I – RELATÓRIO
1 –A, com domicílio na … com o NIF[1] …, apresentou em 24/03/2014 um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[2], sendo requerida a AT[3], com vista à apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação do IS[4], relativo a terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de ..., concelho ..., de que o requerente é proprietário, conforme notas de cobrança ...,... e ... no montante global de € 21 395,70.
2 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmo Senhor Presidente do CAAD[5] e automaticamente notificado à AT em 26/03/2014.
3 – Nos termos e para os efeitos do disposto no nº2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro Arlindo José Francisco, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente estipulado.
4 - O tribunal foi constituído em 28/05/2014 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
5 – Com o seu pedido, visa o requerente, a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos tributários de liquidação da verba 28 da TGIS[6] que incidiram sobre o valor patrimonial do identificado terreno para construção, conforme notas de cobrança já referidas.
6 - Invoca, para o efeito, em síntese, violação da lei por inexistência de prédio edificado, impossibilidade de afectação à habitação do terreno para construção, inconstitucionalidade material do regime jurídico instituído pela Lei 55-A/2012 e violação de vários princípios constitucionais.
7 - Visa ainda a final que lhe seja reconhecido o direito a uma indemnização no montante de € 2 439,60 por custos por si incorridos com a prestação de garantia, com vista a obviar o prosseguimento do processo de execução fiscal, com a apresentação dos meios de defesa graciosos contra os actos tributários aqui em causa quer ainda com a apresentação do presente pedido de pronúncia.
8 – Por sua vez a AT entende que os terrenos para construção, têm natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, pelo que os actos de liquidação aqui postos em causa pela pronúncia arbitral deverão ser mantidos, dado consubstanciarem correcta interpretação da verba 28 da TGIS, aditada pela Lei 55-A/2012.
9 – Quanto ao pedido de indemnização do requerente, a AT considera que o pedido está fora da competência atribuída ao tribunal pelo artigo 2º do RJAT.
II - SANEAMENTO
O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria tributária em discussão, de acordo com o artigo 2º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º,nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
As partes acordaram quanto à dispensa da reunião do artigo 18º do RJAT, sem necessidade de alegações escritas ou orais, o que o tribunal aceitou.
III- FUNDAMENTAÇÃO
1 – As questões a dirimir, com interesse para os autos, são as seguintes:
a) Saber se os terrenos para construção que, na determinação do seu VPT[7], lhe foi aplicado o coeficiente de afectação habitacional e apurado um valor igual ou superior a € 1000000,00, caem no âmbito da sujeição a IS previsto na verba 28 da TGIS, aditada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro;
b) Ou se essa sujeição viola a referida Lei;
c) E ainda se o regime por ela instituído é materialmente inconstitucional;
d) Finalmente se haverá responsabilização da AT por danos decorrentes do exercício da função administrativa.
2 – Matéria de Facto
A matéria de facto relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:
a) O requerente é proprietário do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de ... sob o artigo ....
b) O VPT do terreno em causa é de € 2 139 570,00, por tanto superior a € 1.000.000,00 a que alude a verba 28.1 da TGIS.
c) O requerente foi notificado dos actos de liquidação do IS para pagamento da 1ª,2º e 3ª prestações, conforme notas de cobrança ...,... e ... no valor global de € 21 395,70.
d) Reclamou graciosamente contra tal liquidação que veio a ser indeferida conforme notificação de 3 de Outubro do Serviço de Finanças de ....
e) Deste indeferimento recorreu hierarquicamente em 23 de Outubro de 2013 não tendo sido notificado de qualquer decisão proferida sobre o mesmo, pelo que o considerou tacitamente indeferido em 22 de Dezembro de 2013, ao abrigo do nº 5 do artigo 66º do CPPT[8].
f) Na respectiva caderneta predial consta na descrição apenas “ terreno para construção”.
g) O IS em questão não foi pago.
