SUMÁRIO
À luz do regime das perdas por imparidade em dívidas a receber indicado nos artigos 28.º-A e 28.º-B do CIRC em vigor em 2016 considera-se prova objectiva de imparidade a situação em que uma empresa, mesmo sem confiança em que os pagamentos viessem a ser efectuados por outra entidade, entenda e demonstre ter interesse próprio na continuação dos fornecimentos a essa mesma entidade.
Decisão Arbitral
Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro-presidente), Prof. Doutor Nuno Cunha Rodrigues e Dra. Raquel Franco, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 13-01-2021, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A. (doravante abreviadamente designada por “A...” ou “Requerente”), identificada pelo n.º de pessoa coletiva (NIPC)..., com sede no ..., N.º..., ..., ..., ..., ...-... ..., veio, na qualidade de sociedade dominante do grupo de sociedades tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), formulando os seguintes pedidos:
– a aceitação fiscal das perdas por imparidade sobre créditos comerciais contabilizadas pela requerente no período de tributação de 2016, no valor de €325.875,90;
– a anulação da correcção preconizada, ao nível do lucro tributável individual da requerente e do RETGS, no mesmo montante, com os consequentes efeitos ao nível da coleta de IRC, derrama estadual e da derrama municipal que se mostram devidos por referência ao período de tributação de 2016;
– a anulação (parcial) da demonstração de liquidação de IRC n.º 2019..., de 23 de outubro de 2019, e respetiva demonstração de liquidação de juros, ambas associadas à demonstração de acerto de contas n.º 2019..., com a compensação n.º 2019..., de 25 de outubro de 2019; e
– a restituição do imposto integralmente pago, acrescido de juros indemnizatórios contados da data da realização do referido pagamento, em 30 de janeiro de 2020, até à sua integral e definita reposição (vide documento n.º 15) – de modo a proceder-se à imediata e plena reconstituição da legalidade.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 19-10-2020.
Em 10-12-2020, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 13-01-2021.
A AT apresentou Resposta em que defendeu que deve julgar-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral.
Em 30-06-2021, realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.
As Partes apresentaram alegações.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
A. A Requerente tem por atividade principal a importação, exportação e comércio por grosso de vestuário, calçado, perfumes, malas e acessórios, CAE 46421, e por actividade secundária o comércio a retalho de vestuário para adultos em estabelecimentos específicos, CAE 47711;
B. A Requerente é a titular da marca “B...” – reconhecida marca premium do setor têxtil e de vestuário em Portugal, sendo responsável pela conceção e desenvolvimento dos artigos comercializados pelo Grupo, pelas compras e gestão de encomendas e de mercadorias, comercialização e distribuição dos produtos, pela definição e implementação das políticas e estratégias de marketing da marca e, bem assim, pelo apoio ao cliente;
C. A Requerente cria as coleções B..., cujos artigos e manufatura adquire a entidades terceiras, destinando-as aos canais de venda por grosso – em benefício das respectivas subsidiárias (designadamente, a C..., a D..., a E..., a F..., a G... e a H...), que, por sua vez, assumem a venda a retalho nas diversas lojas por si exploradas – e retalho nas lojas de outlet exploradas pela própria Requerente;
D. A Requerente é (e já era no período de tributação de 2016) a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributadas em sede de IRC de acordo com o RETGS – o Grupo I...;
E. No referido período de tributação, o perímetro do grupo de sociedades sujeito à aplicação do RETGS era constituído pela Requerente, na qualidade de sociedade dominante, e pelas seguintes sociedades por si directa ou indirectamente dominadas, nos termos do artigo 69.º do CIRC:
i. J..., S.A. (“J...”), com o NIPC...;
ii. C..., S.A. (“C...”), com o NIPC...;
iii. D..., S.A. (“D...”), com o NIPC...;
iv. E..., S.A. (“E...”), com o NIPC...;
v. F..., S.A. (“F...”), com o NIPC...;
vi. G..., S.A. (“G...”), com o NIPC...;
vii. H..., S.A. (“H...”), com o NIPC...;
