SUMÁRIO:
I – A norma do artigo 11.º do Código do ISV, na medida em que sujeita os veículos usados importados de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior à do imposto residual contido nos veículos usados similares, transacionados no mercado nacional (por força da desconsideração da desvalorização da componente ambiental) é incompatível com o direito comunitário por violação do disposto no artigo110º do TFUE.
II – Isso mesmo resulta da jurisprudência do TJUE, vertida no recente Acórdão proferido no processo C 169/20, de 02.09.2021, que se debruçou especificamente sobre o artigo 11º do CISV e, concretamente, sobre a questão da não desvalorização na componente ambiental. Concluiu o TJUE que: “há que declarar que, ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado‑Membro, no âmbito do cálculo do imposto em causa previsto no Código do Imposto sobre Veículos, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE. (…)”. E em conformidade decidiu que: “1) Ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado‑Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previsto no Código do Imposto sobre Veículos, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 71/2018, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE.”
III – Este entendimento do TJUE veio confirmar o seu entendimento anterior, vertido no Processo nº C-200/15, de 16.06.2016, aclarando de vez que a não consideração da desvalorização da viatura usada importada de outro Estado membro no que toca à sua componente ambiental, viola o disposto no artigo 110º do TFUE. Veio, também, confirmar o entendimento que já vinha sendo seguido pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores e arbitrais. Nesta conformidade, a liquidação de ISV impugnada afigura-se parcialmente ilegal e deve ser anulada na parte em que, não considerando a percentagem de desvalorização adequada, gerou um valor de imposto a pagar superior ao que devia ter sido praticado. Deve, por isso, ser devolvido ao Requerente o excesso de imposto que suportou e pagou, acrescido de juros compensatórios à taxa legal, desde a data do pagamento até à data da efetivação do reembolso.
DECISÃO ARBITRAL
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RELATÓRIO
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No dia 03/12/2020, A..., com o NIF..., residente na Rua ..., ..., ..., ... – ... Albufeira, doravante designado por Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos e ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), com as alterações subsequentes, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, e do disposto no artigo 99º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), para impugnação da liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV) nº 2020/..., emitida em 27-11-2020, pela Alfândega do Freixieiro, resultante da apresentação da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) 2020/..., de 20.11.2020, relativa a Imposto Sobre Veículos (ISV), que juntou em anexo ao pedido arbitral como Documento nº1.
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O pedido arbitral, tem por objeto, concretamente, a impugnação da liquidação de ISV, promovida ao abrigo do artigo 11º do CISV, porquanto, entende a Requerente que este artigo viola o disposto no artigo 110º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e, em virtude dessa desconformidade, o Requerente foi lesado em 2.593,73€ (dois mil, quinhentos e noventa e três euros e setenta e três cêntimos) de imposto pago em excesso. Peticiona a anulação da liquidação e o reembolso da quantia paga em excesso acrescida de juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor à data do pagamento, desde a data do pagamento do imposto até à efetiva restituição.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, apresentado em 03/12/2020, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD na mesma data e, automaticamente, notificado à AT. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, no dia 25/01/2021, designou a ora signatária como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram notificadas dessa designação, que aceitaram. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 03/05/ 2021. Nesta mesma data foi proferido despacho arbitral, notificado à Requerida, para apresentar a sua resposta, nos termos do disposto no artigo 17.º do RJAT.
No dia 22/05/2021, a Requerida apresentou a sua Resposta e juntou o respetivo Processo Administrativo (PA). Na sua resposta, que se dá por integralmente reproduzida, veio a AT pugnar pela legalidade do ato tributário impugnado, rematando com a alegação de que a questão suscitada nos autos, ou seja, a da conformidade dos artigos 7º e 11º do CISV português ainda não tinham sido alvo de decisão por parte do TJUE, apesar da jurisprudência vasta que este Tribunal tem vindo a produzir sobre esta matéria. Dito de outro modo, segundo a AT, os Acórdãos do TJUE até então produzidos não se referiam concretamente à questão da não desvalorização da componente ambiental do imposto, fundamento essencial do presente pedido arbitral. De referir, porém, que desde o momento da apresentação da Resposta por parte da Requerida, foi já emitido um novo Acórdão pelo TJUE, de 02-09-2021, no Processo nº C 169/20, o qual especificamente veio decidir esta questão concreta, o qual será mencionado mais em pormenor na fundamentação da decisão de direito a proferir nestes autos.
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Considerando que a questão a decidir se configura como questão exclusivamente de direito, o tribunal arbitral proferiu despacho arbitral, em 13/07/2021, para as partes se pronunciarem sobre a possibilidade de dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT. No mesmo despacho notifica a Requerente para vir aos autos, no prazo de cinco dias, confirmar o seu interesse na inquirição das testemunhas arroladas e, nesse caso, indicar quais os factos concretos sobre os quais pretende a requerida inquirição.
No prazo fixado as partes nada disseram, pelo que, em conformidade com o despacho antecedente, foi proferido novo despacho arbitral, em 23/12/2019 a notificar o Requerente para vir aos autos indicar os factos para inquirição das testemunhas e fixou a data de 29-09-2021, pelas 14:30, para a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT.
Por requerimento de 22-07-2021 veio o Requerente declarar prescindir da inquirição das testemunhas dado que na Resposta da AT não foram impugnados os factos descritos no pedido arbitral, não persistindo qualquer divergência quanto à matéria de facto em discussão nos autos, mas tão somente quanto à matéria de Direito que opõe as partes.
Em 28-07-2021 foi proferido despacho arbitral a dispensar a realização da reunião e a fixar o prazo de 10 dias, igual e sucessivo, para apresentação de alegações escritas. No mesmo despacho foi indicado que a decisão arbitral seria proferida no prazo fixado no artigo 21º, nº1, do RJAT. No mesmo despacho determina-se a notificação da Requerente para, dentro do prazo fixado para a prolação da decisão arbitral, vir aos autos juntar o comprovativo de pagamento da taxa arbitral subsequente.
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A Requerente juntou as suas alegações aos autos em 28-07-2021, as quais se dão por integralmente reproduzidas. A Requerida não juntou alegações.
A Posição do Requerente
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O Requerente formula o seu pedido, invocando, em síntese que importou um veículo automóvel de passageiros, em estado de usado, que introduziu em Portugal, proveniente da Alemanha. O referido veículo tinha sido matriculado pela primeira vez no seu país de origem (Alemanha) e à data da sua entrada em Portugal, tinha percorrido 120.106 quilómetros. A Requerente cumpriu todas as suas obrigações legais, aduaneiras e tributárias devidas em Portugal.
