Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 782/2020-T
Data da decisão: 2021-08-09  IRS  
Valor do pedido: € 190.508,86
Tema: IRS - Mais-valias. Valor de aquisição. Imparidades. Substância económica dos factos tributários.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

          Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Arlindo José Francisco e Dr. Manuel Lopes da Silva Faustino (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21-05-2021, acordam no seguinte:

 

         

          1. Relatório

 

A..., contribuinte n.º..., e esposa B..., contribuinte n.º..., ambos residentes na ..., n.º ..., ..., ...-... Braga, apresentaram pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que tinha por objeto a demonstração de liquidação de IRS n.º 2018..., da demonstração de liquidação de juros n.º 2018 ... e da demonstração de acerto de contas n.º 2018 ... do ano de 2015, da demonstração de liquidação de IRS n.º 2018 ... e da demonstração de liquidação de juros n.º 2018 ... do ano de 2016.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 28-12-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 03-05-2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 21-05-2021.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Em 05-07-2021, realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e por declarações de parte e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. Os Requerentes são casados entre si;
  2. Foi efectuada uma inspecção aos Requerentes, relativa ao exercício de 2016, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

8. O sujeito passivo encontra-se registado pela atividade principal de "Comércio a retalho vestuário para adultos.estab. espec." Código das Atividades Económicas (CAE) 47711 com data de início em 1982-11-06.

9. Em sede de IVA, trata-se de SP a imposto, nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 2º do CIVA1, aprovado pelo DL nº 394-B/84, de 26 de Dezembro, enquadrado no regime normal de periodicidade mensal por opção, praticando operações que conferem direito à dedução.

10. Nos termos do artigo 13.º e do artigo 28.º nº 3, ambos do Código do Imposto sobre as Pessoas Singulares (CIRS), estamos perante um sujeito passivo de imposto enquadrado no regime de contabilidade organizada.

(...)

11.3.1.2 - Caracterização da atividade

12. O SP dispõe de vários estabelecimentos onde desenvolve a sua atividade, a saber:

12.1. Loja 1 situada na Rua de ... em Braga que se dedica à venda de artigos de outlet, provenientes das restantes lojas;

12.2. Loja 2 que na verdade é um Armazém situado em Braga;

12.3. Loja 3 situada na Rua ..., Braga, dedicando à venda de artigos de Homem;

12.4. Loja 4 situada na Rua ... dedicando à venda de artigos de Mulher:

12.5. Loja 6 situada no Centro Comercial ... sendo loja em franchising da marca ... que encerrou em fins de junho 2016;

12.6. Loja 8 situada na Rua ..., Braga

12.7. Loja 9 situada na Rua ..., designada comercialmente por "...".

13. Relativamente à Loja 6 do ..., as vendas são registadas em Programa de faturação facultado pelo Master Franchising.

14. O SP dispõe ainda de vendas à distância através da plataforma online "C...". A C... é um ecommerce de moda nacional e internacional que traz marcas famosas e moda premium atual para comprar online. O modelo de negócio é explicado pelo SP nos seguintes moldes;

14.1. A C... recebe a encomenda do cliente e encaminha-a para o SP;

14.2. Este por sua vez expede o(s) produto(s) e a respetiva fatura ao cliente;

14.3. A C... fatura ao SP os serviços prestados e as comissões de vendas.

15. Em termos de faturação nas vendas à distância no ano de 2015 e até Maio de 2016 a faturação era efetuada em aplicação disponibilizada pela C..., sendo as faturas comunicadas no e-fatura pelos valores globais. A partir de Junho de 2016 passou a ser efetuada por programa certificado adquirido pela SP.

16. Os artigos vendidos através da  C...saem do stock das restantes lojas.

17. Não dispondo destas vendas por artigo uma vez que as faturas comunicadas na globalidade não apresentam a descrição do conteúdo das mesmas, e considerando que saem do stock das diversas lojas, não foi possível efetuar teste às quantidades.

(...)

III - Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas 111. A IRC - Correções aos gastos

III.A. l Custo das Mercadorias Vendidas

60. O SP apresenta os inventários finais valorizados na contabilidade nas seguintes quantidades e valores:

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61. O Armazém 2 desde logo chamou atenção considerando que para a mesma quantidade de mercadorias em stock a valorização no inventário final nos anos de 2015 e 2016 é bastante diferente apresentando decréscimos sucessivos em valores consideráveis (-98.111,63 € e -63.073,72 €). A Loja 1 também apresenta um decréscimo considerável da valorização do inventário final (- 33%) no ano 2016.

 

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62. Estes valores mereceram uma análise mais aprofundada.

63. Em primeiro lugar foi efetuada uma análise por família de produtos que se apresenta no Anexo l folhas 2 a 4. Por esta análise verificamos que no Armazém 2, em todas as famílias não existe qualquer variação das quantidades dos produtos em stock a 2015-12-31 e 2016-12-31, contudo constatam-se variações na valorização dos mesmos em -98,111,63€ e em -63.073,72€ nos anos de 2015 e 2016 respetivamente. Verifica-se ainda pelos balancetes do ano de 2015 e 2015 que não há nem compras nem vendas imputadas a este armazém, excetuando um valor residual de 1.858,00€ no ano de 2015.

64. Procedeu-se então à análise desagregada produto a produto de todas as lojas com exceção da Loja do ... (Loja 6) considerando as especificidades inerentes ao Franchising (Anexo II em DVD).

65. Esta análise produto a produto permitiu concluir que a valorização dos inventários finais nos anos de 2015 e 2016 apresentam decréscimos consideráveis não só no Armazém 2 como nas restantes lojas conforme quadro resumo abaixo apresentado, contudo contabilisticamente não foi relevada qualquer imparidade de inventários, encontrando-se este gasto a onerar os custos com mercadorias vendidas.

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66. Para os produtos valorizados a valor inferior ao preço de custo foi verificado se existiam compras. Só na loja 1, se verificaram entradas para os códigos dos produtos que apresentam na valorização dos inventários finais valor inferior ao valor de custo. O que se justifica por ser loja de outlet e receber das restantes lojas produtos considerados de baixa probabilidade de venda, contudo a transferência dos produtos é efetuada ao valor mensurado na loja de proveniência.

67. Antes de se abordar a qualificação dos factos tributários em causa, entende-se pertinente atender a alguns conceitos fundamentais:

63. Sobre as perdas por imparidade em inventários:

69. De acordo com o SNC e também na perspetiva fiscal o SP é classificado como Pequena Empresa, sendo aplicáveis as NCRF-PE.

 

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70. Segundo as considerações técnicas da NCRF 18 do Sistema de Normalização Contabilística (SNC) que não apresentam diferenças relevantes das NCRF-PE para a norma nº 18, os inventários dever ser mensurados (mensuração subsequente) pelo custo ou pelo Valor Realizável Líquido, escolhendo dos dois o valor mais baixo.

71. De acordo com §6 da NCRF 18 o Valor Realizável Liquido (VRL) são as quantias líquidas que um entidade espera realizar com as vendas no decurso normal da sua atividade empresarial (= preço de venda estimado no decurso normal da atividade menos os custos estimados de acabamento e o custos estimados necessários para efetuar a venda).

72. Daqui resulta desde logo que, a existir um ajustamento a efetuar ao valor dos inventários este não pode ser por valor superior ao custo, isto porque os bens do ativo não devem ser registados por quantias superiores em relação àquelas, que previsivelmente vão ter pela venda desses ativos. Daí quando se justifique, reduz-se o custo dos inventários para o VRL.

73. Deste modo, e sem prejuízo de os inventários serem valorizados (mensuração inicial) pelo correspondente custo de aquisição, em termos de Balanço deverá estar evidenciado o valor que se espera ser possível realizar com esses inventários.

74. Assim, sempre que a entidade verifique, à data do Balanço, que o VRL é inferior ao valor do custo, sujeito passivo deverá efetuar um ajustamento que se traduz em termos de registo contabilístico numa perda por imparidade em inventários.

75. A quantia de qualquer ajustamento dos inventários para o valor realizável líquido deve se reconhecida como um gasto do período em que o ajustamento ou perda ocorra (NCRF 18 §34).

76. Posteriormente, em cada período subsequente (mensuração subsequente) deverá ser efetuada um nova avaliação ao VRL nos inventários, isto porque os inventários podem desvalorizar face aos atuais valores de mercado (NCRF 18, §33).

77. Posto isto, constata-se que o SP, em desrespeito pelo SNC não aplicou a NCRF 18, não tendo procedido ao ajustamento do valor dos inventários para o valor realizável líquido em cada um dos anos em que que a perda ocorreu.

78. O princípio da representação fidedigna estabelece, que para ser fiável, a informação deve representar fidedignamente as transações e outros acontecimentos que ela ou pretende representar ou possa razoavelmente esperar-se que represente.

 

79. Sobre o artigo 28º do Código do IRC

80. De acordo com este preceituado "são dedutíveis no apuramento do lucro tributável as perdas por imparidade em inventários, reconhecidas no mesmo período de tributação ou em períodos anteriores até ao limite da diferença entre o custo de aquisição ou de produção dos inventários e o respetivo valor realizável líquido referido à data de balanço, quando este for inferior àquele".

81. E segundo o nº 2 do mesmo artigo "entende-se por valor realizável líquido o preço de venda estimado no decurso normal da atividade do sujeito passivo nos termos do nº 4 do artigo 26º, deduzido dos custos necessários de acabamento e venda." Considerando-se "preços de venda os constantes de elementos oficiais ou os últimos que em condições normais tenham sido praticados pelo sujeito passivo ou ainda os que, no termo do período de tributação, forem correntes no mercado, desde que sejam considerados idóneos ou de controlo inequívoco."

82. Ao definir-se neste artigo as perdas por imparidade em inventários que são fiscalmente dedutíveis e os respetivos limites, adota-se para efeitos de determinação do lucro tributável uma especialização dos exercícios, de acordo com as regras definidas pelo legislador fiscal.

 

83. Relativamente ao gasto (CMV) registado em 2015 e 2016

84. No caso em apreço, estamos em face de valorização por valor inferior ao custo de aquisição, ou seja pelo valor realizável líquido, mas sem contudo ter sido relevado contabilisticamente o ajustamento dos inventários na conta 652 - Perdas por imparidade em inventários, tal como é preconizado na NCRF18,§34 e 35.

85. A diferença entre o custo de aquisição e a valorização a valor inferior onerou o CMV por via do apuramento de resultados o que não corresponde à verdade material, uma vez que este gasto não é por via da venda do bem mas, a existir, por via do reconhecimento da perda por imparidade do bem em stock em 31-12.