F. A H... é a entidade responsável pelas vendas online dos produtos da marca “B...” comercializados pelo Grupo, enquanto as demais subsidiárias da Requerente exploram cada uma das lojas físicas do grupo em Portugal;
G. Em 2016, o Grupo I... desenvolvia a sua actividade no Reino Unido através da sociedade K... Limited (“K...”), uma entidade residente para efeitos fiscais neste território – com sede em Londres – e que, em 2016, era detida pelos mesmos sócios da Requerente (facto afirmado pela Requerente no requerimento de junção de documentos apresentado à Autoridade Tributária e Aduaneira no processo inspectivo, a fls. 101 da 1.ª parte do processo administrativo, e afirmado também pela testemunha L...);
H. Ao abrigo das Ordens de Serviço n.º OI2018..., OI2018... e OI2019..., a Direção de Finanças de Lisboa realizou uma ação inspetiva externa, de âmbito geral, aos exercícios de 2015, 2016 e 2017;
I. Da inspecção foi elaborado o projecto de Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
J. A Requerente não exerceu o direito de audição prévia sobre o projeto de relatório da inspeção tributária do Grupo;
K. A Requerente foi notificada do relatório final de conclusões da inspeção do Grupo (vide documento n.º 7), através do ofício n.º..., de 2 de outubro de 2019, o qual teve como efeito fazer refletir na esfera do grupo as correções promovidas na sua esfera individual, nomeadamente, no período de 2016.
L. O impacto desta correção na esfera individual da Requerente, em termos de derrama estadual e derrama municipal, relativamente ao período de tributação de 2016, é o identificado na tabela infra:
i.
M. O impacto das referidas correções (realizadas ao nível individual da Requerente) ao nível do incremento do lucro tributável do Grupo sujeito ao RETGS e, consequentemente, da coleta de IRC, derrama estadual e derrama municipal referente ao mesmo período de tributação, detalhado no relatório final de conclusões do Grupo, foi o seguinte:
i.
N. A Requerente foi notificada (na qualidade de sociedade dominante do RETGS) da Demonstração de Liquidação de IRC n.º 2019..., de 23 de outubro de 2019, e da respetiva demonstração de liquidação de juros, ambas associadas à demonstração de acerto de contas n.º 2019..., com a compensação n.º 2019..., de 25 de outubro de 2019, referente ao período de tributação de 2016 (cfr. documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
O. Através da referida liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios, foi apurado imposto em falta (de IRC e derramas municipal e estadual) correspondente a € 89.751,97, acrescido de juros no valor de € 3.306,13 (cfr. documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
P. A data limite fixada para o pagamento do montante em causa foi o dia 12 de Dezembro de 2019;
Q. A Requerente não se conformou com as correções realizadas no âmbito dos procedimentos inspetivos acima referidos, nomeadamente na parte relacionada com as perdas por imparidade sobre créditos comerciais (resultantes da atividade normal da Requerente), constante da secção III.1.2. do relatório de conclusões da inspeção;
R. A Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação nos termos que constam do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
S. A reclamação graciosa foi indeferida através de ofício do qual a Requerente foi notificada no dia 15.07.2020 nos termos que constam do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
T. No ponto III.1.2 do Relatório da Inspecção Tributária que costa do documento n.º 5, refere-se, em que se refere, além do mais o seguinte:
i. III.1.2 - Perdas por imparidade em créditos de clientes - Períodos de 2015, 2016 e 2017 III.1.2.1 - Valores declarados pela A...
ii. Da análise ao balanceie analítico reportado a 31 de dezembro de cada ano (saldos finais da conta #6511 -Perdas por imparidade - Dívidas e receber- Clientes), bem como aos montantes constantes nos quadros 05821-A dos Anexos A das IES (Declaração anual), verificou-se que o montante considerado como gasto em cada ano, relacionado com o reconhecimento de perdas por Imparidade em dívidas a receber de clientes, e os rendimentos (saldos finais da conta #76211 - Reversões- Perdas por imparidade - Dívidas 3 receber -Clientes) foram os seguintes (valores em euro):
iii.
