Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 759/2020-T
Data da decisão: 2021-10-04  IMI  
Valor do pedido: € 11.914,75
Tema: IMI – Terrenos para construção – Coeficiente de afetação – Coeficiente de localização – Coeficiente de qualidade e conforto.
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Sumário: A avaliação dos terrenos para construção deve ser efetuada de acordo com o previsto 45º do CIMI, no qual não está prevista a aplicação dos coeficientes de localização, de qualidade e conforto nem de afetação, tal como previstos no art. 38º do CIMI.

 

Decisão Arbitral

I. RELATÓRIO

I.1

1.            Em 12 de dezembro de 2020 a contribuinte A..., S.A, contribuinte fiscal n.º..., com sede na no ..., n.º ..., ...-... ..., requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral Singular com designação do árbitro pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.

2.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 21 de dezembro de 2020.

3.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea a) e artigo 6.º, n.º1 do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 

4.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 21.05.2021.

5.            A AT apresentou a sua resposta em 23 de junho de 2021.

6.            Por despacho de 26.06.2021 a Requerente foi notificada para, querendo, se pronunciar sobre as exceções invocadas pela Requerida, tendo respondido no dia 05.07.2021.

7.            Por despacho de 05.07.2021, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e notificadas as partes para, querendo, apresentarem alegações.

8.            As partes não apresentaram alegações.

9.            Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade e consequente anulação parcial das liquidações de IMI n.os 2019..., 2019... e 2019..., referentes ao ano de 2019, no montante total de € 11.914,75 e o valor do imposto integralmente reembolsado, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.

 

II.A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

 

1.            Relativamente à determinação dos valores patrimoniais tributários de prédios urbanos, o Código do IMI prevê, de forma clara e expressa, diferentes métodos de avaliação consoante as espécies de prédios urbanos definidas nos termos da classificação estatuída no artigo 6.º deste mesmo Código, a saber:

a) Método de avaliação para a “determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços”, regulamentado no artigo 38.º e seguintes do Código do IMI – i.e. método aplicável a prédios urbanos definidos nos termos da alínea a) e b) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 6.º deste Código;

b) Método de avaliação para “terrenos para construção”, regulamentado no artigo 45.º do Código do IMI – i.e. método aplicável a prédios urbanos definidos nos termos da alínea c) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 6.º deste Código;

c) Método de avaliação para a “determinação do valor patrimonial tributário dos prédios [urbanos] da espécie «Outros»” regulamentado no artigo 46.º do Código do IMI – i.e. método aplicável a prédios urbanos definidos nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.

2.            Nos termos do n.º 1 do referido artigo 45.º “[o] valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor dos terrenos adjacentes à implantação”.

3.            À luz do n.º 2 do referido preceito legal, “[o] valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas”.

4.            Refere-se, ainda, no n.º 3 do artigo 45.º que «[n]a fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º».

5.            Deste modo, é inegável que os coeficientes de afectação (estabelecido no artigo 41.º), de localização (definido no artigo 42.º), de qualidade e conforto (regulado no artigo 43.º) e de vetustez (consagrado no artigo 44.º) não são aplicáveis aos “terrenos para construção”, não fazendo parte da fórmula de cálculo consagrada no n.º 1 do artigo 45.º do Código do IMI, mas sem prejuízo de este mesmo cálculo poder considerar elementos e características igualmente relevantes para efeitos de determinação estes coeficientes.

6.            O factor de localização do “terreno para construção” é, já, considerado na percentagem prevista no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IMI.

7.            Deste modo, a consideração do coeficiente de localização aquando do cálculo do valor patrimonial tributário de “terrenos para construção” determina que a mesma realidade fáctica (a localização) seja duplamente tida em consideração na da percentagem do valor do “terreno de implantação”: i.e., a percentagem legalmente prevista para efeitos de cálculo de “terrenos para construção” versus o coeficiente de localização per se.

8.            Ademais, no que respeita à consideração do coeficiente de afectação, bem como do coeficiente de qualidade e conforto na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, cumpre trazer à colação a decisão do STA prolatada no processo 0824/15, de 20 de Abril de 2016, nos termos da qual se concluiu que o artigo 45.º do Código do IMI é a norma específica que regula a determinação deste valor dos terrenos para construção.

9.            Deste modo, o STA reconheceu que o “coeficiente de afectação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade”,  sendo “[t]ais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece”.

10.          Conforme referido pelo STA no Acórdão acima referido, a aplicação destes coeficientes de afectação e de qualidade e conforto na determinação do valor patrimonial só seria possível através de aplicação por analogia, porém “porque a aplicação desses factores tem influência na base tributável tal analogia está proibida por força do disposto no n.º 4 do artigo 11.º da LGT por se reflectir na norma de incidência na medida em que é susceptível de alterar o valor patrimonial tributário”.

