Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 719/2020-T
Data da decisão: 2021-10-13  IRS  
Valor do pedido: € 11.437,34
Tema: IRS. Mais-valias. Imóvel adquirido na constância de casamento contraído segundo o regime de comunhão de adquiridos. Partilha por divórcio por mútuo consentimento. Data de aquisição.
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Sumário:

I. A data de aquisição de um prédio urbano, antes integrando o património autónomo comum do casal, adjudicado, para preenchimento do seu direito à meação, a um dos ex-cônjuges, em partilha por divórcio por mútuo consentimento, é a data constante dessa partilha, tendo-se, porém, em conta os efeitos do divórcio quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges nos termos do disposto no artigo 1789.º do Código Civil.

II. A tal não obsta que o cônjuge adjudicatário apenas tenha pagado IMT, nos termos do respetivo Código, sobre o montante que levou a mais da sua meação no património comum do casal. A "transmissão" fiscal ficcionada no artigo 2.º, n.º 5, al. c) do CIMT não é constitutiva do direito de propriedade.               

             

DECISÃO ARBITRAL

 

1. Relatório

 

1.            A..., titular do NIF n.º ..., residente em ..., ..., REINO UNIDO (UK), veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da liquidação oficiosa de IRS de 2018, n.º 2019..., com a consequente condenação da AT à restituição do montante de imposto indevidamente pago, no montante de € 11.437,34.

 

2.            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante também identificada por, "Requerida", “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”.

 

3.            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 03-12-2020.

 

4.            Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro singular o signatário que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 25-01-2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

6.            Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal singular foi constituído em 03-05-2021.

 

7.            A AT apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral na parte em que o ato não foi parcialmente revogado no período previsto no artigo 13.º do RJAT.

 

8.            Por despacho de 11-06-2021, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações.

 

9.            Por despacho de 27-08-2021, foi solicitado à Requerente o envio da Nota Demonstrativa da Liquidação n.º 2019..., o que fez no prazo concedido para o efeito.

 

10.          Por despachos de 10-09-2021 foi determinado que a Requerida se pronunciasse, querendo, no exercício do contraditório e mais foi determinado o aperfeiçoamento do PA. No entanto, a requerida não se pronunciou, nem aperfeiçoou o PA no prazo dado.

 

2. Saneamento

 

11.          Sinteticamente:

               

a)            O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido - cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03, comummente designada por "Portaria de Vinculação";

 

b)           As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

c)            O pedido é tempestivo.

 

d)           O processo é próprio e não enferma de nulidades.

 

 

3. Matéria de facto

3.1. Factos provados

 

12.          Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

a)            O Requerente era residente no Reino Unido, então ainda membro da UE, à data dos factos;

 

b)           No dia 26 de julho de 2018, o Requerente celebrou na Conservatória do Registo Predial de ..., no Processo Casa Pronta n.º .../2018, contrato de compra e venda que teve por objeto a alienação onerosa do direito real de propriedade plena do imóvel inscrito em seu nome na matriz predial urbana da freguesia e concelho de ..., pelo preço de € 80.750,00, sendo certo que o valor patrimonial tributário do referido imóvel ascendia, à data, a € 85.850,00;

 

c)            O Requerente adquiriu a titularidade individual do direito de propriedade do imóvel, o único bem que constituia o património comum do casal a partilhar, pela escritura de partilhas subsequente ao divórcio (causa de aquisição expressa na Certidão Permanente do Prédio, junta à p. i. como documento não numerado e que aqui se dá como integralmente reproduzido), celebrada em 7 de julho de 2015, no Cartório Notarial de ..., de fls. 98 a fls. 99 verso, do L.º N.º ... E (junta á p. i. como documento não numerado e que aqui se dá como integralmente reproduzido);

 

d)           O divórcio foi decretado no âmbito do Processo de Divórcio por mútuo consentimento n.º .../2012, como referido no artigo 6.º da p. i. e não contestado pela Requerida, da Conservatória do Registo Civil de ...;

 

e)           Ao imóvel, para efeitos de partilha, foi atribuído o valor de € 63.540,51 pelo qual foi adjudicado ao Requerente, sendo que o seu valor patrimonial tributário, à data, era de € 85.850,00, o que levou a referir-se expressamente na escritura de partilha já mencionada que "verifica-se um excesso em imóveis adjudicados ao primeiro outorgante no montante de 42.925,00 EUROS";

 

f)            O imóvel que foi objeto de partilha por divórcio por mútuo consentimento havia sido originariamente adquirido, já no âmbito do casamento contraído sob o regime de comunhão de adquiridos, por ambos os cônjuges, por escritura pública de compra e venda celebrada no Cartório Notarial de ... em 11-11-1997, pelo valor de 7.000.000$00 (sete milhões de escudos), daí decorrendo a sua natureza de bem comum ou em comunhão.

