SUMÁRIO:
1. É diretamente aplicável na determinação do rendimento tributável das mais-valias realizadas por não residentes o n.º 2 do art.º 43.º do Código do IRS, sob pena de violação do art.º 63.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE);
2. Não é de considerar sanada a incompatibilidade da legislação interna com o normativo comunitário concretizada pelo aditamento ao art.º 72.º do Código do IRS de disposição que confere a possibilidade de opção pela equiparação ao regime aplicável aos residentes, porquanto ela não é sequer aplicável aos residentes em países terceiros, persistindo no ordenamento jurídico português uma situação de discriminação no tratamento de residentes e não residentes, com prejuízo para estes últimos.
I. RELATÓRIO:
1. A..., contribuinte fiscal n.º..., residente em ..., ..., Suíça, (doravante Requerente), apresentou, em 27.11.2020, um pedido de pronúncia arbitral, invocando o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º e n.º 1 do art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, de ora em diante apenas designado por RJAT) em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
2. No pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA), o Requerente optou por não designar árbitro.
3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou árbitro singular que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. Em 18.1.2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.
5. Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 3.5.2021 para apreciar e decidir o objecto do processo.
6. A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste na: i) Declaração de ilegalidade parcial do acto tributário de liquidação de IRS e Juros Compensatórios, respectivamente, no montante de 36.663,61 € e de 33,87 €, num total sindicado de 36.697,48 €, referente ao ano de 2019, consubstanciado na demonstração de liquidação IRS n.º 2020..., correspondente à nota de cobrança n.º 2020..., por enfermar de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e ainda em virtude da violação do direito da União Europeia; ii) Em consequência do eventual decretamento parcial da ilegalidade daquele acto de liquidação, na restituição à Requerente do valor do IRS pago indevidamente, no montante de 18.331,81 € e ainda na restituição de JC determinado proporcionalmente de montante que se cifra em 16,94 €; iii) No pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, por estarem preenchidos os pressupostos previstos no n.º 5 do art.º 24º do RJAT, por remissão para o art.º 43.º da LGT, contados desde a data do pagamento indevido até à restituição do imposto pago em excesso com referência àquele período de tributação (Cfr. n.º 5 do art.º 61º do CPPT).
7. Fundamentando o seu pedido, o Requerente alegou, em síntese, o seguinte:
I.A) BREVE SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DO REQUERENTE NO PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL:
7.1. Começa o Requerente por constatar que “[D]e acordo com a segunda nota de liquidação recebida, é possível constatar que é imputado ao Requerente o rendimento global de €130.941,49 sendo o mesmo valor imputado igualmente como “Total do rendimento para determinação da taxa”.
7.2 E daqui retira que “[a] AT aplicou a taxa autónoma de 28% sobre a totalidade do valor das mais-valias auferidas pelo Requerente em 2019, tendo daí resultado um imposto a pagar de € 36.663,61.”
7.3 O Requerente discorre seguidamente sobre o enquadramento em sede de IRS do rendimento obtido em sede de mais-valias, trazendo à colação o n.º 2 do art.º 15.º do Código do IRS; a alínea h) do n.º 1 do art.º 18.º do Código do IRS; o art.º 68.º do Código do IRS; a alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS; e finalmente o n.º 2 do art.º 43º do CIRS que determina que o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias, correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano é, no caso das transmissões onerosas de direitos sobre bens imóveis efectuadas por residentes, apenas considerado em 50% do seu valor.
7.4 A propósito da explicitação da acima referida alínea h) do n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRS, diz o Requerente que: “(...) consideram- se rendimentos de fonte portuguesa, designadamente, os rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão – pelo que serão sempre sujeitos a imposto em Portugal, até porque a convenção para evitar a dupla tributação assinada entre Portugal e Alemanha atribui ao país onde se encontra localizado o imóvel o poder para tributar a referida mais-valia.”
7.5 Atendendo a que à data da obtenção do rendimento – 2019 - o Requerente residia já não na Alemanha mas antes na Suíça, a invocação da CDT celebrada com a Alemanha só pode ser entendida como manifesto lapsus scribendi, querendo, certamente, aquele reportar-se à CDT outorgada com a Suíça.
7.6 Partindo da aludida possibilidade de tributação de 50% do rendimento colectável resultante da obtenção de mais-valias imobiliárias por residentes em Portugal e comparando esse regime como o aplicável aos não residentes, diz o Requerente: “Já os não residentes são tributados sobre a totalidade da mais-valia auferida.”
7.7 E constatada aquela suposta discriminação, aduz o Requerente como segue: “Ora, constitui entendimento consolidado e amplamente replicado na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), a proibição de discriminação entre os sujeitos passivos residentes num Estado-Membro (in casu Portugal) e os residentes noutro Estado-Membro.”, trazendo-se ainda à colação o disposto no art.º 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
7.8 E não se detendo prossegue o Requerente aduzindo como segue: “Em particular, quanto à legislação Tributária Portuguesa relativa à tributação das mais-valias imobiliárias, o TJUE considerou o regime previsto no n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS, na redacção anterior à Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro incompatível com o Direito da União, por se tratar de um tratamento diferenciado incompatível com a livre circulação de capitais garantida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, cf. processo C-443/06, acórdão de 11.10.2007, Hollmann versus Fazenda Pública.”
7.9. E ainda: “Conclui o TJUE no acórdão referente a este processo C-443/06 que é incompatível com a norma que assegura aquela liberdade de circulação de capitais um regime que «sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel”.
7.10 Invocando, é certo, jurisprudência comunitária que tratava, em termos de reenvio prejudicial, dissídio interno que opunha a Fazenda a não residente domiciliado em Estado-Membro da União Europeia, não deixou o Requerente de explicitar também jurisprudência do TJUE que igualmente sustentava a incompatibilidade do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS com o direito da União, mais concretamente o art.º 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, mesmo quando o rendimento a tributar em Portugal seja obtido por residente em país terceiro e já não num qualquer Estado-Membro da U.E. ou num estada que integre o EEE. A tal propósito, identificou o Requerente o Acórdão do TJUE de 6.9.2018, tirado no processo C-184/18, onde efectivamente se defende “(...) a incompatibilidade do n.º 2 do art.º 43.º do Código do IRS com o direito da União Europeia, aplicando o mesmo entendimento também a residentes em países terceiros.”
7.11 Dizendo mais o Requerente: “Resulta, em concreto, deste acórdão do TJUE que «uma legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado-Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais-valias realizadas por um residente naquele Estado-Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.º, n.º 1, Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia».”
7.12 Sendo que, o Requerente traz ainda à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), prolatado no processo 01172/14 de 03.02.2016, concluindo nos seguintes termos: “(...) tal interpretação no sentido de aplicar dois regimes distintos, para residentes e não residentes em Portugal é absolutamente contrária às normas de direito europeu, como decidido nos acórdãos supra referidos, entre outros vários.”