A AT procedeu à liquidação do ISV (Imposto Sobre Veículos) no valor de €9.526,62, dos quais €4.916,89 correspondente ao valor determinado pela componente cilindrada e €4.987,95 correspondente à componente ambiental.
O Imposto foi integralmente pago pela Impugnante, porém esta não se conforma com os critérios subjacentes ao cálculo do valor de imposto, por considerar que a lei portuguesa não está em conformidade com o artigo 110º do TFUE.
Alega a Requerente que relativamente à componente cilindrada, aquele valor foi deduzido da redução resultante do número de anos de uso do veículo (52%). Porém a liquidação efetuada do ISV está ferida de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental ou CO2, porquanto, no que respeita a esta componente, não foi devidamente considerada a desvalorização, tendo sido aplicado o artigo 11º do CISV, o qual foi já declarado contrário ao artigo 110º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), por Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).
Da aplicação do referido artigo 11º do CISV resultou um valor de imposto pago em excesso, concretamente, no valor de €2.593,73, correspondente a 52% de desvalorização que, no que toca a esta componente de imposto, não foi considerada. Assim pagou valor de imposto em excesso, cuja devolução requer, acrescida de juros compensatórios à taxa legal.
A ilegalidade invocada pela Requerente consiste, pois, na alegada desconformidade entre o disposto no artigo 11º do CISV e o artigo 110º do TFUE, conforme jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), proferida no processo C/200/15, de 16/06/2016, que invoca e explica detalhadamente no seu pedido arbitral. Esta jurisprudência do TJUE foi recentemente validada, em concreto quanto à questão da desconsideração da desvalorização da componente ambiental, no supracitado Acórdão do TJUE, de 02-09-2021.
Em síntese, o pedido de pronúncia arbitral visa a declaração de ilegalidade e anulação parcial do ato de liquidação de Imposto sobre Veículos e o reembolso do valor de imposto pago em excesso acrescido de juros indemnizatórios.
A Posição da Requerida AT
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A AT alega na sua Resposta, que os respetivos critérios legais para a determinação do valor coletável e respetivo valor de imposto a pagar não são ilegais e defende que a liquidação do imposto obedeceu às normas legais em vigor e que, concretamente, a norma do artigo 11º do CISV é compatível com o direito comunitário. estando em causa, nos presentes autos, a admissão de um veículo usado, oriundo de outro Estado-membro, deve atender-se, especificamente, ao artigo 11.º do CISV na redação atualmente em vigor, o qual já foi sujeito a alterações desde a entrada em vigor do diploma que aprovou o mesmo código. No essencial, pugna pela aplicação deste normativo legal, e reitera o entendimento subjacente ao procedimento de liquidação que considera perfeitamente legal e conforme ao TFUE. Acrescenta, ainda, que a questão concreta suscitada pelo Requerente (desconsideração da desvalorização sobre a componente ambiental) nunca foi, especificamente, considerada e decidida pelo TJUE.
Em suma, a Requerida AT vem pugnar pela legalidade do ato de liquidação e pela sua manutenção na ordem jurídica portuguesa.
II – Saneamento do Processo
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, do artigo 5.º e da alínea a), do n.º 2 do artigo 6.º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e no artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo é o próprio e as partes são legítimas, têm personalidade e capacidade jurídica e judiciária.
O processo não enferma de nulidades.
Nesta conformidade o Tribunal está em condições de conhecer do pedido.
Posto isto, cumpre decidir sobre a matéria de facto e, em conformidade, sobre a matéria de direito cuja apreciação foi suscitada neste pedido arbitral.
III - Decisão sobre a matéria de facto
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Factos Provados:
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Como matéria de facto relevante, o Tribunal arbitral dá por provados os seguintes factos:
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Em 20/11/2020 o Requerente apresentou a Declaração Aduaneira de Veículos (DAV) nº 2020/..., na Alfândega do Freixieiro, referente ao veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca ..., com a designação comercial «...», movido a gasóleo, importado da Alemanha, conforme consta do Processo Administrativo e do documento nº 1 junto aos autos com o pedido arbitral e que se dá por integralmente reproduzido;
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O veículo descrito tinha sido matriculado pela primeira vez no seu país em 26.11.2015, com a matrícula ...;
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Em 15-10-2020 ocorreu a transmissão da propriedade, tendo o Requerente adquirido o veículo pelo valor de €22.000,00.
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À data da sua introdução em Portugal, em 13-11-2020, o veículo contabilizava 120.106 quilómetros percorridos;
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A Requerente cumpriu todas as suas obrigações legais, aduaneiras e tributárias devidas em Portugal;
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A AT procedeu à liquidação do ISV (Imposto Sobre Veículos) no valor de €9.526,62, que corresponde ao valor de €4.538,67 determinado pela componente cilindrada após a dedução da percentagem de desvalorização de 52%, e €4.987,95 correspondente à componente ambiental, sem consideração de qualquer percentagem de desvalorização;
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O Imposto foi integralmente pago pela Impugnante;
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Com base nos elementos constantes da DAV, foi efetuado o cálculo do ISV pelos serviços, nos termos dos artigos 7º e 11º do CISV;
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Em 03-12-2020 a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.
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FACTOS NÃO PROVADOS
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Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
C) FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
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Os factos descritos nas alíneas a) a h) foram dados como provados com base na prova documental, junta pela Requerente em anexo ao pedido arbitral, bem assim como da prova documental constante do Processo Administrativo junto pela AT, que comprova a veracidade dos factos descritos pelo Requerente. Acresce que, no caso, não existe qualquer divergência entre as partes quanto aos factos, mas apenas quanto à questão de direito. Pelo que, os factos provados resultam também do reconhecimento da sua veracidade, considerando a posição assumida pelas partes nos respetivos articulados. O facto constante na alínea i) resulta provado pela informação registada no sistema de gestão processual do CAAD.
IV – DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO
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Assente a matéria de facto, importa delimitar a(s) questão(ões) de direito a decidir, sendo que no caso dos presentes autos, considerando os factos descritos, a causa de pedir e o pedido formulado, constata-se que o Requerente convoca o tribunal arbitral para decidir uma única questão de direito: saber se a liquidação do ISV padece de ilegalidade, por ter como base legal fundamentadora a norma do artigo 11.º do CISV, nos termos do qual não é considerada qualquer desvalorização sobre a componente ambiental.