iv. Concomitantemente, foram considerados no Q07 da M22 de cada ano, as seguintes regularizações (valores em euro):
v.
vi. III.1.2.2 - Esclarecimentos obtidos
vii. Atendendo à necessidade de validar os requisitos de admissibilidade destes gastos para efeitos fiscais, solicitou-se:
2. Cópia dos mapas modelo 30 (M30) - mapa de provisões, perdas por imparidade em créditos e ajustamentos em inventários;
3. Preenchimento de um formulário tipificado com o detalhe das perdas por imparidade; e
4. Esclarecimento acerca do motivo da constituição destas perdas por imparidade.
i. Em substituição do mapa M30, foi entregue pela A... um mapa de controlo interno, o qual dispõe de informação equivalente à que aquele mapa permite obter.
ii. Pelo preenchimento do referido mapa, pôde retirar-se que:
As perdas por imparidade reconhecidas respeitam a um único cliente, K..., com sede em Londres;
O motivo da constituição das perdas por Imparidade é a mora do pagamento face à data de vencimento das faturas;
A maior parte das linhas que concorrem para o valor do gasto, em cada ano, relativo a perdas por imparidade, indica um número de fatura, o que se veio a confirmar-se aquando do pedido, a título exemplificativo, das cópias de algumas faturas selecionadas;
Algumas linhas apresentam no descritivo "TRF K..." ou "REG K...", o que não corresponde a lançamentos de faturas de venda; e
Não foi indicada a data da prova das diligências efetuadas tendentes ao seu recebimento na coluna destinada a tal informação.
iii. Em 2019-06-04 foi notificado o sujeito passivo, na pessoa do seu representante, para entregar os documentos comprovativos das diligências efetuadas para o recebimento das dívidas e ainda para explicar e comprovar a relação entre os detentores de capital da A... e os da K...- (vide Anexo l, pág. 2 a 6).
iv. Em 2019-06-28 foi dada resposta à notificação, esclarecendo o seu ponto 2 - Constituição de perdas por imparidade em dívidas a receber, (vide Anexo l, pág. 8), resumidamente, o seguinte:
a) Os créditos comerciais sobre a K... advêm do fornecimento de mercadorias, no âmbito da atividade normal da A... e de saldos decorrentes de transferências e respetivas regularizações, entre a A... e a K...;
b) A falta de pagamento por parte da K... decorre da sua incapacidade financeira;
c) São reconhecidos como estando em imparidade os créditos considerados de cobrança duvidosa, de acordo com a mora do seu pagamento;
d) A K... é Integralmente detida pelos acionistas da A...;
e) A atual limitação de dedutibilidade para efeitos fiscais das perdas por imparidade reconhecidas em relação a entidades detidas em mais de 10% pelas mesmas pessoas singulares ou coletivas. apenas se verificou a partir do período de 2019; e
f) Para evidenciar o cumprimento das diligências tendentes à cobrança das dívidas, efetuadas, juntou cópias da correspondência trocada nos anos de 2015, 2016 e 2017.
v. III.1.2.3 - Análise da informação obtida
vi. Da análise de toda a informação obtida relativamente às perdas por imparidade em créditos a receber de clientes, foi possível extrair as seguintes conclusões:
a) Os gastos com perdas por imparidade constituídas respeitam ao cliente K..., quer decorrentes de operações de venda de mercadorias, quer de operações financeiras;
b) O referido cliente K... é inteiramente detido pelos mesmos acionistas da A...;
c) No momento da sua constituição, as perdas por imparidade são reconhecidas de acordo com os critérios fiscais, com base na sua mora, conforme disposto no n.º 2 do artigo 28 º-B do CIRC;
d) Os valores dos documentos que vão sendo pagos pelo cliente são revertidos contabilisticamente, sendo registados como rendimento do ano em que são recebidos;
e) Foram enviadas ao cliente, em novembro de cada ano, cartas exigindo o pagamento dos créditos em mora; e
f) Não obstante estes factos, tem-se mantido as vendas a este cliente ao longo dos anos analisados.