 

g)            Em 18 de junho de 2019, o Requerente apresentou a declaração anual de rendimentos do IRS relativa a 2018, com anexo G - Mais-Valias e Outros Incrementos Patrimoniais em cujo Quadro 4 foram declarados os seguintes dados:

 

Linha 4001, com a titularidade de A (Requerente):

             Realização: Ano 2018, mês 7, Valor 40.375,00; Aquisição: Ano 1997, mês 11, valor 23.692,90, Despesas e Encargos, 0,00; Quota-parte 50,00%

 

Linha 4002, com a titularidade de A (Requerente):

             Realização: Ano 2018, mês 7, Valor 40.375,00; Aquisição: Ano 2015, mês 7, valor 42.925,00, Despesas e Encargos, 0,00; Quota-parte 50,00%

 

h)           Com base na declaração de rendimentos declaração referida na alínea anterior:

             Foi praticado pela AT o ato de liquidação n.º 2019..., com um valor liquidado e a pagar de € 364,76;

             Foi instaurado pela AT um procedimento de divergências, tendo em vista a comprovação, pelo Requerente, dos dados constantes do anexo G da declaração apresentada.

 

i)             O Requerente não foi ao procedimento de divergências prestar quaisquer esclarecimentos ou fazer qualquer comprovação;

 

j)             A Requerida, em declaração submetida em 20 de novembro de 2019, corrigiu oficiosamente a declaração apresentada pelo contribuinte, consistindo a correção, tendo por referência os elementos declarados pelo contribuinte, na linha 401, o valor de aquisição, alterando o montante declarado de € 23.692,90 para €436,35 que corresponde a 50% do valor patrimonial tributário do imóvel à data da aquisição - cfr. artigo 24.º da p. i., não contestado e que, pelo facto de a Requerida não ter junto, no PA, qualquer documento relativo à correção efetuada, se tem de dar como provado  (artigo 84.º n.º 6 do CPTA);

 

k)            Na declaração oficiosa referida na alínea anterior teve origem a liquidação adicional de IRS relativa a 2018, n.º 2019 ... que, conforme documento sem número junto à p.i.  apresentava um valor a pagar de € 11.802,10 e de que resultou nota de cobrança no montante de € 11.437,34, uma vez que foi deduzido ao montante da liquidação o valor anteriormente pago e referido, supra, na alínea g), de € 364,76;

 

l)             Em 1 de julho de 2020, o Requerente apresentou no Serviço de Finanças 3, de Lisboa, reclamação graciosa da mencionada liquidação, pugnando pela sua anulação, a qual foi instaurada sob o n.º ...2020... e cuja tempestividade não vem posta em causa;

 

m)          Em 1 de dezembro de 2020, o Requerente apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, com fundamento na formação de indeferimento tácito da reclamação graciosa por não ter sido decidida no prazo de quatro meses após a sua dedução;

 

n)           No prazo referido no artigo 13.º do RJAT, a AT, através da Direção de Serviços do IRS que produziu a informação n.º 80/2021, de 15 de fevereiro, pronunciou-se pela revogação parcial da liquidação, alterando, para o efeito, o valor de aquisição de 50% em 1997, para € 17.457,93, concluindo que "após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que deverá ser dado provimento parcial ao solicitado" (CONCLUSÃO da referida informação) propondo-se que a liquidação em causa seja corrigida em conformidade.

 

 

3.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

15.          Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pelo Requerente e que, aliás, não foram contestados pela Requerida.

 

16.          O requerente não provou que não foi notificado para audição prévia no procedimento de divergências instaurado pela AT para comprovação dos elementos declarados, nos termos do artigo 128.º do CIRS, embora, difusamente, se possa subentender, mas não dar como provado, que tal se ficou a dever a problemas nos sistemas informáticos da AT com uma denominada "não confirmação" do domicílio no estrangeiro constante do seu cartão de cidadão.

 

17.          O requerente não provou também a data em que foi instaurado o processo de divórcio por mútuo consentimento, referindo-se apenas ao respetivo Processo, decorrendo do número que lhe foi atribuído que foi instaurado em dia e mês incertos do ano de 2012.