No entendimento do Requerente tal circunstancialismo resulta num tratamento discriminatório o qual, contraria o disposto no artigo 110º TFUE, conforme foi já declarado por acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, proferido no processo C/200/15, de 16-06-2016, transitado em julgado.
A corroborar este entendimento o Requerente junta ao seu pedido arbitral Parecer da Provedor de justiça sobre a matéria.
Cumpre decidir.
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Efetivamente, o cálculo do ISV incide sobre a cilindrada dos veículos e as suas emissões de CO2, ou seja, incide sobre a componente cilindrada e sobre a componente ambiental. De acordo com a redação inicial do artigo 11º do CISV, no caso da admissão de veículos usados, aplicava-se no cálculo de imposto uma percentagem de redução conforme o número de anos do veículo. Redução essa equiparável à desvalorização comercial média dos veículos usados comercializados no mercado nacional. Essa desvalorização era crescente, tendo o seu início após o primeiro ano de uso e o seu termo no final do quinto ano de uso. Sendo que, após o quinto ano, a percentagem de redução se mantinha inalterada.
Dito de outro modo, considerou o legislador nacional, à data da criação do ISV, que os veículos usados admitidos em Portugal, provenientes de outros Estados membros, apenas se desvalorizavam, relativamente aos veículos novos, após um ano de uso e que a partir do quinto ano não sofriam mais nenhuma desvalorização. Critério, obviamente irrealista e desconforme com a realidade do mercado.
A questão agora colocada pela Requerente não é nova e tem sido recorrente, desde a entrada em vigor do artigo 11º do CISV e da tabela anexa, pelos importadores de automóveis usados admitidos em Portugal originários de outro Estado membro, que foram reclamando junto das entidades competentes o facto desta tabela de reduções discriminar negativamente os veículos importados relativamente aos veículos usados transacionados em Portugal.
Com efeito, qualquer veículo novo, independentemente das suas características, designadamente marca, modelo ou cilindrada, se desvaloriza logo que é posto em circulação, ou seja, “logo que sai do stand”.
Como bem alega a Requerente considerar-se que um veículo proveniente de um Estado-membro só sofria uma desvalorização ao fim de um ano de uso, não respeitava a realidade do mercado automóvel e penalizava injustificadamente os veículos usados importados.
O mesmo se diga, relativamente aos veículos com mais de cinco anos de uso, pois é sabido que um veículo com mais de cinco anos continua a desvalorizar-se nos anos seguintes. Sendo que a desvalorização de um veículo com 6, 7 ou 10 anos de uso, é necessariamente superior à de um veículo com 5 anos.
Acresce ainda que na redação do artigo 11º, esta redução apenas se aplica à componente cilindrada dos veículos e não à componente ambiental (CO2), provocando, também por este motivo, um critério desigual no cálculo do ISV relativamente a veículos usados matriculados em Portugal e aos veículos admitidos em Portugal, matriculados noutros Estados-membros. Já que, relativamente aos veículos originariamente matriculados em Portugal, a desvalorização incidia sobre as duas componentes.
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Foi neste contexto que os importadores desses veículos, través da Associação Portuguesa de Importação de Veículos, reagiram junto de várias instâncias públicas, designadamente a Provedoria de Justiça e a Comissão Europeia, pugnando pela eliminação do tratamento discriminatório entre os veículos usados admitidos em Portugal, relativamente aos veículos usados matriculados e comercializados em Portugal. Em suma, fruto deste regime legal, um veículo usado proveniente de outro Estado-membro, pagasse mais ISV, do que os veículos idênticos matriculados em Portugal. O que se traduz numa violação clara do disposto no artigo 110º do TFUE.
Fruto destas reclamações, a Comissão Europeia instaurou o processo por Infração nº2009/2296 contra a República Portuguesa, com base no facto de não ser tida em conta a depreciação dos veículos para efeitos do cálculo da componente ambiental do ISV. Este Processo originou a iniciativa de alteração ao Código do ISV, introduzida pela Lei nº 55-A/2010, de 31-12, que aprovou o Orçamento do Estado para 2011.
A Requerente juntou aos autos, como já se referiu, parte da informação prestada pela Provedoria de Justiça, relativamente a esta alteração legislativa, na qual se pronuncia da forma seguinte:
“Na verdade, de acordo com as alterações que foram introduzidas pela Lei nº 55-A/2010, de 31-12, que aprovou o Orçamento do Estado para 2011, ao Código do ISV, há a salientar uma alteração na metodologia de cálculo do ISV, em matéria de tributação de veículos usados portadores de matrículas definitivas comunitárias, atribuídas por outros Estados membros da União Europeia, prevista no art. 11º do Código do ISV, passando a aplicar-se as percentagens de redução inerentes aos anos de uso do veículo, também à componente ambiental”.
Isto significa que o legislador português, antecipando a instauração de uma ação de incumprimento pela Comissão Europeia, introduziu uma alteração legislativa, pondo assim termo à ilegalidade que tinha estado na origem do processo por infração nº 2009/2296.
Porém, com esta alteração legislativa, ficou resolvida apenas uma parte da ilegalidade, já que apenas introduziu a desvalorização da componente cilindrada desconsiderando a desvalorização da componente ambiental.
Como bem alega a Requerente, não ficou sanada a ilegalidade que dizia respeito à desvalorização dos veículos até ao final do 1º ano de uso e após os 5 anos de uso.
Face à manutenção desta divergência nos cálculos de ISV entre os veículos usados matriculados em Portugal e os veículos usados provenientes de outros estados-membros, e consequente tratamento desigual destes últimos, a Comissão Europeia instaurou um novo processo que revestiu a natureza de ação por incumprimento contra a República Portuguesa, que correu termos com o nº C-200/15, no âmbito do qual foi proferido o seguinte Acórdão em 16.06.2016, decidido o seguinte:
“A República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro estado-membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta uma desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do art. 11º do TFUE (…)Este artigo (110º do TFUE) é violado sempre que a imposição que incide sobre o artigo importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculados de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda que apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado (acórdão de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C-393/98, EU: C:2001:109, nº 21; de 19 de setembro de 2002, Tulliasiames e Siilin, C-101/00, EU: C:2002:505, nº 53; e de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C-74/06, EU:C:2007:534, nº 25)” (nº 24 dos fundamentos do acórdão). Assim, a cobrança, por um Estado-Membro, de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-membro é contrária ao artigo 110º. do TFUE, quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional (v., designadamente, acórdãos de 9 de março de 1995, Nunes Tadeu, C-345/93, EU:C:1995:66, n.º 20, e de 22 de fevereiro de 2001, GomesValente, C-393/98, EU:C:2001:109, n.º 23)” (nº 25 dos fundamentos do acórdão).“ (…) Mais precisamente, um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares, disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C-74/06, EU:C:2007:534, n.ºs 27 e 28 (…)”
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Na sequência deste acórdão que declarou o incumprimento pela República Portuguesa do artigo 110º do TFUE e o legislador nacional introduziu uma nova alteração ao CISV, através da Lei 42/2006 de 27 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2017), dando nova redação ao artigo 11º do CISV e da tabela D que integra esse mesmo artigo.
