinte ou, oficiosamente, pela AT, ainda que a pedido daquele – se possa dar, ou seja, mediante a entrega das correspondentes declarações de substituição ou a apresentação de pedido de revisão oficiosa.

 

De resto, isto mesmo é indicado no RIT, ao referir-se (cfr. p. 145) que “discordando da liquidação de IVA e passado o prazo previsto no n.º 6 do art.º 23.º do Código do IVA, podia o sujeito passivo (...) reclamar dessa liquidação ou impugná-la judicialmente”.

 

                O regime legal em causa, assim interpretado, não comportará, portanto, qualquer ofensa aos princípio da neutralidade do IVA, como pretende o Requerente, antes pelo contrário, já que é do próprio princípio da neutralidade que decorre a imposição de que o IVA suportado se deduza, por regra, no período em que foi suportado (sendo expresso, nesse sentido o citado artigo 179.º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006), e excecionalmente, nos períodos para esses casos especialmente previstos, sem que em caso algum seja conferida uma discricionariedade ao sujeito passivo na escolha do período para proceder às regularizações em causa.

 

A possibilidade de, nos termos expostos (ou seja, no limite, mediante a apresentação de pedido de revisão do ato de (auto)liquidação de IVA do período em que deveria ter sido feita constar a dedução, por erro de facto ou de direito omitida), o contribuinte fazer valer o seu direito à dedução durante o prazo de 4 anos (previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT e no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA), não torna praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício de tal direito, nem coloca o contribuinte numa situação de desigualdade com outros contribuintes, ou com a AT, não se verificando assim, julga-se, qualquer violação dos princípios constitucionais da igualdade e/ou do primado do direito europeu (nomeadamente dos princípios da neutralidade fiscal, da efetividade, da equivalência e da proporcionalidade), ao contrário do pretendido pelo Requerente.

 

Considerando-se, então, que não é licito ao Requerente, nas declarações periódicas de Outubro e Dezembro de 2016, deduzir valores referentes a imposto (IVA) suportado em 2014 e 2015, que, por erro, não teria deduzido nas declarações dos períodos correspondentes, e que o artigo 98.º, n.º2, do CIVA se reporta, não a um prazo genérico de exercício do direito à dedução do IVA nas declarações periódicas de cada um dos períodos abrangidos no prazo de 4 anos ali previsto, mas ao exercício de tal direito por meio da apresentação de declaração de substituição ou de pedido de revisão oficiosa do ato tributário (a que se reporta o artigo 78.º da LGT) relativos ao período da declaração de imposto na qual a dedução, por erro, não tenha sido feita constar, deverá a presente ação arbitral ser julgada integralmente improcedente, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas pelo Requerente.

 

Não relevará, no caso, por não contender com a solução a dar ao mesmo, definir se as declarações a rever seriam as dos períodos de imposto indicados pelo Requerente (de Outubro de 2014 a Dezembro de 2015), ou as declarações finais dos anos em causa (2014 e 2015, como entendeu a AT), já que, de uma forma ou de outra, a conclusão seria a mesma a que chegou a AT, ou seja, a de que o Requerente não poderia deduzir nas declarações de imposto de Outubro e Dezembro de 2016, imposto, confessadamente, suportado em 2014 e 2015.

 

*

 

                A Requerente sugere, a final, a título subsidiário, um pedido de reenvio prejudicial

                Conforme resulta da fundamentação antes exposta, julga-se claro que a solução acima dada é compatível com o Direito Europeu e a jurisprudência do TJUE, não sendo mais, no fundo, que a aplicação da norma do artigo 179.º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006.

               

Assim, não se colocando qualquer dúvida a este Tribunal da conformidade da solução adotada com o direito comunitário, nos termos igualmente constantes da fundamentação antecedente, não se procede a qualquer reenvio prejudicial.

 

*

 

C. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Absolver a Requerida do pedido, mantendo-se os atos tributários objeto da presente ação arbitral;

b)           Condenar o Requerente nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 540.739,63, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 8.262,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelo Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 5 de Novembro de 2021

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Nuno Cunha Rodrigues)

 

O Árbitro Vogal

(Rui Miguel Zeferino Ferreira)