Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 187/2020-T
Data da decisão: 2021-10-15  IRC  
Valor do pedido: € 13.848,25
Tema: IRC. Derrama regional. Região Autónoma dos Açores. RETGS. Redução das taxas da derrama cfr. Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A.
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SUMÁRIO:

1) À parte da derrama estadual constante da Declaração Modelo 22 reportada ao Grupo de empresas em que seja aplicável o RETGS e que tenha origem na esfera jurídica individual de sociedade sua integrante residente na Região Autónoma dos Açores são aplicáveis as taxas reduzidas de derrama regional constantes do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A; 2) A referida aplicação das taxas reduzidas de derrama regional não é contrária à lógica própria nem prejudica o funcionamento do RETGS pois a derrama estadual/regional é apurada por referência ao lucro tributável apurado individualmente por cada sociedade integrante, sem possibilidade de compensação de prejuízos/lucros gerados no seio do Grupo; 3) A “taxa normal” mais elevada de IRC a que o legislador se refere no art.º 69.º, n.º 3 al. a) e n.º 4 al. d) do CIRC é a taxa do art.º 87.º do CIRC, e não também as “taxas adicionais” de derrama estadual  do art.º 87.º-A do CIRC. 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

1. Relatório

A..., S.A., nipc..., com sede na ..., n.º..., ...-..., Lisboa, doravante designada por “A...”, “Requerente” ou “SP” (Sujeito Passivo), veio - na qualidade de sociedade designada cfr. n.º 3 do art.º 69.º-A do Código do IRC (CIRC) para assumir a responsabilidade pelo cumprimento de todas obrigações que incumbem à sociedade dominante de Grupo de Sociedades tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS) – nos termos dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a), art.º 5.º, n.ºs 1 e 2, art.º 6.º, n.º 1 e  art.º 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), doravante “RJAT”, requerer a constituição do Tribunal Arbitral.

Integrando a Requerente um Grupo de empresas ao qual por opção é aplicável o RETGS (cfr. art.º 69.º e ss do CIRC), e fazendo consigo parte do perímetro do dito Grupo também, entre outras, a empresa B..., S.A. (doravante também “B...”), tendo esta última sede na Região Autónoma dos Açores e existindo Decreto Legislativo Regional nos termos do qual sobre determinada parte do lucro tributável, sujeito e não isento, de pessoas colectivas com sede na dita Região, incide derrama regional a taxas reduzidas, entende a Requerente que, no caso, e com referência à última empresa, deveriam ter sido essas as taxas aplicadas e não as taxas de derrama estadual constantes do CIRC.

 

Como objecto imediato do Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante também “PPA”) na origem dos autos, a Requerente peticiona a anulação do despacho de deferimento parcial da Reclamação Graciosa, por si interposta tendo por objecto a liquidação de IRC do período de 2016, na parte do mesmo em que obteve decaimento, e que é reportada à questão supra.

 

Por sua vez, como objecto mediato do Pedido a Requerente peticiona a anulação parcial da liquidação de IRC (doravante também “a Liquidação”), na parte referente ao valor devido a título de derrama estadual.

 

Mais peticionando o reembolso das quantias que entende neste contexto terem sido por si indevidamente pagas, por pagas em excesso, no valor de € 13.848,25, que, reportado à B..., corresponde à diferença entre o valor considerado na Liquidação a título de derrama estadual (€ 69.241,26) e o valor que entende dever ser apurado a título de derrama regional (€ 55.393,01). Valor ao qual, peticiona ainda, deverão acrescer juros indemnizatórios.

 

Como também expõe, “a alteração pretendida tem na sua base o valor de derrama regional liquidado à B..., S.A. [e], por essa via, a alteração do valor de derrama estadual liquidado ao abrigo do RETGS pela  A... S.A. na qualidade de sociedade dominante”.

 

A B... nada declarou na sua Modelo 22 individual no Campo 373, Quadro 10, referente à derrama estadual, pois que não apurara lucro tributável no exercício (2016).

 

Da correspectiva Declaração de rendimentos entregue ao nível do Grupo, contudo, viria a resultar (pelo deferimento parcial da Reclamação Graciosa, clarifique-se) o apuramento de um valor de derrama estadual a pagar de € 1.949.313,15. E a B...- em tal cenário, de lucro tributável - deveria ter apurado um valor de derrama estadual de € 69.241,26.

 

Já porém não assim se se entender ser aplicável na situação o disposto no Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro – como entende a Requerente dever suceder. Nos termos do qual se apuraria um valor de derrama regional a pagar - referente à B... - não de € 69.241,26, mas sim de € 55.393,01. 

 

À autoliquidação do período de 2016 que a Requerente coloca (parcialmente) em crise - e que resulta, desde logo, da Declaração Modelo 22 do Grupo - corresponde a Demonstração de Liquidação de IRC com o N.º 2017..., de 10.07.2017 (doravante “a Liquidação”).

 

No que aos presentes autos directamente releva, a Reclamação Graciosa foi apresentada pela Requerente contra a Liquidação com fundamento em erro no apuramento da derrama estadual - por virtude, afinal, de não ter sido aplicada, no que se reporta à B..., a taxa da derrama regional estatuída no Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro.

 

Sumariamente, defende a Requerente - em sede de procedimento de Reclamação Graciosa e, agora, na presente sede de Pedido de Pronúncia Arbitral - que não será por a B... integrar o Grupo de empresas sujeito ao RETGS e apenas ela ter sede na Região Autónoma dos Açores (RAA) que se deverá entender resultar afastada a aplicabilidade, no caso, das taxas reduzidas de derrama regional estabelecidas no referido Decreto Legislativo Regional (doravante também “DLR 21/2016” ou “DLR”). 

 

Expõe, neste contexto, que se não conforma com o entendimento da AT “ao equiparar a derrama estadual e regional, inviabilizando a aplicação do regime previsto no Decreto Legislativo Regional (…) e ao considerar a derrama como tendo natureza de IRC apesar de a considerar um adicional ao imposto”. Pelo DLR, que criou a derrama regional, aprovando o respectivo regime jurídico, a vigorar na RAA, a Assembleia Legislativa Regional dos Açores, no exercício do poder tributário próprio e de adaptação do sistema fiscal nacional cfr. Estatuto Político-Administrativo da Região, deu resposta, expõe, à necessidade de adaptar a derrama estadual prevista no CIRC à RAA, sob a forma de derrama regional.  

 

Comparando os referidos dois regimes - no CIRC / no DLR – conclui-se que a adaptação da derrama estadual no DLR contempla uma redução de 20% nas respectivas taxas, assumindo-se como um instrumento de política fiscal ao serviço do legislador insular para promoção da economia e reforço de meios dos agentes económicos na concretização de investimento e criação de emprego, em benefício do desenvolvimento sustentável da RAA.

 

A B... deveria ter apurado um valor de derrama regional cfr. art.º 2.º do DLR. E não um valor de derrama estadual cfr. art.º 87.º- A do CIRC. Ainda que integrada no Grupo de empresas A..., sujeito ao RETGS.