 

18.          A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou o processo administrativo relativo à correção oficiosa que praticou em relação aos dados e valores apresentados pelo Requerente no seu anexo G, pelo que não se considera provada a fundamentação do ato praticado.

 

19.          A AT alega que o Requerente optou, na declaração de IRS, pela aplicação do regime geral e que foi aplicada a taxa de 28% sobre o valor das mais-valias, nos termos desse regime.

 

4. Matéria de direito

4.1. Posições das Partes

 

20.          Os artigos 10.º, 43.º, 50.º e 72.º do CIRS, nas redações vigentes em 2018, estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 10.º

Mais-valias

1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a)            Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;

(...)

(...)

4 - O ganho sujeito a IRS é constituído:

                (...)

b)           Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nas situações previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1.

(...)

 

Artigo 43.º

Mais-valias

1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor.

(...)

Artigo 46.º

Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis

1 - No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT).

2 - Não havendo lugar à liquidação de IMT, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto.

(...)

 

Artigo 50.º

Correção monetária

1 - O valor de aquisição ou equiparado de direitos reais sobre os bens referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, bem como de partes sociais no caso da alínea b) do referido número, é corrigido pela aplicação de coeficientes para o efeito aprovados por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação ou afetação.

2 - A data de aquisição é a que constar do título aquisitivo, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes:

a)            Nos casos previstos no n.º 3 do artigo 46.º, é a data relevante para efeitos de inscrição na matriz;

b)           No caso previsto no artigo 47.º, é a data da transferência.

 

Artigo 72.º

Taxas especiais

1 - São tributados à taxa autónoma de 28 %:

a)            As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado;

 

(...)

 

9 - Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

(...)

 

21.          O Requerente era residente, à data da verificação do facto tributário, no Reino Unido, então Estado membro da União Europeia, e não formulou a opção prevista nos n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º, pelo que as mais-valias que obteve provenientes da venda de um imóvel foram tributadas à taxa de 28% sobre a totalidade do seu valor, em conformidade com o preceituado nos artigos 43.º, n.º 1, e 72.º, n.º 1, do CIRS. Todavia,

 

22.          O Requerente invoca, em primeiro lugar, a ilegalidade da liquidação - e não apenas da liquidação parcial - pelos vícios de falta de fundamentação e de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito (artigo 16.º da p. i.).

 

23.          Releva a referência expressa do Requerente ao artigo 50.º do CIRS (artigo 19.º da p. i.), embora não exponha qualquer tese sobre a data de aquisição do imóvel alienado , dessa referência emergindo um facto, de resto documentado nomeadamente nas declarações de rendimentos juntas ao processo, de que o tribunal deve conhecer oficiosamente, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT.

 

24.          Desenvolve, posteriormente, também como vício assacado ao ato, a discriminação de que os não residentes são objeto em relação aos residentes, discriminação essa já reconhecida anteriormente pelo TJUE e que viola a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE defendendo, em suma, que o regime que resulta destas normas, ao limitar aos residentes em Portugal a redução a 50% do saldo das mais-valias relevantes para tributação, prevista no artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, na redação vigente em 2018, viola o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), por se reconduzir a tratamento discriminatório (menos favorável) para os não residentes e ser, em consequência, restritivo da liberdade de circulação de capitais entre Estados-Membros, pelo que deve ser-lhes aplicado o regime previsto para os residentes.

 

25.          Quanto à referida opção consagrada nos citados n.ºs 9 e 10  do artigo 72.º do CIRS, o Requerente defende que a possibilidade de opção não afasta em si a discriminação entre residentes no território português e residentes noutro Estado membro da União Europeia, patente no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS.

 

26.          A Requerida defende, em suma, que não se verificam os vícios de falta de fundamentação e de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, sem nada de relevante explicitar a tal respeito.

 

27.          E mais defende que a incompatibilidade com o Direito da União, decidida no processo do TJUE C-433/06, é afastada pela possibilidade de opção prevista nos referidos n.ºs 7 e 8 do artigo 72.º na redação da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (depois, n.ºs 9 e 10, atuais n.ºs 14 e 15).