7.13 E ainda a alteração legislativa que emergiu na sequência da entrada em vigor da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Lei de Orçamento de Estado para 2008) e que introduziu os n.ºs 7 e 8 (actuais n.ºs 14 e 15) do artigo 72.º do Código do IRS referentes à possibilidade de não residentes em Portugal, mas residentes na União Europeia, poderem optar pela tributação, alternativamente à taxa especial de 28%, à taxa a que seriam tributados caso fossem residentes em território Português. A este respeito diga-se desde já que o tribunal Arbitral Singular considera que tal normativo não se aplica à questão decidenda pela simples razão de que ele só é aplicável a não residentes domiciliados na União Europeia ou no EEE e sendo o Requerente domiciliado (à data dos factos) na Suíça e não integrando aquele Estado nem a U.E. nem mesmo o EEE, não se afigura pertinente a invocação daqueles normativos, pelo que não vamos sequer aqui explicitar a posição interpretativa enunciada pelo Requerente e fundada na vigência dos mesmos.
7.14 Termina o Requerente dizendo: “Em face do exposto, os rendimentos de mais-valias obtidos pelo Requerente deveriam apenas ter sido considerados em 50%, assim, considerando-se o rendimento global apurado pela AT e indicado acima de €130.941,49, este deveria ter sido considerado em 50% (€65.470,75), valor esse que tributado à taxa de 28%, resultaria num imposto a pagar no valor de €18.331,81.” Devendo enfocar-se que o Requerente considera que os actos tributários sindicados estão efectivamente enfermados, mas só viciados parcialmente e não na sua totalidade, aceitando mesmo a tributação na parte não enfermada, o que resulta incontroverso quando aquele diz: “Pelo que se conclui que a presente liquidação adicional de IRS é ilegal, por não tributar apenas metade da mais-valia realizada pelo Requerente aquando da venda do imóvel, e deve ser anulada, sendo restituídos ao Requerente os valores indevidamente pagos.
7.15 O Requerente não deixa de, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, peticionar o pagamento de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais.
7.16. Em 29.6.2021, o Requerente apresentou alegações escritas repristinando ali a hermenêutica sustentada no PPA.
8. A Requerida apresentou resposta em 1.6.2021.
I.B) BREVE SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DA REQUERIDA NA RESPOSTA:
8.1 Afrontando a posição defendida pelo Requerente no PPA, a Requerida, na Resposta, começa por dizer, aliás, como afirmação de princípio e meramente conclusiva, que “Porém, ao invés do que lhe é imputado, a atuação da Requerida não é merecedora de qualquer censura, inexistindo, portanto, qualquer vício que inquine a validade da liquidação impugnada.”
8.2 No sentido de fundamentar tal posição, vem a Requerida invocar que a adaptação da legislação portuguesa à legislação comunitária, foi concretizada mediante o aditamento à letra do art.º 72.º do CIRS dos n.ºs 7 e 8, o que foi feito com a entrada em vigor da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro.
8.3 E mais: “Por força dessa alteração legislativa as declarações de rendimentos de IRS respeitantes aos anos fiscais de 2008 e seguintes têm um campo para que possa ser exercida a opção pela taxa consagrada no artigo 68.º do CIRS.” E ainda: “Para que o aqui requerido pudesse proceder, nomeadamente, para que a tributação da mais-valia fosse feita pela taxa consagrada no artigo 68.º, como residente, era necessário que tivesse preenchido os campos 9, opção pelas taxas do artigo 68.º do CIRS, e 11, total dos rendimentos obtidos no estrangeiro.” E finalmente: “Não o tendo feito, como evidenciam as Mods. 3 que deram origem às liquidações impugnadas, e que ora se juntam, não pode o peticionado proceder e, muito menos, a imputação do erro, e consequente responsabilidade, no preenchimento da declaração ser assacada à Requerida.”
8.4. E não se detendo aduz ainda a Requerida nos seguintes termos: “Ademais, a norma estabelecida no n.º 2 do artigo 43.º, e cuja aplicação o Requerente defende, encontra-se no capítulo II do CIRS que tem como epígrafe "Determinação do rendimento coletável". Prosseguindo: “Ou seja, estamos perante a determinação do rendimento. Para efeitos de incidência, e no que respeita à matéria das mais-valias que nos ocupa, relevantes são os artigos 9.º e 10.º do CIRS. Assim, o disposto no n.º 2 do artigo 43° do CIRS não é aplicável ao caso aqui em análise.”
8.5 Conclui a Requerida dizendo: “Soçobram, assim, todos os fundamentos trazidos aos autos pelo Requerente e, consequentemente, as alegadas ilegalidades assacadas à liquidação objeto do P.P.A. E ainda que “Também o pedido de condenação em juros indemnizatórios terá que improceder por não
se verificarem os pressupostos constantes do n.º 1 do artigo 43.º da LGT.”
8.6 Finalmente, sustenta a Requerida no sentido de que ainda que não colhesse o argumentário de que as liquidações sindicadas não enfermam de qualquer ilegalidade, “(...) nunca o pedido de anulação da liquidação em discussão poderia proceder na sua totalidade.” E para o efeito aduz: “Pois, em obediência aos princípios da divisibilidade do ato tributário e do aproveitamento do ato, a proceder a tese defendida pelo Requerente, repete-se, o que não se concede e apenas por hipótese académica se admite, a liquidação impugnada apenas deveria ser anulada parcialmente, designadamente na parte em que hipoteticamente se verificou um excesso de tributação. Neste mesmo sentido tem decidido o STA “(…) se a ilegalidade que afecta o acto tributário o inquina no seu todo, não há que ponderar a possibilidade da decisão a proferir em sede de impugnação judicial anular o acto parcialmente; essa possibilidade só deve ser ponderada nos casos em que essa ilegalidade apenas afecta o acto impugnado em parte. Nestes casos, deve o tribunal aferir da possibilidade da anulação parcial da liquidação, pela qual não substitui o acto impugnado por um outro acto da sua autoria (substituição que lhe está vedada pelo princípio da separação dos poderes), mas antes mantém aquele acto, mas apenas na parte não afectada; «este subsiste, só que parcialmente, continuando a ser o “título” no qual se funda a exigência do pagamento do imposto» (Cfr. RUI DUARTE MORAIS, Manual de Procedimento e de Processo Tributário, Almedina, 2012, pág. 243.).” E a este propósito importará desde já dizer que a Requerida labora em manifesto erro de percepção, já que, o Requerente não peticionou, aliás, como visto acima, a anulação da totalidade das liquidações sindicadas, antes o fez relativamente a metade da sua expressão material, aceitando a anulação meramente parcial das liquidações e peticionando a restituição dos montantes pagos em excesso.