 

Tendo a Requerente pago o montante total resultante da Liquidação em sede de IRC referente ao exercício de 2016, que veio colocar parcialmente em crise (em sede de procedimento administrativo e, agora, nos presentes autos), e incluindo-se nesse montante pago o valor correspondente à liquidação da derrama estadual reportada à B..., vem a mesma ora peticionar: (i) a anulação do despacho de deferimento parcial da Reclamação Graciosa na parte do decaimento; (ii) a anulação parcial da Liquidação reportada ao exercício de 2016, no referente à derrama estadual apurada com origem na esfera da B...; (iii) o reembolso das quantias nessa medida pagas, segundo pugna, em montante superior ao devido (€ 13.848,25) e, bem assim, (iv) juros indemnizatórios.

 

Sumária e fundamentalmente, Requerente e Requerida têm entendimentos divergentes sobre o

âmbito de aplicação da norma contida no artigo 2.º do DLR – designadamente, sobre se o dito dispositivo legal é, ou não, de aplicar no caso. Por referência à derrama estadual apurada com origem na Declaração individual da B... . E sendo assim divergentes as posições das Partes quanto, consequentemente, à aplicação, ou não, das taxas de derrama regional - reduzidas em 20% comparativamente às de derrama estadual, cfr. art.º 2.º do DLR - à porção da derrama estadual que, apurada na Modelo 22 do Grupo, corresponde à derrama originada na esfera jurídica da B... .

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 20.03.2020 e notificado à AT.

 

Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo.

 

A 06.07.2020 as Partes foram notificadas da designação de árbitro e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 05.08.2020.

 

Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta, pugnando pela total improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante “PPA”) e consequente manutenção do acto em crise na Ordem Jurídica.

 

Entende a Requerida, por contraposição ao entendimento da Requerente, que o acto por esta colocado em crise não padece de qualquer ilegalidade, desde logo na parte que a Requerente vem questionar nestes autos. A saber, a parte que, no acto, respeita à aplicação das taxas de derrama estadual. Que a Requerente defende deverem ser – no respeitante à B...– as taxas reduzidas previstas no DLR 21/2016. O que a Requerida não acompanha, tendo, por isso mesmo, indeferido a Reclamação Graciosa da Requerente na parte respectiva.

 

Conforme desenvolve na sua Resposta, assim não será - i.e., não serão aplicáveis as taxas reduzidas - uma vez que, por um lado, o regime especial de tributação em causa (RETGS), que é dominado por uma lógica de tributação conjunta, e não obstante nele cada empresa manter independência jurídica, foi criado enquanto regime especial de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo. Sendo a devida soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais, individuais, efectuada a final do exercício, e não em operações segmentadas, a Declaração periódica relevante é a apresentada pela sociedade dominante. E as Declarações periódicas individuais não são objecto de liquidação – cfr. art.º 120.º, n.º 6 do CIRC.

 

Mais, a opção pelo dito regime especial - de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do Grupo - é permitida pelo legislador desde que reunidos determinados requisitos – cfr. art.º 69.º do CIRC. E decorre do n.º 3 deste dispositivo legal que para ser possível beneficiar do RETGS as sociedades integrantes não podem beneficiar de taxas reduzidas previstas em outras disposições legais - pois que ao apuramento da matéria colectável do Grupo é aplicada uma mesma taxa, numa lógica de grupo. A matéria colectável, em RETGS, é apurada numa lógica de conjunto.

 

Faz notar que neste sentido inclusivamente aponta o facto de ter sido por virtude da aplicação do RETGS que a B..., que inicialmente apresentava prejuízo fiscal, passou a apurar lucro tributável. Não fora a aplicação do RETGS e nem lhe seria devido pagar, pois, derrama estadual.

 

Ademais, nota, é hoje pacífico na Jurisprudência que a derrama está incluída na colecta do IRC. Pelo que, é numa lógica de tributação conjunta que a mesma (derrama estadual) deverá ser apurada. Refere a título de exemplo, neste contexto, Acórdão do STA e Acórdão de Tribunal Arbitral . E faz referência, ainda, ao Parecer do Centro de Estudos Fiscais da AT com o n.º 10/2013, constante da Informação da Direcção de Serviços de IRC com o n.º... .

 

Concluindo, então, a derrama estadual – como imposto acessório do IRC – seguir o mesmo regime do imposto principal (base) em tudo o não expressamente excluído. A colecta de IRC em sentido amplo integrando a colecta de derrama estadual. Mesmo tratando-se de derrama regional verifica-se subordinação ao princípio da coerência entre o sistema fiscal nacional e os sistemas fiscais regionais.

 

Admitir-se a aplicação das taxas reduzidas como preconizado pela Requerente, no apuramento da matéria colectável nesta fase (i.e., após se ter passado a apurar lucro tributável na esfera da B..., como supra), traduzir-se-ia em permitir ajustar o regime de tributação do Grupo (RETGS) em função do que se revelasse mais vantajoso para cada sociedade, variando os regimes conforme as especificidades das sociedades integrantes do Grupo.

 

*

Por despacho de 13.10.2020 o Tribunal notificou as Partes dispensando a reunião do art.º 18.º do RJAT e para alegações escritas facultativas. Nenhuma das Partes apresentou alegações.

 

A Requerida não juntou aos autos o Processo Administrativo.

 

Pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro – cfr. respectivos art.ºs 2.º e 4.º – ficou suspenso, com efeitos a 22.01.2021, o prazo do art.º 21.º, n.º 1 do RJAT, em curso. Pela Lei n.º13-B/2021, de 5 de Abril - cfr. respectivos art.ºs 6.º e 7.º -, o mesmo prazo retomou a contagem a 6 de Abril.

 

Por despachos de 19 de Abril, 16 de Junho e 17 de Agosto, respectivamente, o Tribunal determinou, nos termos do n.º 2 do art.º 21.º do RJAT, a prorrogação, sempre por dois meses e por motivos justificados, do prazo para prolação da Decisão.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas  e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O Processo não enferma de nulidades e não existe matéria de excepção, nada obstando ao conhecimento do mérito da causa.

 

O PPA é tempestivo, apresentado que foi dentro do prazo legal de 90 dias – cfr. al.s n) e o) dos factos provados, infra, e art.º 10.º, n.º 1, al. a), primeira parte, do RJAT (v. art.º 102.º, n.º 1, al. e) do CPPT).