 

 

4.2. Questão dos vícios de falta de fundamentação e de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito

 

28.          Decorre da al. a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS que mais-valias são os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

 

29.          O Requerente alienou onerosamente, em 2018, como ficou provado, o direito de propriedade plena de um imóvel, da categoria de prédio urbano, pelo que, subsumindo-se o tal facto na da norma prevista no número anterior, verificou-se, em abstrato um facto suscetível de gerar ganhos ou perdas, comummente em IRS designados por mais-valias ou menos-valias.

 

30.          E a alínea a) do n.º 4, do mesmo preceito dispõe que "o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimentos de capitais, sendo caso disso, nas alíneas a), b), c) e i) do n.º 1".

 

31.          É já no capítulo da determinação da matéria coletável do CIRS, se encontram regras que, pela sua natureza de normas que interferem na determinação do quantum sujeito a imposto, devem ainda ser consideradas normas atinentes ao aspeto quantitativo do elemento objetivo da incidência do facto tributário, como é jurisprudência e doutrina dominantes.

 

32.          Integra-se nesse conjunto de regras a norma mediante a qual deve, por interpretação, permitir concluir a data que se considera como data de aquisição do bem alienado, uma vez que tal data interfere na determinação do valor de aquisição e, bem assim, da suscetibilidade, ou não, de se lhe aplicar o coeficiente de desvalorização monetária, elementos instrumentais incontornáveis na determinação legal do ganho ou da perda obtidos.

 

33.          Nestes termos, e invertendo a ordem por que estão no Código, deve este Tribunal interpretar e aplicar, face ao factos que são do seu conhecimento trazidos pelo Requerente e, de algum modo, pela Requerida, em primeiro lugar, a regra geral aplicável ao caso, para se determinar a data de aquisição consagrada no n.º 2 do artigo 50.º, segundo o qual é a de que a data de aquisição é a que constar do título aquisitivo, acrescentando este Tribunal que esta formulação aparentemente taxativa não pode deixar de ter em conta  as modulações que, por imperativo legal, houverem de ser consideradas.

 

34.          Vem alegado que o valor de aquisição é o determinado nos termos do artigo 46.º do CIRS, ou seja, será o valor que tiver servido de base à liquidação do IMT e que, não havendo lugar à liquidação de IMT, considera-se o valor que lhe serviria de base caso fosse devido.

 

35.          Sublinha-se, no entanto, que o artigo 46.º tem por pressuposto que a aquisição tenha sido onerosa, o que, a suceder, e por imperativo expresso no artigo 2.º, n.º 1, al. c), do Código do IMT, tendo o prédio sido adquirido integralmente mediante a escritura de partilhas, o preço do imóvel se limitasse ao "excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer", o que não é aceitável à luz do princípio da justiça na tributação.

 

36.          A primeira questão a resolver é, pois, a de determinar no tempo a data de aquisição, pelo Requerente, do imóvel que alienou onerosamente em 26 de julho de 2018.

 

37.          Isto é, há de decidir-se, desde logo, se se aceita a tese da "aquisição «por quotas», repartida no tempo" como o próprio Requerente indicou na declaração de rendimentos apresentada e que a AT sufragou (manteve) em procedimento de divergências, embora sem fundamentação conhecida, por não ter sido aquele junto ao PA, o que degenera em vício de falta de fundamentação.

 

38.          Ou se, pelo contrário, a "aquisição" do imóvel pelo Requerente decorre de um único ato: o ato de partilha do património comum do casal, praticado em documento autêntico, a escritura de partilha, uma consequência necessária do divórcio por mútuo consentimento que entre o Requerente e a sua então Mulher ocorreu em processo próprio, instaurado, embora em data incerta, em 2012.

 

39.          É incontroverso que o título aquisitivo do direito de propriedade plena individual do imóvel pelo Requerente foi a escritura de partilha do património comum do casal na sequência de divórcio por mútuo consentimento, como, de resto, consta da Certidão Permanente junta ao processo.

 

40.          Trata-se, aliás, da forma legal, imperativa e exclusiva  para pôr termo às relações patrimoniais entre os cônjuges, e tem por objeto único, o preenchimento, seja por adjudicação direta, seja por licitação, com bens concretos, do direito de meação de cada um dos cônjuges, garantindo que, na divisão, a ambos são atribuídos valores iguais, ainda que tenha de recorrer-se a tornas, pelo que é de afastar liminarmente, no caso da partilha a suscetibilidade de aplicação do princípio da prevalência da substância económica dos factos tributários, consagrado no n.º 3 do artigo 11.º da LGT.

