Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 385/2020-T
Data da decisão: 2021-10-22  IMI  
Valor do pedido: € 9.311,94
Tema: IMI. Juros indemnizatórios. Custas do processo.
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SUMÁRIO:

1.            Por virtude de factos novos ocorridos na pendência do processo, o escopo visado com a pretensão deduzida em juízo já foi atingido por outro meio, então a decisão a proferir não envolve efeito útil, pelo que ocorre, nesse âmbito, inutilidade superveniente da lide.

2.            Os juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano, dano esse que resulta do facto de o sujeito passivo ter ficado ilicitamente privado de certa quantia, durante um determinado período de tempo, visando colocá-lo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efetuado o pagamento que lhe foi indevidamente exigido.

3.            Não se verificando nenhuma das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 536.º do CPC, das quais poderia resultar a ausência de responsabilidade da Requerida pela inutilidade superveniente da lide, há que fazer aplicar o artigo 536.º, n.º 3, do CPC, existindo da parte da Requerida a obrigação o pagamento integral das mesmas.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro designado para formar o Tribunal Arbitral Singular constituído em 14 de outubro de 2020, Rui Miguel Zeferino Ferreira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), decide o seguinte:

 

 

I.             RELATÓRIO

 

A..., LDA, adiante “Requerente”, sociedade comercial por quotas, pessoa coletiva com o número de identificação de pessoa coletiva (NIPC) ..., com sede na ..., n.º..., ..., em Lisboa, ...-... Lisboa, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente.

 

A Requerente no âmbito do identificado pedido de pronúncia arbitral pretendia, quanto às frações A, B, C e D, do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ..., situado na Rua ..., n.º..., em Lisboa, a declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) e do Adicional de Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”), referentes aos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018, quanto ao IMI, e aos anos de 2017 e 2018, quanto ao AIMI, respetivamente, quanto ao IMI as liquidações n.ºs 2015..., 2015..., 2015...; 2016..., 2016..., 2016...; 2017..., 2017..., 2017...; 2018..., 2018..., 2018...; e quanto ao AIMI as liquidações n.ºs 2017... e 2018..., no valor global de € 9.311,94.

 

Nesse âmbito, a anulação das identificadas liquidações de IMI e AIMI, bem como, por um lado, o reembolso do montante de imposto pago e, por outro, o recebimento de juros indemnizatórios.

 

Como fundamento da sua pretensão, a Requerente invoca, em síntese:

 

a)            Que apresentou contra os referidos atos tributários de liquidação de IMI e AIMI Reclamação graciosa, sobre o qual se verificou o indeferimento tácito, bem como pedidos de revisão do ato tributário, visto que deu entrada dos referidos meio de reação graciosos em 29.12.2019, sem que os mesmos tenham sido decididos até 29.04.2020, formando-se uma decisão de indeferimento tácito.

b)           Que as liquidações de IMI e AIMI, quanto aos prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ..., frações A, B, C e D padecem do vício de violação de lei, por os referidos prédios se encontram individualmente classificados, designadamente de beneficiarem da classificação como imóveis de interesse municipal.

c)            Que, quanto ao AIMI, sustenta que não são contabilizados, ficando, por isso, excluídos da base de incidência, o valor dos prédios que no ano anterior tenham estado isentos ou não sujeitos a tributação em sede de IMI, pelo que o valor patrimonial dos prédios isentos de IMI deveria ter sido excluído, o que implicaria que a base de incidência fosse distinta.

d)           Que o prédio urbano se encontrava isento de IMI e de AIMI, de acordo com o disposto do artigo 44.º, n.º 1, al. n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”) e do artigo 15.º, n.º 6, da Lei de Bases do Património Cultural.

e)           Que, por ter sido paga a totalidade do montante de IMI e AIMI, o referido montante deverá ser integralmente reembolsado, acrescido de juros indemnizatórios, por sustentar a existência de erro apenas imputável aos serviços no apuramento do imposto, bem como, que de tal erro resultou o pagamento de imposto de montante superior ao legalmente devido.

 

É demandada a AT, doravante também designada por “Requerida”.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 28 de julho de 2020 e, de seguida, notificado à AT.

 

Com a aprovação da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, foram suspensos os prazos procedimentais e processuais, no âmbito das medidas da pandemia Covid 19. Esta suspensão cessou com a entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, prosseguindo a tramitação processual a partir de 6 de abril de 2021.

