Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 704/2020-T
Data da decisão: 2021-11-02  IRS  
Valor do pedido: € 2.656,63
Tema: IRS – Mais-valias; Não residentes; Princípio da não discriminação
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Sumário

O n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE.

 

I – Relatório

1.A..., contribuinte fiscal n.º..., casada no regime da comunhão de adquiridos com B... e residente ..., ..., ..., em França, apresentou junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 3, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) com o n.º º 2020..., relativa ao ano de 2019, no valor de € 5 313,16. Encontrando-se o processo em situação de cobrança coerciva (processo de execução fiscal n.º ...2020...) peticiona ainda o reembolso de quantias que tenham sido indevidamente pagas bem como eventuais juros indemnizatórios e bem assim,  a condenação da Requerida nas custas do processo e em custas de parte.

2.É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

3.O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado pela Requerente em 30.11.2020 e aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD em 2.12.2020. Foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 9.12.2020. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/1 do RJAT, foi designado, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em 25.01.2021, o ora signatário como Árbitro a integrar o Tribunal arbitral singular, o qual se constituiu em 03.05.2021, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º/1 c), do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro. Em 03.05.2021 foi proferido despacho arbitral para a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º/1 e 2 do RJAT.

4.Em 01.06.2021, a Requerida AT veio juntar aos autos a sua resposta, que se dá por integralmente reproduzida. Não juntou processo administrativo.

5.Em 10.09.2021, foi proferido nos autos despacho arbitral a dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, dada a ausência de matéria de facto controvertida e a evidência da natureza das questões suscitadas pelas partes, que se configuram como questões exclusivamente de direito. Por outro lado, porque as questões estavam suficientemente debatidas no pedido de pronúncia arbitral e na resposta, em sintonia com o previsto no artigo 113.º do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º/1 c) do RJAT, foram dispensadas alegações.

6.No presente pedido arbitral a Requerente pretende a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS referente ao ano de 2019 e a sua anulação parcial, bem como a restituição do imposto eventualmente pago por si em excesso, acrescido dos juros indemnizatórios devidos, nos termos previstos nos artigos 43.º e 100.º da LGT, desde a data do pagamento até efectivo reembolso. Alega, em síntese, que este acto tributário enferma de vício de violação de lei, porquanto, no apuramento do seu rendimento colectável, a AT não aplicou a regra constante do artigo 43.º/2, do CIRS, que prevê a redução em 50% (cinquenta por cento) da mais-valia realizada pela Requerente pela alineação onerosa do direito de propriedade.

7.Segundo a Requerente, o entendimento da AT, subjacente ao acto impugnado, assenta numa interpretação e aplicação do n.º 2, dos artigos 10.º e 43.º, do CIRS, no sentido de excluir da limitação da incidência do imposto a 50% (cinquenta por cento) as mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis situados em Portugal, realizadas por um sujeito passivo residente noutro Estado membro da União Europeia, limitando aquela incidência do imposto unicamente a sujeitos passivos residentes em território português, consubstancia uma violação do actual artigo 63.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), por se traduzir num regime fiscal discriminatório para os residentes noutro Estado membro da União Europeia. Alega, em suma, que o artigo 43.º/2 do CIRS, ao estabelecer um regime diferenciado para tributação das mais-valias realizadas por residentes e não residentes em território nacional, estabelece uma discriminação inaceitável à luz do disposto no artigo 56.º do Tratado da União Europeia, quando aplicado a residentes noutro estado membro que realizem mais-valias decorrentes da alienação de imóveis situados em Portugal.

8.Assim, entende a Requerente que a liquidação impugnada é ilegal, porquanto tem a sua origem na aplicação do disposto no artigo 43.º/2 do CIRS, do qual resultou, no caso concreto, a aplicação da taxa de IRS sobre a totalidade da mais-valia e não apenas sobre 50%, apenas porque a Requerente, sendo residente noutro Estado da União Europeia (França), não cumpre o pressuposto previsto na norma legal em causa. Invoca, em favor do seu entendimento, jurisprudência diversa, quer arbitral quer dos nossos Tribunais superiores, bem assim como do Tribunal de Justiça da União Europeia.

9.Em consequência, pede o reembolso do imposto pago indevidamente, bem como juros indemnizatórios. Requer ainda a condenação da Requerida nas custas e em custas de parte.

 

10.A Requerida AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual pugna pela manutenção na ordem jurídica do acto impugnado. Alega, em síntese, que a posição da Requerente não deve obter provimento, face à alteração do artigo 72.º do CIRS, efectuada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, nomeadamente o aditamento dos n.os 7 (actual n.º 9) e 8 (actual n.º 10).