 

41.          Até então, o património comum do casal encontrava-se na situação de comunhão, uma situação de contitularidade de direitos, em resultado do disposto no artigo 1742.º do CC e com o conteúdo que lhe é dado pelo n.º 1 do artigo 1730.º do mesmo Código: "Os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer disposição em contrário".

 

42.          A caracterização jurídica do património comum do casal é feita por RITA LOBO XAVIER nos termos que seguidamente se transcrevem, na parte aqui considerada relevante :

 

Em primeiro lugar, quero lembrar que, no ordenamento jurídico português, “partilha”, em rigor, designa a forma de pôr fim a situações de comunhão, hereditária ou conjugal. O divórcio dissolve o casamento, fazendo cessar as relações patrimoniais entre os cônjuges, sendo a partilha a forma de divisão do património, sempre que o regime de bens foi um regime de comunhão. No entanto, os problemas de que vou tratar não se colocam apenas nos regimes de comunhão, como se verá. Não irei apenas referir-me a situações de partilha do património comum, mas a questões a que, em termos mais amplos e na falta de melhor palavra, poderei denominar por liquidação do regime de bens .

Em segundo lugar, queria sublinhar o conceito de património em sentido jurídico, na sua noção mais elementar e clássica, em que é caracterizado por três notas: 1) conjunto de relações jurídicas (ativas e passivas), 2) suscetíveis de avaliação pecuniária, 3) ligadas entre si por um elemento unificador (por exemplo, a identidade do sujeito titular ou a afetação a um fim) .

Quando o regime de bens do casamento é um regime de comunhão, à massa de bens comuns reconhece-se a natureza jurídica de património autónomo – embora sem total autonomia –separado e coletivo. Tendencialmente, é frequente que estas três qualificações sejam referidas como sobrepostas e quase idênticas, no entanto, as perspetivas de abordagem que supõem são diferentes. Muito resumidamente, direi que a perspetiva da autonomia é a da responsabilidade por dívidas. Reconhece-se que o património comum é autónomo, em atenção à sua especial afetação, na medida em que a sua finalidade é responder pelas dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges (n.º 1, do artigo 1695.º) . No entanto, não pode afirmar-se a sua completa autonomia, uma vez que não é apenas o património comum que responde por essas dívidas, mas, na subsidiária e solidariamente os bens próprios de cada um dos cônjuges . A perspetiva da separação tem em conta a independência da massa de bens comuns no contexto das massas de bens próprios dos cônjuges e por referência a cada um deles como titular de um património pessoal. O património comum é um património separado, na medida em que é uma massa de bens independente das massas de bens constituídas pelos bens próprios de cada um dos cônjuges, sendo cada um deles titular dos seus bens próprios e do direito a metade do património comum (meação).

A perspetiva do património coletivo considera a situação de contitularidade . Os bens comuns constituem um património coletivo na medida em que cada um dos cônjuges é contitular de um direito sobre a massa dos bens comuns, como um todo, não sendo contitular de um direito sobre cada uma das coisas nela integradas. Cada um dos cônjuges é titular do direito a metade do mesmo (direito de meação), direito de que não podem dispor antes da dissolução do casamento, da separação de pessoas e bens ou da separação judicial de bens  . 

 

43.          Ora, na partilha do património comum do casal, constituído por um único imóvel, não foi o direito de meação que preencheu o imóvel, pelo contrário, foi o imóvel que preencheu o direito de meação do Requerente. E esse preenchimento, como se verifica, não obstante lhe ter sido adjudicado o único bem que constituía o património comum, não excedeu o seu direto à meação, porque, por um lado, o Requerente ficou com o encargo de solver todo o passivo comum, e não apenas metade, e, para igualar a meação do outro cônjuge, ainda deu tornas, de modo que, em valor, ambos receberam exatamente o mesmo, pelo que a variação patrimonial de cada um deles foi igual.

 

44.          Reproduzem-se os termos da Escritura de Partilha junta aos autos, na parte relevante:

                OPERAÇÕES

             Que do valor declarado do bem, de sessenta e três mil quinhentos e quarenta euros e cinquenta e um cêntimos, cabe a cada um dos primeiro e segunda outorgantes, a importância de 31.770,25 euros.

             Que no passivo cada um é responsável pelo pagamento de 19.770,25 euros.

             Que o valor líquido do património é de VINTE E QUATRO MIL EUROS, pelo que cabe a cada um o valor de DOZE MIL EUROS.