 

Nos termos do disposto do artigo 5.º, n.º 2, do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico designou o árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo.

 

Em 11 de setembro de 2020, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 14 de outubro de 2020.

 

Em 21 de outubro de 2020, após notificação à Requerida para apresentação de resposta, a mesma apresentou requerimento em que vem dar conhecimento que os atos tributários contestados foram oficiosamente revistos, nos seguintes termos:

 

- IMI 2015 - Liq. n.º ..., de 2020.10.14 - U-...-frações, freguesia ... - coleta €0;

- IMI 2016 - Liq. n.º..., de 2020.10.14 - U-...-frações, freguesia ... - coleta €0

- IMI 2017 - Liq. n.º ..., de 2020.10.14 - U-...-frações, freguesia ... - coleta €0

- IMI 2018 - Liq. n.º..., de 2020.05.11 - U-...-frações, freguesia ... - coleta €0

- AIMI 2017 - Liq. n.º ..., de 2020.10.14 - U-...-frações, freguesia ... - coleta €0

- AIMI 2018 - Liq. n.º..., de 2020.10.14 - U-...-frações, freguesia  ... - coleta €0

 

                No âmbito do referido ato de revogação dos atos tributários, informa que “Relativamente aos juros indemnizatórios, encontra-se o SF Lisboa ... a promover as diligências necessárias de análise do mérito e eventual cômputo dos mesmos, face ao disposto na lei”.

 

Sobre o requerimento apresentado pela Requerida, a Requerente do pedido de constituição de tribunal arbitral, veio em resposta, em 15 de dezembro de 2020, alegar que a Requerida apenas satisfez parcialmente o pedido formulado nos autos, requerendo o reconhecimento da inutilidade superveniente da lide, mas sempre com a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios até integral reembolso das liquidações anuladas, bem como a condenação no pagamento das custas de parte no presente processo.

 

Em 17 de junho de 2021, o Tribunal Arbitral dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como facultou a possibilidade de as partes, querendo, apresentarem alegações escritas, em simultâneo no prazo de 10 dias. Igualmente, na mesma data, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, fez-se uso da possibilidade aí prevista, e determinou-se a prorrogação do prazo acima identificado por um período de 2 (dois) meses, indicando-se o dia 27 de agosto de 2021 como data previsível para prolação da decisão arbitral, devendo o Requerente, até essa data, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

 

Posteriormente, em 26 de agosto de 2021, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, fez-se uso da possibilidade aí prevista, e determinou-se a prorrogação do prazo acima identificado por um período de 2 (dois) meses, indicando-se o dia 27 de outubro de 2021 como data previsível para prolação da decisão arbitral.

 

Em 27 de agosto de 2021 a Requerente procedeu ao pagamento da taxa de arbitragem subsequente.

 

II. DO SANEAMENTO DO PROCESSO

 

O Tribunal Arbitral Singular é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devida e legalmente representadas (artigos 3º, 6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.

 

O processo não enferma de nulidades

 

III.          DA FUNDAMENTAÇÃO

A.           MATÉRIA DE FACTO

A.1.  FACTOS PROVADOS

 

Com relevo para a decisão do processo arbitral, importa atender à seguinte factualidade, que se julga provada:

 

A.           A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, com sede em Portugal, na ..., n.º..., ..., em Lisboa, ...-...Lisboa, que exerce a atividade no âmbito dos investimentos imobiliários.

B.            A Requerente é proprietária dos prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Lisboa, inscrito na matriz sob o artigo ..., nomeadamente, as frações A, B, C e D, situados na Rua ..., n.º ..., em Lisboa.

C.            O prédio urbano correspondente à fração A, do artigo matricial..., tinha à data do ano de 2020 um valor patrimonial tributário de € 178.147,60.

D.           O prédio urbano correspondente à fração B, do artigo matricial ..., tinha à data do ano de 2020 um valor patrimonial tributário de € 118.219,98.

E.            O prédio urbano correspondente à fração C, do artigo matricial ..., tinha à data do ano de 2020 um valor patrimonial tributário de € 71.534,80.

F.            O prédio urbano correspondente à fração D, do artigo matricial..., tinha à data do ano de 2020 um valor patrimonial tributário de € 190.802,19.