11.          Tanto assim é que a aplicação destes mesmos coeficientes “seria violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei consagrado no artigo 103 n.º 2 do CRP” – i.e. a aplicação dos coeficientes de afectação e de qualidade de conforto, além de ilegal, é ainda violadora de princípios constitucionalmente consagrados.

12.          Neste contexto, os valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção” detidos pela Requerente no ano 2019 ainda consideravam a aplicação errónea dos coeficientes de localização, de afectação e / ou de qualidade e conforto, existindo um erro flagrante nos pressupostos de facto e de direito quanto à determinação dos valores patrimoniais tributários dos mesmos, erro este da responsabilidade exclusiva da AT, e que, conforme infra demonstrado, teve repercussões prejudiciais para a Requerente quanto ao IMI devido (e pago) no ano em apreço.

13.          Pelo que, afigurando-se estas liquidações como manifestamente ilegais nos termos acima expendidos, deve a Requerente ser integralmente ressarcida do respectivo valor do IMI liquidado, porquanto não devido.

14.          Por seu turno, e sendo procedente o presente pedido, a Requerente requer, igualmente, que sejam pagos os respectivos juros indemnizatórios.

 

II.B Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:

 

1.            O Requerente vem pedir a anulação das liquidações impugnadas com base na impugnação do Valor Patrimonial Tributário (VPT), nomeadamente erros na fórmula de cálculo que foi utilizada pela AT para efeitos de determinação dos VPTs dos Terrenos para Construção.

2.            Os atos de fixação do VPT, regulados no artigo 134.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) visam determinar a base tributável de imóveis, ou seja, determinam o valor de imoveis que posteriormente servirá de base à liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) ou Impostos Municipal sobre a Transmissão de Imóveis (IMT).

3.            Ora, os atos de fixação do VPT não são atos de liquidação, são atos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis.

4.            Aliás, o princípio da impugnação unitária é expressamente afastado neste caso pelo artigo 86.º da Lei Geral Tributária. (LGT).

5.            Sendo assim, não é nem legal nem admissível a apreciação da correção do VPT em impugnação do ato de liquidação, uma vez que nesta sede há-de ter-se como pressuposto o valor fixado na avaliação.

6.            É, pois, inequívoco que a Requerente vem impugnar, não o ato de liquidação, mas a fórmula de cálculo do VPT, a qual  não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

7.            Constata-se que a sindicância do ato em questão está fora do âmbito das matérias suscetíveis de apreciação em sede arbitral, conforme resulta do artigo 2.º do RJAT, e como, de resto, tem decidido a jurisprudência arbitral perante circunstâncias semelhantes.

8.            Não se insere no âmbito das competências arbitrais apreciar a legalidade ou ilegalidade do ato impugnado com base em vícios próprios do VPT.

9.            A incompetência do Tribunal constitui uma exceção dilatória que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e que determina nos termos da alínea h) do n.º 4 do artigo 89.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e do n.º1 do 287.º do Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT  a absolvição da instância.

10.          Do artigo 45º do CIMI decorre que na avaliação dos terrenos para construção, o legislador não afastou liminarmente a metodologia de avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo ter em consideração os coeficientes constantes no artigo 38º do CIMI.

11.          Tal imposição legal resulta, aliás, do referido nº 2 do artigo 45º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas.

12.          O coeficiente de afectação permite diferenciar o VPT de um terreno para construção em função da utilização aprovada ou permitida, uma vez que a futura afectação do edifício a construir em determinado terreno tem por base o ato de licenciamento de obras de construção.

13.          Com efeito, um terreno destinado à construção de um armazém e um terreno destinado à construção de um escritório, com igual área de construção autorizada e situados na mesma zona, tem valores de mercado distintos.

14.          Ora, a não consideração do coeficiente de afectação nos mesmos terrenos para construção, implicaria que os valores patrimoniais tributários destes fossem iguais, situação que originaria valores patrimoniais tributários desajustados face ao valor de mercado, originando distorções e injustiças graves.

15.          O coeficiente de localização permite diferenciar os terrenos para construção em função da sua localização, como decorre do artigo 42º do CIMI.

16.          Nessa medida, há que ponderar o coeficiente de localização na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, pois só assim é possível distinguir um terreno com a mesma aptidão construtiva, mas que, em função da sua localização, tem valores de mercado distintos.

17.          Assim, a não consideração do coeficiente de localização na determinação do valor patrimonial tributário poderia levar a valores patrimoniais tributários desajustados face ao valor de mercado, quer em excesso, quer por defeito, conduzindo a distorções e a injustiças graves incompatíveis com um dos objectivos da reforma da tributação do património que foi aproximar o valor patrimonial tributário dos prédios, com base em indicadores objectivos, alcançando maior uniformidade, proporcionalidade e justiça na tributação.