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os factos que seguem:

 

a) A Requerente é uma sociedade anónima, constituída ao abrigo da lei portuguesa, com sede e direcção efectiva em território nacional, continental, Lisboa, que integra um Grupo de empresas ao qual, por opção e ao tempo dos factos, é aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades (“RETGS”) previsto no CIRC;

 

b) A B... S.A. (“B...”) é uma sociedade anónima, constituída ao abrigo da lei portuguesa, com sede e direcção efectiva em território nacional, insular,  ..., Região Autónoma dos Açores, que tem por objecto social o exercício de atividade pública concessionada de concepção, projeto, construção, alteração de vias, reabilitação ou reformulação, financiamento, conservação e exploração, e que integra o perímetro do Grupo de empresas referido em a) supra;

 

c) Ao tempo dos factos em causa nos autos, a Requerente era a sociedade designada para assumir a responsabilidade pelo cumprimento de todas as obrigações que incumbem à sociedade dominante do Grupo de sociedades tributado ao abrigo do RETGS (cfr. art.º 69.º-A, n.º 3, do CIRC);

 

d) A 29.05.2017, e por referência ao período de tributação de 2016, a B... procedeu à entrega da sua Declaração Modelo 22 individual, na qual apurou prejuízo fiscal; (cfr. PPA e cfr. Despacho de deferimento parcial da Reclamação Graciosa - doc. 1 junto pelo SP)

 

e) Em 31.05.2017, e por referência ao período de tributação de 2016, a Requerente entregou a Declaração Modelo 22 do Grupo, na qual foi apurada, a final, uma matéria colectável de € 49.669.872,66; (cfr. Despacho de deferimento parcial da Reclamação Graciosa (“RG”) - doc. 1 junto pelo SP)

 

f) Em resultado da entrega da Declaração Modelo 22 referente ao período de tributação de 2016 foi emitida a Nota de Liquidação (“a Liquidação”) n.º 2017..., de 10 de Julho de 2017;

 

g) A Requerente, juntamente com a B... e outra sociedade integrante do Grupo, apresentou, em tempo, Reclamação Graciosa tendo por objecto a Liquidação (cfr. alínea anterior), cujo procedimento tramitou sob o n.º ...2019..., UGC;

 

h) Na Reclamação Graciosa a Requerente defendeu, entre o mais, dever ser corrigida a Declaração Modelo 22 individual submetida pela B... por aplicação da regra da limitação de dedutibilidade dos Gastos de Financiamento Líquidos em RETGS, que, embora já vigorasse no Grupo, não fora devidamente aplicada, e correcção essa que teria por consequência, entre o mais, a B... passar desde logo a apresentar lucro tributável, no valor de € 3.808.042,11;

 

i) Tendo em vista a derrama estadual que passaria a ser devida, por sua vez, em consequência da alteração, na esfera da B..., de um cenário de prejuízo fiscal para o de lucro tributável (cfr. alínea anterior), na Reclamação Graciosa a Requerente pugnou, ainda, pela aplicação das taxas reduzidas do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro ao apuramento da derrama regional;

 

j) A Requerente foi notificada do projecto de decisão da Reclamação Graciosa e não exerceu direito de audição;

 

k) Por despacho da Requerida de 06.12.2019, a Reclamação Graciosa foi alvo de despacho de deferimento parcial, com deferimento do pugnado pela Requerente quanto a limitação de Gastos de Financiamento Líquidos, e indeferimento do pugnado relativamente à aplicação das taxas reduzidas da derrama regional; 

 

l) Com o deferimento parcial do reclamado pela Requerente (cfr. alínea anterior), a Requerida procedeu a ajustamentos à Declaração Modelo 22 individual da B... e aí apurou um lucro tributável no valor de € 3.808.042,11 e derrama estadual no valor de € 69.241,26 (além de derrama municipal);

 

m) Em consequência dos ajustamentos a que procedeu na Declaração individual da B... (cfr. alínea anterior), a Requerida operou, por sua vez, ajustamentos no resultado fiscal do Grupo, onde apurou uma matéria colectável no valor de € 47.004.243,18 (colecta de € 9.870.891,07), e a título de derrama estadual acrescentou o valor de € 69.241,26;

 

n) A Requerente foi notificada do despacho de deferimento parcial da Reclamação Graciosa, a 21.12.2019, e o pagamento da Liquidação foi processado;

 

o) A 19.03.2020 a Requerente interpôs o Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”) na origem do presente processo.

 

2.2. Factos não provados

Com relevo para a decisão da causa não existem factos considerados não provados.

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto

Os factos dados como provados foram-no com base no documento junto aos autos, que se dá por integralmente reproduzido, e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados, tudo criticamente apreciado.

Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e art.º 596.º do CPC ), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC ).

 

3. Matéria de Direito

Recapitule-se : a Requerente apresentou a declaração Modelo 22 do Grupo reportada ao exercício de 2016 e, relativamente à mesma, veio posteriormente interpor Reclamação Graciosa (doravante também “RG”) com fundamento, no que aos presentes autos directamente releva, na indevida aplicação das taxas de derrama estadual constantes do art.º 87.º-A do CIRC relativamente à derrama apurada com origem na esfera individual da B... . Quando, segundo entende, deveriam ter sido aplicadas as taxas reduzidas de derrama regional constantes do art.º 2.º do DLR.

Tendo sofrido decaimento na RG nessa parte, e por com tal não se conformar, veio a Requerente interpôr o PPA na origem do presente processo.

 

Temos, assim, a seguinte

3.1. Questão a decidir

 

A questão a decidir é essencialmente de Direito, a saber:

A uma sociedade residente na Região Autónoma dos Açores que exerce, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola (cfr. art.º 3.º, n.º 4 do CIRC), e que apresente lucro tributável superior a € 1.500.000,00, sujeito e não isento de IRC, que integre o perímetro de Grupo de empresas ao qual se aplique o RETGS (cfr. art.º 69.º e ss. do CIRC), e não sendo as demais sociedades do Grupo residentes na RAA, são aplicáveis as taxas de derrama estadual constantes do art.º 87.º-A do CIRC ou, diferentemente, as taxas de derrama regional constantes do art.º 2.º do DLR 21/2016?

 

Por fim haverá que decidir quanto a (i) reembolso das quantias pagas, segundo a Requerente, em excesso (€ 13.848,25) e, decidindo-se pelo reembolso, quanto a (ii) juros indemnizatórios.

 

Apreciando.

 

Começando por referir-se que a Requerente, no PPA, ao reportar-se ao objecto do Pedido,  refere o mesmo ser a decisão de deferimento parcial da RG, na parte do decaimento (cfr. supra). E, em consequência, a apreciação da legalidade da Liquidação.

 

É entendimento pacífico que cabe no âmbito dos Tribunais Arbitrais Tributários, a funcionar sob a égide do CAAD, a competência para apreciar da legalidade dos actos de segundo (e terceiro) grau nos casos em que conheçam efectivamente da legalidade dos actos de primeiro grau elencados no art.º 2.º, n.º 1 do RJAT, e cuja legalidade se volta a questionar nesta sede (Arbitral Tributária) .

Estamos perante um acto de primeiro grau, de autoliquidação, tendo sido interposta RG necessária , que apreciou da sua legalidade, e procedeu a ajustamentos no mesmo. O acto que é objecto do presente processo é pois, em última análise, o acto de Liquidação. Cuja declaração de ilegalidade e anulação, parcial, se vem peticionar. Embora como objecto imediato se apresente o despacho de deferimento parcial da RG, na parte do decaimento. Sendo que a fundamentação a que a Requerida recorreu, para aí decidir como decidiu, é essencialmente de interpretação e aplicação de regras de Direito.