G.           No ano de 2015, a Requerente foi notificada de liquidação de IMI, referente às frações A, B, C e D, do artigo matricial..., da freguesia ..., concelho de Lisboa, num total global de € 1.330,92.

H.           No ano de 2016, a Requerente foi notificada de liquidação de IMI, referente às frações A, B, C e D, do artigo matricial ..., da freguesia ..., concelho de Lisboa, num total global de € 1.164,54.

I.             No ano de 2017, a Requerente foi notificada de liquidação de IMI, referente às frações A, B, C e D, do artigo matricial ..., da freguesia ..., concelho de Lisboa, num total global de € 1.173,27.

J.             No ano de 2018, a Requerente foi notificada de liquidação de IMI, referente às frações A, B, C e D, do artigo matricial ..., da freguesia ..., concelho de Lisboa, num total global de € 1.173,27.

K.            No ano de 2017, a Requerente foi notificada de liquidação de AIMI, referente às frações A, B, C e D, do artigo matricial ..., da freguesia ..., concelho de Lisboa, num total global de € 2.234,82.

L.            No ano de 2018, a Requerente foi notificada de liquidação de AIMI, referente às frações A, B, C e D, do artigo matricial ..., da freguesia ..., concelho de Lisboa, num total global de € 2.234,82.

M.          O prédio urbano encontra-se individualmente classificado como imóvel de interesse municipal, desde o ano de 1996.

N.           Das cadernetas prediais de cada uma das frações consta, atualmente, o averbamento da isenção, mas apenas referindo o seu início em 2019

O.           A Requerente procedeu ao pagamento dos atos de todos os atos de liquidação do IMI e do AIMI, que quanto ao imposto imputados aos prédios urbanos referenciados, no seu conjunto totalizou o montante global de € 9.311,94.

P.            A Requerente apresentou contra os referidos atos tributários de liquidação de IMI e AIMI Reclamação Graciosa, bem como pedidos de revisão do ato tributário, em 29.12.2019, e, pelo menos, até 29.04.2020 não recaiu sobre os mesmos qualquer decisão legalmente notificada à Requerente.

Q.           Em discordância com os atos tributários de liquidação de IMI, referente aos períodos de 2015, 2016, 2017 e 2018, e com os atos tributários de liquidação de AIMI, referente aos períodos de 2017 e 2018, acima identificados, a Requerente apresentou no CAAD, em 27 de julho de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do PPA no SGP do CAAD.

R.            Em 21 de outubro de 2020, a Requerida veio informar da revogação dos atos de tributação de IMI e AIMI, referente às frações do prédio identificado, oficiosamente revistos, nos seguintes termos:

- IMI 2015 - Liq. n.º ..., de 2020.10.14 - U-...-frações, freguesia ... - coleta €0;

- IMI 2016 - Liq. n.º ..., de 2020.10.14 - U-...-frações, freguesia ... - coleta €0

- IMI 2017 - Liq. n.º..., de 2020.10.14 - U-...-frações, freguesia ... - coleta €0

- IMI 2018 - Liq. n.º ..., de 2020.05.11 - U-...-frações, freguesia ... - coleta €0

- AIMI 2017 - Liq. n.º ..., de 2020.10.14 - U-...-frações, freguesia ... - coleta €0

- AIMI 2018 - Liq. n.º..., de 2020.10.14 - U-...-frações, freguesia ... - coleta €0

 

S.            A Requerida não procedeu ao pagamento de juros indemnizatórios, afirmando a esse propósito que “Relativamente aos juros indemnizatórios, encontra-se o SF Lisboa ... a promover as diligências necessárias de análise do mérito e eventual cômputo dos mesmos, face ao disposto na lei”.

T.            A Requerida, pelo menos até 27 de julho de 2020, não notificou a Requerente da revogação dos atos de liquidação de IMI e AIMI, designadamente sobre a revogação da liquidação de IMI de 2018, de 11.05.2020.

 

A.2.  FACTOS NÃO PROVADOS

 

Com relevo para a decisão, não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

A.3.  FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA E NÃO PROVADA

 

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importa, para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT e artigo 607º, nº 3, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental e o PA anexo, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

 

B.            DO DIREITO

 

No decurso dos presentes autos de arbitragem tributária veio a Requerida, depois de notificada para, querendo apresentar resposta, informar que havia procedido à revogação dos atos tributários de liquidação de IMI e AIMI objeto de discussão no presente processo. Sobre essa pretensão a Requerente veio requerer a inutilidade superveniente da lide, mas com a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, bem como as custas do processo, pelo que se impõe a este tribunal arbitral decidir sobre tais questões.