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Vejamos, então, qual o atual regime em vigor à luz deste artigo 11º do CISV, conjugado com o teor da Tabela D do mesmo artigo:
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O Estado Português em conformidade com o Ac. Do TJUE supracitado, alarga as percentagens de redução ao primeiro ano de uso do veículo, prolongando-a até aos 10 e mais anos de uso;
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Introduziu, contudo, uma outra alteração, com impacto no cálculo do ISV, pois que, com a nova redação dada ao artigo 11º, voltou a limitar a aplicação das percentagens de redução apenas à componente cilindrada, excluindo-a da componente ambiental (emissão de CO2).
Vejamos, pois, o regime jurídico em vigor, analisando o que dispõem os normativos em confronto:
Com efeito, estabelece o artigo 110º do TJUE que:
“Nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.
Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indiretamente outras produções.”
A legislação nacional que, segundo o Requerente, viola a norma comunitária, são as normas constantes dos artigos 7.º e 11.º do CISV, em particular esta última, cuja redação, à data da ocorrência do facto tributário e no que concerne a veículos ligeiros de passageiros, movidos a gasóleo, dispunha o seguinte:
“Artigo 7.º
Taxas normais – automóveis
1 - A tabela A, a seguir indicada, estabelece as taxas de imposto, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, e é aplicável aos seguintes veículos:
a) aos automóveis de passageiros;
b) aos automóveis ligeiros de utilização mista e aos automóveis ligeiros de mercadorias, que não sejam tributados pelas taxas reduzidas nem pela taxa intermédia.
(…)
Componente Cilindrada
Escalão de Cilindrada
(centímetros cúbicos)
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Taxas por centíme9tros cúbicos
(Euros)
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Parcela a abater
(Euros)
|
Até 1 000
|
0,99
|
767,50
|
Entre 1 001 e 1 250
|
1,07
|
769
|
Mais de 1 250
|
5,06
|
5 600,00
|
Componente Ambiental
Veículos a Gasóleo
Escalão de C02
(gram (gramas por quilómetro)
|
Taxas
Euros
|
Parcela a Abater
Euros
|
Até 79 Até 79
|
5,22
|
396,88
|
De 80 a 95
|
21,20
|
1671,07
|
De 96 a 120
|
71,62
|
6 504,65
|
D De 121 a 140
|
158,85
|
17 107,60
|
De 141 a 160
|
176,66
|
19 635,10
|
Mais de 160
|
242,65
|
30 235,96
|
Artigo 11º
Taxas – Veículos usados
1 – O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional:
2 – Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por «tempo de uso» o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respetivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos.
3 – Sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado nos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto: ISV = (V ÷ VR × Y) + C em que: ISV representa o montante do imposto a pagar; V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor, apresentadas pelo interessado; VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez; Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto; C é o ‘custo de impacte ambiental’, aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela.
4 – Na falta de pedido de avaliação formulado nos termos do número anterior presume-se que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.º 1.
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Neste enquadramento legal, constata-se que no caso concreto a liquidação do ISV sobre a viatura do Requerente, proveniente de outro Estado Membro da União Europeia (Alemanha), processou-se nos termos do disposto no artigo 11.º do CISV, sendo que, relativamente à componente cilindrada, foi deduzido um valor (uma redução de imposto), resultante do número de anos de uso do veículo correspondente a uma desvalorização de 52% da componente cilindrada. Mas, no que se refere à componente ambiental não foi considerada qualquer redução em função do número de anos de uso do veículo, em conformidade com o disposto naquele preceito, que não prevê qualquer dedução nesta parte. É sobre esta parte que o Requerente constrói o seu pedido arbitral, por não se conformar com este regime que, alega, contraria o direito da EU.
Assim, esta é a questão a apreciar pelo Tribunal: decidir se a referida norma do artigo 11.º do CISV, na medida em que não considera qualquer redução de imposto em função do número de anos de uso do veículo, na componente ambiental, viola ou não o disposto no artigo 110.º do TFUE e, consequentemente, se a liquidação impugnada se encontra, ou não, ferida de ilegalidade.
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Aqui chegados, há que aferir se o Requerente tem razão quando invoca que a norma do artigo 11º do CISV, aplicável ao cálculo do ISV dos veículos portadores de matrículas comunitárias introduzidos no mercado português, com vista a considerar a desvalorização comercial média dos veículos usados no mercado nacional, prevê uma redução percentual pelo número de anos de uso do veículo, mas apenas na componente cilindrada, desconsiderando a desvalorização do lado da componente ambiental.
Segundo o Requerente, a norma conduz a que seja cobrado sobre os veículos “importados” de outros Estados Membros da União Europeia um imposto determinado com base em valor superior ao valor real do veículo onerando-os com uma tributação superior à que é aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O raciocínio da Requerente assenta no pressuposto segundo o qual, também na componente ambiental deve ser contemplada uma redução.
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Se esta desvalorização tivesse sido considerada, também, na mesma percentagem, sobre a componente ambiental, o valor de imposto a liquidar seria inferior ao que efetivamente foi sendo a diferença de valor de €2.593,73. Foi este o montante de ISV que o Requerente pagou em excesso. É este o valor que a Requerente reclama, pretendendo, por isso, a anulação parcial da liquidação de ISV, o reembolso do valor pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal até efetivo pagamento.