A este Tribunal caberá pois apreciar da legalidade do acto de primeiro grau tal como existente na Ordem Jurídica, e do acto de segundo grau na parte relevante (a do decaimento). Porém não ficando sujeito às alegações das Partes “no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (cfr. art.º 5.º, n.º 3 do CPC).

 

Vejamos então.

 

Relativamente ao período tributário de 2016, a Requerente autoliquidou o IRC ao abrigo das regras do RETGS, regime especial de tributação aplicável, por opção, ao Grupo. E com referência à derrama estadual originada na esfera da sociedade B... que vem reflectida na Liquidação (conforme ajustamentos em sede de procedimento de RG), a Requerente não se conforma com a aplicação das taxas constantes do CIRC (art.º 87.º-A). Entende que é devido aplicar, aí, ao invés do sucedido, o DLR 21/2016 (art.º 2.º).

Tendo sido, a final, apurado lucro tributável na esfera jurídica individual da B... (no montante de € 3.808.042,11), é devida derrama estadual. E as respectivas taxas devidas aplicar serão (uma vez que a B... é residente na RAA) as constantes do DLR 21/2016. Inferiores às constantes do art.º 87.º-A em 20%.

E a Requerida, por seu lado, entende (e assim foi processado na Liquidação) ser de aplicar no caso o CIRC.

Vejamos agora, e a partir daqui - a acompanhar o nosso iter decisório - o quadro legal potencialmente relevante .

 

A Requerida entende assim ser de aplicar à porção do lucro tributável da B... que excede € 1.500.000,00 a taxa de derrama estadual determinada pelo legislador no CIRC. Diploma que, no que mais releva, dispõe como segue:

 

CIRC

 

Subsecção II – Regime especial de tributação de grupos de sociedades

Artigo 69.º – Âmbito e condições de aplicação

(…)

3. A opção pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades só pode ser formulada quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:   

                a) As sociedades pertencentes ao grupo têm todas sede e direcção efectiva em território português e a totalidade dos seus rendimentos está sujeita ao regime geral de tributação em IRC, à taxa normal mais elevada;

(...)

4. Não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, se encontram nas situações seguintes:

(…)

                d) Estejam sujeitas a uma taxa de IRC inferior à taxa normal mais elevada e não renunciem à sua aplicação;

(…)

15. A renúncia à taxa referida na alínea d) do n.º 4 deve ser mantida por um período mínimo de três anos.

 

Artigo 70.º – Determinção do lucro tributável do grupo

1. Relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial,

o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, (…).

 

Capítulo IV – Taxas

Artigo 87.º – Taxas

1. A taxa do IRC é de 21%, excepto nos casos previstos nos números seguintes.

(…)

*

 

Façamos desde já um parêntesis.

Está encontrada, a partir da letra da lei, e quanto a nós, já aqui, a “taxa normal” de IRC a que o legislador se reporta no art.º 69.º do CIRC (v. supra): a taxa constante do art.º 87.º. Taxa que pode ser mais ou menos elevada (como desde logo decorre do confronto entre o respectivo n.º 1 e os demais números). Que não as taxas constantes do artigo que se segue. Senão vejamos.

Prosseguindo no Diploma legal.

*

Artigo 87.º-A – Derrama estadual

1. Sobre a parte do lucro tributável superior a € 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (…) incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte:

(…)

3. Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o n.º 1 incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.

4. Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º.

 

Capítulo VI – Pagamento

Artigo 104.º – Regras de pagamento

1. As entidades que (…) devem proceder ao pagamento do imposto nos termos seguintes:

a) Em três pagamentos por conta, (…); / (…).

 

Artigo 104.º-A – Pagamento da derrama estadual

1. As entidades que (…) devem proceder ao pagamento da derrama estadual nos termos seguintes:

a) Em três pagamentos adicionais por conta, (…); / (…).

 

 

Artigo 105.º – Cálculo dos pagamentos por conta

1. Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º (…); / (…).”

 

Artigo 105.º-A - Cálculo do pagamento adicional por conta

1. As entidades obrigadas a efectuar pagamentos por conta e pagamentos especiais por conta devem efectuar o pagamento adicional por conta nos casos em que no período de tributação anterior fosse devida derrama estadual nos termos referidos no artigo 87.º-A.

(…)

4. Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, é devido pagamento adicional por conta por cada uma das sociedades do grupo, incluindo a sociedade dominante.

 

 

Artigo 120.º – Declaração periódica de rendimentos

(…)

6. Quando for aplicável o regime especial de tributação de grupos de sociedades:

a) A sociedade dominante deve enviar a declaração periódica de rendimentos relativa ao lucro tributável do grupo apurado nos termos do artigo 70.º;

b) Cada uma das sociedades do grupo, incluindo a sociedade dominante, deve enviar a sua declaração periódica de rendimentos na qual seja determinado o imposto como se aquele regime não fosse aplicável.

(…).”

*

Dos dispositivos supra, em conjugação, extrai a Requerida a conclusão de que, sendo um dos requisitos para a opção pelo RETGS o de nenhuma das sociedades integrantes estar sujeita senão à taxa normal de IRC mais elevada (cfr. art.º 69.º, supra), não poderá a B... “beneficiar de taxas reduzidas previstas noutras disposições legais, porquanto ao apuramento da matéria colectável do grupo é aplicada uma mesma taxa, numa lógica de grupo.”  E, assim, as taxas a aplicar serão, necessariamente, no seu entender, e no que no caso vem questionado, as taxas constantes do art.º 87.º-A do CIRC (sob a epígrafe “Derrama estadual”) – as “taxas adicionais” ali referidas e constantes da tabela do respectivo n.º 1.

Em concreto, assim, e ao que nos autos releva, a taxa de 3% sobre a parte do lucro tributável da B... superior a € 1.500.000,00 e até € 7.500.000,00.

Ora, sabemos já, o lucro tributável apurado pela B... foi de € 3.808.042,11.

Donde, a derrama será de apurar assim: € 2.308.042,11  x 3% =  € 69.241,26.

 

A Requerente, por seu turno, diverge de tal interpretação da lei, posicionando-se numa outra, que conduz à aplicação das taxas reduzidas de derrama regional constantes do DLR 21/2016. Não cabe, em seu entender, equiparar derrama estadual e regional, bem como não cabe, num segundo plano, equiparar a derrama estadual, por seu turno, ao IRC, e inviabilizar a aplicação do DLR. Nem, defende, o requisito da sujeição à taxa normal de IRC mais elevada pode “impossibilitar à partida a possibilidade de liquidação de derrama regional, no caso de uma sociedade que faz parte integrante do RETGS.”

Em concreto, assim, e ao que nos autos releva, sendo de aplicar a taxa de 2,4% sobre a parte do lucro tributável superior a € 1.500.000,00 e até € 7.500.000,00.

Donde, agora na posição defendida pela Requerente: € 2.308.042,11  x 2,4% = € 55.393,01.