vii. III.1.2.4 - Enquadramento contabilístico-fiscal
viii. A NCRF 27 no seu § 5 prescreve o tratamento a dar no SNC às dívidas a receber de clientes, enquadrando-as como ativos financeiros. Tratando-se de ativos financeiros com maturidade definida, a sua mensuração (reconhecimento no balanço) deve fazer-se pelo método do custo (ou custo amortizado) menos as perdas por imparidade consideradas para esses ativos.
ix. A data do relato, deve ser avaliada a possibilidade de o montante dos ativos (créditos sobre os clientes) SG encontrarem em imparidade, isto é, se da aferição do risco de cobrança se concluir que o montante mensurado é superior ao montante que se espera receber. Isto, com o objetivo de garantir que as demonstrações financeiras apresentam de forma verdadeira e apropriada a posição financeira da entidade.
x. O § 24 da mesma NCRF 27, admita que sejam reconhecidas perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes, na medida em que exista uma evidência objetiva de perda - seja dificuldade financeira do devedor, mora ou mesmo não pagamento, possibilidade de falência, etc.
xi. Esta redução opera por redução da conta de clientes, tendo por contrapartida uma conta de gastos.
xii. Se se verificar a cessação do risco de Incobrabilidade, o recebimento da dívida ou, por outro motivo, se se extinguir esse direito, deve, conforme § 29 da NCRF 27, considerar-se a respetiva reversão da perda por imparidade, aumentando a conta de clientes, por contrapartida de uma conta de rendimentos.
xiii. O modelo de dependência parcial da fiscalidade em relação à contabilidade, para a determinação do lucro tributável, impõe também quanto aos créditos de cobrança duvidosa a observância cio regime do acréscimo13, devendo o reconhecimento do gasto (ou rendimento) ocorrer no ano em que se verificou a evidência de imparidade (ou que esta tenha deixado de se verificar), por respeito ao balanceamento entre os rendimentos e os gastos necessários à sua obtenção, no respetivo período.
xiv. Para a determinação do lucro tributável dispõe o n.º 1 do artigo 23.º que são dedutíveis todos os gastos e perdas Incorridos ou suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos ao imposto, garantindo-se o balanceamento entre rendimentos e gastos. Continua o n.º 2 do mesmo artigo com a enumeração de alguns gastos considerados fiscalmente dedutíveis, entre os quais, na alínea h), as perdas por imparidade.
xv. De acordo com o disposto no artigo 2B.º-A do CIRC, são dedutíveis para efeitos fiscais as perdas por imparidade contabilizadas no período ou em períodos anteriores, designadamente [alínea a) do n.º 1] as relacionadas com créditos resultantes da atividade normal. Deixando de se verificar as condições que as determinaram, as perdas por imparidade que não devam subsistir deverão ser consideradas como componentes positivas do lucro tributável do respetivo período de tributação.
xvi. O artigo 28.º-B do CIRC elenca os critérios a observar para que os créditos possam ser considerados de cobrança duvidosa para efeitos fiscais, definindo-os como aqueles em que o risco de incobrabilidade se encontre devidamente justificado, o que se verifica nas situações em que:
5. o devedor tenha pendente processos de execução, de Insolvência, especial de revitalização ou do sistema de recuperação de empresas por via extrajudicial; ou
6. quando os respetivos créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral; ou ainda
7. quando se encontrem em mora há mais da seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.
i. De acordo com o n.º 2 do mesmo artigo 28.º-B, os montantes anuais acumulados das perdas por imparidade em créditos encontram-se limitados às percentagens seguintes sobre o valor total do crédito em mora;
ii.