11.Assim, o artigo 72.º/8 (actual 72.º/10) do CIRS é taxativo, no sentido de que devem ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano (quer em Portugal, quer no estrangeiro). O mesmo é referido no artigo 15.º/1 do Código do IRS: sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.

12.Como tal, entende a AT que para efeitos de tributação pela taxa do artigo 68.°, ou seja, como residente, era necessário ter preenchido os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68° do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro) do Modelo 3. Quer isto dizer que o quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data da jurisprudência do TJUE aqui invocada pela Requerente, tendo em conta que foi efectuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.os 7 e 8 (actuais 9 e 10) ao artigo 72.º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12.

13.Salienta, ainda, a AT que o artigo que a Requerente pretende que lhe seja aplicado (43.º/2 CIRS) integra o capítulo II do CIRS que tem como epígrafe Determinação do rendimento colectável. Para efeitos de incidência (no que toca à matéria das mais-valias) os artigos relevantes são o 9.° e 10.° do CIRS. Assim, o disposto no artigo 43.º/2 do CIRS não pode ser aplicável ao caso aqui em análise.

14.Conclui pugnando pela legalidade da liquidação de IRS impugnada e pela improcedência do pedido arbitral.

 

II. Saneamento

15.O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos do artigo 2.º/1 a) do RJAT. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º/2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

16.O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

Cumpre decidir.

 

III. Matéria de facto

Factos provados

17.Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:

  1. A Requerente, à data do facto tributário, era residente em França.
  2. Em 7 de Outubro de 2019, a Requerente alienou a sua quota parte do prédio rústico, composto de terreno de cultura, sito no ..., freguesia de ... e ...., concelho de Esposende, descrito na Conservatória do Registo Predial de Esposende sob o .../... da freguesia de ..., ao seu irmão C..., recebendo o valor de €19.000,00.
  3. Na sequência da apresentação da declaração de IRS relativa ao período em causa, a Requerente declarou a sua condição de não residente em Portugal, mas não optou pela aplicação da taxa consagrada no art. 68.º CIRS, tendo sido, por isso, confrontada com a liquidação de IRS no valor de €5.313,16 – montante esse que resultou da liquidação do imposto sobre a totalidade das mais-valias realizadas com a venda da quota-parte da Requerente no identificado imóvel.
  4. Em 30.11.2020 a Requerente apresentou o presente pedido arbitral.

 

Factos não provados

18.Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

19.O tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada ou não provada com base nos documentos juntos e nas declarações das partes.

 

III. Matéria de Direito

20.Fixada a matéria de facto, importa conhecer da questão de direito suscitada pela Requerente. A questão de fundo a apreciar, consiste em saber se a norma estabelecida pela legislação nacional, no artigo 43.º do CIRS, consagra uma diferenciação entre residentes e não residentes, e em concreto, se a base de incidência em IRS das mais-valias derivadas da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis é (in)compatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, por se traduzir num regime fiscal menos favorável para os não residentes. É esta a única questão que está em debate.

21.Essa questão foi apreciada no CAAD em diversos processos anteriores, deles resultando uma jurisprudência consistente em relação à qual não existe qualquer motivo que justifique uma alteração desse entendimento.

22.Assim, nos termos do artigo 10.º/1 a), do artigo 10.º, do CIRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (...) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

23.Esses rendimentos, desde que resultantes da transmissão de direitos reais relativos a imóveis situados em território português consideram-se aqui obtidos (CIRS, art. 18.º/1 h), ficando, assim, abrangidos pela incidência deste tributo quando auferidos por titulares não residentes (CIRS, arts. 13.º/1 e 15.º/2).

24.Conforme resulta do artigo 10.º/4, CIRS, o ganho sujeito a tributação é constituído pela diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição, sendo este valor actualizado pelo coeficiente de correcção monetária e acrescido de encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos e bem assim das despesas necessárias e efectivamente praticadas inerentes à aquisição e alienação, nos termos dos artigos 50.º e 51.º do mesmo Código.

25.O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias, integrando a Categoria G do IRS, é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, conforme prevê o artigo 43.º/1 do citado Código.

26.No entanto, segundo o n.º 2 do mesmo artigo, na redacção em vigor à data da ocorrência do facto tributário a que se reporta o presente pedido de pronúncia arbitral, o referido saldo, positivo ou negativo, quando respeitante a mais-valias imobiliárias, é apenas considerado em 50% do seu valor, quando respeitante às transmissões efectuadas por residentes.