 

Vejamos agora no Diploma legal em questão (aquele que é devido aplicar, segundo a Requerente) o que mais releva:

 

Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Out. (DLR ou DLR 21/2016)

Artigo 1.º – Derrama Regional

É criada a derrama regional a vigorar na Região Autónoma dos Açores e é aprovado o respectivo regime jurídico.

 

Artigo 2.º – Incidência

1. Sobre a parte do lucro tributável superior a € 1.500.000,00 (…) sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas, apurado por sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores, (…), que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola,

incide derrama regional às taxas constantes da tabela seguinte:

(…)

3. Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o n.º 1 incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica de rendimentos individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante, referida na alínea b), do n.º 6, do art.º 120.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC).

4. Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama regional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do CIRC.

 

Artigo 4.º – Cálculo do pagamento adicional por conta

1. As entidades obrigadas a efectuar pagamentos por conta e pagamentos especiais por conta devem efectuar o pagamento adicional por conta nos casos em que (…).

(…)

4. Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades é devido pagamento adicional por conta por cada uma das sociedades do grupo, incluindo a sociedade dominante.

 

Artigo 5.º – Disposições finais

(…)

2. Não são aplicáveis aos sujeitos passivos, mencionados no artigo 2.º, os artigos 87.º-A, 104.º – A e 105.º-A do CIRC.

 

*

Outro parêntesis neste percurso pelo quadro legal.

Entre o mais, veja-se como, nesta sede, o legislador Regional, tendo afastado a aplicabilidade dos art.s 87.º-A, 104.º- A e 105.º-A do CIRC aos sujeitos passivos enquadráveis no âmbito de aplicação subjectiva do Diploma, e tendo aí previsto e estatuído expressamente sobre o funcionamento do regime da derrama regional no âmbito do RETGS (v. art.º 2.º, em especial o n.º 3), não afastou, em parte alguma, a aplicabilidade do art.º 69.º do CIRC. Ou seja, queremos significar, não afastou o n.º 3, al. a), nem o n.º 4, al. d), ou sequer o n.º 5, todos do art.º 69.º do CIRC. Não afastou, pois, a aplicação do requisito, em RETGS, de todas as sociedades integrantes do Grupo estarem sujeitas à taxa normal de IRC mais elevada. Permitiu (admitiu, se se preferir) a compatibilização, diremos, entre a taxa normal de IRC mais elevada e as taxas de derrama regional, reduzidas. Aqui voltaremos.

*

Ainda no DLR, no respectivo Preâmbulo, pode ler-se, entre o mais:

“Estes princípios materializam-se, nomeadamente, na necessidade de adaptar a derrama estadual prevista no artigo 87.º-A do Código … à Região Autónoma dos Açores sob a forma de derrama regional, o que é efectuado nos termos do presente decreto legislativo regional. (...)”.

 

*

 

Por sua vez, dispõe o legislador Constituinte, no que mais releva, como segue:

 

Constituição da República Portuguesa (CRP)

 

Artigo 227.º – Poderes das regiões autónomas

1. As regiões autónomas são pessoas colectivas territoriais e têm os seguintes poderes, a definir nos respectivos estatutos:

(…)

i) Exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, bem como adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei-quadro da Assembleia da República. / (...)

r) Participar na definição e execução das políticas fiscal, (…), de modo a assegurar o controlo regional dos meios de pagamento em circulação e o financiamento dos investimentos necessários ao seu desenvolvimento económico-social. / (…).

 

Artigo 228.º – Autonomia legislativa

1. A autonomia legislativa das regiões autónomas incide sobre as matérias enunciadas no respectivo estatuto político-administrativo que não estejam reservadas aos órgãos de soberania.

(...)

 

Artigo 232.º – Competência da Assembleia Legislativa da Região Autónoma

1. É da exclusiva competência da Assembleia Legislativa da região autónoma o exercício das atribuições (…) e ainda a adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades da região. / (…)

 

 

*

Também com interesse para os autos, dispõe o legislador na Lei das Finanças das Regiões Autónomas - LFRA (que constitui, cfr. seu art.º 69.º, a lei-quadro a que se refere o legislador Constituinte - art.º 227.º/1, i), supra), entre o mais:

 

Lei das Finanças das Regiões Autónomas (LFRA)

 

Artigo 8.º - Princípio da solidariedade nacional

(…)

3 - O princípio da solidariedade nacional visa promover a eliminação das desigualdades resultantes da situação de insularidade e de ultraperifericidade e a realização da convergência económica das regiões autónomas com o restante território nacional e com a União Europeia.

(…)

 

TÍTULO VI - Poder tributário próprio e adaptação do sistema fiscal nacional

Artigo 55.º - Princípios gerais

As competências tributárias dos órgãos regionais observam os limites constitucionais e estatutários e ainda os seguintes princípios:

a) O princípio da coerência entre o sistema fiscal nacional e os sistemas fiscais regionais;

b) O princípio da legalidade, nos termos da Constituição;/ (...)

d) O princípio da solidariedade nacional, nos termos do artigo 8.º;

e) O princípio da flexibilidade, no sentido de que os sistemas fiscais regionais devem adaptar-se às especificidades regionais, quer (...) quer adaptando os impostos de âmbito nacional às especificidades regionais;/ (...)

g) O princípio da eficiência funcional dos sistemas fiscais regionais, no sentido de que a estruturação dos sistemas fiscais regionais deve incentivar o investimento nas regiões autónomas e assegurar o desenvolvimento económico e social respetivo.

 

*

Por fim, no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, lê-se, entre o mais:

 

Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (ERAA)

Artigo 20.º - Poder tributário da Região

(…) / 2 - O sistema fiscal regional é estruturado de forma a assegurar a correcção das desigualdades derivadas da insularidade e com vista à repartição justa da riqueza e dos rendimentos e à concretização de uma política de desenvolvimento económico e de maior justiça social.

 

*

Percorrido no essencial o quadro legal, avancemos.

Estamos perante, antes de mais, uma questão de interpretação de lei. E na interpretação da leis tributárias regem os critérios gerais da hermenêutica jurídica – nos termos do art.º 11.º, n.º 1 da LGT  e, por via deste, do art.º 9.º do Código Civil . Os critérios ou factores interpretativos são essencialmente dois: (i) elemento gramatical, correspondente à letra da lei, ao texto, e (ii) elemento lógico, subdividido este, por sua vez, em três outros, a saber, elemento racional ou teleológico, elemento sistemático, e elemento histórico. Sendo que, a letra e o espírito da lei (elemento gramatical/elemento lógico) devem necessariamente ser utilizados em conjunto.

O intérprete “(…) tem que partir do pressuposto de que a lei emana de um legislador razoável (…).” ; “(...) ponto de referência da interpretação: a unidade do sistema jurídico. Dos três factores interpretativos a que se refere o n.º 1 do art.º 9.º, este é sem dúvida o mais importante.(...).” ;“(…) A interpretação teleológica pode conduzir, assim, a uma maior sistematicidade no Direito Fiscal (…). A obtenção dessa unidade sistemática (…) passa necessariamente por uma interpretação que assegure a coerência, como um postulado a obter, na ordenação das consequências do Direito (…).”