9. Em 2.6.2021, o Tribunal Arbitral Singular proferiu o seguinte despacho que foi devidamente notificado à partes:
“Considerando que:
- Face aos articulados apresentados pelas partes se afigura que as questões a apreciar e decidir se reconduzirão, fundamentalmente, a questões de direito;
- Não foi apresentada prova testemunhal, nem requerida a produção de qualquer prova adicional; e,
- Não foram suscitadas pela Requerida excepções, pelo que, não há excepções que seja necessário apreciar e decidir antes de se conhecer do pedido.
DECIDE-SE, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 16º, alíneas c) e e), 19º,nº 1 e 29º, nº 2 do RJAT), e do princípio da proibição de actos inúteis (art.º 130º do Código de Processo Civil, ex vi da alínea e) do nº 1 do artigo 29º do RJAT): i) dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT; ii) facultar às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas, podendo a Requerente fazê-lo no prazo de vinte dias, contados da notificação do presente despacho, e a AT no mesmo prazo, contado da notificação das alegações da Requerente ou da falta de apresentação das mesmas; iii) a decisão final será proferida e notificada às partes até ao termo do prazo fixado no artigo 21º, nº 1 do RJAT, devendo a Requerente, até dez dias antes do termo de tal prazo, proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente.
NOTIFIQUE-SE.
Lisboa, 2 de Junho de 2021.”
II. THEMA DECIDENDUM:
10. A questão de fundo a apreciar no presente processo é a de saber se a norma do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS, ao prever a redução em 50%, da matéria coletável correspondente a mais-valias imobiliárias apenas para as mais-valias realizadas por residentes, constitui violação do art.º 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia por tratamento discriminatório e violação da liberdade de circulação de capitais no que tange a residentes em países terceiros.
III. SANEAMENTO:
11. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos actos tributários de liquidação de IRS à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
12. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (Cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
13. A ação é tempestiva, porque apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
14. O processo não enferma de nulidades.
15. Não existem excepções a apreciar.
IV. DECISÃO:
IV.A) FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS:
16. Antes de entrarmos na apreciação das questões acima elencadas, cumpre fixar a matéria factual que é relevante para a respectiva decisão:
A) O Requerente, à data do facto gerador do imposto aqui em causa – 2019 - era residente fiscal na Suíça, mais concretamente em ..., ... . Esta é factualidade não controvertida em face do que está no art.º 8º do PPA e nos Docs. n.ºs 1 e 2 Anexos à Resposta, já que, em resultado do tratamento dos actos declarativos apresentados pelo Requerente, da Desmonstração da Liquidação do IRS e JC de 2019 (Cfr. Doc. n.º 1 junto ao PPA), infere-se que a Requerida tratou, efectivamente, o Requerente como não residente em Portugal. Além de que, diga-se, na Resposta, não se contradita ou impugna minimamente esse circunstancialismo.
B) No dia 25 de Junho de 2019, o Requerente e a comproprietária B... (cônjuge do Requerente), procederam à alienação, em Portugal, pelo valor de 420.000,00 €, do imóvel sito na Rua ..., n.º..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número..., da freguesia de ... e inscrito na matriz sob o artigo ..., destinado a habitação secundária (Cfr. Escritura pública de compra e venda, cuja cópia está junta ao PPA como Doc. n.º 3).
C) O aludido prédio urbano foi adquirido em compropriedade pelo Requerente em 16 de Dezembro de 2013, pelo valor de 128.000,00 € (Cfr. Escritura pública de compra e venda, cuja cópia está junta ao PPA como Doc. n.º 2).
D) Dando cumprimento à obrigação declarativa que sobre si impendia, entregou o aqui Requerente a respectiva declaração de rendimentos Modelo 3, do IRS, identificada como ...-2019-..., respeitante ao ano de 2019, juntamente com o respectivo Anexo G, relativo aos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos com a alienação do aludido imóvel (Cfr. Doc. n.º 1 junto à Resposta), tendo declarado, no Quadro 4, do citado Anexo G àquela declaração, os montantes relativos aos valores de realização e de aquisição em função da respectiva quota-parte (de 50%) que cabia ao aqui Requerente na aludida compropriedade.
E) Na referida declaração de rendimentos Modelo 3, foi inscrita a condição de não residente do aqui Requerente, mais concretamente no Quadro 8B, Campo 04, da sua folha de rosto (Cfr. Doc. n.º 1 junto à Resposta).
F) Na citada declaração Modelo 3 de IRS apresentada, foi assinalada indicação quanto ao circunstancialismo do aqui Requerente residir, à data, na União Europeia, tendo sido indicado no Campo 06, do Quadro 8B, quanto à “Residência em país da UE ou EEE”, o código correspondente à Alemanha, ou seja, o código 276; tal como foi igualmente indicado, quanto a saber se aquela pretendia a tributação pelo regime geral (Campo 07) ou optava por um dos regimes abaixo indicados (Campo 08) de “Opção pelas taxas gerais do art.º 68º. do CIRS – Relativamente aos rendimentos não sujeitos a retenção liberatória – art.º 72º, n.º 9, do CIRS” (Campo 09) ou de “Opção pelas regras dos residentes – art.º 17º-A do CIRS” (Campo 10), que o aqui Requerente pretendia a tributação pelo regime geral, assinalando o referido campo 7 do Quadro 8B da Declaração de Rendimentos Modelo 3 (Cfr. Doc. n.º 1 junto à Resposta).
G) O Requerente entregou ainda uma declaração de substituição Modelo 3, do IRS, identificada como ...-2019-..., respeitante ao ano de 2019, juntamente com o respectivo Anexo G, relativo aos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos com a alienação do aludido imóvel (Cfr. Doc. n.º 2 junto à Resposta), tendo declarado, no Quadro 4, do citado Anexo G àquela declaração, os montantes relativos aos valores de realização e de aquisição em função da respectiva quota-parte (de 50%) que cabia ao aqui Requerente na aludida compropriedade.
H) Na referida declaração foi igualmente inscrita a condição de não residente do aqui Requerente, mais concretamente no Quadro 8B, Campo 04, da sua folha de rosto (Cfr. Doc. n.º 2 junto à Resposta).