iii. Em termos contabilísticos, o conceito de imparidade de ativos, como também já referido, visa ajustar os valores das demonstrações financeiras, à data do relato, de modo a garantir a imagem verdadeira da posição financeira da entidade. Trata-se, portanto, de um julgamento do órgão de gestão, mediante o qual são assumidas asserções em que se baseiam os critérios de reconhecimento e mensuração adotados na contabilidade para proporcionar informação fiel da sociedade.
iv. No que concerne a fiscalidade, o CIRC acolheu este critério contabilístico, por obediência ao princípio da prudência, aceitando que estes gastos contabilísticos possam influenciar o apuramento do lucro tributável em que assenta a tributação das sociedades, porém estabelece determinados requisitos de verificação obrigatória.
v. Assim, atendendo à natureza das operações em questão, está-se perante dois tipos de origem para o reconhecimento de perdas por imparidade:
a) por um lado, aquelas que decorrem de dívidas de cobrança duvidosa (evidenciadas como tal na contabilidade) - alínea a) ao n º 1 do artigo 28.º-A do CIRC; e,
b) por outro lado, de transferências cuja origem não reside na venda de mercadorias, mas em operações financeiras e, por isso, não enquadráveis no âmbito dos créditos elegíveis para constituição de perdas por imparidade.
vi. Quanto ao conceito de créditos de cobrança duvidosa - de acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC - são aqueles em cujo risco de Incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica, designadamente, quando:
a) Estejam em mora há mais de seis meses;
b) Existam provas objetivas de imparidade; e
c) Existam provas de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.
vii. O reconhecimento de perdas por imparidade em relação às referidas transferências financeiras entre a A... e a K..., não decorrendo da atividade normal do sujeito passivo, não poderão ser aceites no âmbito dos gastos correspondentes a perdas por imparidade em créditos de clientes. Relativamente aos critérios da mora e da verificação das diligências, encontram-se integralmente verificados, tal como anteriormente exposto. Porém, no que concerne às provas objetivas de imparidade, isto é, de existência de um risco efetivo de perda, tal não se verifica neste caso.
viii. Tomando por referência a decisão arbitral do CAAD" de 14-05-2019, exarada sobre o processo n.º 666/2018-T, que refere que a constituição de perdas por imparidade depende da existência de provas objetivas de imparidade, não bastando, para tal, o seu mero reconhecimento com base na mora do pagamento. E continua considerando que a avaliação das possibilidades de cobrança dos créditos incumbe, em primeira linha, aos sujeitos passivos. Na verdade, prossegue, apesar do atraso no pagamento das faturas, inexistindo provas da incobrabilidade de toda ou parte da dívida, não deveria ser reconhecida a perda por imparidade. Aceitando o profundo conhecimento da
(in)disponibilidade do seu cliente K... para pagamento das dívidas, em virtude de terem ambas as sociedades os mesmos acionistas, por uma lado, e o facto evidenciado pelos registos na conta corrente do cliente de vendas efetuadas, de forma continuada, ano após ano, mesmo depois de registadas sucessivas perdas por imparidade, está-se perante factos evidentes de confiança na honorabilidade da K... em fazer face, ainda que tardiamente, aos compromissos de pagamento assumidos, pelo que de outra forma não se justificaria o reiterado fornecimento de mercadoria. Em relação ao preenchimento deste requisito, a referida decisão remete fundamentação para o Acórdão do STA, de 28-01-2015, proferido no processo n.º 0652/14, citando Rui Morais quando considera que, a propósito da perspetiva mais restritiva da lei fiscal, face a necessária flexibilidade das regras contabilísticas decorrentes da observância dos princípios da especialização e da prudência "(...) caso fossem aceites como custo fiscal a totalidade ou (...) a generalidade das provisões (...) estaria aberto o caminho fácil para se evitar ou (...) adiara tributação (...)". Concluem os doutos juízes, para fundamentar a sua decisão que "(...) no momento em que (...) constitui as provisões (...) já sabia, de antemão, (...) que teria de arcar com o custo (...) «que os motivos "(...) pelos quais foram constituídas as provisões não tinham a necessária caraterística de incerteza que justifica a constituição das provisões (...)".