                PAGAMENTOS

             Que procedem à partilha pela forma seguinte:

             Ao primeiro outorgante, A..., é-lhe adjudicada a verba única no valor de 63.540 euros, ficando o mesmo, com o encargo, que declara assumir, de liquidar o passivo no montante de trinta e nove mil quinhentos e quarenta euros e cinquenta e um cêntimos, o que dá o valor líquido de 24.000,00 euros, pelo que leva a mais o valor de 12 mil euros, que de tornas já deu à sua ex-mulher, valor que esta expressamente declara ter recebido e assim fica paga, ficando assim preenchido o seu quinhão.

 

45.          Assim se confirma, em primeiro lugar, que o título aquisitivo do direito de propriedade plena individual do imóvel pelo Requerente é a escritura de partilha do património comum do casal na sequência de divórcio por mútuo consentimento.

 

46.          Consequentemente, coloca-se a questão de saber o que é que "na sua data"  foi adquirido pelo Requerente: se o direito individualizado da propriedade plena do imóvel, se apenas metade desse direito, considerando que anteriormente o imóvel integrava o património comum do casal, um património autónomo, como se viu, a que se aplica imperativamente, para efeitos de partilha, o direito à meação que, aliás, não é o direito a metade de um ou de cada bem que o constituem, mas um direito a metade do seu valor.

 

47.          De acordo com Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira , "os bens comuns constituem uma massa patrimonial que, em vista da sua especial afetação, a lei concede certo grau de autonomia e que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois, titulares de um único direito sobre ela".

 

48.          Esta é a tese maioritariamente acolhida na doutrina e na jurisprudência, que qualifica a comunhão conjugal como uma propriedade coletiva, que pertence em comum aos cônjuges, mas sem se repartir entre elas por quotas ideais, como na compropriedade. A partilha desse património coletivo está apenas imperativamente sujeito à regra da meação, como vimos, aquando da extinção do casamento, nomeadamente por divórcio.

 

49.          Por isso que se lê no Sumário do Acórdão do STJ, de 29-03-2001, Revista n.º 3088/00, que "A partilha converte os vários direitos a uma simples quota indeterminada de um todo determinado em direito exclusivo a uma parcela do todo, e essa conversão ou modificação produz-se em relação a todos os compartilhantes" .

 

50.          Em confirmação e por contraposição ao do que fica dito, veja-se, no Sumário do Acórdão do STJ, de 03-09-2019, Processo 1517/13.2TJLSB.L.1.S2 que "No regime de comunhão de adquiridos, o imóvel que ambos os cônjuges adquiriram por compra, antes do casamento, está sujeito ao regime da compropriedade, sendo cada um titular de metade, como bem próprio". Daí que "O princípio da legalidade das formas processuais não permite que o processo de inventário instaurado na sequência do divórcio sirva para proceder à divisão de um imóvel relativamente ao qual cada cônjuge é titular exclusivo de uma quota-parte" .

 

51.          Na verdade, o artigo 1413.º do CC, integrado na disciplina jurídica da compropriedade e sob a epígrafe "Processo de Divisão" dispõe, muito expressivamente, que "A divisão amigável está sujeita à forma exigida para a alienação onerosa da coisa". Ora, nem a escritura de partilhas é um contrato de compra e venda ou de permuta, nem o contrato de compra e venda ou de permuta são uma escritura de partilhas. Os seus objetos mediatos são estruturalmente distintos.

 

52.          A suscetibilidade de interpretação do n.º 2 do artigo 50.º do CIRS, no que respeita à data de aquisição, ser efetuada à luz do princípio da prevalência da substância económica sobre a substância jurídica está em princípio vedada em conformidade com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 11.º da LGT, pois, como escreve ANTÓNIO LIMA GUERREIRO , "Salvo outro sentido não decorrer da lei fiscal, deve, assim, entender-se que o Direito Tributário, que é fundamentalmente um direito de sobreposição, utiliza dos conceitos elaborados por outros ramos de direito no mesmo sentido que aí têm, não tendo o intérprete-aplicador a faculdade geral de o alterar, a pretexto de o Direito Tributário atender primordialmente à substância económica. Inexiste, pois, qualquer autonomia ou independência absolutas do Direito Tributário perante o Direito comum, designadamente o Direito privado, não obstante a alegada natureza não formalista do Direito Tributário". A "data de aquisição" do direito de propriedade é um conceito civilista e não um conceito tributário.