18.          Em conclusão, na avaliação dos terrenos para construção o legislador quis que fosse aplicada a metodologia da avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo levar em consideração todos os coeficientes, supra identificados, nomeadamente o coeficiente de afectação previsto no artigo 41º do CIMI, mais resultando tal imposição legal do nº 2 do artigo 45º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no mesmo terreno para construção».

19.          No caso em apreço e como já se demonstrou, não se verifica qualquer “erro imputável aos serviços”.

 

II.C A Requerente respondeu às exceções invocadas pela Requerida da seguinte forma:

 

1.            No âmbito do contencioso tributário vigora o princípio geral da impugnação unitária que, nos termos do artigo 54.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), determina que “[s]alvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida”.

2.            Deste modo, no âmbito do procedimento tributário – o qual poderá ser constituído por vários actos preparatórios, interlocutórios ou intermédios praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira com vista à emissão do acto de liquidação de imposto –, regra geral, só o acto final e definitivo de um procedimento tributário é que será passível de ser impugnado, na medida em que só esse acto atinge ou lesa, de forma imediata, a esfera jurídica do contribuinte.

3.            Porém, relativamente aos actos interlocutórios, o n.º 1 do artigo 66.º da LGT prevê que os “contribuintes e demais interessados podem, no decurso do procedimento, reclamar de quaisquer actos ou omissões da administração tributária” – i.e. os actos interlocutórios poderão ser impugnados administrativamente através de meio de contencioso administrativo.

4.            Importa realçar que mesmo esta susceptibilidade de impugnação administrativa dos actos interlocutórios de um determinado procedimento tributário nos termos do n.º 1 do artigo 66.º da LGT, não impede que os interessados possam “recorrer ou impugnar a decisão final [daquele mesmo procedimento] com fundamento em qualquer ilegalidade”, conforme o disposto no n.º 2 deste artigo 66.º.

5.            Desde logo, cumpre referir que a posição da Requerida constitui uma violação crassa do princípio da tutela jurisdicional efectiva, ao impedir um contribuinte de contestar um acto tributário de liquidação de um tributo – acto este que produz efeitos lesivos na esfera jurídica do sujeito passivo, razão esta que deveria ser tida como assaz suficiente para a sua impugnabilidade –, pelo mero facto de tal contribuinte não se ter socorrido de uma prévia contestação do acto interlocutório, o qual está na origem da ilegalidade do acto de liquidação.

6.            Com efeito, as excepções ao princípio da impugnação unitária foram criadas para assegurar o pleno cumprimento do princípio da tutela jurisdicional efectiva, sendo contraproducente tais excepções serem indiscriminadamente invocadas de uma forma que possa colocar em caso este mesmo princípio constitucional!

7.            Além disso, é de notar que a legislação procedimental e processual tributária não determina expressamente que um acto de liquidação de um tributo nunca poderá ser contestado pelo contribuinte quando o fundamento de ilegalidade daquele acto resulte de um vício de um determinado acto prévio / interlocutório que poderia ter sido, mas não o foi efectivamente, objecto de impugnação autónoma por aquele contribuinte.

8.            Consequentemente, a excepção ao princípio da impugnação autónoma prevista para actos destacáveis em procedimentos tributários não pode ser invocada no caso sub judice como impedimento para a impugnação dos actos tributários de liquidação de IMI em crise no presente processo arbitral, sob pena de violação grave do princípio da tutela jurisdicional efectiva, à luz do artigo 9.º da LGT, artigo 9.º do Código Civil e artigo 20.º, n.º, 1, da Constituição da República Portuguesa.

9.            Uma vez que, no caso sub judice, a pretensão visada pela Requerente assenta na declaração de ilegalidade de actos tributários de liquidação de IMI, a apreciação do mérito desta pretensão recai no âmbito de competência material deste Tribunal Arbitral, por ser plenamente admitida nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

 

III. Matéria de Facto

III.1. Factos Provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

1.            Em 31.12.2019, a Requerente era proprietária dos prédios (terrenos para construção) inscritos na matriz predial urbana das freguesias de ... sob artigos..., ..., ..., ..., ..., ... e ... e ... sob artigo ... .

2.            Em 23-01-2013, o terreno inscrito na matriz predial da freguesia de ... sob artigo ... foi avaliado no âmbito da avaliação geral dos prédios urbanos, tendo sido considerado o coeficiente de localização de 1,80, o coeficiente de afetação relativo a serviços de 1,10 e o coeficiente de qualidade e conforto de 1 na determinação do valor patrimonial tributário do terreno.