27.Quando auferidos por sujeitos passivos residentes, esses rendimentos são sujeitos a englobamento e, em conjunto com outros rendimentos auferidos no mesmo ano pelos respectivos titulares, sobre eles incidem as taxas gerais previstas no artigo 68.º CIRS.

28.Diversamente, se esses rendimentos forem auferidos por titulares não residentes em território português, são sujeitos a tributação autónoma, incidente à taxa especial de 28% sobre a totalidade das mais-valias, nos termos do artigo 72.º/1 a), do mesmo Código.

29.A assinalada desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias entre os sujeitos passivos residentes e não residentes foi submetida à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), por via de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo (Ac. de 28.09.2006, Proc.439/06).

30.Respondendo à questão colocada, o TJUE, em acórdão de 11.10.2007, proferido no Proc. C-443/06 (Hollmann), declarou que [o] artigo 56º CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.

31.Na sequência da referida decisão, o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 16.01.2008, proferido naquele Processo 439/06, veio igualmente a decidir que [o] n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal, viola o disposto no art. 56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia.

32.A orientação referida tem vindo a ser invariavelmente seguida pelo Supremo Tribunal Administrativo conforme se pode verificar dos acórdãos de 22.03.2011- Proc. 01031/10, de 10.10.2012, Proc. 0533/12, de 30 .04.2013, Proc. 01374/12, de 18.11.2015, Proc. 0699/15, de 03.02.2016, Proc. 01172/14 e, mais recentemente, de 20.02.2019, Proc. 0901/11.

33.Todavia, o legislador nacional, por via da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, procurou obviar o tratamento discriminatório dos residentes comunitários e do Espaço Económico Europeu, permitindo-lhes optarem pela possibilidade de tributação das mais-valias imobiliárias em condições similares às aplicáveis aos residentes em território português, aditando ao artigo 72.º do Código do IRS os números 7 e 8 (n.os 9 e 10 à data dos factos, na renumeração operada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, a que correspondem os actuais n.os 13 e 14), com a seguinte redacção:

[9] Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu [EEE], desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

[10] Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

34.Contrariamente ao que pretende a Requerida, o regime opcional acima referido não veio sanar o regime discriminatório que se mantém em vigor, mesmo abrindo a possibilidade aos contribuintes residentes no EEE de solicitarem a aplicação do regime aplicável aos contribuintes residentes no território nacional.

35.Este foi o enquadramento jurídico das liquidações de IRS ora questionadas.

36.Após a alteração legislativa acima referida ficaram a vigorar, na área da tributação dos rendimentos qualificados como mais-valias originadas pela transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, dois regimes distintos, aplicáveis a não residentes: um regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, traduzido na tributação desses rendimentos à taxa especial de 28% incidente sobre a totalidade do rendimento e um regime especificamente aplicável a residentes no  Espaço Económico Europeu (que inclui os Estados-membros da União Europeia), equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes.

37.Mantém-se, nestes termos, uma discriminação, na medida em continua a ser diferente o regime aplicável a cidadãos residentes no território nacional e no EEE; e a possibilidade de estes poderem solicitar a aplicação do regime previsto para os outros impõe um ónus suplementar (e um nível conhecimento da lei vigente que, em muitos casos lhes escapa).

38.Assim, o regime específico de equiparação aos residentes, sendo opcional, não afasta o carácter discriminatório da norma do artigo 43.º/2, conforme, aliás, tem vindo a ser decidido em diversas decisões arbitrais, já na decorrência de situações posteriores à alteração legislativa acima referida.

39.O próprio TJUE, a propósito da questão da equiparação quando o contribuinte pode optar por dois regimes (ou seja, em situação idêntica) afirmou expressamente que: a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente […] escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório. […] essa escolha não é susceptível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais (ac. de 18.03.2010, Gielen, proc. C-440/08, n.os 50 e 51).

40.No mesmo sentido, se considerou, em decisão arbitral de 14.05.2013, (proc. 127/2012-T) que a opção que é dada a um sujeito passivo residente na União Europeia ou espaço económico europeu entre um regime que continua a ser discriminatório, por violação do disposto art. 63.º do TFUE e um outro alegadamente não discriminatório, equiparando-os com os residentes no território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes. Concluindo aquele aresto que "ao se reconhecer que os referidos efeitos não são eliminados, estar-se-á a admitir que a referida opção valida um regime fiscal que continua em si mesmo a violar o artigo 63.º do TFUE, pelos motivos acima enunciados, o que não se coaduna com o direito comunitário.