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Em resposta ao pedido formulado, a Requerida veio alegar que tendo o ato impugnado foi efetuado de acordo com o direito nacional, o qual, por sua vez, se afigura conforme ao direito comunitário, o mesmo não enferma de qualquer vício, devendo, consequentemente, a liquidação impugnada manter-se na ordem jurídica. Descreve o quadro geral da legislação nacional aplicável na área da incidência, objetiva e subjetiva, determinação da base tributável, taxas aplicáveis, facto gerador e exigibilidade do imposto. Defende a compatibilidade daquela norma do artigo 11.º do CISV com o direito comunitário, alega a AT, no essencial, que o modelo de tributação do ISV resultante da aprovação do CISV pela Lei 22-A/2007, de 29 de junho, foi norteado por preocupações ambientais em respeito pelas orientações emanadas pelas instâncias comunitárias e pelos compromissos de políticas ambientais a implementar, assumidos no âmbito do Protocolo de Quioto e, mais tarde, do Acordo de Paris. Os compromissos muito rígidos para a redução da emissão dos gases que agravam o efeito estufa, considerados, de acordo com a maioria das investigações científicas, como as causas do aquecimento global, passando, por conseguinte, a componente ambiental a ser determinante no cálculo do imposto que incide sobre os veículos novos e usados (com elevadas emissões), em obediência ao princípio do poluidor pagador, levando os consumidores a optar por automóveis com menores emissões de dióxido de carbono.
Alega, ainda, que o modelo da fiscalidade automóvel tem em vista assegurar a coerência entre a tributação de veículos novos e usados, na medida em que a aquisição de uns e de outros se rege pelos mesmos princípios, de justiça fiscal e respeito pelo meio ambiente. No que concerne aos automóveis usados, não existem dúvidas que, quanto mais velhos os veículos automóveis, mais poluentes se tornam, e maiores serão as consequências nefastas para o meio ambiente. É neste enquadramento que a AT entende não existir qualquer desconformidade entre a nova redação do artigo 11º do CISV e o artigo 110º do TFUE. Invocando as normas dos artigos 110.º do TFUE, proibição de sujeição de produtos provenientes de outros Estados membros a imposições internas superiores às que incidem sobre produtos nacionais e do 191.º do mesmo Tratado, relativa à preservação, proteção e melhoria da qualidade do ambiente, sustenta a Requerida que “ (…) perante o consagrado no n.º 1, do artigo 11.º do CISV, constata-se que o legislador teve em consideração que a componente ambiental representa o custo de impacte ambiental, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 11.º do CISV, também suportada pelos veículos novos, devendo a mesma ser entendida como um montante que os sujeitos passivos pagam ao Estado, destinado a compensar os efeitos nefastos que o automóvel causa ao ambiente, sendo que esse montante é progressivo em função das emissões de dióxido de carbono”. No entendimento da Requerida a componente ambiental tem por função compensar os efeitos nefastos de qualquer redução em função da depreciação comercial ou dos anos de uso do automóvel, dado que o potencial poluidor do automóvel não diminui com a sua idade, muito pelo contrário, como é do conhecimento comum, agrava-se, a mesma não deve ser objeto de qualquer redução pois representa o “custo de impacte ambiental”, sendo o seu objetivo orientar a escolha dos consumidores para uma maior seletividade na compra dos automóveis, em função do seu grau poluidor.” Pelo que “a interpretação do disposto no artigo 110.º do TFUE não poderá deixar de ter em consideração os objetivos ambientais acima referidos, sob pena de se geraram incoerências insustentáveis entre a política fiscal e a política ambiental. Invoca ainda as obrigações do Estado Português face ao Protocolo de Quioto e o princípio da equivalência subjacente a este tipo de imposto. Segundo a AT não se trata de restringir a entrada de veículos em Portugal, mas somente de proteger o ambiente, em conformidade com o princípio do poluidor pagador.
Por último, alega a AT que a jurisprudência do TJUE não se refere em concreto à questão específica suscitada nos autos, a qual se refere com a desconsideração da desvalorização no que concerne à componente ambiental. Ora, não assiste razão à AT neste ponto.
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Na verdade, no recente Acórdão do TJUE, de 02-09-2021, proferido do Processo nº C 169/20, a questão que foi apreciada pelo TJUE foi, precisamente, a que o Requerente suscita nestes autos, e que tem vindo a ser suscitada e apreciada em muitos outros processos. Assim, no seguimento de queixa apresentada junto da Comissão Europeia esta peticionou junto do TJUE “que declare que, ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE.”
Chegados aqui, há que analisar este Acórdão do TJUE, do qual evidenciamos as principais conclusões do Tribunal de Justiça, após discorrer desenvolvidamente sobre o regime jurídico previsto no Direito Português em sede de ISV, quando incidente sobre veículos usados importados de outros Estados membros e, em concreto, sobre a ilegalidade da desconsideração de desvalorização sobre a componente ambiental.
Conclui, pois, o TJUE o seguinte:
“37. Neste contexto, para saber se um imposto cria uma discriminação indireta entre os veículos automóveis usados importados e os veículos automóveis usados similares já presentes no território nacional, importa examinar se tal imposto é neutro no que respeita à concorrência entre os veículos usados importados e os veículos usados similares anteriormente matriculados no território nacional e submetidos, no momento da matrícula, ao referido imposto (v., por analogia, Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.º 38).
38. Além disso, o Tribunal de Justiça especificou que, a partir do momento em que se paga um imposto de matrícula num Estado‑Membro, o montante desse imposto é incorporado no valor do veículo. Deste modo, quando um veículo matriculado no Estado‑Membro em causa é, em seguida, vendido como veículo usado nesse mesmo Estado‑Membro, o seu valor de mercado, que inclui o montante residual do imposto de matrícula, será igual a uma percentagem, determinada pela desvalorização desse veículo, do seu valor inicial (Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.º 40 e jurisprudência referida).
39. No caso em apreço, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, na sequência do Acórdão de 16 de junho de 2016, Comissão/Portugal (C‑200/15, não publicado, EU:C:2016:453), a República Portuguesa reformou o seu regime de tributação dos veículos objeto de uma primeira colocação em circulação em Portugal. Segundo o regime resultante da referida reforma, o imposto em causa, cobrado nessa ocasião, inclui duas componentes, uma calculada em função da cilindrada do veículo em questão e a outra, denominada «componente ambiental», em função do nível de emissão de dióxido de carbono desse veículo.
40. Diferentemente da componente do imposto em causa calculada em função da cilindrada do veículo, para a qual o artigo 11.º do Código do Imposto sobre Veículos prevê uma percentagem de redução em função da idade do veículo, não está prevista nenhuma redução da componente ambiental do referido imposto que reflita a desvalorização do valor comercial do veículo a esse título.