 

Revertendo agora ao caso, e às nossas normas.

Estabeleceu o legislador tributário a possibilidade de opção pelos sujeitos passivos em IRC - em determinadas condições e reunidos que estejam uma série de requisitos - por um regime especial de tributação – RETGS. Que, no essencial, permite às sociedades pertencentes a um mesmo Grupo de empresas proceder ao apuramento do lucro tributável numa lógica de conjunto, como bem refere a Requerida. Levando em linha de conta, bem vistas as coisas, a unidade económica que representam. No âmbito deste Regime Especial de tributação prevalece uma lógica de tributação conjunta, sendo o rendimento do conjunto das empresas - o rendimento gerado no seio do Grupo como um todo - por opção, tributado tendencialmente pelo resultado agregado, como se de uma única entidade se estivesse a cuidar.

 

Isto, ainda assim, sem que as diversas sociedades integrantes do Grupo deixem de ser entidades distintas, sujeitos de relações jurídico-tributárias próprias. Do que é revelador, desde logo, continuar a ser devida a apresentação das Declarações Modelo 22 individuais (cfr. art.º 120.º, n.º 6, al. b) e v. o próprio art.º 70.º, entre o mais).

 

Tributa-se tendo por base a soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais individuais das várias sociedades do perímetro do Grupo. Assim se permitindo que os prejuízos fiscalmente aceites, apurados em cada uma, relevem para efeitos de apuramento do lucro fiscal do conjunto. Ponto distintivo do dito regime – cfr. art.º 70.º do CIRC (supra).

Porém, se bem atentarmos no normativo que rege o regime - no essencial constante do art.º 69.º e ss. do CIRC (v. supra) - facilmente nos aperceberemos que tal lógica, e tal possibilidade, pois, de compensação entre lucros e prejuízos verificados no seio do Grupo, não foi consagrada pelo legislador irrestritamente.

E desde logo não o foi em matéria de derrama estadual.

Com efeito, determinou o legislador, aliás desde o início de vigência da denominada derrama estadual – cfr. art.º 87.º-A do CIRC (supra) – que, no caso dos sujeitos passivos aos quais seja aplicável o RETGS, a mesma (a taxa de derrama estadual) incide não sobre o lucro tributável apurado ao nível do Grupo, mas antes sobre o lucro tributável individual – “o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, (...)”, cfr. (actual) n.º 3  do art.º  87.º-A do CIRC.

Regra que por sua vez se vê reflectida também no art.º 105.º-A, n.º 4, ao  legislador tratar o cálculo do “pagamento adicional por conta”, estabelecendo que quando seja aplicável o RETGS “é devido pagamento adicional por conta por cada uma das sociedades do grupo, (…).”  (v. supra).

Estamos assim, em rigor, parece-nos suficientemente claro, afastados – em matéria de derrama estadual – da lógica própria do RETGS que sobretudo o distingue, do apuramento do lucro tributável ao nível do Grupo como supra. 

Se dúvidas houvesse, v. como escreve Casalta Nabais a propósito de derrama estadual em RETGS: “(...) Uma taxa adicional que (…) quando seja aplicável o RETGS, incide sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a sociedade dominante. (…) não vemos porque é que o mesmo não segue inteiramente as vicissitudes deste imposto como imposto principal, segundo o bem conhecido ditado asessorium pricipale sequitur. Com efeito, as empresas integrantes de grupos que tenham optado pelo RETGS, certamente com o objectivo de verem diminuído o correspondente IRC, resultante da compensação lucros/prejuízos dentro do respectivo grupo, (...) ficam sujeitas a essa sobretaxa de IRC em termos de não poderem beneficiar da referida compensação de lucros/prejuízos verificados no seio do grupo. (…)”.

 

*

A derrama estadual foi criada pelo legislador em 2010 , por via do aditamento ao CIRC dos art.ºs 87.º-A, 104.º-A e 105.º-A (v. supra), tendo-se então em vista fins de obtenção de receita adicional em contexto de particular/excepcional instabilidade económico-financeira.

Como com facilidade também se retira do próprio normativo percorrido, estamos perante uma sobretaxa. A derrama estadual incide também ela sobre rendimento empresarial. Porém de uma forma particular. Enquanto o IRC (a “taxa normal” de IRC, se se preferir) incide sobre a totalidade do lucro tributável daquele determinado sujeito passivo num exercício, a derrama estadual incide, tão só, sobre - naquele lucro tributável - a sua porção que seja superior a € X. 

Há, portanto, uma taxa (“taxa adicional” – cfr. art.º 87.º-A, n.º 1) a incidir sobre uma porção do lucro tributável acima de X, a qual (porção) havia já sido tributada pela taxa de IRC. Melhor dito, pela “taxa normal” de IRC - cfr. art.º 87.º do CIRC.

A matéria colectável da derrama estadual não é, sequer, a colecta de IRC.

É, antes, o lucro tributável. Uma sua parte, apenas aquela que se situe acima de determinado montante.

Estamos, assim, perante um adicionamento.

Como quer que seja (e independentemente da natureza que se possa reconhecer à derrama estadual), estamos perante uma tributação adicional, operada em sede de IRC, através da aplicação de uma sobretaxa.

E esta sobretaxa - denominada pelo legislador de “taxa adicional” (v. art.º 87.º-A, n.º 1)  - incide sobre uma determinada matéria colectável, que não é, tal como acabámos de ver, exactamente a mesma sobre que incide o IRC stricto sensu.

Assim também, e em rigor, a colecta da derrama estadual não é a mesma que a colecta de IRC stricto sensu. 

 

Dito isto.

Por um lado, ao se apurar a matéria colectável da derrama estadual individualmente, na esfera jurídica individual de uma sociedade integrante de um Grupo sujeito ao RETGS, não se está a contrariar o funcionamento do dito regime especial de tributação. Pois que foi o próprio legislador quem assim o delineou, configurando o apuramento da derrama estadual, aí, numa lógica distinta da da compensação entre lucros/prejuízos no seio do Grupo.

O facto de no nosso caso a B... poder beneficiar de uma taxa de derrama estadual/regional diferente da taxa de derrama estadual das empresas do mesmo Grupo não é pois de molde a afectar o funcionamento do RETGS desde logo no que à sua referida característica essencial respeita (a compensação lucros/prejuízos entre todas as empresas do Grupo). É a taxa normal, mais elevada, de IRC (cfr. art.º 87.º do CIRC) que vai estar implicada no apuramento do lucro tributável que beneficia da dita compensação lucros/prejuízos (cfr. art.º 70.º do CIRC). As taxas adicionais, de derrama estadual, são a esse fenómeno alheias. Pois que, sempre (seja o Grupo integrado também por empresas residentes na RAA ou não), estas últimas taxas vão incidir sobre o lucro tributável calculado individualmente por cada uma das sociedades do Grupo (cfr. art.º 87.º-A, n.º 3 do CIRC; e cfr., também assim, art.º 2.º, n.º 3 do DLR). Sem a possibilidade de fazer uso de qualquer compensação de lucros/prejuízos verificados no seio do Grupo.