ix. Nesta base, também os juízes do CAAD, no referido processo, consideram que "Se (...) apesar do atraso no pagamento das faturas, não tinha provas de incobrabilidade (...) da dívida, (...) não deveria reconhecer a perda por imparidade (...)" Continuam alegando que "Na verdade, o atraso no pagamento da dívida, só por si, não é prova de incobrabilidade, como decorre do facto de aquela alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º-B exigir, para além do atraso no pagamento, provas objetivas de imparidade".
x. Refira-se ainda, a este propósito, a referência considerada na decisão do CAAD ao Acórdão do STA que considera que (...) a simples mora do devedor de seis meses e um dia [não implica], só por si, o risco de incobrabilidade, e torn[a] exigível ao credor a constituição da provisão (...)" e "(...) a constituição de provisões para cobertura de créditos de cobrança duvidosa é imputável (...) ao exercício em que se verifica o risco de incobrabilidade"
xi. Também em relação à situação da A..., sem embargo da autonomia decorrente da personalidade jurídica de cada uma das entidades, não é de somenos relevância o facto de ambas se encontrarem sob a mesma direção efetiva, na medida em que, conforme referido, tanto nas diligências inspetivas, como na resposta é notificação escrita, os sócios de ambas são as mesmas pessoas singulares e, consequentemente, inexistência de prova efetiva de risco de Incobrabilidade, têm-se mantido as relações comerciais simultaneamente com a constituição de perdas por imparidade sobre as suas dívidas.
xii. III.1.2.5 - Apuramento do montante a corrigir
xiii. Uma vez que não se encontram reunidos os critérios para que as dívidas do cliente K... sejam consideradas de cobrança duvidosa, no que respeita aos saldos em dívida decorrentes da vendas de mercadorias, por um lado, dado não haver provas que justifiquem e comprovem o risco de incobrabilidade, pois conhecendo a A... toda a situação financeira e de tesouraria daquele cliente (pela razão de os acionistas serem os mesmos) mantém a relação comercial ao longo dos anos, continuando a fornecer-lhe mercadorias no valor de milhares de euros e, no que se relaciona com as transferências financeiras, por não se enquadrarem no âmbito da atividade da A..., não poderão os gastos associados ao reconhecimento destas perdas por imparidade ser aceites para efeitos fiscais.
xiv. Conforme referido no ponto III. 1.2.1, os gastos com perdas por imparidade de clientes foram registados na conta #6511. pelos montantes totais de € 521.531,73, € 926.880,23 e € 427.619,50, respetivamente para os períodos de 2015, 2016 e 2017.
xv. De acordo com os mapas de suporte entregues pela A..., os gastos relativos a perdas por imparidade respeitam a faturas emitidas à K... e a transferências financeiras efetuadas ao mesmo cliente, sendo os valores relativos a cada origem os constantes no quadro seguinte (valores em euro):
xvi.
xvii. Face ao exposto, não obstante todo o saldo considerado como perda por Imparidade relativamente ao cliente K... não poder ser aceite para o apuramento do lucro tributável, uma vez que não se verifica a existência de efetivo risco de cobrança, o que determina uma correção de € 521.531,73, € 926.890,23 e € 427.619,50, respetivamente para os períodos de 2015,2016 e 2017, importa ainda referir que, além do mais, se consideram excluídos do âmbito de aplicação dos critérios fiscais do regime das perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes os montantes decorrentes de transferência financeiras, os quais representam em 2015, 2016 e 2017, respetivamente, €96.813,55, € 155.089,54 e € 110.412.54.
xviii. Por outro lado, mantêm-se os rendimentos registados na conta #76211, nos montantes de € 90.827,06 e € 134.854,96 relativamente aos períodos de 2015 e 2016, respetivamente, dado respeitarem a reversões de perdas por imparidade constituídas em períodos anteriores (e que Influenciaram negativamente os resultados) e cujo pagamento por parte do cliente ocorreu em 2015 e 2016.