3 Matéria de Direito
3.1 – Pedido em razão da matéria tributária
a) O requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, sustenta, no essencial, que não sendo um terreno para construção um prédio habitacional não se vê como possa ficar sujeito à tributação prevista na verba 28 da TGIS, aditada pela Lei nº 55-A/2012, no caso concreto não haverá qualquer licença para construção e que a AT, ao fazer esta tributação, incorreu em erro na aplicação do direito o que determinará a anulação da liquidação, nos termos do artigo 135º do CPA[9], aplicável ex vi artigo 29º nº1 alínea d) do RJAT.
b) Por sua vez, a requerida entende que os terrenos para construção têm natureza jurídica de prédios com afectação habitacional, que decorre, na sua perspectiva da disposição contida no nº 2 do artigo 45º do CIMI[10] que manda aplicar o coeficiente de afectação previsto no artigo 41º do mesmo diploma legal, aquando da sua avaliação, facto que deverá ser considerado para efeito da tributação prevista na verba 28 da TGIS.
c) Sintetizadas as posições do requerente e da requerida, procederemos de seguida a uma análise da norma de incidência do IS sobre prédios urbanos com afectação habitacional.
d) A verba 28 da TGIS, aditada pela Lei nº 55-A/2012,sujeita a este imposto os prédios urbanos com afectação habitacional cujo VPT, apurado nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00.
e) O CIS[11] remete para o CIMI a regulação do conceito de prédio e das matérias não reguladas quanto à verba 28 da TGIS ( ver nº6 do artigo 1º e nº 2 do artigo 67º ambos do CIS).
f) Se atentarmos ao artigo 6º do CIMI, nele se estabelece que os prédios urbanos dividem-se em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros.
g) Do seu nº 2 retira-se que prédios urbanos habitacionais “ são os edifícios ou construções para tal licenciados ou na falta de licença, que tenham como destino tal fim” e o seu nº 3 diz-nos que terrenos para construção “ são os situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo…”.
h) Destes conceitos poderemos desde já concluir pela existência de autonomia entre prédios urbanos “ habitacionais” e prédios urbanos “terrenos para construção”.
i) O legislador do IS, ao estabelecer a tributação dos prédios urbanos “com afectação habitacional”, não concretizou o conceito, pelo que teremos, por força da remissão, de ir ao CIMI e este, como já se viu, autonomiza -os, relativamente aos terrenos para construção.
j) A expressão “afectação habitacional” não é de forma alguma patente nos terrenos para construção, nem poderá, como pretende a requerida, ser entendida com expressão integradora de outras realidades.
k) Acompanhamos a posição preconizada no processo 49/2013 que se transcreve:” A expressão "com afectação habitacional" inculca, numa simples leitura, uma ideia de funcionalidade real e presente. Da norma em causa não é possível extrair-se, por interpretação, que, como se afirma na resposta da requerida, a opção do legislador por aquela expressão tenha em vista integrar "outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI." Tal interpretação não tem apoio legal, face aos princípios contidos os arts. 9.º do Código Civil e 11.º da Lei Geral Tributária. Com efeito, se o legislador pretendesse abarcar no âmbito de incidência do imposto outras realidades que não as que resultam da classificação regida pelo art.6º do CIMI, tê-lo dito expressamente. Mas não o faz, antes remetendo, em bloco, para os conceitos e procedimentos previstos no referido Código. Por outro lado, não pode também ser acolhido o entendimento da requerida no sentido de que o conceito de “afectação habitacional” decorre da norma do artigo 45º do CIMI. Refere-se este artigo às regras aplicáveis na determinação do valor patrimonial dos terrenos para construção estabelecendo que este é o que resulta do valor da a da área de implantação do edifício a construir adicionado do terreno adjacente à implantação. Na fixação do valor daquela área considera-se uma percentagem variável entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas. Segundo a requerida, na fixação dos valor das edificações autorizadas ou previstas no terreno a avaliar são utilizados os coeficientes aplicáveis na determinação do valor patrimonial tributário, designadamente o coeficiente de afectação previsto no art. 1.º daquele Código. Concluindo daí que a consideração de um tal coeficiente, dependente do tipo de utilização prevista para o prédio a edificar no terreno, será determinante para efeitos de aplicação da Verba 28 da TGIS. Suporta-se esta conclusão no pressuposto de que a expressão "prédios com afectação habitacional" apela a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do art. 6.º do CIMI. Não é possível, porém, acompanhar tal conclusão. [...]. Nestes termos, resultando do art. 6.º do CIMI uma clara distinção entre prédios urbanos "habitacionais" e "terrenos para construção", não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo, como "prédios com afectação habitacional".»