3.            Em 27-02-2013, os terrenos inscritos na matriz predial da freguesia de ... sob artigos ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... foram também avaliados.

4.            Na avaliação dos terrenos inscritos na matriz sob os artigos ..., ..., ..., ... e ... da freguesia de ..., foi considerado o coeficiente de localização de 1,29, o coeficiente de afetação relativo a serviços de 1,10 e o coeficiente de qualidade e conforto de 1, para efeitos de determinação dos respetivos valores patrimoniais tributários.

5.            Na avaliação do terreno inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia de ..., foi considerado o coeficiente de localização de 1,80, o coeficiente de afetação relativo a serviços de 1,10, e o coeficiente de qualidade e conforto de 1 para efeitos de determinação do respetivo valor patrimonial tributário.

6.            Na avaliação do terreno inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia de ..., foi considerado o coeficiente de localização de 1,70, o coeficiente de afetação relativo a habitação de 1,0 e o coeficiente de qualidade e conforto de 1 para efeitos de determinação do respetivo valor patrimonial tributário.

7.            A Requerente foi notificada das Liquidações de IMI n.ºs 2019 ... (datada de 08/04/2020), 2019 ... (datada de 08/04/2020) e 2019..., referentes ao ano de 2019.

8.            A Requerente procedeu ao pagamento das Liquidações nas seguintes datas:

a) 2019 ...  – 12/05/2020

b) 2019 ...  – 18/08/2020

c) 2019 ... – 23/11/2020

9.            Por iniciativa da contribuinte, de 07.09.2020, os prédios (terrenos para construção) foram sujeitos a nova avaliação:

a)  freguesia de ... sob artigos ..., ..., ..., ..., ..., ... e ...  (22.09.2020)

b) Freguesia de ... sob artigo ... (26.09.2020)

10.          Nesta nova avaliação o valor patrimonial tributários dos prédios foi calculado pela multiplicação do valor base dos prédios edificados (Vc) e a área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação (A).

11.          A AT através do documento n.º 2019..., datado de 30.10.2020 efetuou a revisão oficiosa das liquidações n.º 2019..., 2019 ... e 2019... .

12.          Relativamente a outros 8 (oito) terrenos para construção detidos pela Requerente e que foram objeto da reavaliação acima mencionada (e com a consequente redução dos valores patrimoniais tributários), a AT não retificou as respetivas coletas de IMI, conforme melhor detalhado na Tabela infra exposta:

 

Tabela – Diferença entre (i) os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção objeto de reavaliação considerados na liquidação para efeitos de cálculo da determinação da coleta de IMI de 2019 e (ii) os valores patrimoniais tributários dos mesmos desconsiderando a aplicação dos coeficientes e respetiva coleta de IMI com referência a 2019

Código de Freguesia       Freguesia            Artigo Matricial VPT – liquidação (antes da reavaliação) VPT fixado após reavaliação         Taxa de IMI        Coleta de IMI – liquidação           Coleta IMI (após reavaliação) legalmente devido                Diferença de coleta de IMI / IMI liquidado após a nova avaliação

...            ...            U-...       649 508,65 €      459 940,00 €      0,32%    2 078,43 €           1 471,81 €           606,62 €

...            ...            U-...       561 538,60 €      397 640,00 €      0,32%    1 796,92 €           1 272,45 €           524,47 €

...            ...            U-...       1 004 981,95 €  510 020,00 €      0,32%    3 215,94 €           1 632,06 €           1 583,88 €

...            ...            U-...       658 592,90 €      466 370,00 €      0,32%    2 107,50 €           1 492,38 €           615,12 €

...            ...            U-...       648 057,20 €      458 910,00 €      0,32%    2 073,78 €           1 468,51 €           605,27 €

...            ...            U-...       1 532 396,25 €  915 410,00 €      0,32%    4 903,67 €           2 929,31 €           1 974,36 €

...            ...            U-...       4 971 114,75 €  3 520 170,00 €  0,32%    15 907,57 €        11 264,54 €        4 643,03 €

...            ...            U-...       845 048,81 €      419 420,00 €      0,32%    2 704,16 €           1 342,14 €           1 362,02 €

Total      10 871 239,11 €                7 147 880,00 €  -              34 787,97 €        22 873,22 €        11 914,75 €

 

III.2. Factos não provados

 

Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação da competência material do Tribunal foram considerados provados.

 

III.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

Os factos que constam dos números 1 a 12 são dados como assentes pelos documentos juntos pela Requerente (docs. 1 a 7 do pedido de constituição do Tribunal), pela posição assumida pelas partes e pelo processo administrativo junto aos autos.