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86. Em face do exposto, conclui-se que no ano de 2015 e no ano de 2016 foram considerados gastos no CMV que não correspondem a gastos por via da venda de mercadorias, pelo que não são aceites por via da aplicação do SNC e da aplicação concreta da NCRF 18 e nos termos do artigo 17º do CIRC também não encontra aceitação fiscal.

87. A existir ajustamento do valor dos inventários, deveria ter sido revelada contabilisticamente uma perda por imparidade, o que não aconteceu, não tendo o SP demonstrado os cálculos das estimativas de valor realizável líquido.

88. De acordo com os §§ 30 e 31 da NCRF 18 - Inventários, as estimativas do valor realizável líquido que se espera que os inventários venham a realizar, devem ser baseadas nas provas mais fiáveis disponíveis, no momento em que sejam feitas as estimativas. Estas estimativas devem tomar em consideração as variações nos preços ou custos diretamente relacionados com acontecimentos que ocorram após o fim do período, na medida em que tais acontecimentos confirmem condições já existentes no fim do período.

89. Pelo reconhecimento das perdas por imparidade a contabilização deverá ser:

 

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90. Em termos fiscais, são dedutíveis no apuramento do lucro tributável os ajustamentos em inventários reconhecidos no período de tributação até ao limite da diferença entre o custo de aquisição ou de produção dos inventários e o respetivo valor realizável líquido referido à data do balanço, quando este for inferior àquele. Da redação do n.º 4 do art.º 26.º do CIRC, decorre que se considera preço de venda os constante de elementos oficiais ou os últimos que em condições normais tenham sido praticados pelo SP, ou os que, no termo do período de tributação forem correntes no mercado desde que sejam considerados idóneos ou de controlo inequívoco.

91. A imparidade deverá ser evidenciada no mapa das imparidades aceitando-se como justificativos dos preços de mercado os legalmente admitidos, designadamente:

91.1. No caso de bens adquiridos para a produção, os constantes de elementos oficiais ou os correntes no mercado (faturas ou tabelas de preços de fornecedores), desde que sejam considerados idóneos ou de controlo inequívoco, reportados à data da constituição da provisão.

91.2. No caso de bens adquiridos para venda os constantes de elementos oficiais ou os últimos que em condições normais sejam correntes no mercado (faturas ou tabelas de preço desde que sejam considerados idóneos ou de controlo inequívoco, reportados à data da constituição da imparidade.

92. No caso em apreço verifica-se que o SP se limitou a alterar o valor de alguns artigos do inventário sem possuir algum documento de suporte idóneo comprovativo do preço de mercado, sem apresentar o respetivo mapa de imparidades nem tão pouco registando contabilisticamente uma imparidade em inventários.

93. Pelo que não sendo possível verificar o cumprimento dos critérios definidos no art.º 28º do CIRC para constituição de uma perda por imparidade, uma vez que a mesma não foi reconhecida contabilisticamente nem mensurada como tal, proceder-se-á à mensuração do inventário final pelo custo retificando consequentemente o respetivo Custo das mercadorias Vendidas e das Matérias Consumidas (CMVMC) (cálculos no Anexo II em DVD).

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94. O CMVMC em sistema de inventário intermitente, é igual ao montante do inventário inicial, acrescido das compras, retificado das regularizações, e subtraído do inventário final.

95. Assim do anteriormente exposto, e partindo dos valores declarados do inventário final de 2014, propõe-se a seguinte correção:

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III.A.2 Conta 62.5.1.2.1 "Desloc. Estadas e Transportes- Deslocações e Estadas-Território Estrangeiro- n/ conf dir dedução"

III.A.2.1 Período 2015

96. As deslocações e estadas são despesas suportadas quando se estiver perante encargos com transporte, estadas, refeições suportadas com trabalhadores dependentes da empresa por motivos de deslocação destes fora do local de trabalho mediante a apresentação de um documento comprovativo.

97. Este tipo de despesa compreende os gastos de alojamento e viagem (hotel, avião, comboio) e alimentação (restaurantes, pastelarias, etc..) efetuados por trabalhadores da empresa, ao serviço da mesma, fora do local de trabalho. Estas despesas terão que, necessariamente, ter como base um documento emitido de forma legal para comprovar a sua aceitabilidade fiscal. Logo, deverá ser uma fatura passada de forma legal.

98. O gasto das despesas de deslocação e estada são aceites fiscalmente na totalidade. No entanto, para que as mesmas sejam aceites é necessária a verificação de determinados requisitos nomeadamente a identificação do trabalhador que efetuou a despesa, bem como o justificativo da deslocação.

99. O SP apresenta gastos com "Desloc. Estadas e Transportes- Deslocações e Estadas- Território Estrangeiro- n/ conf dir dedução" conta 62.5.1.2.1 no valor total de 9.649,79€. exibindo na contabilidade nomeadamente o seguinte documento:

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100. O documento identificado na contabilidade do diário Caixa com o nº 020160 (folha 2 do Anexo III), refere-se a gastos com passagem aérea Porto/Lisboa/Brasilia/Curitiba//Porto com a ref. "Dra B...".

101. A Drª B... não é trabalhadora, sendo sujeito passivo B com o NIF ... . Além de tal facto o SP não tem fornecedores no Brasil. Logo o gasto não é gasto do SP, trata-se de um encargo da esfera pessoal.

102. Assim, os gastos contabilizados na conta 62.5.1.2.1 "Desloc. Estadas e Transportes- Deslocações e Estadas- Território Estrangeiro- n/ conf dir dedução" no valor total de 1.039,00€ não constituem gasto do SP pois não foi incorrido ou suportado para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC conforme decorre do artigo 23º do CIRC por remissão do artigo 32º do CIRS.

103. Assim do total de gastos registados na conta 62.5.1.2.1 "Desloc. Estadas e Transportes- Deslocações e Estadas- Território Estrangeiro- n/ conf dir dedução" não são aceites 1.039,00€.

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III. A.2.2 Período 2016

104. O SP apresenta gastos com "Desloc. Estadas e Transportes- Deslocações e Estadas- Território Nacional- n/conf dir dedução" conta 62.5.1.1.1 no valor total de 8.033,18€, exibindo na contabilidade nomeadamente o seguinte documento:

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105. O documento identificado na contabilidade do diário Operações Diversas com o nº 010004 (folha 2 e 3 do Anexo IV), refere-se a gastos com estadia em ...- Beja relativo a 2 Pax encontrando-se identificada como hóspede B... no período de 31/12/2015 a 03/01/2016.

106. A Drª B... não é trabalhadora, sendo sujeito passivo B com o NIF .... Além de tal facto o SP não tem fornecedores em Beja. A estadia indicia tratar-se de passagem de ano, uma estadia de lazer. Desta forma o gasto não é gasto do SP, trata-se de encargo da esfera pessoal.

107. Assim, os gastos contabilizados na conta 62.5.1.1.1 "Desloc. Estadas e Transportes- Deslocações e Estadas- Território Nacional- n/ conf dir dedução" no valor total de 1.853,00€ não constituem gasto do SP pois não foi incorrido ou suportado para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC conforme decorre do artigo 23º do CIRC por remissão do artigo 32º do CIRS.

108. Assim do total de gastos registados na conta 62.5.1.1.1 "Desloc. Estadas e Transportes- Deslocações e Estadas- Território Nacional- n/ conf dir dedução" não são aceites 1.853,00€.

 

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(...)

lll.A.5 Conta 78.7.1.2 "Alienação Imobil. Corpóreas"

III.A.5.1 Período 2016

121. No período de 2016 o SP afetou a uso pessoal o imóvel registado na matriz com sob o artigo nº .. da freguesia ... (União de freguesias de ... ... e...) com origem no artigo ... da freguesia extinta ...  ... (...) (Anexo VII folhas 2 e 3), tendo apurado contabilisticamente uma mais-valia no valor de 6.836,82€ que deduziu no Anexo C da Declaração anual de rendimentos Modelo 3, não tendo acrescido ou deduzido quaisquer mais/menos valia fiscal.

122. Desde já importa qualificar os factos em análise:

123. O imóvel foi adquirido em 2003 tendo sido relevada contabilisticamente a sua aquisição no mesmo ano.

124. O imóvel encontra-se quantificado na contabilidade pelo valor total de 908.277,00€ dos quais 681.207,23€ correspondem ao edifício e 227.069,77€ correspondem ao terreno.

125. De acordo com esclarecimento prestado pelo contabilista certificado do SP (Anexo VIII folha 2) o valor de aquisição constante na contabilidade resulta da parte obtida pelo contrato de compra e venda de 66,4% de 1.284.400,00€ acrescida na mesma proporção do valor da SISA pago por ambos os prédios adquiridos (artigo ... e artigo ...) no âmbito do referido contrato ((41.473+41.473) x 66,4%), resultando no valor registado de 908.277,00€.

126. O valor patrimonial tributário atual é de 398,089,93€ (Anexo VII folhas 2 e 3).

127. De acordo com o artigo 29º nº 2 do CIRS "no caso de afetação de quaisquer bens do património particular do sujeito passivo à sua atividade empresarial e profissional, o valor de aquisição pelo qual esses bens são considerados corresponde ao valor de mercado à data da afetação." No caso em apreço considerando que a afetação é no mesmo ano de aquisição o valor de mercado corresponderá ao valor da compra declarado na escritura.

128. Foi solicitada a escritura da compra do imóvel ao SP, que se encontra no anexo IX.

129. Na escritura de compra e venda (anexo IX folhas 2 a 6) registada no ... cartório notarial de Braga no livro nº ...-B folhas 18 a 21 verso constatamos que em 04 de julho de 2003 é adquirido um imóvel pelo valor de 1.284.400,00€ constituído por "uma casa de rés-do-chão e dois andares, com um pátio e um jardim e outra casa de rés-do-chão e dois andares, destinado à habitação e comércio, sito na Rua ... e Rua ..., freguesia de ... (...), desta cidade, para onde tem respetivamente os números de policia 17,19 e 21 e 99, 103, 105, 109 e 111, descrito na conservatória de registo predial sob o número ..., e inscrito na matriz sob os artigos ..., com o valor patrimonial de € 68.507,81 e..., como valor patrimonial de € 47.453,98, e consequentemente, o global de 115.961,79€". Sendo os adquirentes D... NIF ... na proporção de 33,6% e A... NIF ... na proporção de 66,4%.

130. A escritura não atribui valor a cada um dos artigos do referido imóvel adquirido.

131. No conhecimento da SISA nº .../2003 (Anexo X folha 2) é liquidado Imposto municipal de SISA com referência à transmissão da totalidade do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ..., sobre o valor de compra de 642.200,00€ no valor de 41.743,00€.

132. No conhecimento da SISA nº ...2003 (Anexo X folha 3) é liquidado Imposto municipal de SISA com referência à transmissão da totalidade do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ..., sobre o valor de compra de 642.200,00€ no valor de 41.743,00€.

133. Neste disposto tendo A... NIF ... adquirido a proporção de 66,4% do prédio..., o valor da correspondente aquisição totalizará 66,4% x 642.200,006 = 426.420,80 € ao qual acrescem os impostos não reembolsáveis (SISA e IS) para efeitos de contabilização conforme decorre da NCRF §17.

134. Contudo o SP apresenta escritura de "Divisão de Coisa Comum" datada do mesmo dia, 04-07-2003 (Anexo XI folhas 2 a 5), através da qual os adquirentes da escritura acima descrita declaram que "não lhes convindo continuar na situação de compropriedade, pela presente escritura procedem à divisão do dito prédio em três imóveis que são:

UM- Prédio urbano composto por rés-do-chão e dois andares,..., destinado a habitação e comércio, sito na Rua ..., para onde tem os números de policia 99,103,105,109 e 111,..., e inscrito na matriz sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário de € 47.453,98€ e o atribuído de quarenta e sete mil e quinhentos euros.

Dois - Parcela de terreno, com a área de cem metros quadrados, a destacar do primitivo jardim do prédio da verba três, ..., com o valor atribuído de dois mil e novecentos euros e que se destina a logradouro do prédio da verba um.

Três - Prédio urbano composto por casa de rés-do-chão e dois andares ,..., sito na Rua ..., com os números de policia 17, 19 e 21,..., e inscrito na matriz sob o artigo ..., com o valor patrimonial de € 68.507,81 e o atribuído de noventa e nove mil e seiscentos euros.

Os dois primeiros a desanexar do prédio da citada descrição na Conservatória número duzentos e trinta e quatro, constituindo o terceiro o remanescente da mesma descrição, com o valor global atribuído de cento e cinquenta mil euros.

(...) Que entre si acordam que:

A) Os imóveis das verbas um e dois ficam a pertencer ao primeiro outorgante, D..., no valor de atribuído de cinquenta mil e quatrocentos euros e, assim, o da sua quota na compropriedade.

B) E o prédio da verba três fica a pertencer ao segundo outorgante, A..., no valor indicado na sua descrição e, assim, também o correspondente à sua quota na compropriedade. Não há, consequentemente tornas a repor entre si, mas para efeitos fiscais de imposto de SISA e Imposto de selo, leva o primeiro outorgante um excesso de dez mil setecentos e quarenta e cinco euros e vinte e um cêntimos"

135. Como podemos constatar pela análise desta escritura de "Divisão de Coisa Comum" os valores atribuídos no global de 150.000,00€ em nada encontram correspondência no valor de aquisição da escritura de compra e venda no valor de 1,284.400,00€.

136. Da análise releva como facto material e económico que A... fica com a propriedade do artigo inscrito na matriz sob nº..., tendo recebido de D... para o efeito 33,6% de 642.200,006 (valor declarado no pagamento da SISA) do artigo referido no valor de 215.779,20€ e dado em troca 66,4% do artigo ...no valor de 426.420,80 €.

137. Considerando tudo o exposto o valor de aquisição do artigo ... por A... corresponderá:

137.1. A parte adquirida no contrato de compra e venda (66,4%);

137.2. Acrescida da parte adquirida por via do contrato da "Divisão da coisa comum", adquirindo os 33,6% a D...;

137.3. Diminuído da desanexação dos 100 m2 do jardim prevista no contrato da "Divisão da coisa comum" com valor atribuído de 2.900,00€. Considerando que os valores deste contrato em nada se mostram coerentes com o valor do contrato de compra e venda atribuindo à totalidade dos imóveis o valor de 150.00,00€ quando os mesmos foram adquiridos por 1.284.400,00€ para valorizar a parcela de terreno desanexada foi aplicada a proporção obtida pelo valor atribuído 2.900,00€ ao terreno desanexado no total dos bens (150.000,00€), chegando à proporção de 1,9%. Aplicando-a ao valor total dos bens (1.284.400,00€) obtemos o valor de 24.831,73€.

137.4. Acrescido dos impostos não reembolsáveis (SISA) para efeitos de contabilização conforme decorre da NCRF 7 §17 no valor de 41.743,00€.

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138. A ser assim, o valor de aquisição que o SP relevou na contabilidade de 908.277,00€ encontra-se sobreavaliado, sendo o valor correto de 659.111,27€.

139. Nos termos da alínea b) o nº 3 do artigo 10º do CIRS "nos casos de afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida pelo seu proprietário, o ganho só se considera obtido no momento da ulterior alienação onerosa dos bens em causa ou da ocorrência de outro facto que determine o apuramento de resultados em condições análogas."

140. Como já referido no ano de 2016 o SP afeta a uso pessoal o imóvel registado na matriz sob o artigo nº ... da freguesia ... (União de freguesias ... e...), sendo então considerado o ganho neste período conforme decorre da alínea b) o nº 3 do artigo 10º do CIRS.

141. O ganho apurado pela afetação a uso pessoal é sujeita a tributação pela mais-valia, uma vez que consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas resultantes da afetação permanente a fins alheios à atividade exercida de ativos fixos tangíveis. A mais-valia é apurada nos termos dos artigos 46º do CIRC por remissão do artigo 32º do CIRS.

142. As mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição, deduzido das depreciações e amortizações aceites fiscalmente, das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas nos artigos 28º-A e 31º-B e ainda dos valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45º-A, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 31º-A.

143. Nos termos da alínea c) do nº 3 do referido artigo 46º do CIRC considera-se valor de realização no caso de bens afetos permanentemente a fins alheios à atividade exercida, o seu valor de mercado.

144. Para quantificar o valor de mercado o SP apresenta uma avaliação efetuada por perito avaliador (E... avaliador da Lista oficial da DGAJ do Distrito Judicial do Porto NIF...) em 2017-03-15 nomeadamente do artigo em causa, artigo ... da freguesia ... (União de freguesias de ... e ...), no valor de 700.000,00€ (folhas 2 a 5 do Anexo XII). No entanto a afetação do bem ao património pessoal ocorreu em 2016, tendo o SP decidido atribuir o valor de 738.000,00€ .

145. Considerando estes valores temos então o cálculo da mais-valia ou menos-valia declarada e fiscal conforme quadro seguinte:

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146. O SP procedeu à dedução no Anexo C à Modelo 3 da mais-valia contabilista no valor de 6.836,88€ e não acresceu/deduziu qualquer valor da mais/menos valia fiscal.

147. Considerando o valor da mais-valia fiscal apurada propõe-se acrescer no campo 434 do Quadro 4 do Anexo C o valor de 101.298,52€.

 

III.A.6 Conta 64.2.2 "Gastos de depreciações e amortizações- Ativos fixos tangíveis-Edifícios out. construções"

III.A.6.1 Período 2015

148. Considerando a conclusão obtida no ponto anterior (III.A.5) relativamente ao valor de aquisição do imóvel registado na contabilidade, torna-se necessário proceder à correção do valor das depreciações registadas contabilisticamente com base no valor de aquisição sobreavaliado. Partindo então do valor de aquisição apurado nos termos descritos no ponto anterior verifica-se que há lugar apenas a depreciações aceites fiscalmente no valor de 9.886,67 €.

149. Propõe-se então a correção do gasto no valor de 3.737,48€.

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(...)

IX - Direito de Audição

172. Através do ofício nº..., de 2018-09-11, foi remetido o projeto de relatório para, querendo, o sujeito passivo exercer, em 25 dias, o direito de audição previsto nos artigos 60º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira e artigo 60º da LGT.

173. Em 08 de outubro de 2018 através de entrada nº 2018E..., o contribuinte exerceu o seu direito de audição apresentando exposição escrita dirigida à Diretora de Finanças de Braga, alegando resumidamente o seguinte:

174. Não concorda com as propostas de correções à matéria coletável dos anos 2015 e 2016.

175. Quanto à correção proposta no ponto III A.5.1 do presente relatório relativa à mais-valia acrescida no valor de 101.298,52€ entende que a mesma não tem qualquer fundamento pelas razões seguintes:

175.1. O prédio em causa foi adquirido em 04-07-2003, em conjunto com outros prédios, em comunhão de propriedade entre o contribuinte A... e D... por 1.284.000.00€.

175.2. A SISA foi paga em duas tranches cada um com valor base de 632.000,00€ (50% dos prédios), no total de 1.284.000,006.

175.3. Imediatamente após a escritura de compra em compropriedade foi efetuada uma escritura de divisão de coisa comum entre os dois adquirentes, através da qual o contribuinte ficou com uma parte do prédio, correspondente a 66,4% do valor deste 852.841,60€, conforme escritura que juntou como documento 4.

175.4. De igual as SISA pagas 83.486,00€ foram afetas a cada um dos compradores na mesma proporção competindo ao signatário conforme documento 5 que junta: 66,4% * 83.486,00€ = 55.435,40€.

175.5. Conclui assim que o valor de aquisição do prédio em 2003 foi de 908.277,00€ e não de 632.200€ (mais sisa) como considerado, no presente relatório de inspeção (pontos 136 a 144).

175.6. Face a estes pressupostos o SP solicita que o valor de aquisição não seja alterado, e as consequências que advêm em termos de conclusões do relatório, nomeadamente a correção ao valor das depreciações (3.737,48€) conforme ponto 148 do relatório.

176. Quanto às correções meramente aritméticas relativas a Estadas e transportes o SP argumenta que:

176.1. Os estabelecimentos do requerente são estabelecimentos de moda.

176.2. Sendo absolutamente essencial que as lojas acompanhem as tendências internacionais.

176.3. O requerente tem necessidade de viajar para fazer contactos comerciais e analisar as últimas tendências da moda.

176.4. Bem como visitar as boutiques de referência do setor.

176.5. De acordo com o SP as viagens cujos gastos foram objeto de correção tiveram esse objetivo.

176.6. A viagem da Drª B... (fatura 1150033588 de 02-02-2015) foi também ela destinada a prospeção no Brasil para dinamização de vendas online relacionadas com o grupo C... . Para o efeito junta documento 6 que consiste em Declaração datada de 02 de fevereiro de 2012 passada pelo SP através da qual declara que a Drª B... é consultora não remunerada do SP desde 1996.

176.7. Acresce ainda que as vendas para o Brasil até ao momento totalizam 87.180,00€.

176.8. Quanto à fatura nº 1/804 de 03-01-2016 da F..., o pagamento da estadia ... , destinou-se à organização e acompanhamento de um evento de fim de ano com um conjunto restrito de clientes do SP;

176.9. Relativamente a outras correções o SP informa que as mesmas se encontram em análise no sentido de ponderar as possibilidades de reclamação/impugnação.

177. As alegações efetuadas pelo contribuinte em sede de exercício do direito de audição merecem-nos as seguintes considerações:

178. Quanto às alegações da discordância com a correção proposta no valor da mais-valia acrescida:

178.1. Efetivamente o prédio em causa foi adquirido em 04-07-2003, em conjunto com outros prédios, em comunhão de propriedade entre o contribuinte A... e D... pelo valor global de 1.284.400.00€. A saber os prédios adquiridos foram os prédios inscritos na matriz sob os artigos ... e ..., ambos da freguesia de ... (Anexo IX).

178.2. Sendo a quota-parte de A... 66,4% e de D... 33,4%.

178.3. De acordo com esta escritura A... adquire 66,4% do prédio inscrito na matriz com o nº ... e 66,4% do prédio inscrito na matriz com o nº ... que proporcionalmente totalizam, ambos, 852.841,60 € (1.284.400,00€ x 66,4%).

 

179. Verificamos que pela presente escritura não é atribuído valor individualizado a cada imóvel (artigo ... e ...).

180. Contudo para efeitos de tributação de SISA houve necessidade de quantificar o valor de transmissão de cada bem imóvel como decorre dos seguintes termos:

180.1. A data da realização desta operação de transmissão de bens imóveis estava em vigor Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41969, de 24 de Novembro de 1958. De acordo com o artigo 1º deste diploma são sujeitas a sisa e a imposto sobre as sucessões e doações, as transmissões perpétuas ou temporárias dos bens, qualquer que seja o título por que se operem. E nos termos do artigo 2º a sisa incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis. O artigo 8º vem ainda acrescer que em virtude do disposto no artigo 2.º são sujeitas a sisa, nomeadamente "As transmissões por compra e venda, troca, renda perpétua, renda vitalícia, arrematação, adjudicação por acordo ou decisão judicial, constituição de usufruto, uso ou habitação, direito de superfície e servidão" No capítulo III - Determinação da matéria coletável o artigo 19º define que a sisa incidirá sobre o valor por que os bens forem transmitidos, esclarecendo o nº 2 do referido artigo que o valor dos bens será o preço convencionado pelos contratantes ou o valor patrimonial, se for maior.

180.2. De acordo com o conhecimento de SISA nº .../2003 constante na Folha 2 do anexo X foi declarado como valor de transmissão do artigo ... o valor de 642.200,00€ e de acordo com o conhecimento de SISA nº .../2003 constante na Folha 3 do anexo X foi declarado como valor de transmissão do artigo ... o valor de 642.200,00€.

180.3. Portanto a SISA não terá sido paga em duas tranches, tal como referido em direito de audição no ponto 5 pelo SP, nem tal seria possível nos termos preceituados do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações, mas terá sido paga SISA pela transmissão onerosa de dois bens imóveis aos quais, os contratantes atribuíram o valor de 642.200,00€ a cada um deles.

181. Então, de acordo com a escritura de compra e venda, A... adquiriu:

181.1. 66,4% do prédio inscrito na matriz sob o nº ... e cujo valor de transmissão

convencionado pelos contratantes, conforme conhecimento de SISA nº .../2003, é de 642.200,00€, conferindo-lhe a proporção de 426.420,80€.

181.2. e ainda 66,4% do prédio inscrito na matriz sob o nº ... e cujo valor de transmissão convencionado pelos contratantes, conforme conhecimento de SISA nº .../2003, é de 642.200,00€, conferindo-lhe a proporção de 426.420,80€. 181.3. Totalizando ambos os prédios o valor de 852.841,00 €.

 

182. Contudo o SP apresenta escritura de "Divisão de Coisa Comum" datada do mesmo dia, 04-07-2003 (Anexo XI folhas 2 a 5), através da qual os adquirentes da escritura acima descrita declaram que "não lhes convindo continuar na situação de compropriedade, pela presente escritura procedem à divisão do dito prédio em três imóveis que são:

UM- Prédio urbano composto por rés-do-chão e dois andares,..., destinado a habitação e comércio, sito na Rua ..., para onde tem os números de policia 99,103,105,109 e 111,..., e inscrito na matriz sob o artigo..., com o valor patrimonial tributário de € 47.453,98€ e o atribuído de quarenta e sete mil e quinhentos euros.

Dois - Parcela de terreno, com a área de cem metros quadrados, a destacar do primitivo jardim do prédio da verba três, ..., com o valor atribuído de dois mil e novecentos euros e que se destina a logradouro do prédio da verba um.

Três - Prédio urbano composto por casa de rés-do-chão e dois andares, ..., sito na Rua ..., com os números de policia 17, 19 e 21,..., e inscrito na matriz sob o artigo ..., com o valor patrimonial de € 68.507,81 e o atribuído de noventa e nove mil e seiscentos euros.

Os dois primeiros a desanexar do prédio da citada descrição na Conservatória número duzentos e trinta e quatro, constituindo o terceiro o remanescente da mesma descrição, com o valor global atribuído de cento e cinquenta mil euros.

(...) Que entre si acordam que:

C) Os imóveis das verbas um e dois ficam a pertencer ao primeiro outorgante, D..., no valor de atribuído de cinquenta mil e quatrocentos euros e, assim, o da sua quota na compropriedade.

D) E o prédio da verba três fica a pertencer ao segundo outorgante, A..., no valor indicado na sua descrição e, assim, também o correspondente à sua quota na compropriedade.

Não há, consequentemente tornas a repor entre si, mas para efeitos fiscais de imposto de SISA e Imposto de selo, leva o primeiro outorgante um excesso de dez mil setecentos e quarenta e cinco euros e vinte e um cêntimos"

183. Como podemos constatar pela análise desta escritura de "Divisão de Coisa Comum" os valores atribuídos no global de 150.000,00€ em nada encontram correspondência no valor de aquisição da escritura de compra e venda no valor de 1.284.400,00€. Pelo que não se pode concluir por este documento como é pretensão do SP no ponto 6 do direito de audição que o valor da parte do prédio que lhe caberá será 852.841,60€, quando muito seria no valor de 99.600,00€ (valor atribuído ao prédio da verba 3).

184. Da análise da escritura de "Divisão de Coisa Comum" releva como facto material e económico que A... fica com a propriedade do artigo inscrito na matriz sob nº ..., tendo recebido para o efeito de D... 33,6% de 642.200,00€ (valor declarado no pagamento da SISA) do artigo referido no valor de 215.779,20€ e dado em troca 66,4% do artigo ... no valor de 426.420,80 €.

185. Considerando tudo o exposto o valor de aquisição do artigo ... por A... corresponderá:

185.1. A parte adquirida no contrato de compra e venda (66,4%) no valor de 426.420,80€;

185.2. Acrescida da parte adquirida por via do contrato da "Divisão da coisa comum", adquirindo os 33,6% a D... no valor de 215.779,20€;

185.3. Diminuído da desanexação dos 100 m2 do jardim prevista no contrato da "Divisão da coisa comum" com valor atribuído de 2.900,00€. Considerando que os valores deste contrato em nada se mostram coerentes com o valor do contrato de compra e venda atribuindo à totalidade dos imóveis o valor de 150.00,00€ quando os mesmos foram adquiridos por 1.284.400,00€ para valorizar a parcela de terreno desanexada foi aplicada a proporção obtida pelo valor atribuído 2.900,00€ ao terreno desanexado no total dos bens (150.000,00€), chegando à proporção de 1,9%. Aplicando-a ao valor total dos bens (1.284.400,00€) obtemos o valor de 24.831,73€.

185.4. Acrescido dos impostos não reembolsáveis (SISA) para efeitos de contabilização conforme decorre da NCRF 7 §17 no valor de 41.743,00€.

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186. Por tudo o exposto, nomeadamente nos pontos 136 a 144 do presente relatório que não foram considerados no relatório por lapso, reitera-se:

186.1. o valor correto de aquisição do artigo inscrito na matriz sob o nº... é de 659.111,27€;

186.2. a correção do valor da mais valia fiscal a acrescer no campo 434 do Quadro 4 do Anexo C no valor de 101.298,52€;

186.3. A correção das depreciações aceites fiscalmente no ano 2015 no valor de 3.737,48€.

187. Quanto às alegações apresentadas relativamente às correções meramente aritméticas dos gastos com estadas e transportes

188. As deslocações e estadas são despesas suportadas quando se estiver perante encargos com transporte, estadas, refeições suportadas com trabalhadores dependentes da empresa por motivos de deslocação destes fora do local de trabalho mediante a apresentação de um documento comprovativo.

189. O gasto das despesas de deslocação e estada são aceites fiscalmente na totalidade, No entanto, para que as mesmas sejam aceites é necessária a verificação de determinados requisitos nomeadamente:

189.1. a identificação do trabalhador que efetuou a despesa.

189.2. bem como o justificativo da deslocação.

190. Quanto à identificação do trabalhador que efetuou a despesa: o documento suporte ao gasto registado pelo SP identifica como a pessoa que efetuou a despesa a DrºB... . A Drª B... não é trabalhadora dependente da A... (A...), sendo sujeito passivo B como NIF... .

191. Em direito de audição o SP vem declarar que a Drª B... é consultora não remunerada do SP desde 1996.

192. A figura de "consultora não remunerada" não consubstancia trabalho dependente conforme definição no art.º 2.º do CIRS: trabalho por conta de outrem, nas situações em que existe uma relação jurídica de trabalho subordinado.

193. Quanto ao justificativo da deslocação: o SP vem esclarecer que a viagem da Drª B... a Curitiba foi também ela destinada a prospeção no Brasil para dinamização de vendas online relacionadas com o grupo C... .