41. Daqui resulta que a legislação nacional que institui o imposto em causa tem por consequência que o montante do imposto de registo para os veículos usados importados em Portugal de outros Estados-Membros é calculado sem tomar em consideração a desvalorização real desses veículos. Por conseguinte, a referida legislação não garante que os veículos usados importados de outro Estado‑Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares já presentes no mercado nacional, o que é contrário ao artigo 110.º TFUE.
42. A este respeito, não contestando que o Código do Imposto sobre Veículos não prevê nenhuma redução da componente ambiental do imposto em causa relativamente aos veículos usados importados no seu território, a República Portuguesa considera, antes de mais, que esta circunstância se justifica por um objetivo de proteção do ambiente. Com efeito, o pagamento integral da componente ambiental não tem por objetivo restringir a entrada de veículos usados em Portugal, mas subordinar essa entrada a um critério seletivo aplicando exclusivamente critérios ambientais.
43. Ora, importa recordar que, embora os Estados‑Membros sejam, na verdade, livres de estabelecer um sistema de tributação diferenciada para certos produtos e, portanto, de definir as modalidades de cálculo do imposto de registo de modo a ter em conta considerações relacionadas com a proteção do ambiente, não é menos verdade que essas modalidades devem, nomeadamente, ser suscetíveis de evitar qualquer forma de discriminação, direta ou indireta, relativamente às importações provenientes de outros Estados‑Membros, ou de proteção em favor de produções nacionais concorrentes, em conformidade com o artigo 110.º TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de abril de 1998, Outokumpu, C‑213/96, EU:C:1998:155, n.º 30, e de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.º 59).
44. A este respeito, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de sublinhar que o artigo 110.º TFUE se opõe a um imposto relativo ao registo dos veículos cujo montante, determinado, nomeadamente, em função da «classificação ambiental» dos veículos, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados‑Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado‑Membro de importação (Acórdão de 5 de outubro de 2006, Nádashi e Németh, C‑290/05 e C‑333/05, EU:C:2006:652, n.os 56 e 57).
45. Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou igualmente que o objetivo de proteção do ambiente poderia ser realizado de forma mais completa e coerente fazendo incidir um imposto anual sobre qualquer veículo que entrasse em circulação num Estado‑Membro, o qual não beneficiaria o mercado nacional dos veículos usados em detrimento da colocação em circulação de veículos usados importados de outros Estados‑Membros e seria, além disso, conforme com o princípio do poluidor‑pagador (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.º 60).
46. Em contrapartida, um imposto calculado em função do potencial de poluição de um veículo usado, que, à semelhança do imposto em causa, só é integralmente cobrado no momento da importação e da entrada em circulação de um veículo usado proveniente de outro Estado‑Membro, ao passo que o adquirente de um desses veículos já presente no mercado do Estado‑Membro em causa só tem de suportar o montante do imposto residual incorporado no valor comercial do veículo que adquire, é contrário ao artigo 110.º TFUE.
47. Em seguida, a República Portuguesa alega, em substância, que a componente ambiental do imposto em causa constitui, na realidade, um imposto autónomo, distinto da componente deste imposto calculada em função da cilindrada do veículo em causa.
48. A este respeito, importa observar que, no artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, a componente ambiental é apresentada como um dos dois elementos utilizados para o cálculo de um imposto único e não como um imposto distinto. Além disso, e em qualquer caso, como resulta do n.º 46 do presente acórdão, tal imposto distinto continuaria a ser discriminatório em relação aos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, uma vez que o referido imposto excederia o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos usados similares comprados e registados no território nacional.
49. Por outro lado, importa salientar que, embora, ao abrigo do artigo 11.º, n.º 3, do Código do Imposto sobre Veículos, os contribuintes possam optar por um método alternativo de cálculo do imposto em causa, requerendo ao diretor da alfândega que recalcule o referido imposto com base na avaliação efetiva do veículo, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a existência de um método alternativo de cálculo de um imposto não dispensa um Estado‑Membro da obrigação de respeitar os princípios fundamentais de uma norma essencial do Tratado FUE, nem autoriza esse Estado‑Membro a violar esse Tratado (v., por analogia, Acórdão de 16 de junho de 2016, Comissão/Portugal, C‑200/15, não publicado, EU:C:2016:453, n.º 34).
50.Por último, quanto à afirmação da República Portuguesa, avançada na tréplica, de que está em discussão na Assembleia da República portuguesa uma nova redação para o artigo 11.º do Código do Imposto sobre Veículos, há que recordar que esse argumento é irrelevante, na medida em que a existência de um incumprimento deve, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, de modo que as alterações posteriormente ocorridas não podem ser tomadas em consideração pelo Tribunal de Justiça (Acórdão de 21 de março de 2019, Comissão/Itália, C‑498/17, EU:C:2019:243, n.º 29 e jurisprudência referida).
51. Nestas condições, há que declarar que, ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado‑Membro, no âmbito do cálculo do imposto em causa previsto no Código do Imposto sobre Veículos, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE. (…)
E conclui decidindo que:
“1) Ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado‑Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previsto no Código do Imposto sobre Veículos, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 71/2018, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE.”
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Retornando ao caso dos presentes autos, a questão a decidir é, precisamente, a de saber se há ou não discriminação de tratamento fiscal, com o intuito de restringir a introdução no país de veículos usados provenientes de outros Estados membros. O princípio é o de que um veículo com as mesmas características é igualmente poluidor, quer tenha sido introduzido no mercado português via “importação”, quer seja um veículo com primeira inscrição em Portugal.
A alegação da Requerida AT, segundo a qual, por força da jurisprudência do TJUE, o legislador português alterou este regime de imposto através da Lei n.º 42/2016, de 28/12. Este diploma altera a redação do citado artigo 11.º, passando a ser considerada a desvalorização do veículo, não colhe. É evidente que esta alteração legislativa apenas operou no que se refere à componente cilindrada, e excluí qualquer desvalorização no tocante à componente ambiental.
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Ora, é justamente esta exclusão que, na ótica do Requerente, persiste o problema e fundamenta o presente pedido arbitral. Para a Requerente a atual redação da norma não está conforme ao direito comunitário, ao contrário do que defende a AT, invocando razões que têm a ver com a proteção do ambiente e qualidade de vida, para tentar justificar a discriminação negativa, dos veículos usados admitidos no território nacional, relativamente aos comercializados em Portugal.