 

IV. SANEAMENTO

 

A Requerida alega, por exceção, a inimpugnabilidade do ato de liquidação com base em vícios de fixação do valor patrimonial tributário porque os atos de fixação dos valores patrimoniais devem ser impugnados autonomamente, não podendo os seus vícios ser apreciados na impugnação dos atos de liquidação subsequentes (art. 86º, n.º2 da LGT e 134º do CPPT).

 

Quid Juris?

 

O direito à tutela jurisdicional efetiva é um direito fundamental, que deve levar-nos a afastar interpretações meramente ritualistas e formais (art. 20º, n.º1 da CRP). A reforma da justiça administrativa condenou expressamente o excesso de formalismo (art. 7º do CPTA). As normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.

Igual filosofia é seguida pelo CPC “ (…) que visa, sempre que possível, a prevalência do fundo sobre a forma, bem como a sanação das irregularidades processuais e dos obstáculos ao normal prosseguimento da instância, tendo em vista o máximo aproveitamento dos actos processuais” In Ac. do TRC de 24.02.2015, proc. n.º 1530/12.7 TBPBL.C1

No âmbito da ponderação dos pressupostos processuais, os princípios antiformalistas, “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae” impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, pelo que, suscitando-se quaisquer dúvidas interpretativas nesta área, deve optar-se por aquela que favoreça a ação e assim se apresente como a mais capaz de garantir a real tutela jurisdicional dos direitos invocados pela parte.

Importa começar por referir que os atos aqui sindicados são as liquidações de IMI. A exigência de esgotamento dos meios de defesa administrativos dos atos de fixação dos valores patrimoniais prevista no art. 134. n.º7 do CPPT e no art. 86º, n.º2 da LGT obriga o contribuinte e permite que a AT se pronuncie antes de se recorrer aos meios judiciais. Contudo, no caso em apreço, tal como resulta da matéria de facto provada, as liquidações de IMI resultam de uma segunda avaliação efetuada e de um subsequente ato de revisão oficiosa promovida pela AT, em cumprimento do disposto no art. 115º, n.º1, al. b) do CIMI. A AT já teve a oportunidade de apreciar a legalidade das avaliações aquando da revisão oficiosa e não o fez. Mesmo que o contribuinte não esgote os meios defesa administrativos, a prévia fixação do valor patrimonial tributário é suscetível de apreciação em sede de revisão, tal como resulta expressamente do art. 115º, n.º1, al, b) do CIMI. Em resultado de uma nova avaliação, a AT deve oficiosamente rever a liquidação inerente.

É inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de atos de liquidação de IMI, pois o art. 115º do CIMI prevê a sua utilização, sem prejuízo do disposto no art. 78º da LGT. Igual interpretação foi seguida pelo TCA do Sul no Ac. n.º 2765/12.8 BELRS de 31.10.2019 que se cita:

 

“(…)a interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 78.º da LGT com o disposto no artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, resulta que a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela administração tributária, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços.

O que se verifica, precisamente, no caso em apreço, erro esse que se traduziu até numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas.

Erro esse que, independente da inércia impugnatória da recorrida após a notificação do VPT, não pode ser imputável a qualquer comportamento negligente desta, visto que o erro no cálculo e fixação do VPT ocorre num procedimento desencadeado e concretizado pela administração e que sempre justificaria a revisão ao abrigo do n.º 4 do normativo em questão, se o n.º 1 não fosse inteiramente aplicável.”

Mais, neste sentido cf. mutatis mutandis Ac. do STA de 14.11.2007, proc. n.º 0565/07:

A reclamação graciosa, prevista no artigo 152.º do Código de Processo Tributário (ou artigo 132.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), não é necessária para a impugnação judicial do indeferimento de revisão oficiosa do acto tributário de retenção na fonte.

Acresce que, citando Carla Castelo Trindade: “(…) na arbitragem tributária, ao contrário do que sucede na impugnação judicial, o “esgotamento dos meios graciosos previstos no procedimento de avaliação” não é, pois, exigível.“ .  O art. 2º al. a) da portaria 112-A/2011 de 22 de março não vincula a AT a esta jurisdição se as pretensões relativas a autoliquidação, retenção na fonte ou de pagamento por conta não tenham sido precedidos de recurso prévio à via administrativa. A norma citada não faz qualquer referência aos atos de fixação dos valores patrimoniais, não sendo, por isso, nesta jurisdição, exigível o esgotamento prévio das vias administrativas. 