xix. No entanto, e dado que a A... acresceu ao resultado líquido do período, através do Q07 da M22, os montantes de € 573.191,54 e € 705.190,14, respetivamente em 2016 e 2017, por considerar que não cumpriam os critérios fiscais, estes ajustamentos terão de ser tomados em consideração na correção a efetuar.
xx. Pelo exposto, propõe-se a desconsideração dos gastos relevados contabilisticamente e dos respetivos ajustamentos efetuados para o apuramento do lucro tributável, nos três períodos em análise conforme valores do quadro infra, por incumprimento do disposto no artigo 23.º n.º 1 alínea h), conjugado com os artigos 28.º-A e 28.º-B, todos do CIRC:
xxi.
U. A K... explorava uma loja de vestuário que, em conformidade com o modelo de negócio do Grupo, apenas se encontrava autorizada a vender artigos da marca B..., pelo que a totalidade dos produtos vendidos neste estabelecimento eram directamente adquiridos à Requerente (cf. o depoimento da testemunha M...);
V. A Requerente não tinha participações na K... (cf. o depoimento da testemunha M...);
W. Nos períodos de 2015 a 2017, as demonstrações financeiras da K... revelavam uma situação patrimonial altamente deficitária (cf. o depoimento da testemunha M... e documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
X. No período de tributação de 2016 a Requerente constituiu perdas por imparidade sobre dívidas desta sociedade, em resultado de dois tipos distintos de operações: fornecimento de mercadorias – realizado no âmbito da sua atividade normal – e operações financeiras;
Y. Em face da situação de falência técnica da K..., era provável que parte dos compromissos comerciais assumidos com a Requerente não viessem efetivamente a ser liquidados (cf. o depoimento da testemunha M...);
Z. Apesar do risco de virem a não ser pagos todos os créditos, a Requerente tinha interesse em continuar a fornecer a K..., por ter interesse em que existisse em Londres um ponto físico de venda dos seus produtos – de acordo com a sua estratégia de penetração da marca “B...” no mercado do Reino Unido e como forma de dar visibilidade à marca e promover a sua própria actividade de vendas online (cf. o depoimento da testemunha M...);
AA. A K... apenas se encontrava autorizada a comercializar no seu espaço artigos da marca B..., pelo que, se a Requerente deixasse de a fornecer, teria de cessar a sua actividade (depoimento da testemunha M...);
BB. Ao longo dos vários períodos económicos sucessivos, a K...tem vindo a liquidar parte dos seus compromissos financeiros assumidos com a Requerente (cf. o depoimento da testemunha M... e os factos aduzidos na petição inicial e não impugnados pela AT);
CC. Na inspecção tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou cumprido o requisito de haver diligências de cobrança (depoimento da testemunha L...);
DD. Em 9-10-2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Não se provou que a Requerente tivesse efectuado o pagamento da quantia liquidada.
Embora a Requerente alegue que fez o pagamento não apresentou qualquer prova (designadamente, não juntou o documento que numerou com o n.º 15 para a alegada prova do pagamento).
2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base na factualidade não controvertida constante da petição inicial, nos documentos juntos pela Requerente e, nos pontos indicados, com base na prova testemunhal apresentada.
A Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou obstáculos à admissibilidade da inquirição da testemunha N..., através de meios de comunicação à distância. Não obstante a inquirição por esses meios ser expressamente permitida pelo n.º 5 do artigo 502.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, o Tribunal prefere considerar irrelevante o seu depoimento para evitar correr riscos processuais. Acresce que o dissídio entre a Requerente e a Requerida incide essencialmente na diferente perspectiva quanto ao enquadramento dos factos.
A testemunha N... foi CEO do grupo da Requerente entre 2018 e 2020.
A testemunha M... é director financeiro da Requerente desde 2019.