l) Tanto assim é, que o legislador ao pretender fazer a tributação em IS dos terrenos para construção, revisitou a Lei, fazendo-os agora constar na previsão da norma, ( Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro).
m) O que fica provado é que na formulação da Lei nº 55-A/2012, os terrenos para construção estavam excluídos da tributação em IS pela verba 28 da TGIS e só agora, através da Lei nº 83-C/2013, a sua tributação é contemplada, pelo que se pode concluir que o legislador considera que a expressão “afectação habitacional” não abrangia os terrenos para construção em IS, contrariamente ao perfilhado pela AT.
n) Nem se diga ainda que o facto do artigo 45º do CIMI prever a aplicação de um coeficiente de afectação habitacional na determinação do VPT dos terrenos para construção, será condição suficiente, por si só, para permitir incluí-los na norma de incidência da verba 28 aditada pela Lei nº 55-A/2012,nem tão pouco alterar a sua natureza de terreno para construção, dado que o que está aqui em causa é somente apurar o VPT que será influenciado pelo tipo das edificações a levar a efeito (que, diga-se, nem sempre são concretizadas e, no caso concreto nem haveria então licenciamento específico para qualquer construção).
o) Ora, como já se viu, resulta do artigo 6º do CIMI uma distinção inconfundível entre prédios habitacionais e terrenos para construção, que impede que estes sejam tributados em IS nos termos pretendidos pela requerida.
p) Neste sentido foram já proferidas diversas decisões arbitrais, nomeadamente, processos 42,48,49 e 75, todos de 2013.
q) Aqui chegados, e mostrando-se procedente o pedido de pronúncia, uma vez que a tributação dos terrenos para construção que, na determinação do seu VPT, lhe foi aplicado o coeficiente de afectação habitacional, não cabem na previsão da norma da verba 28º do TGIS, aditada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, entende, o tribunal, desnecessária a apreciação de vícios constitucionais de que eventualmente padeça ou da inconstitucionalidade material do regime por ela instituído.
3.2- Pedido sobre a responsabilidade civil extracontratual da AT por danos decorrentes do exercício da função administrativa
Sobre este pedido, o tribunal entende que esta matéria não se enquadra, ou melhor, fica de fora das balizas estabelecidas no artigo 2º do RJAT, pelo que declina o seu conhecimento.
IV – DECISÃO
Face ao exposto, o tribunal decide o seguinte:
a) Declarar procedente o pedido de pronúncia arbitral, no que respeita à anulação dos actos de liquidação de IS consubstanciados pelas notas de cobrança ...,... e ... no montante global de € 21 395,70.
b) Declarar improcedente o pedido de indemnização no montante de 2 439,60, por ser matéria que fica de fora da competência deste tribunal.
c) Fixar o valor do processo em € 23 835,30 de harmonia com as disposições contidas no artigo 299º, nº 1, do CPC[12], artigo 97º-A do CPPT, e artigo 3º, nº2, do RCPAT[13]
d) Custas no montante de € 1 224,00, a cargo da Requerente e da Autoridade Tributária e Aduaneira na proporção do respectivo decaimento, ou seja, € 125,30 (para a requerente) e de € 1098,70 (para a Autoridade Tributária e Aduaneira) em conformidade com o disposto no artigo 12º nº 2 do RJAT e do artigo 4º, nº 4 do RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 19 de Novembro de 2014
Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º,nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º,nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao acordo ortográfico.
O árbitro singular,
Arlindo Francisco
[1] Acrónimo de Número de Identificação fiscal
[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária
[3] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira
[4] Acrónimo de Imposto do Selo
[5] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa
[6] Acrónimo de Tabela Geral do Imposto do Selo
[7] Acrónimo de Valor Patrimonial Tributário
[8] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário
[9] Acrónimo de Código de Procedimento Administrativo
[10] Acrónimo de Código de Imposto Municipal sobre Imóveis
[11] Acrónimo de Código do Imposto do Selo
[12] Acrónimo de Código de Processo Civil
[13] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária