DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Nuno Cunha Rodrigues, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 7 de junho de 2021, decide nos termos que seguem:
I. RELATÓRIO:
1. A..., contribuinte fiscal número ..., (doravante designados por Requerente), tendo sido notificado do despacho que indeferiu o Recurso Hierárquico n.º ...2020..., relativo à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2019 ..., no valor de € 1.163,11, referente período de tributação de IRS de 2016, apresentou, em 29 de março de 2021, um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida AT).
2. O Requerente pede a anulação da liquidação adicional do imposto, devendo ficar consequentemente sem efeito a Demonstração de Acerto de Contas notificada acima descrita.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD a 7 de junho de 2021 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nessa mesma data.
4. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o ora signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 17 de maio de 2021 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 7 de junho de 2021.
7. Atendendo a que não existia necessidade de produção de prova adicional, para lá da prova documental já incorporada nos autos, nem matéria de exceção sobre as quais as partes carecessem de se pronunciar, e que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º do RJAT, dispensou-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT bem como a apresentação de alegações escritas pelas partes.
8. Foi fixado o dia 15 de outubro de 2021 para a prolação de decisão final.
9. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
10. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
11. O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
II. DO PEDIDO DA REQUERENTE:
A Requerente solicita a anulação da liquidação adicional do imposto, devendo ficar sem efeito a Demonstração de Acerto de Contas n.º 2019..., no valor de € 1.163,11 referente período de tributação de IRS de 2016, por não ter sido considerada como despesa com a referida venda a comissão da mediadora imobiliária de € 5.000,00+IVA (€ 6.150,00) que o Requerente terá pago para a venda do imóvel, sito na Rua ..., n.ºs ..., ..., em ... (artigo urbano ..., Fração N), não existindo qualquer fundamento para a sua desconsideração para efeitos do cálculo da mais-valia sujeita a IRS.
III. DA RESPOSTA DA REQUERIDA AT:
Em resposta, a Requerida AT considerou que não se encontra devidamente documentada a despesa com a comissão da mediadora imobiliária, para os efeitos previstos no artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do CIRS.
IV. MATÉRIA DE FACTO:
A. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
1. O Requerente foi, juntamente com a esposa B..., legítimo proprietário do imóvel sito na Rua ..., n.ºs..., ..., em ...;
2. Em 15 de janeiro de 2015 o Requerente celebrou um Contrato de Mediação Imobiliária com a empresa “C...” para venda do imóvel sito na Rua ..., n.ºs ..., ..., inscrito na matriz predial urbana sob o nº ..., fração N, união de freguesias de ... e ..., concelho de Loures;
3. No dia 30 de maio de 2016, o Requerente, juntamente com a esposa, vendeu o imóvel acima descrito por escritura pública outorgada nessa data;
4. Nos termos constantes da escritura pública de compra e venda outorgada em 30 de maio de 2016, na celebração do negócio houve intervenção de mediador imobiliário com a firma “D...– Mediação Imobiliária”;
5. A mediadora imobiliária “C..., Lda.” (NIF ...) emitiu, em 1 de junho de 2016 uma fatura em nome do Requerente, no valor de 5.000€ + IVA, no total de 6.500 € (seis mil e quinhentos euros), pelo «serviço de mediação imobiliária imóvel sito Rua..., n.º..., ... em ... . ID: ... (100% Escritura)»;
6. A circunstância de a empresa de mediação imobiliária que emitiu a fatura não corresponder à que consta da escritura pública de compra e venda é derivada ao facto de empresa C... Lda (E...), ter sido mediadora na venda do imóvel, sendo a responsável pela promoção e divulgação do mesmo.
Do lado das clientes compradoras, houve igualmente a intervenção da empresa F... (F..., Lda).
Segundo as regras da G..., quem efetua o pagamento da respetiva comissão de venda é o proprietário do imóvel, pelo que foi a empresa C... Lda) quem emitiu a fatura referente à Comissão recebida pela transação do imóvel.
7. O Requerente pagou a fatura devida à empresa “C..., Lda.”, no valor total de 6.500€ (seis mil e quinhentos euros);
8. O Requerente foi notificado da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2019..., no valor de 1.163,11 referente período de tributação de IRS de 2016;
9. O Requerente foram notificado do despacho de indeferimento, com dispensa de audiência prévia, do recurso hierárquico do despacho de indeferimento proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa..., no âmbito do procedimento de reclamação graciosa.
B. Factos não provados
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.
C. Fundamentação da matéria de facto
O Tribunal não está obrigado a pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamentam o pedido formulado pelo autor (cfr. artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.ºs 2 a 4, do Código do Processo Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cf. ainda o artigo 123.º, n.º 2, do Código do Processo e Procedimento Tributário, ex vi artigo 29º, do RJAT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do Código do Processo Civil).
Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos juntos pelo Requerente bem como o processo administrativo, de que foi junta cópia pela AT os quais, analisados de forma crítica, constituem a base da convicção do Tribunal quanto à realidade dos factos descrita supra.
V. DO DIREITO:
Nos presentes autos coloca-se a seguinte questão decidenda, que cumpre apreciar: saber se a fatura emitida em nome do Requerente pela mediadora imobiliária “ C..., Lda.” (NIF...) no valor de 5.000€ + IVA, no total de 6.500 € (seis mil e quinhentos euros), pelo «serviço de mediação imobiliária imóvel sito Rua ..., n.º..., ... em ... . ID: ... (100% Escritura)» pode ser deduzida às mais-valias auferidas em resultado da venda do imóvel da propriedade do Requerente sito na Rua ..., n.ºs ..., ..., em ... .
Vejamos.
Ficou provado que o Requerente pagou uma fatura à empresa “C...”, pelo serviço de mediação imobiliária prestado no âmbito da venda do imóvel sito na Rua ..., n.º ..., ..., em ... .
Ficou igualmente provado que a circunstância de a empresa de mediação imobiliária que emitiu a fatura não corresponder à que consta da escritura pública de compra e venda é derivada do facto de, segundo as regras da G..., quem efetua o pagamento da respetiva comissão de venda ser o proprietário do imóvel, pelo que foi a empresa C... Lda) quem emitiu a fatura referente à comissão recebida pela transação do imóvel.
De harmonia com o artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS, para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, acrescem ao valor de aquisição “os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação (…)”.
O Código do IRS não exige que os encargos com a valorização dos imóveis, nomeadamente as comissões de intermediação, constem da escritura de compra e venda ou que essa comissão tenha de ser obrigatoriamente paga à mediadora que consta da escritura.
Como vimos foi dado como provado que foi paga uma comissão de intermediação relativa à venda do imóvel sub judice à empresa “C...”.
Deve, consequentemente, a fatura emitida por essa empresa, e devida pela comissão de intermediação, ser considerada como encargo para efeitos do artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS.
Na verdade ficaram preenchidos todos os requisitos necessários para demonstrar de, forma inequívoca, a conexão do montante pago a um mediador imobiliário com a transação concreta que originou a mais-valia tributável, estando devidamente dada como provada que a intervenção desse mediador – “C...” - se deveu à alienação do imóvel sub judice por parte do Requerente.
O montante devido com a comissão paga à imobiliária deve, consequentemente, ser aceite como encargo aliás, de harmonia com aquele que tem sido o entendimento da AT na sequência de despacho do Subdiretor Geral dos Impostos, proferido no processo 12/2008, em 14.07.2008.
Não pode, por isso, deixar de proceder totalmente o pedido arbitral em apreço.
Dos juros indemnizatórios:
O Requerente procedeu ao integral pagamento da quantia resultante da liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral.
Acontece, como vimos supra, que a liquidação está inquinada por vício de violação de lei, tendo o montante em causa sido pago indevidamente.
Nos termos do disposto no artigo 100.º da LGT a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.
O ato de liquidação é da inteira responsabilidade da Requerida AT tendo conduzido a um pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido estando, pois, inquinado por vício de violação da lei, tendo sido praticado por erro imputável aos serviços, pelo que o Requerente tem direito ao pagamento de juros indemnizatórios.
Com efeito, nos termos do artigo 43.º da LGT são devidos juros indemnizatórios quando exista erro imputável aos serviços de que resulta pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data do pagamento sendo calculados com base no respetivo valor, até à integral devolução aos Requerentes, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil, à taxa legal em vigor.
VI. DECISÃO:
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide-se:
i. Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando-se a consequente anulação da liquidação adicional de IRS e da demonstração de acerto de contas n.º 2019..., no valor de € 1.163,11, referente período de tributação de IRS de 2016;
ii. Condenar a Requerida AT a reembolsar ao Requerente o valor do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios a calcular sobre o IRS indevidamente pago, nos termos do artigo 43.º da LGT, desde a data em que esse imposto foi indevidamente pago, até à data em que o sujeito passivo for ressarcido desse imposto, à taxa legalmente devida.
iii. Condenar a Requerida AT nas custas do processo.
VII. VALOR DO PROCESSO:
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.163,11 (mil cento e sessenta e três euros e onze cêntimos).
VIII. CUSTAS:
Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 306 (trezentos e seis euros), a cargo da Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 11 de outubro de 2021
O Árbitro
(Nuno Cunha Rodrigues)