Os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade (art. 266º, n.º2 da CRP e 55 da LGT) impõem que a Requerida corrija a liquidação que eventualmente conduza a uma arrecadação de uma quantia que face à lei não seja devida (Neste sentido Cf. LGT Anotada, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 4º Ed., 2012, pág. 711. No mesmo sentido Cf. Acórdãos do STA proferidos em 11.05.005, proc. 319/05, em 12.09/2015, proc. n.º 476/12, em 04.05.2016, proc. n.º 407/15 e Ac. do TCAS proferido em 21/05/2015, proc. n.º 7787/14). A AT tem o dever de revogar atos ilegais, com limitações de índole temporal correspondentes ao prazo de revisão do art. 78º da LGT (Neste sentido Cf. Ac. do STA de 12.07.2006, proc. n.º 402/06).

A Requerida teve a oportunidade no procedimento de revisão de corrigir uma eventual ilegalidade. Contudo, a Requerida manteve na parte agora sindicada, o ato.

Por exigência dos princípios citados, padecendo o ato tributário de algum vício que tenha sido invocado em sede judicial, deve o mesmo ser apreciado.

As liquidações que foram sujeitas a revisão oficiosa são suscetíveis de apreciação judicial ou arbitral. Esta conclusão retira-se da al. a), n.º1 do art.  10º do RJAT, o qual faz referência às decisões de recurso hierárquico. Nada justifica um tratamento distinto entre as decisões decorrentes recursos hierárquicos ou de revisões de atos tributários.

É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a atos fixação de valores patrimoniais que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.

Neste sentido, mutatis mutandis, Cf. Ac. do TCAS de 11.03.2021, proc. n.º 7608/14.5BCLSB

“2. O artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011 viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.”

Face ao exposto, em conclusão, julga-se improcedente a exceção de inimpugnabilidade dos atos de liquidação, sendo o Tribunal competente e encontrando-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

É também invocada uma exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, que cumpre apreciar previamente.

Alega a Requerida que o Tribunal é materialmente incompetente porque a competência dos tribunais arbitrais está consagrada no art. 2º do RJAT e nela não está incluída a sindicância da fixação do valor patrimonial tributários dos prédios. 

 

Quid Juris?

 

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, que estabelece o seguinte:

“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

 a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”

 

Os atos de fixação dos valores patrimoniais tributários são impugnáveis de acordo com  o art. 97º, n.º1, al. f) do CPPT,  nos termos do art. 77º do CIMI. Estes atos são também suscetíveis de apreciação em sede arbitral, nos termos da parte final da al. b), n.º1, art. 2º do RJAT.

Porquanto, julga-se improcedente a exceção de incompetência material.

 

Face ao exposto, em conclusão, o Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a) e b), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.

As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo é o próprio.

Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

 

V. THEMA DECIDENDUM

 

A questão central a decidir, tal como colocada pela Requerente, está em saber se a avaliação dos terrenos para construção deve ser efetuada aplicando os coeficientes localização, de qualidade e conforto e de afetação, tal como previsto na fórmula do art. 38º do CIMI?

 

VI. O Direito

 

i)

O erro que a Requerente imputa à fixação de valores patrimoniais é o de ter aplicado à avaliação de terrenos para construção, normas legais relativas às avaliações dos prédios edificados, nomeadamente o coeficiente de afetação, o coeficiente de localização e o coeficiente de qualidade e conforto.

 

Os artigos 41.º, 42.º e 45.º do CIMI, nas redações da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente até à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro), estabeleciam o seguinte, no que aqui interessa:

Artigo 41.º

Coeficiente de afectação

O coeficiente de afectação (Ca) depende do tipo de utilização dos prédios edificados, de acordo com o seguinte quadro:

(...)

 

Artigo 42.º

Coeficiente de localização

(...)

3 - Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:

a) Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;

b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;

c) Serviços de transportes públicos;

d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.

 

4 - O zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o n.º 2 do artigo 45.º

 

Artigo 45.º

Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção

1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º .

5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente. (aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30-12)

 

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a decidir, uniformemente, na esteira do Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 23-10-2019, processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17, que:

“I – Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq).

II – O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

III – O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser susceptível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI).”

 

Na fundamentação deste acórdão refere-se o seguinte:

 

“O terreno em causa nos autos integra uma das espécies de prédios urbanos na categoria de terreno para construção. E, tratando-se de uma das espécies de prédio urbano o valor patrimonial deverá ser determinado por avaliação directa (nº 2 do artigo 15 do CIMI) devendo ser avaliado de acordo com o disposto no artigo 45º do mesmo compêndio normativo pois que a fórmula prevista no nº 1 do artigo 38 do CIMI (Vt= Vc x A x CA x CL x Cq x Cv) apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados ou seja àqueles que já edificados estão para habitação, comércio, indústria e serviços (assim se decidiu no ac. deste STA de 20/04/2016 tirado no recurso 0824/15 disponível no site da DGSI - Jurisprudência do STA) onde se expendeu:

 

(…) Todavia o legislador não incluiu aí os terrenos para construção que também classifica de prédios urbanos no artigo 6º do CIMI.