I) Na citada declaração de substituição Modelo 3 de IRS, foi também assinalada indicação quanto ao circunstancialismo do aqui Requerente residir, à data, na União Europeia, tendo sido indicado no Campo 06, do Quadro 8B, quanto à “Residência em país da UE ou EEE”, o código correspondente à Alemanha, ou seja, o código 276; tal como foi igualmente indicado, quanto a saber se aquela pretendia a tributação pelo regime geral (Campo 07) ou optava por um dos regimes abaixo indicados (Campo 08) de “Opção pelas taxas gerais do art.º 68º. do CIRS – Relativamente aos rendimentos não sujeitos a retenção liberatória – art.º 72º, n.º 9, do CIRS” (Campo 09) ou de “Opção pelas regras dos residentes – art.º 17º-A do CIRS” (Campo 10), que o aqui Requerente pretendia a tributação pelo regime geral, assinalando o referido campo 7 do Quadro 8B da Declaração de Rendimentos Modelo 3 (Cfr. Doc. n.º 2 junto à Resposta)
J) Na referida declaração de substituição Modelo 3 do IRS foi apenas declarado rendimento no Anexo G, i.e, o aqui Requerente só auferiu no território nacional rendimentos decorrentes da vinda de referir alienação imobiliária que se subsumem na categoria G de rendimentos do CIRS, donde, aquele, só obteve em Portugal rendimentos de mais-valias imobiliárias (Cfr. Doc. n.º 2 junto à Resposta).
K) Do anexo G consta que o aqui Requerente alienou 50% do aludido imóvel em Junho de 2019, indicando-se ali um valor de realização de 210.000,00 €, ao qual foi subtraído o valor de aquisição de 64.000,00 € e ainda as despesas e encargos de 13.138,51 €, tendo-se apurado uma mais-valia imobiliária que se cifrava em 130.941,49 € e que, tal como se pode ver pela leitura da “Demonstração da Liquidação de IRS” junta ao PPA como Doc. n.º 1, coincide com o “Rendimento Global” obtido pelo aqui Requerente.
L) Tratada a referida declaração de rendimentos Modelo 3, a AT procedeu ao cálculo do imposto devido, nos termos e em conformidade com o estatuído no n.º 1 do art.º 43º do CIRS, ou seja, tendo por base o saldo apurado entre as mais-valias e as menos valias (que in casu simplesmente inexistiam, já que, como já implicitamente aventado, o aqui Requerente só realizou uma alienação onerosa de imóvel onde apurou ganho e não perda, donde, não havia qualquer menos-valia a deduzir à mais-valia realizada), desconsiderando, naquele cálculo, a aplicação da regra prevista no n.º 2 do mesmo normativo que permite a tributação em apenas 50% do valor do saldo referido. (Cfr. Doc. n.º 2 junto à Resposta).
M) Tal como se pode intuir da leitura da “Demonstração da Liquidação de IRS” (junta como Doc. n.º 2 à Resposta), a AT na determinação do imposto a dirigir à aqui Requerente, aplicou a taxa de 28% à mais-valia imobiliária apurada de 130.941,49 €, i.e., à totalidade do valor das mais-valias apuradas aplicou a taxa de 28% prevista na lei, obtendo o imposto apurado de 36.663,61 €.
N) O aqui Requerente foi notificado da liquidação de IRS n.º 2020..., correspondente à Nota de cobrança de IRS n.º 2020..., relativa ao ano de 2019, no valor de 36.697,48 € (Cfr. Doc. n.º 1 junto ao PPA);
O) Tal imposto foi pago em 4.9.2020 (Cfr. Doc. n.º 4 junto ao PPA) e 25.10.2020 (Cfr. Doc. n.º 5 junto ao PPA), sendo que o primeiro pagamento (que se cifou em 32.429,38 €) de foi feito na sequência do envio e tratamento da primeira declaração de rendimentos entregue e o segundo pagamento (de 4.268,10 €) efectivou-se depois de tratada a declaração de substituição. Num total pago que se elevou a 35.697,48 €.
P) Em 27.11.2020, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD).
IV.B) FACTOS NÃO PROVADOS:
17. Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.
IV.C) FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:
18. Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
19. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art.º 596.º do CPC).
20. A convicção sobre os factos assim dados como provados (acima explicitados) fundou-se na posição assumida pelo Requerente no PPA; na prova documental junta aos autos pelo Requerente; no Processo Administrativo Tributário junto aos autos pela entidade demandada, nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro; e, ainda, nas alegações aduzidas pelo Requerente que não foram impugnadas pela parte contrária.
IV.D) DO DIREITO:
IV.D1) DA ILEGALIDADE PARCIAL DE QUE ENFERMA O ACTO TRIBUTÁRIO DE LIQUIDAÇÃO SINDICADO DE IRS E DE JC DE 2019 POR INCOMPATIBILIDADE DO QUADRO NORMATIVO QUE A ESTÁ A ANCORAR COM O ARTIGO 63º DO TFUE, NOMEADAMENTE, POR VIOLAÇÃO DA LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS E TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO ENTRE O REGIME TRIBUTÁRIO APLICÁVEL ÀS MAIS-VALIAS OBTIDAS POR SUJEITOS PASSIVOS RESIDENTES VERSUS NÃO RESIDENTES:
21. Adequado se mostrando começar por se explicitar o quadro normativo que enforma a tributação das mais-valias e constante do CIRS na sua redacção à data dos factos no que concretamente tange aos ganhos com a alienação de imóveis.
22. Estatui o nº 1 do art.º 10º do Código do IRS, no sentido de que “[C]onstituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (...)”.
23. Nos termos do nº 4 do mesmo artigo 10.º, o ganho sujeito a tributação corresponde à diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição.
24. O valor de realização está conceituado no art.º 44º do CIRS e, in casu, coincide com a quota-parte do Requerente do valor da respectiva contraprestação pela alienação do imóvel transmitido em conformidade com o disposto na alínea f) do n.º 1 do aludido art.º 44º do CIRS.
25. Já o valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis, aparece-nos referido no art.º 46º do CIRS.
26. Ali se diz: “No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT).”
27. Em conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 50º do CIRS, o valor de aquisição é corrigido pela aplicação do coeficiente de desvalorização monetária, para o efeito aprovados – tais coeficientes - por Portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças. Para o exercício de 2019 vigorava a Portaria n.º 362/2019, publicada no Diário da República n.º 194/2019, Série I, de 2019.10.9, que pode ser consultada in https://dre.pt/home/-/dre/125085456/details/maximized .
28. Nos termos do que dispõe o art.º 51º do CIRS, para determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação do imóvel.
29. Dispõe o n.º 1 do art.º 13º do CIRS no sentido de que “[F]icam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos”.
30. No que respeita à tributação de não residentes em território português, como, in casu, o aqui Requerente, estatui o n.º 2 do art.º 15º do CIRS no sentido de que o IRS incide “(...) unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português”.
31. O art.º 18º do CIRS é normativo que dispõe sobre que rendimentos se consideram obtidos em território português.
32. De acordo com o disposto na alínea h) daquele normativo legal, consideram-se aqui obtidos “[O]s rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão.”
33. Isto dito, sai meridianamente intuitivo que o rendimento obtido pelo Requerente com a alienação da sua quota parte do imóvel aqui em causa, uma vez que aquele é não residente em Portugal, considera-se obtido em Portugal, estando assim submetido às regras de incidência real do IRS por subsunção naquele normativo.