 

Conforme resulta dos factos dado como provados, em R) foram revogados todos os atos tributários objeto do presente processo, por via da revisão dos atos de tributários de liquidação do IMI e AIMI.

 

Face ao ocorrido torna-se inútil o prosseguimento da presente lide, na medida em que, do prosseguimento da mesma, não resultará qualquer efeito sobre a relação jurídica material controvertida, no que as partes estão, de resto, de acordo.

 

O artigo 277.º, al. e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT, estabelece que “A instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.

 

A impossibilidade da lide ocorre em caso de morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objeto do processo ou por extinção de um dos interesses em conflito. A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio. A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide traduz-se, assim, numa impossibilidade ou inutilidade jurídica, cuja determinação tem por referência o estatuído na lei.

 

Segundo José Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 555), “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.

Assim, se, por virtude de factos novos ocorridos na pendência do processo, o escopo visado com a pretensão deduzida em juízo já foi atingido por outro meio, então a decisão a proferir não envolve efeito útil, pelo que ocorre, nesse âmbito, inutilidade superveniente da lide.

 

No caso concreto, ao revogar os atos de liquidação de IMI e de AIMI, por via da revisão dos atos tributários mencionados, que constituía parte do objeto deste processo, a AT satisfez essa pretensão formulada pela Requerente nestes autos. Nessa medida, o principal resultado que a Requerente visava com o presente processo arbitral foi já integralmente atingido, sendo apenas necessário que a AT proceda (caso ainda não o tenha feito) à execução dos atos consequentes da revogação dos atos de liquidação em causa, nomeadamente, o reembolso das quantias pagas pela Requerente.

 

Na verdade, a prática posterior do ato de revogação das liquidações impugnadas (cfr. artigo 79.º, n.º 1 da LGT) implica que a instância atinente à apreciação da legalidade dessas liquidações se extingue por inutilidade superveniente da lide, dado que, por terem sido eliminados os seus efeitos pela revogação anulatória, perde utilidade a apreciação, em relação a tais liquidações, dos vícios alegados em ordem à sua invalidade, ficando sem objeto a pretensão impugnatória contra elas deduzida.

 

Neste sentido, de entre outros, e ainda que de modo exemplificativo, poderão consultar-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 02/07/2014, e de 29/03/2017, relatados, respetivamente pelos Conselheiros Pedro Delgado e Francisco Rothes no âmbito dos processos 0713/14 e 0229/16, de onde se extrai: " I. A inutilidade superveniente da lide ocorre quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de ter todo o interesse e utilidade, conduzindo, por isso, à extinção da instância (artº 287, al. e), do Código de Processo Civil ", e quanto ao último dos citados arestos: "I. A inutilidade superveniente da lide só se verifica se, após a instauração da causa, a pretensão de tutela judicial aí formulada deixou de ter utilidade, designadamente por ter sido obtida por outro meio [cfr. art. 277º, alínea e) do CPC].

 

Nestes termos, julga este Tribunal Arbitral Singular verificar-se a inutilidade superveniente da lide no que concerne ao pedido de anulação dos atos tributários objeto do presente processo, o que implica a extinção da correspondente instância nos termos do disposto no artigo 277º alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, al. e) do RJAT

 

IV.          DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

                               A Requerente finaliza o seu pedido no sentido da condenação da AT (Requerida) no “reembolso do montante de imposto já, indevidamente, pago, acrescido de juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor”.

 

                               Dispõe o artigo 43.º, n.º1 da Lei Geral Tributária (LGT) que: “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulta pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

                               Prevê ainda o artigo 100.º do indicado compêndio normativo que “A administração tributária está obrigada em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.

 

                               Com efeito, determinando o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deverá o mesmo ser interpretado no sentido de permitir o conhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral tributário.

 

                               Os juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano, dano esse que resulta do facto de o sujeito passivo ter ficado ilicitamente privado de certa quantia, durante um determinado período de tempo, visando colocá-lo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efetuado o pagamento que lhe foi indevidamente exigido.