Para a determinação do valor patrimonial tributário dos mesmos há a norma do artigo 45 já referida onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do nº 3 do artigo 42.

Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal.

O coeficiente de afectação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade.

Tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece.

A aplicação destes factores valorizadores na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia com o disposto no artigo 38 do CIMI.

Mas porque a aplicação desses factores tem influência na base tributável tal analogia está proibida por força do disposto no nº 4 do artigo 11 da LGT por se reflectir na norma de incidência na medida em que é susceptível de alterar o valor patrimonial tributário.

A aplicação desses coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção seria violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei consagrado no artigo 103 nº 2 da CRP.

A própria remissão para os artigos 42 e 40 do CIMI constante do artigo 45 e mesmo a redacção dada ao artigo 46 relativo ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie “outros” em que expressamente se refere que “o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38 com as necessárias adaptações “é demonstrativo de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não entram outros factores que não sejam o valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação.

É que mesmo a remissão feita para os artigos 42 e 40 do CIMI não consagra a aplicação dos coeficientes aí referidos mas apenas acolhe, respectivamente as características que hão-de determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo.

O que se compreende face à definição de terrenos para construção do nº 3 do artigo 6 do C.I.M.I.(…)

Concordando e não olvidando a doutrina expressa por José Maria Fernandes Pires in Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo 2012, 2ª edição pp104 de que “o valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio ou prédios com determinadas características e com determinado valor,” e que para a avaliação de terrenos para construção a lei manda separar duas partes do terreno (uma primeira parte a do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir) e uma segunda parte a restante constituída pelo terreno que fica livre no lote de terreno para construção expressando que para alcançar o valor da primeira parte é necessário proceder à avaliação do edifício a construir como se ele já estivesse construído.

Com o devido respeito, não se acolhe integralmente esta doutrina pelas dúvidas e imprecisões que pode acarretar e que em matéria fiscal devem ser evitadas. Desde logo a lei, no artº 6º nº 3 do CIMI classifica de terrenos para construção realidades que não têm aprovado qualquer projecto de construção pelo que a sua inexistência determina por si só a inviabilidade de efectuar o cálculo da chamada área de implantação do edifício porque inexistente mesmo em projecto e por outro lado, nos casos em que existe esse projecto (parece ser o caso dos autos uma vez que no processo administrativo apenso se faz referência a uma moradia unifamiliar (vide fls.48 a 56)) cumpre salientar que a qualidade e o conforto têm de ser efectivos o que se compreende porque o direito tributário se preocupa com realidades e verdades materiais não podendo a expectativa ou potencial construção de um edifício com anunciados/programados índices de qualidade e conforto integrar um conceito que objectivamente, só é palpável e medível se efectivada a construção e se, realizada sem desvios ao constante da comummente conhecida “memória descritiva” que acompanha cada projecto de construção. Também é certo que a valorização imediata do prédio por efeito da atribuição do alvará de terreno para construção não deixará de ser levada em conta para efeitos de tributação, em caso de alienação, com a tributação noutra sede tributária.

Como se expressou no acórdão deste STA a que supra fizemos referência (…) Efectivamente o coeficiente de afectação tem a ver com o tipo de utilização do prédio já edificado e o mesmo se diga do coeficiente de qualidade e conforto.

Nos terrenos em construção as edificações aprovadas são meramente potenciais e é o valor dessa capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário que se procura taxar. E não factores ainda não materializados (…).

Tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios a regra específica constante do supra referido artigo 45 do CIMI e não outra, onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.

Isto só pode significar que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados. E, sendo verdade que para calcular o valor da área de implantação do edifício a construir a lei prevê que se pondere o valor das edificações autorizadas ou previstas (artº 45º nº 2 do CIMI) para tal desiderato, salvo melhor opinião não necessitamos/devemos entrar em linha de conta, necessariamente, com o coeficiente de qualidade e conforto pois que não estando materializado não é medível/quantificável, sendo consabido da experiência comum que um projecto de edificação contemplando possibilidades modernas de inserção acessória de equipamentos vulgarmente associados ao conceito de conforto tais como ar condicionado, videovigilância robótica doméstica, luzes inteligentes etc, se edificado/realizado com defeitos pode não se traduzir em qualquer comodidade ou bem estar, antes pelo contrário ser fonte de problemas/insatisfações e dispêndios financeiros.”