34. Tal como se pode inferir do estatuído no n.º 1 do art.º 43º do CIRS, “[O] valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas o mesmo ano (...)”, sendo certo que, no caso de transmissões previstas nas alíneas a), c) e d) do nº 1 do art.º 10º do CIRS, e de entre elas, por subsunção na referida alínea a), a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, efectuadas por sujeitos passivos residentes (di-lo expressamente o n.º 2 do art.º 43º do CIRS), o saldo positivo ou negativo é apenas considerado em 50% do seu valor (Cfr. artigo 43.º, n.ºs 1 e 2 do Código do IRS).
35. Ademais e no que tange aos sujeitos passivos residentes, sobre o valor de rendimento apurado nos termos do ponto anterior, incidem as taxas gerais previstas no artigo 68º do Código do IRS, eventualmente submetido (o rendimento) a um encargo efectivo progressivo por aplicação da estrutura de taxas prevista naquele normativo.
36. Já quanto aos sujeitos passivos não residentes em território português, a alínea a) do art.º 72º do CIRS, prevê a aplicação, à totalidade das mais-valias apuradas, de uma taxa especial e proporcional de 28%.
37. Resultando daqui que, relativamente aos não residentes e de iure constituto, parceria não ter aplicação o n.º 2 do art.º 43º do CIRS, ou seja, não beneficiariam aqueles da redução em 50% do valor do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas.
38. Ainda assim e não obstante, em conformidade com o disposto no n.º 9 do art.º 72º do CIRS, “[O]s residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, (...), exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do nº 1 e no nº 2 do artigo 72º do Código do IRS, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no nº 1 do artigo 68º daquele Código seria aplicável no caso de tais rendimentos serem auferidos por residentes em território português.”
39. Por outro lado e em conformidade com o disposto no n.º 10 do referido art.º 72º do Código do IRS, “[P]ara efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes”.
40. Inferindo-se do que vem de ser dito que são prefiguráveis três regimes essenciais de tributação das mais-valias em sede de IRS: i) um primeiro, para os residentes em território português, vigorando o regime previsto no art.º 43.º do CIRS, em que as mais-valias realizadas são consideradas apenas em 50% do seu valor; ii) um segundo, para os residentes num Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, onde se prevê̂ a tributação autónoma nos termos do n.º 1 do art.º 72.º do CIRS, mas com possibilidade de opção pela aplicação do regime dos residentes em território português, sendo considerados, para efeitos de determinação da taxa, todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes; iii) finalmente, um terceiro, para os não residentes em território português e não residentes num Estado membro da União Europeia ou do EEE, onde está estatuída apenas a aplicação da referida tributação autónoma, sem possibilidade de opção por qualquer outro regime.
41. E sendo o aqui Requerente residente na Suíça, constata-se que não poderia beneficiar da aplicabilidade daquele regime optativo de tributação das mais-valias obtidas por não residente, já que a Suíça não pertence à União Europeia e nem mesmo ao Espaço Económico Europeu, pertencendo tão-só à EFTA (Associação Europeia de Comércio Livre).
42. Sendo que, importa não olvidá-lo, o que o aqui Requerente pretendia era ver reconhecida a aplicabilidade aos rendimentos que obteve em território português do n.º 2 do art.º 43º do CIRS, só assim entendendo que, por essa via, se colocava cobro à efectiva e vedada discriminação na tributação dos rendimentos obtidos por residentes e não residentes e à violação da liberdade de circulação de capitais prevista no art.º 63.º do TFUE.
43. A questão que o Requerente traz à colação é a de saber se ao tributar-se a totalidade das mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis por sujeitos passivos não residentes em Portugal, mas que são residentes em país terceiro e não noutro Estado-membro da UE ou residentes no EEE, interpretando-se e aplicando-se, assim, o preceituado no nº 2 do artigo 43.º do Código do IRS unicamente a sujeitos passivos residentes em Portugal, se está em desconformidade com o direito comunitário, particularmente, com a liberdade de circulação de capitais, prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, constituindo uma situação de discriminação entre residentes em Portugal e residentes em país terceiro.
44. De notar que o Requerente não residia num país pertencente à União Europeia nem mesmo num país pertencente ao EEE, residindo num país terceiro (a Suíça), donde, com o aditamento ao art.º 72º do CIRS dos nºs 9 e 10 (na sua redacção à data dos factos), concretizado pela entrada em vigor da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, não se afastou a incompatibilidade da norma interna com o direito comunitário, sobejamente explicitada pelo TJUE com a prolação do “Acórdão Hollmann”, com o estabelecimento de um regime opcional de equiparação dos não residentes aos residentes, desde que aqueles sejam residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu.
45. E não se afastou tal incompatibilidade para os residentes em países terceiros pela simples razão de que tal regime não é aplicável aos residentes em países terceiros que, em princípio, teriam de ver aplicado o regime previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 72.º do CIRS sem possibilidade de opção por qualquer outro regime de tributação das mais-valias.
46. O Tribunal Arbitral Singular entende que, ainda que tal regime optativo fosse aplicável ao aqui Requerente (e já vimos não era porquanto este era residente em país terceiro) a existência do mesmo não afastava, ainda assim, a invalidade daquele regime (discriminatório), ou seja, a intervenção legislativa acima referida não logrou afastar a aventada incompatibilidade do direito interno com o direito comunitário, continuando o ordenamento jurídico português a violar frontalmente o direito comunitário, nomeadamente, o princípio da liberdade de circulação de capitais e a proibição da discriminação entre residentes versus não residentes.
47. E dizemo-lo louvados na jurisprudência do Tribunal Arbitral, prolatada no Processo n.º 590/2018, de 8 de Julho de 2019, que pode ser consultada in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAxOTA4MDUxNjA0MzYwLlA1OTBfMjAxOC1UIC0gMjAxOS0wNy0wOCAtIEpVUklTUFJVREVOQ0lBLnBkZg%3D%3D que a dado passo diz: “Na verdade, a alteração legislativa operada assenta em pressupostos inquinados pela intenção de manter uma tributação mais onerosa sobre os sujeitos passivos não residentes, mesmo que estes residam no espaço da EU ou do EEE (tendo em consideração a complexidade de funcionamento do imposto, agravado pela “opção pelo englobamento” de todos os rendimentos obtidos no outro país, para além de outras questões relevantes associadas ao principio da territorialidade previsto artigo 15º do Código do IRS, às condições de pessoalização e à progressividade do imposto, dificilmente compatível com uma adequada consideração dos valores auferidos noutro Estado-membro, no estado actual do direito comunitário), o que se afigura inaceitável aos olhos da acima referida jurisprudência do TJUE.