 

                               No caso concreto dos presentes autos, não restarão dúvidas quanto à imputabilidade do erro, determinativo do pagamento e juros indemnizatórios à Autoridade Tributária e Aduaneira, por esta reconhecido de resto, na revogação dos atos tributários de liquidação de IMI e AIMI, colocados em crise nos presentes autos.

                              

V.           DA RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS

 

                               O artigo 536.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, sob a epígrafe “repartição de custas”, estabelece o seguinte:

 

Artigo 536.º (art. 450.º CPC)

Repartição de Custas

1-            Quando a demanda do autor ou requerente ou a oposição do réu ou requerido eram fundadas no momento em que foram intentadas ou deduzidas e deixaram de o ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, as custas são repartidas entre aqueles em partes iguais.

2-            Considera-se que ocorreu uma alteração das circunstâncias não imputável às partes quando:

a)            A pretensão do autor ou requerido ou oposição do réu ou requerente se houverem fundado em disposição legal entretanto alterada ou revogada;

b)           Quando ocorra uma reversão de jurisprudência constante em que se haja fundado a pretensão do autor ou requerente ou oposição do réu ou requerido;

c)            Quando ocorra, no decurso do processo, prescrição ou amnistia;

d)           Quando, em processo de execução, o património que serviria de garantia aos credores se tiver dissipado por facto não imputável ao executado;

e)           Quando se trate de ação tendente à satisfação de obrigações pecuniárias e venha a ocorrer a declaração de insolvência do réu ou executado, desde que, à data da propositura da ação, não fosse previsível para o autor a referida insolvência.

3-            Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.

4-            Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas.

 

                               No caso concreto, temos que a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral no dia 27 de julho de 2020, tendo a Requerida (“AT”) procedido à revogação dos atos tributários de IMI e AIMI no dia 14 de outubro de 2020 (liquidações de IMI de 2015, 2016, 2017, e liquidações de AIMI de 2017 e 2018), bem como, no dia 11 de maio de 2021 (liquidação de IMI de 2018), as quais não foram notificadas ao Requerente, antes da apresentação do pedido de pronúncia arbitral. Foi dado conhecimento ao tribunal em 21 de outubro de 2020.

 

                               Assim, é possível concluir que, quando a Requerente deu entrada do pedido de pronúncia arbitral, os atos de liquidação do IMI e AIMI ainda não haviam sido revogado e, bem assim, quanto à revogação do ato de liquidação do IMI de 2018, de 11 de maio de 2020, a Requerida não tendo feito prova da sua atempada notificação ao Requerente, uma vez que por força do artigo 36.º, n.º 1, do CPPT, tal lhe era exigível - “Os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”, não se poderia impor à Requerente outro comportamento diferente daquele que adotou, quanto à apresentação do pedido de pronuncia arbitral também face à liquidação de IMI de 2018.

 

                               Face ao exposto, considera-se ser aplicável in casu o disposto no n.º 4 do artigo 536.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT: “Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas.” Não se verificando nenhuma das circunstâncias previstas no n.º 2 das quais poderia resultar a ausência de responsabilidade da Requerida pela inutilidade superveniente da lide, considera-se, nos termos da referida disposição legal, ser sua obrigação o pagamento integral das mesmas.

 

VI.          DECISÃO

 

Termos em que este Tribunal Arbitral Singular decide:

a)            Declarar extinta a presente instância arbitral, por inutilidade superveniente da lide, no que concerne aos atos tributários de liquidação de IMI e AIMI impugnados;

b)           O reembolso à Requerente, caso ainda não se tenha verificado, das quantias efetivamente pagas, no montante de € 9.311,94.

c)            Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios, desde a data do pagamento até ao integral reembolso.

d)           Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

VII.         VALOR DO PROCESSO

 

                Nos termos do n.º 2 do artigo 306.º do CPC, alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do processo é fixado em € 9.311,94.

 

VIII.       CUSTAS

 

Entende este Tribunal Arbitral Singular que o valor a considerar para efeitos de determinação das custas no presente Pedido de Pronúncia Arbitral é o valor que motivou a constituição deste Tribunal Arbitral Singular, i.e., o valor de € 9.311,94, correspondente ao valor das liquidações de IMI e AIMI impugnadas e inicialmente indicado pela Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de outubro de 2021

 

O árbitro,

Rui Miguel Zeferino Ferreira