A dita lógica da tributação conjunta não é aqui, neste particular, propriamente concretizada. Por opção do legislador. 

 

Por outro lado, vejamos também.

A derrama estadual incide sobre uma parte da matéria colectável que vem a compor a colecta de IRC stricto sensu. Sobre essa matéria colectável já incidiu, portanto, num primeiro momento, a taxa normal de IRC (e v. como dispõe o legislador no art.º 69.º, n.º 3, al. a): “(…) a totalidade dos seus rendimentos está sujeita (…) à taxa normal mais elevada”).

Mas depois, num segundo momento, sobre uma (apenas) parte dessa mesma matéria colectável vai por sua vez incidir a taxa adicional (ou taxas adicionais), de derrama estadual.

Isto para dizer que o, acima visto, requisito de opção pelo RETGS consistente em todas as sociedades integrantes do Grupo serem obrigadas a ter a totalidade dos seus rendimentos sujeita ao regime geral de tributação em IRC à taxa normal mais elevada - cfr. art.º 69.º, n.º 3, al. a) – não deixará de se encontrar, quanto a nós, preenchido a partir do momento em que a totalidade do lucro tributável (o seu todo) do sujeito passivo em causa ficou sujeita (sobre ela incidiu) à taxa normal de IRC, à mais elevada taxa normal de IRC. No referido primeiro momento.

E quando, num segundo momento, sobre apenas uma parte desse mesmo lucro tributável se vai fazer incidir uma sobretaxa, a taxa adicional de derrama estadual, estamos já a extravasar daquele âmbito, do âmbito daquele requisito do RETGS, que já se encontra, por ali, cumprido.

 

É precisamente em contexto de RETGS que tudo o que vem de se expôr melhor se compreende.

 

Descendo mais concretamente ao nosso caso, contanto que em todas as empresas do perímetro do Grupo a totalidade dos seus rendimentos esteja sujeita ao regime geral de tributação em IRC à taxa normal mais elevada, o falado requisito estará preenchido.

No caso da B..., desde que a mesma tenha renunciado, desde logo – cfr. art.º 69.º, n.º 4, al. d) – à taxa normal de IRC reduzida , o que não vem questionado, o dito requisito estará preenchido.

Não será por depois em matéria de derrama estadual - que, no caso, toma a forma de derrama regional (cfr. DLR 21/2016, v. supra) – o sujeito passivo (B...), podendo beneficiar de uma taxa reduzida (taxa de derrama regional), à mesma não renunciar, que estará a incumprir-se o previsto no art.º 69.º, n.ºs 3, al. a) e 4, al. d). Como terá ficado claro de tudo o que antecede.

Temos, pois, que, do próprio teor expresso dos normativos implicados, devidamente contextualizados e entre si conjugados, se alcança, quanto a nós, resposta à questão que nestes autos nos ocupa.

Não deixando de se notar, além do que vem já referido (o RETGS não resultar afectado pelo apuramento da derrama ao nível individual  - pois que assim foi conformado pelo legislador - e, bem assim, a aplicação à totalidade do lucro tributável de todas as sociedades da taxa normal mais elevada de IRC não ficar prejudicada/afastada pela aplicação sobre apenas uma parte do mesmo lucro tributável de taxas outras, adicionais, como é o caso da taxa de derrama estadual), as próprias regras de pagamento “do imposto” versus “da derrama estadual” (cfr. art.ºs 104.º / 104.º-A e 105.º / 105.º-A) serem igualmente esclarecedoras no sentido que vimos de aproximar-nos, da independente base de cálculo e aplicação de taxas em separado.

 

*

Ainda assim, complementemos o que antecede com o mais que na matéria sempre será de convocar. Procurando ser breves.

As Assembleias Legislativas Regionais têm poder para legislar, entre o mais, adaptando o sistema fiscal nacional às especificidades da região (cfr. art.º 232.º da CRP). Poder que a Assembleia Legislativa Regional da RAA exerceu ao legislar através do DLR 21/2016. No exercício da autonomia normativa da região.

Ainda que só podendo incidir sobre matérias de interesse para a região, e não podendo versar sobre matérias reservadas aos órgãos de soberania nem contrariar as leis gerais da República, os Decretos Legislativos Regionais têm a mesma eficácia das leis formais (leis e decretos-leis).

Ao conceder às Regiões Autónomas seja poderes tributários próprios, seja o referido poder de legislar adaptando o sistema fiscal nacional, seja o poder de dispor das receitas fiscais aí cobradas ou geradas, teve o nosso legislador em vista a redução das desvantagens competitivas e desigualdades que resultam da insularidade e ultraperificidade, promover a convergência económica das regiões com o território nacional, incentivar o investimento aí localizado, e o seu desenvolvimento económico e social.

Tanto é patente seja ao nível da Constituição, seja na LFRA e, no caso da RAA, no ERAA,  consagrado-se os princípios da solidariedade nacional, da flexibilidade, da coerência entre sistema fiscal nacional e sistemas fiscais regionais, entre outros. Como supra percorrido. E como se lê, aliás, logo no Preâmbulo do DLR 21/2016 – entre o mais, apelando à redução das taxas de derrama como um instrumento de política fiscal “para promoção da economia e reforço dos meios dos agentes económicos na concretização de investimento (…)”.

Ora, e é neste contexto, que vem traçado, que o DLR consagra uma redução das taxas de derrama estadual para vigorarem na região, sob a forma de derrama regional, e determina – paralelamente ao que sucede no CIRC, art.º 87.º-A, n.º 3 – que quando se aplique o RETGS as ditas taxas incidirão sobre o lucro tributável (LT) individual de cada sociedade integrante do Grupo; sobre o LT apurado na Declaração de rendimentos individual de cada sociedade (cfr. art.º 2.º, n.º 3 do DLR).

Retirar deste comando legislativo que o ali estatuído só sucederá quando todas as sociedades integrantes do Grupo em RETGS tiverem sede na região autónoma  é, quanto a nós, e ressalvado o devido respeito a entendimento contrário, ir não só para lá da letra da lei como, ainda, ir para além do espírito do legislador.

Com efeito, não só este não expressou tal condição na previsão da norma como, ainda, parece-nos, seria contrário ao espírito do legislador admitir consagrada uma tal condição. Pois que também no caso de todas as sociedades do Grupo sujeitas ao RETGS terem sede na região se manterá a condição de acesso ao RETGS estabelecida no art.º 69.º – sujeição à taxa normal de IRC mais elevada, sendo necessária renúncia à taxa inferior quando for esse o caso. Recorde-se que o legislador regional não pode legislar em contrário das leis da República e – como vimos, e como bem se compreende – não afastou o disposto no art.º 69.º, n.ºs 3, al. a) e 4, al. d) do CIRC. Tão só tendo afastado, por contraste, o art.º 87.º-A.