48. Sendo que, esta concreta questão de saber se com a referida intervenção legislativa (que equiparou o regime fiscal aplicável aos residentes aos não residentes domiciliados na UE ou no EEE) logrou ou não afastar-se a aventada incompatibilidade do direito interno com o direito comunitário, já foi sobejamente tratada pela jurisprudência arbitral e até pela jurisprudência do STA , tal como adiante se demonstrará.
49. Desde logo e para além da já acima identificada, traga-se aqui a jurisprudência arbitral firmada no Processo n.º 45/2012-T, de 5.7.2012 e que pode ser consultada in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAxODA3MDYxNTI1MTMwLlA0NV8yMDEyVCAtIDIwMTItMDctMDUgLSBKVVJJU1BSVURFTkNJQSBEZWNpc2FvIEFyYml0cmFsRi5wZGY%3D e que a dado passo diz: “Para além de, como bem assinalam os Requerentes, a previsão deste regime facultativo fazer impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, a opção de equiparação não é, segundo entendemos, susceptível de excluir a discriminação em causa 14 . Neste sentido, se pronunciou o TJUE, no Acórdão, de 18 de Março de 2010, proferido no processo C-440/08 (Acórdão Gielen) numa situação que apresenta manifesto paralelismo, somente com a diferença de que neste processo estava em causa a violação do artigo 49.º e não a do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Salienta aquele órgão jurisdicional que “a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (…) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório”, frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais 15 . E continua aquele tribunal revelando o paradoxo: “o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (…) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.° TFUE em razão do seu carácter discriminatório” 16 . Conclui o TJUE que o Tratado “se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (…) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes.”
50. Mas também a jurisprudência arbitral firmada no Processo n.º 127/2012-T, de 14.5.2013 e que pode ser consultada in
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAxODA3MTAxNzIyMDcwLlAxMjcgVCAyMDEyIC0gMjAxMy0wNS0xNCAtIEpVUklTUFJVREVOQ0lBIERlY2lzYW8gQXJiaXRyYWwucGRm e que a fls. 14 daquela douta decisão dispõe: “Assim, a opção que é dada a um sujeito passivo residente na União Europeia ou espaço económico europeu entre um regime que continua a ser discriminatório, por violação do disposto art.º 63.º da TFUE e um outro alegadamente não discriminatório, equiparando-os com os residentes no território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes. E, consequentemente, ao se reconhecer que os referidos efeitos não são eliminados, estar-se-á a admitir que a referida opção valida um regime fiscal que continua em si mesmo a violar o artigo 63.º do TFUE, pelos motivos acima enunciados, o que não se coaduna com o direito comunitário.”
51. E quanto à enunciação de jurisprudência arbitral, importa ainda trazer à colação a vertida na decisão arbitral, proferida no processo nº 74/2019-T, de 22 de Maio de 2019, que pode ser lida in
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAxOTA2MjUxNjUxMzUwLlA3NF8yMDE5LVQgLSAyMDE5LTA1LTIyIC0gSlVSSVNQUlVERU5DSUEucGRm e na qual se refere: “(…) atualmente, em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal, por não residentes neste território, mas residentes noutro Estado membro da União Europeia ou Espaço Económico Europeu (…), coexistem dois regimes fiscais: 1. O regime que sujeita os rendimentos a uma taxa especial de 28% e 2. O regime equiparado ao que vigora para os sujeitos passivos residentes em território português, segundo o qual, os mesmos rendimentos são sujeitos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do nº 2 do citado artigo 43.º do Código do IRS. Porém, a previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não sendo a opção de equiparação suscetível de excluir a discriminação em causa. Na realidade, o regime de equiparação atualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o caráter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal. Neste sentido, o TJUE considerou, no Acórdão Gielen, de 18/03/2010 (Processo C-440/08), num caso de evidente paralelismo (ainda que naquele acórdão estivesse em causa a violação do artigo 49.º), o seguinte: 1. «a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (…) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório», frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.». 2. «o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (…) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49° TFUE em razão do seu carácter discriminatório». 3. O Tratado «se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (…) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes» (…)”, concluindo que “(…) a existência deste regime, meramente opcional, para além de criar um ónus adicional nos contribuintes não residentes face aos residentes – o qual consiste na necessidade do exercício dessa opção não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda vigor (…)” (sublinhado nosso). Ainda no mesmo sentido se pronunciou o TJUE no Acórdão de 08-06-2016, processo C479/14 ao referir que “relativamente ao caráter facultativo do referido mecanismo de tributação, há que sublinhar que, mesmo admitindo que esse mecanismo seja compatível com o direito da União, é jurisprudência constante que um regime nacional restritivo das liberdades de circulação pode continuar a ser incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. A existência de uma opção que permitisse eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem por efeito sanar, por si só, o caráter ilegal de um sistema, como o que está em causa, que continua a comportar um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso de, como no processo em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União ser aquele que é automaticamente aplicado na falta de escolha efetuada pelo contribuinte (v., neste sentido, acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Beker, C-168/11, EU:C:2013:117, n.º 62 e jurisprudência referida).”
52. Adequado se mostrando ainda trazer à colação a recentíssima decisão arbitral tirada no processo n.º 238/2020-T que pode ser vista in
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAyMDExMjYxNzE3NDEwLlAyMzhfMjAyMC1UIC0gMjAyMC0xMC0xNiAtIEpVUklTUFJVREVOQ0lBLnBkZg%3D%3D e que vai exactamente naquele mesmo sentido.
53. E ainda a firmada no Acórdão do STA, de 20.2.2019, prolatado no processo 0901/11.0BEALM 0692/17, in
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/45c0e711bf83a53c802583bc005bb3ac?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1 e cujo sumário diz: “I - Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art.º 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático». II - Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU. III - O acto impugnado, que aplicou o referido art.º 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art.º 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (art.º 135.º do Código de Procedimento Administrativo).
54. O Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se sobre a matéria num recurso de uniformização de jurisprudência (Acórdão do STA, de 09.12.2020, processo no 075/20.6BALSB), tendo confirmado o entendimento de que a norma da alínea b) do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, continua a ser incompatível com o normativo comunitário vigente.
55. Diz-se, a dado passo, no referido Acórdão: “Os ganhos obtidos por pessoas singulares com a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, quando não constituam rendimentos empresariais e profissionais, são tributados, em sede de IRS, no âmbito da categoria G (incrementos patrimoniais), como mais-valias, nos termos do disposto nos arts. 9.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS.
Esses rendimentos, desde que resultantes da transmissão de direitos reais relativos a imóveis situados em território português consideram-se aqui obtidos [art. 18.º, n.º 1, alínea h), do CIRS], pelo que ficam abrangidos pela incidência de IRS quando auferidos por titulares não residentes (cf. arts.13.º, n.º 1 e 15.º, n.º 2, do CIRS).