194. Ora no modelo de negócio das vendas online da C... o papel da dinamização de vendas cabe à C..., só assim fazendo sentido o pagamento da comissão pelo SP a esta empresa. Tal como esclarecido por G..., fundador e CEO da C...  numa entrevista de 2013 no ... este percebeu a necessidade de dar às boutiques de moda independentes, uma presença de vendas online: "Conversamos com dezenas de donos de boutiques e o que eles relatavam fazia muito sentido. O negócio não ia bem, já não era possível confiar somente nas vendas locais, mas eles não tinham a experiência para entrar no mundo online. Eles tinham enorme visão e muito bom gosto, mas precisavam de um ambiente seguro." Foi por essa razão que G... decidiu criar o site C..., para permitir que pequenas boutiques independentes pudessem competir no mercado mantendo suas lojas físicas, mas criando uma identidade visual própria. Um artigo de 2013 no ... resumiu: "A C... valoriza as 'raízes de tijolos e argamassa' permitindo que boutiques independentes mantenham sua identidade, ao mesmo tempo que promove um aumento de suas posições no mercado mundial." Para o CEO era óbvio que as boutiques e as marcas de pequena e média dimensão iam ter muitas dificuldades em construir essas plataformas individualmente. [A C...] é uma cooperativa digital. "Juntámos os melhores criadores de moda, as melhores boutiques, e criemos um conjunto de serviços que seria muito difícil eles terem individualmente com qualidade e alcance mundial. O trabalho da C... consiste em criar materiais de promoção -produções fotográficas, fotografia - e garantir a ponte entre clientes e fornecedores.

195. Ou seja a imagem visualizada pelos clientes através da plataforma online da C... é das marcas e não das boutiques que as comercializa. Inclusive o cliente que compra na plataforma online da C... desconhece qual a boutique que vai expedir o produto por ele adquirido.

196. Quanto à fatura nº 1/804 de 03-01-2016 da F..., o SP veio esclarecer em direito de audição que o pagamento da estadia destinou-se à organização e acompanhamento de um evento de fim de ano, em abstrato, com um conjunto restrito de clientes do SP. Atento o facto que não são funcionários do SP, então, estaríamos perante despesas de representação sujeitas a tributação autónoma e não encargos com deslocações. Considerando que não foram identificados os clientes apenas refere "um conjunto restrito de clientes" não é aceite fiscalmente como gasto.

197. Assim, mantêm-se as correções propostas nos pontos III.A.2.1 do presente relatório no valor de 1.039,006 e no ponto III.A.2.2 no valor de 1.853,00€.

198. Em suma, da análise ao exercício de direito de audição, a conclusão a retirar é que o sujeito passivo não carreou ao procedimento prova documental que contrarie as correções propostas e notificadas ao sujeito passivo mediante projeto de relatório, pelo que as mesmas se mantêm conforme propostas.

199. Os anexos não são remetidos ao contribuinte, considerando que tomou conhecimento dos mesmos no âmbito do projeto de relatório de inspeção tributária.

 

  1. Os Requerentes exerceram o direito de audição sobre o projecto de Relatório da Inspecção Tributária nos termos que constam da 2.ª parte do processo administrativo (páginas 53 e seguintes);
  2. Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu:

– relativamente ao ano de 2015: a demonstração de liquidação de IRS n.º 2018..., a demonstração de liquidação de juros n.º 2018 ... e da demonstração de acerto de contas n.º 2018...;

– relativamente ao ano de 2016: a demonstração de liquidação de IRS n.º 2018 ... e a demonstração de liquidação de juros n.º 2018 ...

(documentos n.ºs 4 a 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

 

  1. Os Requerentes apresentaram reclamação graciosa das liquidações, que foi indeferida (páginas 156 e seguintes e 170 e seguintes da parte que do processo administrativo, cujos teores se dão como reproduzidos);
  2. Os Requerentes interpuseram recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que foi indeferido (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. O Requerente A... celebrou as escrituras que constam dos documentos n.ºs 9 e 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, relativas ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número..., que incluía duas casas, uma inscrita na matriz predial sob o artigo ... e outra inscrita na matriz predial sob o n.º...;
  4. Foi paga sisa nos termos que constam de páginas 66 a 69 do processo administrativo cujo teor se dá como reproduzido, relativamente à aquisição de cada uma das casas a que correspondiam os dois artigos matriciais que integravam o prédio;
  5. A aquisição do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número..., a que correspondiam os artigos matriciais n.º ... e n.º..., foi feita em conjunto pelo Requerente A... e por D..., seguida de divisão de coisa comum, por imposição dos vendedores, que apenas vendiam o prédio na totalidade (declarações de parte de A...);
  6. O Requerente A... apenas estava interessado em adquirir a parte do prédio com que ficou na sequência da divisão de coisa comum e o outro comprador, D..., apenas estava interessado em adquirir a parte com que ficou na sequência dessa divisão, partes essas que já ocupavam antes da aquisição (declarações de parte de A...);
  7. A Requerente B... é colaboradora não remunerada da empresa do Requerente A... exercendo funções de consultora e deslocando-se ao estrangeiro para colaborar na escolha de colecções, para além de ter colaborado na página informática da empresa (declarações de parte de A... e depoimento da testemunha H...);
  8. Os estabelecimentos do Requerente A... vendem produtos de moda de muito alta qualidade, destinados a clientes que pretendem adquirir peças exclusivas, que se desvalorizam rapidamente (declarações de parte de A... e depoimento da testemunha H...);
  9. Cada nova colecção de peças é comprada a cada seis meses e é vendida ao preço inicial durante cerca de quatro meses, passando depois a serem vendidas as peças a preço de saldo com 30% a 40% de desconto durante dois meses, findos os quais passam para o outlet onde são vendidas, no máximo a 50% do preço inicial, havendo peças que não é possível vender (declarações de parte de A... e depoimento da testemunha H...);
  10. O Requerente A... tinha muito boa gestão de stocks, possuindo fichas relativas a cada peçam onde registava as alterações do seu valor, sendo as imparidades registadas na conta 51, reconhecidas como perdas efectivas e definitivas (depoimento da testemunha I...);
  11. Os Requerentes apresentaram a declaração de IRS, com mapa de amortizações, relativa ao ano de 2016 que consta dos documentos n.ºs 11 e 12 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
  12. As mercadorias existente armazém 2 (outlet) foram vendidas, em Junho e Julho de 2018, em saldo, a consumidores identificados e individualizados, cujo montante global, ascendeu a 10.414,00€ (facto afirmado pela Requerente no artigo 76.º do pedido de pronúncia arbitral e não questionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira);
  13. Em 23-12-2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos dados como provados baseiam-se nos documentos juntos pelos Requerentes e os que constam do processo administrativo e, nos pontos indicados nas declarações de parte e nos depoimentos das testemunhas.

 A testemunha H... é funcionária da empresa do Requerente A... desde 1993, mostrando perfeito conhecimento da sua actividade.

A testemunha I... é revisor oficial de contas que examinou a documentação contabilística da empresa do Requerente A... .

A Autoridade Tributária e Aduaneira, nas suas alegações, diz, relativamente à testemunha I..., que «não entende o motivo da sua inquirição, uma vez que o mesmo não tem qualquer vínculo laboral com os Requerentes», mas, obviamente, não é condição da prestação de depoimento.

Por outro lado, a testemunha veio dizer o que observou na contabilidade da empresa, através do exame da respectiva documentação, como fez a Autoridade Tributária e Aduaneira ao elaborar o Relatório da Inspecção Tributária.

De qualquer forma, a lei confere os sujeitos passivos o direito de indicarem testemunhas [artigos 10.º, n.º 2, alínea d), do RJAT e 115.º, n.º 1, e 118.º do CPPT] e, no uso desse direito, podem indicar as testemunhas que entenderem, desde que não se verifiquem as inabilidades previstas nos artigos 495.º e 496.º do CPC e não excedam as limitações previstas no artigo 118.º, n.º 1, do CPPT, não estando a indicação de testemunhas dependente dos motivos pelos quais os sujeito passivo entendem indicá-las.

Tanto as testemunhas como o declarante A... aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos dados como provados com base nas declarações e depoimentos.

No que concerne às vendas das mercadorias existentes no armazém 2 (outlet), a Autoridade Tributária e Aduaneira, para além de não questionar a afirmação dos Requerentes sobre as vendas de mercadorias em Junho e Julho de 2018, refere ainda, na decisão da reclamação graciosa: «Em relação às listagens apresentadas, não nos parece que as mesmas possam suportar a sobrevalorização do CMV. Estas listagens referem-se apenas aos artigos em stock no armazém 2 e que em 2016 e 2017 estava valorizado por €5.015,00 e que de acordo com o documento apresentado foi vendido em 2018 por €10.414,00 (valor superior ao contabilizado)» (página 161 da 1.ª parte do processo administrativo).

As listagens que foram apresentadas não estão juntas ao processo administrativo, mas para além de a Autoridade Tributária e Aduaneira na decisão da reclamação graciosa também não contestar a correspondência à realidade das listagens a que alude, aceita-a implicitamente na decisão do recurso hierárquico, ao dizer no ponto 80 da fundamentação: «80-Por fim, quanto à venda de mercadorias em junho e julho de 2018, a mesma só tem relevância no referido período de tributação, e não nos exercícios dos anos em análise» (página 45 da 1.ª parte do processo administrativo), afirmação esta que repete no artigo 82.º da Resposta que apresentou no presente processo.

Não se provou que outras mercadorias, para além das existentes no outlet tivessem sido vendidas em anos posteriores a 2016 a preços inferiores aos custos de aquisição.

 

 

3. Matéria de direito

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção aos Requerentes em que efectuou várias correcções em matéria de IRS e IVA, sendo apenas algumas -as impugnadas no presente processo, designadamente as respeitantes:

 

– a alienações de imobilizações corpóreas, que inclui correcções relativas a mais-valias e a gastos de depreciação;

– custo das mercadorias vendidas;

– deslocações e estadas.

 

Além dos vícios de violação de lei relativos a cada uma das correcções que impugnam, os Requerentes invocam o vício de falta de fundamentação.

Este último, como se infere dos fundamentos invocados, reporta-se apenas às correcções relativas ao custo das mercadorias vendidas.