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Face à jurisprudência do TJUE, recentemente vertida no Acórdão citado, de 02-09-2021, tal discriminação é, expressamente, proibida pelo artigo 110.º do TFUE. Aliás, o TJUE já vinha, repetidamente, afirmado em numerosos Acórdãos sobre esta matéria, que a tributação automóvel pode assentar em critérios objetivos, como sejam o tipo de motor, a cilindrada e, inclusivamente, uma classificação assente em considerações ambientais. Porém, quando aplicados a veículos usados importados de outros Estados-Membros, o montante de imposto cobrado não pode exceder o montante que se contém no valor residual de veículos usados similares já registados no Estado-Membro de importação. Ou seja, não pode persistir tratamento discriminatório nesta matéria. Pelo que, a Requerente tem razão quando vem invocar essa discriminação, resultante da desconsideração da desvalorização dos veículos usados importados, na componente ambiental.
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Não colhem, pois, os argumentos invocados pela AT, porquanto, como claramente afirma o TJUE, a interpretação do artigo 110.º TFUE, quando referido a tributação automóvel impõe que, o imposto previsto e legalmente aplicado em cada Estado membro, não deve onerar mais os produtos provenientes de outros Estados-Membros do que os produtos nacionais similares. Enquanto persistir discriminação em função da proveniência do Veículo automóvel usado verifica-se, efetivamente, uma violação do disposto no artigo 110º do TFUE.
Aliás, foi esta desconformidade do direito nacional, na sua atual redação, com a norma comunitária conduziu à instauração do procedimento de infração contra a República Portuguesa que culminou no Processo C160/20, de 02.09.2021. Segundo comunicado da Comissão Europeia, de 24-01-2019, a Comissão deu início a ação judicial contra o Estado Português “por este Estado-Membro não ter em conta a componente ambiental do imposto de matrícula aplicável aos veículos usados importados de outros Estados-Membros para fins de depreciação. A Comissão considera que a legislação portuguesa não é compatível com o artigo 110.º do TFUE, na medida em que os veículos usados importados de outros Estados-Membros são sujeitos a uma carga tributária superior em comparação com os veículos usados adquiridos no mercado. Aliás, por ser assim no caso português, uma vez que a sua depreciação não é plenamente tida em conta, está em violação do Direito da União Europeia. Se Portugal não atuar no prazo de dois meses, a Comissão poderá enviar um parecer fundamentado sobre esta matéria às autoridades portuguesas.”
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Por último, refira-se que esta questão é recorrente e ainda na vigência do revogado imposto automóvel, que precedeu o atual ISV, aquele Tribunal de Justiça, se pronunciou sobre o tratamento discriminatório nesta matéria e, de forma inequívoca, veio declarar que “A cobrança por um Estado-Membro de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-Membro é contrária ao artigo 95.° do Tratado CEE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional.” [1]
Sobre a mesma matéria, e com referência aquele mesmo tributo, voltaria o Tribunal de Justiça a pronunciar-se, sempre no mesmo sentido em muitos outros processos contra a República Portuguesa, considerando que a cobrança por um Estado-Membro de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-Membro é contrária ao Tratado, quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados, semelhantes, já matriculados no território nacional.
Sobre idêntica questão se pronunciou o tribunal arbitral, constituído no âmbito do CAAD, no processo 436/2019. Na decisão proferida em 2/11/2019, esta questão foi analisada, nomeadamente, na parte que passamos a citar:
“É, pois, constante orientação do Tribunal de Justiça sobre a incompatibilidade de normas nacionais que tributem mais gravosamente os veículos “importados” de outros Estados Membros, como se extrai tanto das decisões referidas como de tributações de similares contornos vigentes noutros países da União Europeia: “O artigo 95.°, primeiro parágrafo, do Tratado só permite a um Estado-Membro aplicar aos veículos usados importados de outros Estados-Membros um sistema de tributação em que a depreciação do valor efectivo dos referidos veículos é calculada de modo geral e abstracto, com base em critérios ou tabelas fixas determinados por uma disposição legislativa, regulamentar ou administrativa, se esses critérios ou tabelas forem susceptíveis de garantir que o montante do imposto devido não excede, ainda que apenas em certos casos, o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos similares já matriculados no território nacional” (Ac. de 20-09-2007, proc. C-74/06, Comissão das Comunidades Europeias vs República Helénica).
Abordando a consideração da componente ambiental no âmbito da tributação automóvel no direito húngaro, o Tribunal de Justiça viria a considerar que: “52. No âmbito de um regime relativo ao imposto automóvel, critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em considerações ambientais constituem critérios objectivos. Daí poderem ser utilizados num regime desses. Em compensação, não é exigível que o montante do imposto esteja relacionado com o preço do veículo.
Contudo, um imposto automóvel não deve onerar mais os produtos provenientes de outros Estados-Membros do que os produtos nacionais similares.
Ora, um veículo novo relativamente ao qual o imposto automóvel foi pago na Hungria perde, com o decorrer do tempo, uma parte do seu valor de mercado. Assim, diminui, na mesma medida, o montante do imposto automóvel compreendido no valor residual do veículo. Sendo um veículo usado, só pode ser vendido por uma percentagem do valor inicial, percentagem que engloba o montante residual do imposto automóvel.
Ora, resulta dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça pelos órgãos jurisdicionais de reenvio que um veículo do mesmo modelo e de antiguidade, quilometragem e outras características idênticas, comprado em segunda mão noutro Estado-Membro e registado na Hungria será, contudo, sujeito a 100% do imposto automóvel aplicável a um veículo dessa categoria. Por conseguinte, o referido imposto onera mais os veículos usados importados do que os veículos usados similares já registados na Hungria e sujeitos ao mesmo imposto. 56. Assim, não obstante o carácter ambiental do objectivo e do fundamento do imposto automóvel e mesmo não tendo estes qualquer relação com o valor de mercado do veículo, o artigo 90.°, primeiro parágrafo, CE exige que seja tida em conta a depreciação dos veículos usados que são objecto de tributação, visto que esse imposto se caracteriza por ser apenas cobrado uma vez quando do primeiro registo do veículo para efeitos da sua utilização no Estado-Membro em causa e por ser desta forma incorporado no referido valor.” Com base neste considerandos, o Tribunal viria a declarar que “2 - O artigo 90.°, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto como o instituído pela lei relativa ao imposto automóvel, na medida em que seja cobrado sobre os veículos usados quando da sua primeira colocação em circulação no território de um Estado-Membro e em que o seu montante, exclusivamente determinado em função das características técnicas dos veículos (tipo de motor, cilindrada) e da sua classificação ambiental, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados-Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado-Membro de importação.” (Ac. de 05-10-2006, processos pensos C-290/05 e C-33/05, Akos Nadasdi).