O valor desses rendimentos que seja qualificado como mais-valias, quando obtidos por sujeitos passivos residentes é sujeito a englobamento e a tributação é efectuada às taxas gerais progressivas estabelecidas no art.º 68.º do CIRS, mas apenas é considerado em 50%, como resulta do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, na redacção aplicável.
Quanto aos sujeitos passivos não residentes, a tributação desse valor faz-se à taxa fixa especial de 28%, nos termos do art.º 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, ou, se forem residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu (EEE), neste caso por opção, às taxas gerais progressivas do art.º 68.º do CIRS, considerando-se então todos os seus rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, mas sobre 100% da mais-valia imobiliária realizada (cf. arts. 72.º, n.ºs 9 e 10, na redacção aplicável).
A questão que se coloca é a de saber se, como alega a Recorrente, este regime opcional, que foi introduzido pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2008), então sob os n.ºs 7 e 8 (actuais n.ºs 13 e 14 e n.ºs 9 e 10, na redacção aplicável), aditados ao art.º 72.º do CIRS, veio pôr termo à discriminação negativa dos não residentes, que o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) tinha já considerado verificar-se relativamente ao n.º 2 do art.º 43.º do CIRS.
Na verdade, o TJCE – em acórdão (Hollmann) proferido em 11 de Outubro 2007, no processo n.º C-443/06 (...) em resposta ao reenvio prejudicial efectuado pelo Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do processo n.º 493/06 (Vide os acórdãos proferidos nesse processo n.º 439/06, o primeiro fazendo o reenvio prejudicial e, o segundo, já referido na nota 3 supra, decidindo o recurso, após a pronúncia do TJCE de 28 de Setembro de 2006 (...) julgou «incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE».
É certo que o legislador nacional, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2008), procurou obviar a esse tratamento discriminatório dos residentes comunitários e do EEE, facultando-lhes, em termos opcionais, a possibilidade de tributação das mais-valias imobiliárias em condições similares às aplicáveis aos residentes em território português, aditando ao art.º 72.o do CIRS os n.ºs 7 e 8 (actuais n.ºs 13 e 14). Ou seja, após a referida alteração legislativa ficaram a vigorar, na área da tributação das mais-valias imobiliárias, dois regimes distintos, aplicáveis a não residentes: um regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, traduzido na tributação desses rendimentos à taxa especial de 28% incidente sobre a totalidade do rendimento e um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do EEE, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes.
Mas esse regime específico de opção, não só constitui um ónus suplementar comparativamente aos residentes, como não afastou a referida discriminação negativa. Como bem concluiu a decisão recorrida, «o regime de equiparação actualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o carácter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal».
Como também salientou a decisão recorrida, o acórdão (Gielen) do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), de 18 de Março de 2010, proferido no processo n.º C-440/08 (...) após salientar que «a opção de equiparação [que] permite a um contribuinte não residente, (...) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório» não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais, concluiu que «o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (...) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.º TFUE em razão do seu carácter discriminatório» e que o Tratado «se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um beneficio fiscal (...) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes». Ou seja, o regime opcional introduzido no art.º 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, não veio sanar a discriminação negativa resultante da norma do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS para os não residentes e a violação do art.º 63.o do TFUE que dela resulta.
Assim, bem andou a decisão recorrida quando julgou incompatível com o Direito da União Europeia a norma do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art.º 63.o do TFUE e, em consequência, quando anulou os actos de liquidação em causa (de IRS e de juros compensatórios) na parte em que desconsideraram aquela limitação.”
56. Concluía como segue o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: “2.2.3 Em face de tudo quanto deixámos dito, uniformizamos jurisprudência no seguinte sentido: o n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, na redacção aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art.º 63.º do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art.º 72.º do CIRS pela Lei n.º 67- A/2007, de 31 de Dezembro, previsto, aliás, apenas para os residentes noutro Estado- membro da UE ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.”
57. Isto dito, aderindo à jurisprudência aqui amplamente referenciada mas mais especificamente à que uniformiza jurisprudência sobre a matéria em discussão, conclui o Tribunal Arbitral Singular no sentido de que o regime de tributação incidente sobre a totalidade das mais-valias imobiliárias obtidas por sujeitos passivos não residentes em Portugal (residentes noutro Estado-membro da UE ou residentes no EEE), interpretando-se o preceituado no nº 2 do artigo 43.º do Código do IRS como sendo unicamente aplicável a sujeitos passivos residentes em Portugal, está em desconformidade com o direito comunitário, maxime, com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, constituindo uma situação de manifesta discriminação entre residentes em Portugal e residentes noutro Estado-membro da EU ou do EEE.
58. E assim é também, por identidade de razões, para a tributação incidente sobre a totalidade das mais-valias imobiliárias obtidas por sujeitos passivos não residentes em Portugal e residentes em países terceiros , donde e porque implicitamente fundada a liquidação sindicada na interpretação de que não há qualquer discriminação no que tange aos residentes em países terceiros (na medida em que a intervenção legislativa que visava acautelar essa mesma discriminação nem sequer incluiu os não residentes no âmbito do regime optativo acima explicitado para os residentes em país da U.E. ou em país do EEE), está aquele acto de liquidação, em parte, enfermado de ilegalidade que aqui se declara.
59. Sendo certo que o TJUE, no Despacho do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 6.9.2018, processo C-184/18, Caso Patrício Teixeira, consultável in https://curia.europa.eu/juris/document/document_print.jsf?docid=205784&text=&dir=&doclang=PT&part=1&occ=first&mode=lst&pageIndex=0&cid=12988570 ( ), já deu resposta afirmativa no sentido da incompatibilidade com o Direito da União desse regime previsto no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, quando aplicável a um residente num Estado terceiro. Na verdade, no caso apreciado neste processo do TJUE estava em causa a aplicação do regime previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º do CIRS a residentes em Angola (que também é Estado terceiro), sendo que, ali, o TJUE julgou sumariando a decisão como segue: “Uma legislação de um Estado Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais valias realizadas por um residente naquele Estado Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.º, n.º 1, TFUE”.
60. E assim sendo, o Tribunal Arbitral Singular não pode deixar de acompanhar tal asserção do TJUE, louvando-se, aliás, naquele arresto para decidir no sentido de que as liquidações sindicadas estão parcialmente enfermadas de ilegalidade.
61. Não devendo olvidar-se que as decisões do TJUE constituem fonte de direito imediata, logrando-se, com isso, a desejável uniformidade e harmonização na aplicação do direito comunitário no espaço físico da união europeia.
62. E também que a jurisprudência do TJUE (aqui chamada à colação) não pode deixar de beneficiar do chamado “precedente vinculativo” na medida em que vincula todos os tribunal nacionais do Estados-membros tal como resulta do acórdão do TJUE de 15 de Julho de 1964, Pº Costa/Enel – 6/64, disponível in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:61964CJ0006&from=NL .