 

 

3.1. Alienações de imobilizações corpóreas, que inclui correcções relativas a mais-valias (€ 101 298,52) e a gastos de depreciação (€ 3.737,48)

 

A questão é a seguinte, em suma:

– em 2003, o Requerente A... adquiriu em comum com D..., nas proporções de 66,4% e 33,6%, duas casas, a que correspondiam os artigos matriciais ... e ..., mas que integravam um único prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º...;

– a aquisição das duas casas foi feita pelo valor de 1.284.400,00€, tendo o Requerente A... feito o pagamento de € 852.841,60 (66,4% daquele valor);

– pela aquisição, foram feitos dois pagamentos de sisa, um relativo a cada um dos artigos matriciais, tendo o Requerente A... feito o pagamento de 66,4% do valor global da sisa referente aos dois artigos;

– na mesma data da aquisição foi celebrada escritura de divisão de coisa comum, na sequência da qual o Requerente A... ficou com a parte do prédio relativa ao artigo ... que veio a registar na sua contabilidade; 

– o imóvel adquirido pelo Requerente A... foi quantificado na contabilidade da empresa pelo valor total de 908.277,00€ dos quais 681.207,23€ correspondem ao edifício e 227.069,77 correspondem ao terreno;

– o valor de aquisição constante na contabilidade resulta da parte obtida pelo contrato de compra e venda de 66,4% de 1.284.400,00€, seguido de divisão de coisa comum, considerando ainda a mesma percentagem dos dois pagamentos de sisa efectuados pelo Requerente A...;

– no período de 2016 o Requerente A... afectou a uso pessoal o imóvel registado na matriz com sob o artigo nº ... da freguesia ... (União de freguesias de ... e...) com origem no artigo ... da freguesia extinta ... ... (...);

– a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, que apenas releva para determinação do valor de aquisição o que o Requerente A... despendeu relativamente ao artigo matricial n.º ... (actual artigo n.º...), que consta da contabilidade do Requerente, isto é, € 426.420,80, que corresponde a 66,4% do valor que foi atribuído a este artigo para efeitos de pagamento de sisa (€ 642.200,00), acrescido da mesma percentagem de 66,4 % da sisa paga relativamente à aquisição deste artigo;

– os Requerentes entendem que, como valor de aquisição, deve ser considerado tudo o que Requerente A... despendeu para obter o imóvel referido, considerando a inicial aquisição em conjunto com o imóvel a que corresponde o artigo ... e a subsequente divisão de coisa comum, bem como a mesma percentagem de 66,4% das imposições fiscais pagas pela aquisição conjunta dos dois artigos.

 

 A situação fáctica tem particularidades especiais, desde logo, o facto, que resulta das escrituras de aquisição e de divisão de coisa comum, de ter sido adquirido um único prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º..., que era integrado por duas casas com dois artigos matriciais, que foi dividido em três imóveis: um a que correspondia o artigo matricial...; outro a que correspondia o artigo...; e outro constituído por uma parcela de terreno a destacar do jardim do artigo..., destinado a logradouro do prédio com o artigo ... .

O artigo 32.º do CIRS estabelece que, «na determinação dos rendimentos empresariais e profissionais não abrangidos pelo regime simplificado, aplicam-se as regras estabelecidas no Código do IRC, com exceção do previsto nos artigos 51.º, 51.º-A, 51.º-B, 51.º-C e 54.º-A, com as adaptações».

 O artigo 46.º, n.º 2, do CIRC, estabelece que «as mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição, deduzido das depreciações e amortizações aceites fiscalmente, das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas nos artigos 28.º-A e 31.º-B e ainda dos valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45.º-A, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 31.º-A».

Independentemente da forma como foi concretizada a aquisição, através das duas escrituras referidas, a prova produzida leva a concluir que com elas os compradores visaram adquirir para cada um os imóveis que lhes são atribuídos na escritura de divisão de coisa comum, pelos preços que efectivamente pagaram, para os obter.

«As mais-valias decorrentes da transmissão onerosa de direitos reais sobre imóveis correspondem ao ganho obtido com essa transmissão em face do valor da aquisição anterior do mesmo bem» ( [1] )

Por isso, tendo em mente que no direito fiscal se deve preferencialmente atender «à substância económica dos factos tributários» (artigo 11.º, n.º 3, da LGT), como é corolário do princípio da tributação com base na capacidade contributiva, que emana do princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º da CRP), deve considerar-se como valor de aquisição o que o Requerente A... pagou efectivamente para obter a titularidade do imóvel que registou na contabilidade da sua empresa.

Neste caso, infere-se da matéria de facto fixada que, em termos económicos:

– quando entrou no cartório notarial, antes da realização das escrituras, o Requerente A... não tinha o prédio que veio a ser registado na contabilidade da sua empresa;

– despendeu € 55.434,70 com os pagamentos ao Estado de 66,4% de sisa dos dois prédios [(€ 41.743,00+ € 41.743,00) x 66,4%] e despendeu € 852.841,60 com o pagamento aos vendedores de 66,4% do preço de € 1.284.400,00;

– saiu do Cartório Notarial na titularidade do prédio que veio a ser registado na sua contabilidade;

– pelo que se conclui que foi de € 908,276,30 o custo de aquisição do prédio (€ 55.434,70 + € 852.841,60).

 

Em termos mais simplificados, o Requerente A... não tinha o prédio que veio a ser registado na contabilidade, despendeu € 908,276,30 e passou a ser o seu proprietário, pelo que este é o valor real de aquisição.

Pelo exposto, a correcção efectuada relativamente à mais-valia enferma de erro sobre os pressupostos de facto e de direito que justificam a anulação da liquidação relativa ao ano de 2016, na parte em que tem como pressuposto esta correcção.

Pela mesma razão, enferma de erro sobre os pressupostos de facto e de direito a correcção efectuada relativamente a invocado excesso de amortizações, pois elas foram adequadamente efectuadas com base no valor de aquisição registado na contabilidade, que é o correcto.

 

3.2. Correcções relativas a custo das mercadorias vendidas (€ 197.089,77 em 2015 e € 53.340,00 em 2016)

 

Resulta da matéria de facto fixada que a actividade do Requerente A..., de venda de produtos de moda de altos preços gera rápidas imparidades das mercadorias que tem em stock que, em regra, são vendidas ao preço inicial durante cerca de quatro meses, passando depois a serem vendidas as peças a preço de saldo com 30% a 40% de desconto durante dois meses, findos os quais passam para o outlet onde são vendidas, no máximo a 50% do preço inicial, havendo peças que não é possível vender.

O Requerente A... não registava as imparidades na conta 652 nem lhes dava o tratamento fiscal previsto no artigo 28.º do CIRC, aplicável por remissão do artigo 32.º do CIRS, antes registava as desvalorizações em fichas relativas a cada uma das peças, que eram contabilizadas na conta 61.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu o seguinte, no essencial:

 

84. No caso em apreço, estamos em face de valorização por valor inferior ao custo de aquisição, ou seja pelo valor realizável líquido, mas sem contudo ter sido relevado contabilisticamente o ajustamento dos inventários na conta 652 - Perdas por imparidade em inventários, tal como é preconizado na NCRF18,§34 e 35.

85. A diferença entre o custo de aquisição e a valorização a valor inferior onerou o CMV por via do apuramento de resultados o que não corresponde à verdade material, uma vez que este gasto não é por via da venda do bem mas, a existir, por via do reconhecimento da perda por imparidade do bem em stock em 31-12.

86. Em face do exposto, conclui-se que no ano de 2015 e no ano de 2016 foram considerados gastos no CMV que não correspondem a gastos por via da venda de mercadorias, pelo que não são aceites por via da aplicação do SNC e da aplicação concreta da NCRF 18 e nos termos do artigo 17º do CIRC também não encontra aceitação fiscal.

87. A existir ajustamento do valor dos inventários, deveria ter sido revelada contabilisticamente uma perda por imparidade, o que não aconteceu, não tendo o SP demonstrado os cálculos das estimativas de valor realizável líquido.

(...)

90. Em termos fiscais, são dedutíveis no apuramento do lucro tributável os ajustamentos em inventários reconhecidos no período de tributação até ao limite da diferença entre o custo de aquisição ou de produção dos inventários e o respetivo valor realizável líquido referido à data do balanço, quando este for inferior àquele. Da redação do n.º 4 do art.º 26.º do CIRC, decorre que se considera preço de venda os constante de elementos oficiais ou os últimos que em condições normais tenham sido praticados pelo SP, ou os que, no termo do período de tributação forem correntes no mercado desde que sejam considerados idóneos ou de controlo inequívoco.

(...)

92. No caso em apreço verifica-se que o SP se limitou a alterar o valor de alguns artigos do inventário sem possuir algum documento de suporte idóneo comprovativo do preço de mercado, sem apresentar o respetivo mapa de imparidades nem tão pouco registando contabilisticamente uma imparidade em inventários.

93. Pelo que não sendo possível verificar o cumprimento dos critérios definidos no art.º 28º do CIRC para constituição de uma perda por imparidade, uma vez que a mesma não foi reconhecida contabilisticamente nem mensurada como tal, proceder-se-á à mensuração do inventário final pelo custo retificando consequentemente o respetivo Custo das mercadorias Vendidas e das Matérias Consumidas (CMVMC) (cálculos no Anexo II em DVD).

 

 Os Requerentes defendem o seguinte, em suma:

 

– a empresa, embora não tivesse evidenciado contabilisticamente a referida imparidade, por mera negligência, procedeu de forma direta à referida constituição, não alterando por essa forma o valor inscrito no Balanço, nem o resultado fiscal;

– o Requerente marido tinha uma gestão de stocks muito boa que lhe permitia acompanhar peça a peça até que fosse vendida e que a desvalorização era registada nas fichas de stock;

– a tributação nos termos propostos pela AT consistiria numa manifesta violação do princípio da prevalência da substância sobre a forma;

– segundo o princípio da prevalência da substância sobre a forma, nuclearmente, o que releva, para o direito fiscal, é o apuramento da efectiva realidade, relevante para efeitos de tributação;

– relevar um mero lapso contabilístico quando este não tem qualquer repercussão no resultado fiscal, constituiria uma manifesta violação daquele princípio;

– uma tributação nesses termos seria violadora do princípio da proporcionalidade, da boa-fé, da justiça e da capacidade contributiva;

– os valores constantes do balanço do Requerente são os mesmos, quer se registe numa conta de gastos ou em outra conta também de gastos;

– este reconhecimento directo da desvalorização do valor das mercadorias, em alternativa à criação das imparidades, sendo uma mera incorreção contabilística, sujeita a contra-ordenação punível nesse quadro, em nada altera o valor dos custos das mercadorias sendo neutra no que ao cálculo do resultado tributável respeita;

– a prática da empresa não é violadora do disposto no artigo 28.º do CIRC;

– quanto à determinação do valor realizável líquido (VLR), a AT nenhum esforço realizou para testar a sua adequação, nomeadamente pela análise dos valores de realização destes stocks nos exercícios seguintes, tendo-se bastado com a mera enunciação de aspectos formais;

– sem que tivesse demonstrado de forma clara e inequívoca que os preços determinados em inventário estavam afastados dos preços de mercado, dado que que os valores de venda facturados na liquidação destes bens, em 2018 acabaram por comprovar a justeza das estimativas de perdas;

– os valores considerados pelo contribuinte, com o reconhecimento de uma desvalorização gradual, são os que melhor espelham a sua provável realização (venda), sem que se criem reservas ocultas, possibilitando o princípio contabilístico rei da imagem fiel e da prudência;

– prudência que é consentânea com o sector de actividade onde a empresa opera (venda ao público de vestuário e calçado), onde a moda impera e conduz a alta volatilidade dos preços;

– o artigo 28.º, n.º 2, do Código do IRC refere que se entende por valor realizável líquido o preço de venda estimado no decurso normal da actividade do sujeito passivo nos termos do n.º 4 do artigo 26º, deduzido dos custos necessários de acabamento e venda;

– o Requerente marido sabia que os bens tinham um valor de venda inferior ao seu custo de aquisição, mas não conseguia prever preços de venda que fossem “idóneos ou de controlo inequívoco”;

– não foi possível ao Requerente marido determinar o valor realizável líquido que satisfizesse as condições impostas pelo artigo 28º do Código do IRC, para poder registar perdas por imparidade que pudessem ser aceites fiscalmente.