41.É, pois, esta a orientação que tem vindo a ser acolhida na jurisprudência arbitral do CAAD, não só nas decisões acima citadas, como em muitas outras, designadamente as proferidas nos processos 748/2015-T, 89/2017-T, 520/2017-T, 617/2017-T, 644/2017-T, 370/2018-T, 583/2018-T, 596/2018-T 600/2018-T e 613/2018-T, não se suscitando quaisquer dúvidas sobre a incompatibilidade do actual quadro normativo em causa com o direito comunitário, em especial com o artigo 63.º do TFUE.

42.Também não se suscitaram dúvidas ao Supremo Tribunal Administrativo que, em acórdão de 20.02.2019, proferido no Proc. 0901/11.0BEALM.0692/17 - reportando-se a mais-valias realizadas em 2010, (já na vigência, portanto, das alterações introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007) - se pronunciou sobre a matéria em causa nos seguintes termos: 12. O Estado Português, através da Lei 3-B/2010 de 28.04, instituiu um regime opcional, ex vi n.os 7 e 8 do artigo 72.º do CIRE, com vista à equiparação dos não residentes aos residentes, permitindo àqueles a opção de englobamento dos rendimentos obtidos por mais-valias imobiliárias e, assim, serem tributados em condições similares às dos residentes. 13. Tratando-se de um regime opcional e mantendo-se o regime geral discriminatório, a sua apreciação foi objecto do Acórdão Gielan de 18.03.2010 do TJUE, que veio a manter as anteriores conclusões referidas no Acórdão Hollmann. 14. E no caso sub judice foi a Autoridade Tributária que determinou a forma de tributação, através da correcção da liquidação, não validando os elementos declarados pelos Impugnantes na sua declaração anual de IRS, não dando hipótese do exercício desta opção aos Impugnantes. 15. Mesmo assim, tal regime opcional não vem sanar a discriminação entre as normas do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS e o artigo 56.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia, já que a norma anterior se manteve como geral, apenas sendo criada uma outra opcional. 16. Na verdade, já este STA se pronunciou em situação similar à presente - acórdão de 03.02.2016, Proc. 01172/14 - negando provimento a um recurso e decidindo no sentido de que tributação em sede de mais valias imobiliárias apuradas por um não residente, devem ser consideradas apenas em 50%, evitando assim a situação discriminatória que a Fazenda Pública pretende ver aqui reconhecida. 17. Concluindo que a aplicação do n.º 2 do artigo 43 do CIRS, que discrimina negativamente a tributação dos não residentes face aos residentes, é incompatível com o direito comunitário, porque limita os movimentos de capitais que o artigo 56.º do Tratado CE consagra.

43.Acompanhando, sem reservas, a jurisprudência do STA e do CAAD acima referidas, , considera este Tribunal que se não suscitam dúvidas quanto à incompatibilidade com o direito europeu das normas aplicadas à liquidação ora impugnada.

44.Nestes termos, julga-se incompatível com o direito europeu a norma do artigo 43.º/2 do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE. Consequentemente, o acto de liquidação em causa, desconsiderando aquela limitação, encontra-se ferido de ilegalidade.

45.Restringindo-se, no entanto, a ilegalidade apenas àquele excesso de tributação, a título de mais-valias, e nela se centrando em exclusivo o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, deve esse acto ser anulado nessa parte.

46.A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso da quantia eventual e indevidamente paga, no pagamento de juros indemnizatórios, e nas custas do processo.

47.De harmonia com o disposto no artigo 24.º b) do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º/1 a) do RJAT. Ainda nos termos do artigo 24.º/5 do RJAT é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário, o que remete para o disposto nos artigos 43.º/1, e 61.º/5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

48.Não sendo certo que a Requerente haja efectivamente procedido ao pagamento do imposto – ou parte dele – o direito a juros indemnizatórios fica condicionado pela verificação de algum pagamento indevido, incidindo sobre este.

 

IV. Decisão

Em face do supra exposto, decide-se

  1. Julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular parcialmente o acto tributário objecto dos presentes autos, por violação de lei, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária, com as demais consequências legais;
  2. Condenar a AT a restituir à Requerente o valor de imposto eventualmente pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, a contar da data em que tenha sido efectuado e até à data do processamento da respectiva nota de crédito;
  3. Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

 

V. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em 2.656,63 € (dois mil seiscentos e cinquenta e seis euros e sessenta e três cêntimos) nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º/1 a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º/2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI. Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de 612.00 € (seiscentos e doze euros), a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º/2, e 22.º/4, do RJAT, e artigo 4.º/5, do RCPAT.

 

Notifique-se o Ministério Público para os efeitos que tiver por convenientes.

Notifiquem-se as partes.

 

Lisboa, 2 de Novembro de 2021

 

 

O Árbitro

 

 

Rui M. Marrana

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.