Debruçando-se sobre o sistema nacional de tributação automóvel e já sobre a norma do artigo 11.º do CISV, na redação em vigor até à alteração introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, o Tribunal de Justiça viria a tecer as seguintes considerações:
Para efeitos da aplicação do artigo 110.° TFUE e, em especial, para efeitos da comparação entre o regime de tributação dos veículos usados importados e o dos veículos usados comprados no mercado nacional, que constituem produtos similares ou concorrentes, deve tomar-se em consideração não apenas a taxa da imposição interna que incide direta ou indiretamente sobre os produtos nacionais e os produtos importados mas também a matéria coletável e as modalidades do imposto em causa. Mais precisamente, um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C-74/06, EU:C:2007:534, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida).
No caso em apreço, o artigo 11.°, n.° 1, do Código do Imposto sobre Veículos prevê, para efeitos do cálculo do imposto aplicável aos veículos usados importados de outros Estados-Membros, a tomada em consideração de uma desvalorização em função de uma tabela de percentagens fixas que estabelece, designadamente, em 20% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado durante um período de um a dois anos e em 52% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado há mais de cinco anos.”
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Por fim, salienta-se, mais uma vez, o recente Acórdão do TJUE proferido em 02-09-2021, veio definitivamente esclarecer, sem margem de dúvida, o que já vinha sendo entendimento conforme da nossa jurisprudência nacional. Desta feita e referindo-se em concreto à questão da não consideração de desvalorização na componente ambiental, o artigo 11º do CISV viola o disposto no artigo 110º do TFUE.
Face a esta jurisprudência, considerando a matéria de facto assente e tudo o mais que vem exposto, não resta dúvida que, no caso em apreço, a liquidação de ISV aqui impugnada padece de ilegalidade, por violação do Direito da União Europeia, concretamente, do disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), na medida em que a tributação em causa se revela mais gravosa para os veículos introduzidos no consumo em Portugal provenientes de outros Estados Membros de União Europeia do que a que recai sobre veículos usados transacionados no mercado nacional.
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Esta linha jurisprudencial, à qual aderimos integralmente, leva-nos a concluir que a República Portuguesa não pode aplicar aos veículos automóveis usados importados de outros Estados-Membros um sistema de tributação que contenha qualquer elemento discriminatório (um valor de imposto superior) comparativamente ao imposto devido por um veículo utilizado em idêntica situação, em circulação e com a sua primeira inscrição originária em Portugal.[2]
Face à reiterada e constante posição do Tribunal de Justiça não resta dúvida que a norma do artigo 11º do CISV é, ainda, incompatível com o disposto no artigo 110º do TJUE. Em suma, existindo um entendimento claro e reiterado do Tribunal de Justiça sobre esta matéria, trata-se de jurisprudência clara e firme sobre a questão, sem necessidade de mais consultas ou reenvio ao TJUE, à qual este tribunal arbitral deve aderir e seguir como orientação fundamental na presente decisão.
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Nestes termos, e sem necessidade de mais considerandos, considera este Tribunal arbitral que a norma do artigo 11.º do Código do ISV, na medida em que sujeita os veículos usados importados de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior ao do imposto residual contido nos veículos usados similares, transacionados no mercado nacional (por força da desconsideração da desvalorização da componente ambiental) é incompatível com o direito comunitário por violação do disposto no artigo110º do TFUE. Nessa medida a liquidação de ISV impugnada afigura-se parcialmente ilegal e deve ser anulada na parte em que, não considerando a percentagem de desvalorização adequada, gerou um valor de imposto a pagar superior ao que devia ter sido praticado.
Pelo que o pedido arbitral formulado pela Requerente tem de proceder e a liquidação impugnada anulada parcialmente, porquanto ao desconsiderar a redução na vertente relativa à componente ambiental do ISV, encontra-se ferida de ilegalidade, por violação de lei comunitária. Em conformidade, assiste ainda à Requerente o direito ao reembolso do imposto pago em excesso, ou seja, no valor de €2.593,73, cuja dedução devia ter sido considerada no cálculo do imposto a liquidar, por aplicação da taxa de desvalorização sobre a componente ambiental
Quanto a juros indemnizatórios
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A Requerente peticiona, ainda, o reembolso da importância indevidamente cobrada em excesso (€2.593,73), acrescida de juros indemnizatórios. O artigo 43.º, nº1, da LGT, dispõe que são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido."
O direito a juros indemnizatórios pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT. No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação, pelas razões que se apontaram anteriormente, a Requerente efetuou o pagamento de importância manifestamente indevida.
Nestes termos, sendo parcialmente anulada a liquidação impugnada, por ilegalidade, tem a Requerente direito aos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre o montante indevidamente cobrado em excesso, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do efetivo reembolso (cfr. LGT, art.43.º, n.º 1 e CPPT, art. 61.º).
V – DECISÃO
Termos em que decide este Tribunal Arbitral:
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Julgar totalmente procedente o pedido da Requerente;
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Anular parcialmente a liquidação de ISV impugnada e condenar a AT a devolver à Requerente o valor de imposto pago em excesso, no montante de €2.593,73, acrescido de juros indemnizatórios contados nos termos legais;
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Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais.
IV. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor da causa em €2.593,73€ (dois mil, quinhentos e noventa e três euros e setenta e três cêntimos), nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por remissão das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
V. CUSTAS
Ao abrigo do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 612,00 € (seiscentos e doze euros), a cargo da parte vencida.
Notifique-se.
Lisboa, 03/11/ 2021
O Tribunal Arbitral singular,
(Maria do Rosário Anjos)
[1] Cfr.: Acórdão TCE. de 09-03-1995, proferido no Proc. C-345/03, “Ac. Nunes Tadeu”. Entendimento que veio a ser reforçado em Acórdãos posteriores, entre os quais, o Ac. de 22-02-2001, proc. C-393/98, “Ac. Gomes Valente”).
[2] Cfr. Ac. de 16-06-2016, proc. C-200/15, Comissão Europeia contra República Portuguesa. No mesmo sentido, cfr. Jurisprudência arbitral vertida no citado proc. 346/2019-T, de 2/11/2019; decisão arbitral de 30-04-2019, proferida no processo 572/2019-T, bem assim como na decisão proferida no processo 4459/2019, de 06/04/2020.