 

Os Requerentes imputam ainda a estas correcções vício por, em suma, o artigo 17.º do CIRC não ter qualquer referência aos gastos aqui em causa e a NCRF 18 não ser uma norma fiscal, mas contabilística, pelo que fundamentar as correcções nessas normas constitui errada insuficiente fundamentação.

Uma vez que os vícios dos actos de liquidação devem ser apreciados à face da sua fundamentação, é conveniente apreciar desde já este vício e identificar a fundamentação destas correcções.

 

3.2.1. Questão da falta de fundamentação

 

A argumentação dos Requerentes sobre a falta de fundamentação reporta-se às co0rrecções efectuada quanto às desvalorizações das mercadorias, que tiveram reflexo na determinação do lucro tributável dos anos de 2015 e 2016.

A exigência de fundamentação dos actos administrativos lesivos é feita no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, que estabelece, que «carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».

Concretizando o conteúdo da fundamentação no procedimento tributário, o artigo 77.º, n.º 1, da LGT que estabelece a regra geral de que «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária».

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. ( [2] )

Neste caso, a Autoridade Tributária e Aduaneira não baseia as correcções apenas no artigo 17.º do CIRC e na NCRF 18, nem é essa a fundamentação essencial, pois invoca-as apenas para constatar que o Requerente A... não deu às desvalorizações das mercadorias o tratamento previsto nesta norma contabilística, o que nem sequer é controvertido, pois os próprios Requerentes reconhecem que não reconheceram «contabilisticamente a referida imparidade, por mera negligência» (artigo 61.º do pedido de pronúncia arbitral).

Mas, a fundamentação essencial destas correcções não é apenas o incumprimento da NCRF 18, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira refere que não foi observado o disposto nos artigos 26.º, n.º 4, e 28.º do CIRC é a impossibilidade de «verificar o cumprimento dos critérios definidos no art.º 28º do CIRC para constituição de uma perda por imparidade» que justifica a correcção:

 

(...) não sendo possível verificar o cumprimento dos critérios definidos no art.º 28º do CIRC para constituição de uma perda por imparidade, uma vez que a mesma não foi reconhecida contabilisticamente nem mensurada como tal, proceder-se-á à mensuração do inventário final pelo custo retificando consequentemente o respetivo Custo das mercadorias Vendidas e das Matérias Consumidas (CMVMC) (cálculos no Anexo II em DVD).

 

Percebe-se, assim, quais são os fundamentos das correcções, que têm por base normas fiscais, pelo que não se verifica a falta de fundamentação invocada pelos Requerentes.

 

 

3.2.2. Questões de legalidade das correcções relativas a custo das mercadorias vendidas (€ 197.089,77 em 2015 e € 53.340,00 em 2016)

 

O artigo 28.º do CIRC estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 28.º

 

Perdas por imparidade em inventários

 

1 - São dedutíveis no apuramento do lucro tributável as perdas por imparidade em inventários, reconhecidas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores, até ao limite da diferença entre o custo de aquisição ou de produção dos inventários e o respetivo valor realizável líquido referido à data do balanço, quando este for inferior àquele.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por valor realizável líquido o preço de venda estimado no decurso normal da atividade do sujeito passivo nos termos do n.º 4 do artigo 26.º, deduzido dos custos necessários de acabamento e venda.

3 - A reversão, parcial ou total, das perdas por imparidade previstas no n.º 1 concorre para a formação do lucro tributável.

(...)

 

O artigo 26.º, n.º 4, do CIRC, para que remete o n.º 2 do artigo 28.º estabelece o seguinte:

 

4 - Consideram-se preços de venda os constantes de elementos oficiais ou os últimos que em condições normais tenham sido praticados pelo sujeito passivo ou ainda os que, no termo do período de tributação, forem correntes no mercado, desde que sejam considerados idóneos ou de controlo inequívoco.

 

           

Não há controvérsia sobre o incumprimento do reconhecimento contabilístico de perdas imparidade.

Porém, o fundamento das correcções não é apenas o incumprimento das obrigações contabilísticas, mas esse incumprimento associado à impossibilidade de «verificar o cumprimento dos critérios definidos no art.º 28º do CIRC para constituição de uma perda por imparidade».

Identificados desta forma os fundamentos destas correcções, eles radicam nos requisitos substantivos fiscais do reconhecimento de imparidades, pelo que não ocorre violação dos princípios da proporcionalidade, da boa-fé, da justiça e da capacidade contributiva, que os Requerentes invocam no pressuposto de que teria sido dada prevalência à forma sobre a substância, concretamente de que teria sido o incumprimento da NCRF o fundamento exclusivo destas correcções relativas ao custos das mercadorias.

A questão essencial é, assim, a de saber se se comprovaram os requisitos substantivos do reconhecimento fiscal de perdas por imparidade.

Por um lado, o facto de o Requerente A... manter fichas individualizadas em que registava as desvalorizações relativas a cada peça permitia saber exactamente todas as desvalorizações que foram efectuadas.

Porém, o artigo 28.º do CIRC impõe que seja apurado o «valor realizável líquido referido à data do balanço», que é o «preço de venda estimado no decurso normal da atividade do sujeito passivo nos termos do n.º 4 do artigo 26.º, deduzido dos custos necessários de acabamento e venda».

Os Requerentes defendem que «quanto à determinação do valor realizável líquido (VLR), a AT nenhum esforço realizou para testar a sua adequação, nomeadamente pela análise dos valores de realização destes stocks nos exercícios seguintes», mas o certo é a Autoridade Tributária e Aduaneira refere no Relatório da Inspecção Tributária que «para os produtos valorizados a valor inferior ao de custo foi verificado se existiam compras» (ponto 66) e as desvalorizações em causa eram deste tipo (ponto 84 do Relatório da Inspecção Tributária).

Assim, se existiam nos exercícios seguintes vendas de mercadorias cujas desvalorizações foram registadas em 2015 e 2016, o Requerente A... deveria ter informado a Autoridade Tributária e Aduaneira dessas alegadas vendas.

Ora, essa informação não foi dada à Autoridade Tributária e Aduaneira, como se vê, inclusivamente, através do exercício do direito de audição sobre o Relatório da Inspecção Tributária, em que os Requerentes nada disseram sobre estas correcções relativas às desvalorizações das mercadorias, limitando-se a dizer que «as mesmas se encontram em análise no sentido de ponderar as possibilidades de reclamação/impugnação» (ponto 176.9 do Relatório da Inspecção Tributária).

É certo que, posteriormente, na reclamação graciosa, os Requerentes fazem referências aos produtos que estavam no armazém 2 (outlet), que não apresentavam variações nas quantidades (1723 unidades), e afirmam que eles foram vendidos em Junho e Julho de 2018, em saldo, a consumidores identificados e individualizadas, o que foi dado com provado.

Mas, em relação a outras vendas de produtos desvalorizados, os Requerentes nada alegaram nem provaram quanto a vendas concretas, nem mesmo no presente processo.

Assim, apenas em relação às vendas efectuadas relativamente a mercadorias existentes no armazém se pode entender haver fundamentos probatórios suficientes para considerar demonstrado que ocorreram as desvalorizações registadas nos anos de 2015 e 2016, uma vez que a comprovação das vendas a preços inferiores aos custos realizadas em 2018 justifica que se presuma, à face das regras da experiência, que correspondiam à realidade as desvalorizações que o Requerente A... registou em 2015 e 2016, até ao limite do preço obtido.

Relativamente ao outlet as unidades e stock mantiveram-se entre 31-12-2014 e 31-12-20216 (1723 unidades, como se vê pelo mapa desde ponto 70 do Relatório da Inspecção Tributária), o custo de aquisição era de € 166.200,35, tendo sido registadas as desvalorizações de € 98.111,63 em 2015 (o valor atribuído ao stock em 31-12-2015 era de € 68.088,72) e de € 63.073,72 em 2016 (o valor atribuído ao stock em 31-12-2016 era de € 5.015,00).

No que concerne à desvalorização registada em 2015, no montante de € 98.111,63 (de € 166.200,35 para € 68.088,72, que corresponde a 40,97%) afigura-se não ser excessiva a desvalorização registada pelo Requerente A..., pois resulta da matéria de facto fixada e as vendas no outlet são efectuadas a 50% do preço inicial.

Como o valor obtido nas vendas de 2018 das mercadorias do outlet foi de € 10.414,00, não há fundamento para crer que o valor atribuído ao stock em 31-12-2016 fosse apenas de € 5.015,00, pois, na própria tese dos Requerentes, as mercadorias não se valorizam com a passagem do tempo, antes se desvalorizam. Por isso, a desvalorização em 2016 será de € 57.674,72 [€ 68.088,72 (que era o valor contabilizado em 31-12-2015) - € 10.414,00 (que foi o valor obtido com a venda dessas mercadorias)]. Como a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção no valor de € 53.340,00 relativamente à totalidade das desvalorizações contabilizadas relativamente a 2016, inferior à que se verificou só no outlet, conclui-se que toda a correcção relativa ao custo das mercadorias no ano de 2016 deve ser anulada.