 

Esta jurisprudência foi posteriormente reafirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se, entre vários outros, pelos seguintes acórdãos:

– de 05-04-2017, processo n.º 01107/16 («Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»);

– de 28-06-2017, processo n.º 0897/16 («II – Os coeficientes de afectação e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto. III – Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»).

– de 16-05-2018, processo n.º 0986/16 («O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)»;

– de 14-11-2018, processo n.º 0133/18 («No cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»;

– 23-10-2019, processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17 («os coeficientes de localização, qualidade e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI).»

– de 13-01-2021, processo n.º 0732/12.0BEALM 01348/17 («Relativamente à avaliação de terrenos para construção, sobre o que regula o art. 45.º do C.I.M.I., não são de aplicar os coeficientes ou características não especificamente previstos, entre os quais o coeficiente de qualidade e conforto».

– de 07-04-2021, processo n.º 919/07.8 BEBRG («Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção a que seja aplicável o artigo 45.º, n.º 2, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, na redacção anterior à que lhe foi introduzida pelo artigo 392.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31/12, não se consideram os coeficientes de afetação [Ca] e de qualidade e conforto [Cq]-»

 

Na linha desta jurisprudência, é de entender que a avaliação dos terrenos para construção devia ser efetuada sem aplicação dos coeficientes não especificamente previstos, entre os quais os coeficientes de localização, de qualidade e conforto e de afetação.

No caso em apreço, como se vê pelas cadernetas prediais juntas como documento n.º 4 do pedido de pronúncia arbitral e pela fundamentação das avaliações efetuadas em 2013 juntas na resposta da requerida, foram aplicados os coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto nas avaliações, em que se basearam, as liquidações relativas ao ano de 2019.

O coeficiente de localização não deve ser aplicado no apuramento do valor patrimonial tributário de terrenos para construção porque já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI. A sua consideração levaria a uma dupla consideração deste fator.

Acresce que a avaliação dos terrenos para construção deve ser efetuada de acordo com o previsto 45º do CIMI, no qual não está prevista a aplicação dos coeficientes de localização, de qualidade e conforto nem de afetação.

  A aplicação destes fatores valorizadores na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia com o disposto no artigo 38º do CIMI.

Mas, porque a aplicação desses fatores tem influência na base tributável tal analogia está proibida por força do disposto no nº 4 do artigo 11º da LGT, por se refletir na norma de incidência, na medida em que é suscetível de alterar o valor patrimonial tributário.

A aplicação desses coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção seria violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei consagrado no artigo 103º, nº 2 da CRP.

Assim, face à jurisprudência referida, tem de se concluir que a fixação de valores patrimoniais destes prédios enferma dos erros que a Requerente alega, que são exclusivamente imputáveis à Administração Tributária que praticou os atos de avaliação.

 

ii) Juros Indemnizatórios

 

Nos termos do artigo 43º, n.º 1, da LGT "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".

Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no art. 43, nº1, da LGT, são os seguintes:

1-Que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;

2-Que o erro seja imputável aos serviços;

3-Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;

4-Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

(Cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, I Volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.530).

A anulação das liquidações de IMI objeto do pedido de pronúncia arbitral ficou a dever-se a uma incorreta aplicação da Lei. A incorreta aplicação da Lei conduz à consequente anulação dos atos tributários que o tenha por base.

A incorreta aplicação da Lei enquadra-se no erro sobre os pressupostos de direito, que funciona como requisito do direito a juros indemnizatórios consagrado no examinado artº.43, nº.1, da LGT. O erro é imputável aos serviços da AT, tendo originado um pagamento superior ao devido.

Nestes termos, deve considerar-se que se encontram reunidos os pressupostos de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, em virtude da anulação da liquidação, dado estarem reunidos todos os pressupostos previstos no artº43, nº1, da LGT.

Procede, pois, o pedido de juros indemnizatórios, que deverão ser contados, à taxa apurada, de harmonia com o disposto no artigo 43.º, n.º 4, da LGT, entre 23/11/2020 (data do último pagamento) até à data da emissão da correspondente nota de crédito.  

 

V) Decisão

 

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:

 

a) Julgar improcedentes as exceções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular parcialmente as liquidações de IMI n.ºs 2019..., 2019... e 2019..., referentes ao ano de 2019 nas partes em que tiveram como pressupostos valores patrimoniais em que foram considerados coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto;

c) Condenar a Requerida a restituir a quantia de €11.914,75, acrescida de juros indemnizatórios, desde 23.11.2020 até ao integral pagamento do montante de que deve ser restituído;

d) Condenar a Requerida nas custas do processo face ao decaimento.

 

Fixa-se o valor do processo em €11.914,75 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n. º1 do artigo 29.º do RJAT e do n. º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 04 de outubro de 2021  

 

O Árbitro

(André Festas da Silva)