 

53.          Ora, o momento em que se concretiza o valor da quota parte de cada um dos cônjuges, através da partilha, é aquele em que se produzem os efeitos do divórcio no que respeita às relações patrimoniais entre os mesmos . Neste contexto,

 

54.          Em primeiro lugar, à situação de indivisão de bens comuns (comunhão de bens) põe-se fim por escritura de partilha , e não por compra e venda ou por permuta, ao contrário do que sucede quando o bem indiviso está na situação jurídica de compropriedade .

 

55.          Em segundo lugar, na partilha de bens comuns adjudicam-se bens para preencher a quota, seja hereditária, seja por direito de meação em caso de divórcio. Na compra e venda para pôr fim à indivisão de um bem em situação jurídica de compropriedade, o comproprietário adquirente compra uma ou mais quotas concretas que se tinham constituído sobre o bem em compropriedade.

 

56.          Por último, na partilha individualiza-se a propriedade do bem comum , enquanto na compra e venda se adicionam quotas de propriedade àquela que o adquirente já possui no bem, o que se traduz na repartição temporal da data da aquisição da totalidade do imóvel.

 

57.          O caso submetido a decisão deste Tribunal, em dados imprescindíveis à questão que opõe o Requerente à Requerida, não é apenas inconclusivo. É absolutamente omisso relativamente à fundamentação em que a AT se baseou para "aceitar" a aquisição da propriedade do imóvel alienado pelo requerente em dois momentos distintos, sendo que, a aceitar-se a aquisição de "metade" em 1997, a aquisição da "outra metade" deveria, em qualquer caso, retroagir os seus efeitos à "data da propositura da ação" (artigo 1789.º do CC, n.º 1, segunda parte), ou seja, a 2012. E esta omissão nem sequer foi suprida na decisão de anulação parcial que a Requerida juntou aos Autos com a Resposta.

 

58.          É certo que se tratou de um divórcio por mútuo consentimento e que, portanto, não se concluiu com "sentença", mas com "despacho de homologação".

 

59.          Todavia, este Tribunal adere, sem reservas, à doutrina que assim se expressa : "A norma refere-se à sentença de divórcio, todavia deve entender-se que deve ser incluída, ao lado da decisão do juiz - quer em sede de divórcio por mútuo consentimento judicial (v. TRP 06.10.2008, P. 0853627) - a decisão proferida pelo conservador do registo civil no âmbito do divórcio por mútuo consentimento administrativo. O decretamento do divórcio por esta via, que foi introduzida em momento posterior à redação de 1977 (cf. Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13/10), é objeto de equiparação àquele que provém de decisão judicial, uma vez que as decisões proferidas pelo conservador do registo civil produzem os mesmos efeitos da sentença (art. 1776.º, n.º 3)".

 

60.          Pelo que, também nos casos de divórcio por mútuo consentimento administrativo, os efeitos patrimoniais devem retroagir à data em que aquele foi requerido.

 

61.          Mas que efeitos são esses? A resposta é dada pela noção que se tiver sobre a natureza ou efeito da partilha. A doutrina dominante, tendo por base as normas do Direito privado, atribui à partilha efeito ou natureza meramente declarativa, não se constituindo, por ela, qualquer direito novo na esfera do adjudicatário dos bens. Nos que defendem esta tese, uns acentuam na partilha o seu efeito transformativo, porque, com ela, o direto atribuído a cada herdeiro passou a ser exclusivo, envolvendo assim a partilha a transformação dos direitos, quer no aspeto quantitativo, quer no aspeto qualitativo . Outros, quando analisam o facto de após a partilha se constituir o direito a bens determinados, a firmam a sua identidade com o direito a bens indeterminados, apenas modificado quanto ao seu objeto .

 

62.          Uma parte minoritária da doutrina defende que a partilha tem efeito ou natureza atributiva, isto é, atribui ao adjudicatário um direito novo . Trata-se, porém, de uma tese que nenhuma doutrina ou jurisprudência apoiou e a que deve apenas reconhecer-se um valor histórico.

 

63.          E não há dúvidas de que é pela partilha, enquanto verdadeiro negócio jurídico, que os ex-cônjuges adquirem o direito a certos e determinados bens do património comum e porque o que se inscreve no Registo Predial é esta aquisição, tendo por causa imediata a partilha e por causa mediata o divórcio.

 

64.          Ou seja, adaptando à partilha do património comum do casal o que no Acórdão do STJ de 16-10-1979, Processo 068081, foi escrito sobre a partilha de herança, "Feita a partilha, cada cônjuge é considerado, pelo menos desde o momento da apresentação do pedido de divórcio por mútuo consentimento, como titular único dos bens que lhe foram atribuídos".