Pelo exposto, procede o pedido de pronúncia arbitral quanto a estas correcções apenas quanto ao valor de € 98.111,63 em 2015 (improcedendo quanto ao valor restante desta correcção, que é de € 98.978,14) e quanto ao valor de € 53.340,00 em 2016.

 

 

3.3. Despesas de deslocações (estadas e transportes)

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcções relativas a despesas de deslocações e estadias contabilizadas pelos Requerentes.

 

3.3.1. Despesas de viagem ao Brasil – período de 2015: € 1.039,00

 

Relativamente ao período de 2015, está em causa uma despesa no montante de € 1.039,00, relativa a viagem ao Brasil da Requerente B... .

Da prova produzida resulta que a Requerente B... era colaboradora não remunerada da empresa do Requerente A..., exercendo funções de consultora e deslocando-se ao estrangeiro para colaborar na escolha de colecções.

A Autoridade Tributária e Aduaneira fundamentou esta correcção dizendo:

101. A Drª B... não é trabalhadora, sendo sujeito passivo B com o NIF ... . Além de tal facto o SP não tem fornecedores no Brasil. Logo o gasto não é gasto do SP, trata-se de um encargo da esfera pessoal.

102. Assim, os gastos contabilizados na conta 62.5.1.2.1 "Desloc. Estadas e Transportes- Deslocações e Estadas- Território Estrangeiro- n/ conf dir dedução" no valor total de 1.039,00€ não constituem gasto do SP pois não foi incorrido ou suportado para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC conforme decorre do artigo 23º do CIRC por remissão do artigo 32º do CIRS.

 

No exercício do direito de audição, os Requerentes disseram que a viagem da Requerente B... foi «destinada a prospeção no Brasil para dinamização de vendas online relacionadas com o grupo C...» e que essas vendas totalizavam € 87.180,00 (pontos 176.6 e 176.7 do Relatório da Inspecção Tributária).

A Autoridade Tributária e Aduaneira manteve a correcção, com a seguinte fundamentação

188. As deslocações e estadas são despesas suportadas quando se estiver perante encargos com transporte, estadas, refeições suportadas com trabalhadores dependentes da empresa por motivos de deslocação destes fora do local de trabalho mediante a apresentação de um documento comprovativo.

189. O gasto das despesas de deslocação e estada são aceites fiscalmente na totalidade, No entanto, para que as mesmas sejam aceites é necessária a verificação de determinados requisitos nomeadamente:

189.1. a identificação do trabalhador que efetuou a despesa.

189.2. bem como o justificativo da deslocação.

190. Quanto à identificação do trabalhador que efetuou a despesa: o documento suporte ao gasto registado pelo SP identifica como a pessoa que efetuou a despesa a Drº B... . A Drª B... não é trabalhadora dependente da A... (A...), sendo sujeito passivo B como NIF ....

191. Em direito de audição o SP vem declarar que a Drª B... é consultora não remunerada do SP desde 1996.

192. A figura de "consultora não remunerada" não consubstancia trabalho dependente conforme definição no art.º 2.º do CIRS: trabalho por conta de outrem, nas situações em que existe uma relação jurídica de trabalho subordinado.

193. Quanto ao justificativo da deslocação: o SP vem esclarecer que a viagem da Drª B... a Curitiba foi também ela destinada a prospeção no Brasil para dinamização de vendas online relacionadas com o grupo C... .

194. Ora no modelo de negócio das vendas online da C... o papel da dinamização de vendas cabe à C..., só assim fazendo sentido o pagamento da comissão pelo SP a esta empresa. Tal como esclarecido por G..., fundador e CEO da C... numa entrevista de 2013 no ... este percebeu a necessidade de dar às boutiques de moda independentes, uma presença de vendas online: "Conversamos com dezenas de donos de boutiques e o que eles relatavam fazia muito sentido. O negócio não ia bem, já não era possível confiar somente nas vendas locais, mas eles não tinham a experiência para entrar no mundo online. Eles tinham enorme visão e muito bom gosto, mas precisavam de um ambiente seguro." Foi por essa razão que G... decidiu criar o site C..., para permitir que pequenas boutiques independentes pudessem competir no mercado mantendo suas lojas físicas, mas criando uma identidade visual própria. Um artigo de 2013 no ... resumiu: "A C... valoriza as 'raízes de tijolos e argamassa' permitindo que boutiques independentes mantenham sua identidade, ao mesmo tempo que promove um aumento de suas posições no mercado mundial." Para o CEO era óbvio que as boutiques e as marcas de pequena e média dimensão iam ter muitas dificuldades em construir essas plataformas individualmente. [A C...] é uma cooperativa digital. "Juntámos os melhores criadores de moda, as melhores boutiques, e criemos um conjunto de serviços que seria muito difícil eles terem individualmente com qualidade e alcance mundial. O trabalho da C... consiste em criar materiais de promoção -produções fotográficas, fotografia - e garantir a ponte entre clientes e fornecedores.

195. Ou seja a imagem visualizada pelos clientes através da plataforma online da C... é das marcas e não das boutiques que as comercializa. Inclusive o cliente que compra na plataforma online da C... desconhece qual a boutique que vai expedir o produto por ele adquirido.

 

O artigo 23.º do CIRC estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 23.º

 

Gastos e perdas

 

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

 

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

(...)

d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida, doença ou saúde, e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;

 

 

Como tem decidido o Supremo Tribunal Administrativo, «O conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o art. 23º do CIRC refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados». ( [3] )

À face desta jurisprudência, o facto de não haver uma relação de trabalho dependente entre a Requerente B... e o Requerente A... não tem relevância para afastar a dedutibilidade.

Por outro lado, mesmo que corresponda à realidade o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de que «o papel da dinamização de vendas cabe à C...» e que «a imagem visualizada pelos clientes através da plataforma online da C... é das marcas e não das boutiques que as comercializam», afigura-se que não há qualquer fundamento para excluir a actividade de prospecção que os Requerentes referem, designadamente para identificação do tipo de mercadorias que poderia ter êxito na comercialização no Brasil através da C..., o que se enquadra no âmbito das funções de consultadoria que a Requerente B... desempenhava.

Assim, esta correcção não tem fundamento legal, pelo que se justifica a sua anulação.

 

3.3.2. Despesas de viagem a ... – Beja – período de 2016: € 1.853,00

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou esta correcção porque a despesa «refere-se a gastos com estadia em ...- Beja relativo a 2 Pax encontrando-se identificada como hóspede B... no período de 31/12/2015 a 03/01/2016» e «a Drª B... não é trabalhadora, sendo sujeito passivo B com o NIF ... . Além de tal facto o SP não tem fornecedores em Beja. A estadia indicia tratar-se de passagem de ano, uma estadia de lazer. Desta forma o gasto não é gasto do SP, trata-se de encargo da esfera pessoal».

No exercício do direito de audição, os Requerentes disseram que a estadia «destinou-se à organização e acompanhamento de um evento de fim de ano com um conjunto restrito de clientes do SP».

A Autoridade Tributária e Aduaneira manteve a correcção dizendo que «atento o facto que não são funcionários do SP, então, estaríamos perante despesas de representação sujeitas a tributação autónoma e não encargos com deslocações. Considerando que não foram identificados os clientes apenas refere "um conjunto restrito de clientes" não é aceite fiscalmente como gasto».

As funções que os próprios Requerentes referiram serem desempenhadas pela Requerente B... eram de consultora, designadamente na escolha de colecções, o que não se vislumbra estar relacionado com o evento de fim de ano que os Requerentes referem.

Por isso, não sendo alegado nem demonstrando que a Requerente B... tenha levado a cabo qualquer actividade no interesse da empresa no referido evento de fim de ano, não se podem considerar dedutíveis à matéria tributável as despesas com a sua deslocação a tal evento.

Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral, quanto a esta questão.

 

            3.4. Liquidações de juros compensatórios

 

            As liquidações de juros compensatórios têm como pressupostos as respectivas liquidações de IRS, pelo que enfermam dois mesmos vícios que afectam estas, justificando-se a sua anulação nas partes correspondentes às correcções que devem ser anuladas.

 

            4. Decisão

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às correcções relativas a mais-valias e depreciações (ponto 3.1. deste acórdão) e parcialmente quanto às correcções relativas a custo das mercadorias vendidas, designadamente quanto às existentes no «armazém 2» (outlet) em 31-12-2015 e em 31-12-2016 (ponto 3.2 deste acórdão);
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à correcção relativa a despesas de viagem ao Brasil da Requerente B... (ponto 3.3.1. deste acórdão);
  3. Anular parcialmente a liquidação de IRS n.º 2018..., a liquidação de juros compensatórios n.º 2018 ... e a demonstração de acerto de contas n.º 2018..., relativas ao ano de 2015, apenas na parte em que têm como pressuposto as correcções relativas ao custo das mercadorias vendidas no valor de € 98.111,63 e as despesas de viagem ao Brasil (pontos 3.2.2. e 3.3.1 deste acórdão);
  4. Anular a liquidação de IRS n.º 2018... e a liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., relativas ao ano de 2016, apenas na parte em que têm como pressuposto as correcções relativas as mais-valias e gastos de depreciação (ponto 3.1. deste acórdão) e a correcção relativa ao custo das mercadorias vendidas no valor de € 53.340,00 (ponto 3.2.2. deste acórdão);
  5. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às restantes correcções a absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos, nas partes respectivas.

 

 

5. Valor do processo

 

 

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor € 190.508,86, indicado pelos Requerentes sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

6. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, de harmonia com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

O pedido de pronúncia arbitral procede quanto a correcções no valor de € 275.526,63 (€ 101.298,52 + € 3.737,48 + € 98.111,63 + € 53.340,00 + € 1.039,00) e improcede quanto a correcções no valor de € 100.831,14 (€ 98.978,14 + € 1.853,00), a cargo dos Requerentes na percentagem de 36,60% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 63,40%.

 

Lisboa, 09-08-2021

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

(Arlindo José Francisco)

 

(Manuel Lopes da Silva Faustino)

 



[1] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 488/2021, de 07-07-2021, processo n.º 171/20, na linha do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 211/17, de 02-5-2017, processo n.º 285/15.

[2]              Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes acórdãos do STA: de 4-11-1998, processo n.º 40618; de 10-3-1999, processo n.º 32796; de 6-6-1999, processo n.º 42142; de 9-2-2000, processo n.º 44018; de 28-3-2000, processo n.º 29197; de 16-3-2001, do Pleno, processo n.º 40618; de 14-11-2001, processo n.º 39559; de 18-12-2002, processo n.º 48366.

[3] Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 27-06-2018, processo n.º 01402/17.