Teremos que concluir que nada resultaria diferente quanto à coerência e funcionamento do RETGS fora essa uma condição da norma (art.º 2.º, n.º 3 DLR). Que não é. A norma tem vocação para ser aplicada (quando num quadro de RETGS) sejam todas as sociedades em causa residentes na região, sejam apenas algumas, ou seja uma só. O apuramento do lucro tributável numa lógica de conjunto - cfr. art.º 70.º do CIRC, e como já desenvolvido acima – em nenhum dos casos resulta afectado.

E neste sentido em alguma medida aponta também a própria existência de DLR distinto a consagrar, em separado portanto, a redução da taxa normal de IRC.

 

Aliás, veja-se como até iria em contrário dos objectivos visados pelo próprio legislador Constituinte, e reflectidos depois na demais legislação pertinente (supra – LFRA, ERAA), entender-se que o legislador regional teria pretendido determinar a redução das taxas de derrama estadual/regional em RETGS tão só no caso de todas as sociedades integrantes do Grupo terem sede na região. Poderia corresponder, parece-nos, a afastar da região (ou pelo menos desincentivar de aí se estabelecerem) Grupos económicos de maior dimensão e que tenham optado pelo RETGS. Que não só já sofrem esse desincentivo por força do art.º 69.º/ 3, a) e 4, d) do CIRC como, ainda, o sofreriam pela própria impossibilidade de verem ser aplicada nas suas sociedades com sede na região uma taxa (ou taxas) de derrama reduzida (sofreriam duplamente, pois, ao contrário do que sucede com as sociedades com sede na região e que não integrem Grupos económicos em RETGS). Seria também assim não incentivar grandes Grupos económicos a virem para a região pois que nenhum tratamento fiscal mais vantajoso lhes é concedido.

Por outro lado, ainda, tendo também em mente a dimensão geográfica no caso, não será muito plausível, parece-nos, Grupos económicos de considerável robustez/dimensão, possivelmente mais propensos à adopção do RETGS, se instalarem, in totum, instalarem todas as suas sociedades, na região autónoma. E, assim, e em todo este contexto, não nos parece plausível que fosse essa a situação visada pelo legislador.

Dê-se nota, ainda, e sem nos alongarmos em maiores desenvolvimentos, que a Jurisprudência que vem referida pela Requerida em defesa da sua posição é reportada a derrama municipal.

Por fim, refira-se, não se desconhece que podem suscitar-se questões delicadas na conjugação entre medidas de agravamento fiscal (como assim pode ser entendida a derrama estadual , na sua criação) e autonomia dos poderes regionais. Porém, no caso, sempre se note, não deixa de se manter em vigor a medida em causa. Ainda que beneficiando de uma redução percentual, a derrama vigora, na RAA. E ademais - em contexto de RETGS, como no nosso caso - vigora em conjugação com uma taxa normal de IRC que já de si, e por força do dito regime especial, não pode beneficiar da, também legislada, redução regional.

Tudo visto e ponderado, a legislação em causa (DLR 21/2016), que se enquadra na autonomia normativa própria da região, procura legitimamente e de forma, quanto a nós, não desproporcional, dar execução a fins que são próprios do nosso Sistema Fiscal como um todo, desde logo Constitucionalmente acolhidos, e a aplicação das respectivas taxas reduzidas a sociedades residentes na região integrantes de Grupos em RETGS não só não fere o funcionamento normal do dito regime especial de tributação, por tudo o que vimos, como, constituindo legislação especial face à constante do CIRC (art.º 87.º-A), e enquadrando-se a B... no respectivo âmbito de incidência subjectiva, deve ser aplicada no caso.

Numa lógica de Unidade do Sistema, e, no caso, Unidade do Sistema Fiscal, mantendo-se a coerência entre o Sistema Fiscal Nacional e o Regional. Respeitada também a nossa necessária assunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas no espírito do Sistema.

A B... deveria, pois, ter beneficiado, na sua derrama em questão, da respectiva taxa reduzida. Cfr. cálculos já supra. E na Liquidação em crise, submetida pela Requerente com referência ao Grupo, a parte da derrama aí declarada com origem na esfera jurídica individual da B... deveria, pois, tal ter reflectido.

A resposta à nossa questão  está pois alcançada em definitivo: são aplicáveis as taxas reduzidas constantes do art.º 2.º do DLR 21/2016.

No caso, em concreto, a taxa de 2,4% (e não a taxa de 3% aplicada), sobre o montante de € 2.308.042,11 (i.e. sobre o montante que excede € 1.500,000,00) do lucro tributável individual da B..., sendo o respectivo montante devido no valor de € 55.393,01 (e não no valor de € 69.241,26 como liquidado).  

Encontra-se assim a Liquidação ferida de erro de direito, por errada aplicação da taxa.

Sendo o valor que vem de se referir apurável por uma simples operação aritmética de multiplicação, por uma diferente taxa, como supra, a permitir a anulação meramente parcial.

Como em conformidade se decidirá.

 

4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

A liquidação em crise encontra-se, pois, ferida de ilegalidade, por erro na aplicação do Direito. Deve em consequência ser anulada, parcialmente, como decorre do que antecede, e as quantias indevidamente pagas, por pagas em excesso, restituídas à Requerente.

 

Peticiona ainda a Requerente juros indemnizatórios. Vejamos se lhe assiste razão.

 

Estabelece o art.º 24.º, n.º 5 do RJAT a obrigação do pagamento de juros, qualquer que seja a respectiva natureza, nos termos previstos na LGT e no CPPT.

Conforme disposto no n.º 1 art.º 43.º da LGT, a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem lugar quando se determine ter havido erro, imputável aos Serviços, do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Vimos já que houve erro, de direito, do qual resultou pagamento em quantia superior à devida. Resta aferir se tal erro é imputável aos serviços.

 

No caso dos autos, a liquidação em crise foi efectuada (rectius - a Requerida procedeu a ajustamentos à mesma) pela Requerida AT com base numa interpretação da lei que entendeu ser a correcta. E essa interpretação não corresponde, quanto a nós, ao que de si seria exigível. Na situação dos autos não pode, pois, deixar de considerar-se o erro em que a Requerida incorreu como sendo a si imputável, pelo que se defere o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, como infra.

5. Decisão

Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar procedente o PPA, e assim:

a)            Declarar ilegal e, em consequência, anular parcialmente a Liquidação, melhor identificada nos autos, na medida da diferença resultante da aplicação da taxa constante do art.º 87.º-A do CIRC (3%) quando deveria ter sido aplicada a taxa de derrama regional constante do art.º 2.º do DLR (2,4%) na parte da derrama estadual constante da Liquidação e originada na declaração individual da sociedade B...; 

b)           Condenar a Requerida na restituição à Requerente do valor indevidamente pago, de € 13.848,25;

c) Consequencialmente, declarar ilegal e anular parcialmente o despacho de deferimento parcial da Reclamação Graciosa;

d)           Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido até emissão da respectiva nota de crédito (cfr. art.º 61.º, n.º 5 do CPPT e art.º 43.º da LGT).

 

6. Valor do processo

Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 13.848,25.

 

7. Custas

Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 918,00, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 15 de Outubro de 2021

O Árbitro

 

(Sofia Ricardo Borges)