63. E ainda da vigência do princípio da interpretação conforme com o direito da União, que decorre da interpretação que o TJUE faz das disposições conjugadas dos artigos 4.º, n.º 3 do TUE e 288.º, n.º 3 do TFUE.
64. Tal princípio impõe que o intérprete ou aplicador do direito nacional atribua às disposições nacionais um sentido conforme ou compatível com as disposições do direito da União.
65. Concluindo-se com meridiana clareza no sentido da ilegalidade parcial dos atos tributários sindicados, já que, o n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, limita a residentes a tributação do rendimento de mais-valias imobiliárias a 50% do valor da matéria colectável relevante e, por isso, está em manifesta contravenção com o direito comunitário vigente, donde, em conformidade com o estatuído no n.º 4 do art.º 8º da CRP, deve tal normativo - n.º 2 do art.º 43.º do CIRS - ser aplicado igualmente aos residentes em países terceiros, desaplicando-se a limitação legal aos residentes em Portugal prevista na letra daquele normativo.
66. O Tribunal Arbitral Singular sintetiza a sua posição como segue: i) É diretamente aplicável na determinação do rendimento tributável das mais-valias realizadas por não residentes o n.º 2 do art.º 43.º do Código do IRS, sob pena de violação do art.º 63.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE); ii) Não é de considerar sanada a incompatibilidade da legislação interna com o normativo comunitário concretizada pelo aditamento ao art.º 72.º do Código do IRS de disposição que confere a possibilidade de opção pela equiparação ao regime aplicável aos residentes, porquanto ela não é sequer aplicável aos residentes em países terceiros, persistindo no ordenamento jurídico português uma situação de discriminação no tratamento de residentes e não residentes, com prejuízo para estes últimos.
IV.D2) DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS:
67. Estatui o art.º 43º da LGT, sob a epígrafe “Pagamento indevido da prestação tributária”, como segue: “1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas. 3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos; b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito; c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária. d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. 4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios. 5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.”
68. Por outro lado, o n.º 4 do art.º 61.º do CPPT dispõe no sentido de que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
69. O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende, aliás, do acima transcrito n.º 1 do art.º 43.º, da LGT.
70. De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».
71. Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários.
72. O n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
73. O pagamento de juros indemnizatórios depende da existência de quantia a reembolsar e, em face da aventada decisão de anulação parcial do acto de liquidação de IRS e de JC de 2019, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.
74. Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.
75. Na sequência da anulação parcial da liquidação sindicada, o Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias indevidamente pagas, ou seja, concretamente do montante de IRS de 18.331,81 € e de 16,94 € de Juros compensatórios correspondentes à parte proporcional anulada, num total de 18.348,75 €.
76. O direito a juros indemnizatórios, é regulado, como visto, no acima transcrito art.º 43.º da LGT.
77. Diz o n.º 3 do art.º 43.º da LGT que: “São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) (...)
b) (...)
c) (...)
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.”
78. Ora, tendo o Tribunal Arbitral Singular julgado no sentido de que a alínea b) do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, se mostra incompatível com o art.º 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, ficou, assim, inequivocamente patenteada a legitimidade do aludido pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor do Requerente por subsunção na referida alínea d) do n.º 3 do art.º 43.º da LGT, já que a liquidação sub judice se mostra em parte enfermada de ilegalidade, sendo, por isso, devidos juros desde o dia seguinte ao do pagamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito, em conformidade com o estatuído no art.º 43º da LGT e art.º 61º do CPPT.
79. É, por isso, o Requerente credor da AT do montante correspondente ao IRS e JC de 2019 indevidamente pago, de 18.348,75 €, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios vencidos e vincendos a calcular até à emissão da respectiva nota de crédito.
V. DECISÃO:
FACE AO EXPOSTO, O TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR DECIDE:
A) JULGAR IN TOTUM PROCEDENTE O PRESENTE PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL, POR PROVADO E COM FUNDAMENTO EM ILEGALIDADE PARCIAL DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DE IRS E DE JC, RESPEITANTE AO ANO DE 2009, ANULANDO-SE O MONTANTE DE 18.348,75 €;
B) JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO DE CONDENAÇÃO DA REQUERIDA À RESTITUIÇÃO À REQUERENTE DO VALOR CORRESPONDENTE À PARTE ANULADA DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DE IRS E JC DE 2019 POR O MESMO HAVER SIDO INDEVIDAMENTE PAGO;
C) JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO DE CONDENAÇÃO DA REQUERIDA AO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS A DETERMINAR NOS TERMOS DO ART.º 43º DA LGT E 61º DO CPPT.
TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.
VII. VALOR DO PROCESSO:
FIXO O VALOR DO PROCESSO EM 18.348,75 €, CORRESPONDENTES AO IRS CUJA ANULAÇÃO SE PRETENDE DE 18.331,81 €, ACRESCIDO DO MONTANTE DOS JUROS COMPENSATÓRIOS CUJA ANULAÇÃO IGUALMENTE SE PETICIONA E QUE SE CIFRAM EM 16,94 €, EM CONFORMIDADE COM O DISPOSTO NO ART.º 97.º-A DO CPPT, APLICÁVEL POR REMISSÃO DO ART.º 3º DO REGULAMENTO DAS CUSTAS NOS PROCESSOS DE ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA (RCPAT).
VIII. CUSTAS:
FIXO O VALOR DAS CUSTAS EM 1.224,00 €, CALCULADAS EM CONFORMIDADE COM A TABELA I DO REGULAMENTO DE CUSTAS DOS PROCESSOS DE ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA EM FUNÇÃO DO VALOR DA ACÇÃO CORRIGIDO PELO TRIBUNAL, A CARGO DA REQUERIDA POR DECAIMENTO, NOS TERMOS DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 12.º, N.º 2 E 22.º, N.º 4 DO RJAT E AINDA ART.º 4.º, N.º 5 DO RCPAT E ART.º 527, NºS 1 E 2 DO CPC, EX VI DO ART.º 29.º, N.º 1, ALÍNEA E) DO RJAT.
IX. NOTIFICAÇÃO AO MINISTÉRIO PÚBLICO:
ATENDENDO A QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO NÃO TEM REPRESENTAÇÃO ESPECIAL PERANTE OS TRIBUNAIS ARBITRAIS QUE FUNCIONAM NO CAAD (ARTIGO 4.º, N.º 1 DO ESTATUTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO), COMUNIQUE-SE ESTA DECISÃO À PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, PARA OS FINS QUE TIVER POR CONVENIENTES.
NOTIFIQUE-SE.
Lisboa, 15 de Outubro de 2021.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
O árbitro,
(Fernando Marques Simões)