 

65.          Sustenta, pois, este Tribunal que o "titulo aquisitivo" da propriedade individual única e plena do imóvel atribuído ao Requerente é a escritura de partilha, não tendo a AT evidenciado qualquer fundamentação que permita ajuizar por que decidiu aceitar a "aquisição repartida" declarada inicialmente pelo Requerente e não decidiu qualquer outra coisa.

 

66.          Consideramos, pois, sem pôr em causa a sujeição, no âmbito da partilha , a IMT e a Imposto do Selo porque o legislador ficcionou expressamente o aspeto material do elemento objetivo da incidência nos códigos (respetivamente, art. 2.º, n.º 5, al. c) do CIMT, sem prejuízo do disposto no seu n.º 6 e e art.º 1.º, n.º 1 e do Código e artigo 1.1. da Tabela Geral, ambos do Imposto do Selo), autonomizando para o efeito "o que o adjudicatário leva a mais da sua meação", em ato de partilhas, que a partilha, enquanto forma legal de pôr fim à situação de comunhão (tanto hereditária, como conjugal), "se não é um negócio atributivo ou constitutivo, também é certo que a partilha também não constitui um puro acto declarativo ou recognitivo, pois se trata de um verdadeiro acto modificativo ou de conversão" .

 

67.          Em rigor, procede-se na partilha por divórcio por mútuo consentimento, ao preenchimento do direito à meação de cada ex-cônjuge por bens, física e juridicamente plenos, sendo que as tornas, havendo-as, mais não são que a igualização das meações. Não são, pois, um preço, ou uma contraprestação pela aquisição seja do que for. Mesmo quando, como é o caso, o IMT "ficciona", em partilha, uma "transmissão" (certamente onerosa), por aquilo que o adjudicatário do bem imóvel "leve a mais" em relação ao seu direito à meação, tem regras próprias e, de certo modo, leoninas, para determinar esse montante, não considerando, por exemplo, a assunção da totalidade do passivo pelo transmissário, como no neste caso se verificou.

 

68.          Daí, se é verdade que, de acordo com o artigo 272.º-B do Código do Registo Civil, no âmbito da partilha do património conjugal deve o serviço de registo promover "a liquidação e o pagamento dos impostos relativos à partilha, nos termos declarados pela contribuinte", igualmente lhe incumbe o "Registo obrigatório e imediato da transmissão dos bens imóveis, ou móveis ou participações sociais sujeitos a registo partilhados".

 

69.          Aqui radica a natureza declarativa da partilha, na sua dimensão modificativa: um bem imóvel, até então titulado por ambos os cônjuges sem determinação de parte ou de direito, passa a ser um bem imóvel único, titulado plena e exclusivamente por um deles - aquele em cuja meação ele se integrou por adjudicação.

 

70.          Termos em que se conclui que a "data de aquisição" do imóvel, para o Requerente, e para efeitos da sua posterior alienação onerosa a terceiros, é apenas uma, e não duas: é a data da homologação da partilha, tendo-se em conta que, por força de lei, os respetivos efeitos retroagem à data da "propositura da ação", entenda-se, à data da apresentação na Conservatória do registo Civil do pedido de divórcio (artigo 1789.º do CC, n.º 1, segunda parte).

 

71.          E a data de aquisição, e o seu nexo de causalidade com o valor de aquisição do bem imóvel, é um facto determinante para a verificação, em IRS, do facto tributário, na dimensão que lhe é dada pelo aspeto quantitativo do elemento objetivo da incidência, atento o disposto nos artigos 46.º e 50.º do CIRS.

 

72.          Procedem, assim, os vícios de falta de fundamentação e de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, alegados pelo Requerente, o que invalida, por ilegal, a liquidação que vem impugnada.

 

73.          Fica, ainda, deste modo, precludido o conhecimento dos restantes vícios assacados ao ato tributário impugnado.

               

5. Decisão

 

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral:

 

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           E, em consequência, anular a liquidação de IRS n.º 2019..., efetuada ao Requerente com referência ao ano fiscal de 2018, no valor de € 11.802,10.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se em € 11.802,10 o valor do processo, ou seja, o valor da liquidação impugnada antes de quaisquer compensações.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 13-10-2021

 

O Árbitro

(Manuel Faustino)