A testemunha L... é inspector tributário.
As testemunhas aparentaram depor com isenção e terem conhecimento dos factos que relataram.
3. Matéria de direito
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente em que efectuou várias correcções, entre quais não aceitando a relevância fiscal de perdas por imparidade em créditos resultantes da actividade da Requerente.
A Requerente apenas impugna no presente processo a correcção relativa a perdas por imparidade sobre créditos comerciais (resultantes da atividade normal da Requerente), constante da secção III.1.2. do Relatório da Inspecção Tributária (como explicita no artigo 11.º do pedido de pronúncia arbitral).
Questão idêntica, envolvendo as mesmas partes, foi analisada na decisão do CAAD referente ao processo 553/2020-T que este Tribunal acolhe e, nessa medida, acompanha de perto.
O regime das perdas por imparidade em dívidas a receber créditos são indicados nos artigos 28.º-A e 28.º-B do CIRC, que, no ano de 2016, estabelecem o seguinte, o que aqui interessa:
Artigo 28.º-A
Perdas por imparidade em dívidas a receber
1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:
a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;
Artigo 28.º-B
Perdas por imparidade em créditos
1 - Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:
a) O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto;
b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;
c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.
2 - O montante anual acumulado da perda por imparidade de créditos referidos na alínea c) do número anterior não pode ser superior às seguintes percentagens dos créditos em mora:
a) 25 % para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses;
b) 50 % para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses;
c) 75 % para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses;
d) 100 % para créditos em mora há mais de 24 meses.
3 - Não são considerados de cobrança duvidosa:
a) Os créditos sobre o Estado, regiões autónomas e autarquias locais ou aqueles em que estas entidades tenham prestado aval;
b) Os créditos cobertos por seguro, com exceção da importância correspondente à percentagem de descoberto obrigatório, ou por qualquer espécie de garantia real;
c) Os créditos sobre pessoas singulares ou coletivas que detenham, direta ou indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, mais de 10 % do capital da empresa ou sobre membros dos seus órgãos sociais, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1;
d) Os créditos sobre empresas participadas, direta ou indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, em mais de 10 % do capital, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1.
e) Os créditos entre empresas detidas, direta ou indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, em mais de 10 % do capital pela mesma pessoa singular ou coletiva, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1. (Aditada pela Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro)
A Lei n.º 71/2018,de 31 de Dezembro, aditou uma alínea e) a este n.º 3 do artigo 28.º- estabelecendo o seguinte:
e) Os créditos entre empresas detidas, direta ou indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, em mais de 10 % do capital pela mesma pessoa singular ou coletiva, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1.
Esta alínea e) não estava em vigor em 2015, pelo que o que nela se estatui não é aplicável ao caso dos autos, por força da proibição constitucional de retroactividade das normas sobre os elementos essenciais dos impostos, que se extrai dos n.ºs 2 e 3 do aro 103.º da CRP.
No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira aceitou estarem verificados os requisitos relativos à mora e verificação das diligências, considerando apenas não estar verificado o requisito relativo às provas objetivas de imparidade, com se sintetiza no seguinte excerto do RIT (cfr. p. 19):
O reconhecimento de perdas por imparidade em relação às referidas transferências financeiras entre a A... e a K..., não decorrendo da atividade normal do sujeito passivo, não poderão ser aceites no âmbito dos gastos correspondentes a perdas por imparidade em créditos de clientes. Relativamente aos critérios da mora e da verificação das diligências, encontram-se integralmente verificados, tal como anteriormente exposto. Porém, no que concerne às provas objetivas de imparidade, isto é, de existência de um risco efetivo de perda, tal não se verifica neste caso.
Os fundamentos essenciais da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a falta de provas objectivas de imparidade são os seguintes:
– a constituição de perdas por imparidade depende da existência de provas objetivas de imparidade, não bastando, para tal, o seu mero reconhecimento com base na mora do pagamento (cfr. artigos 60.º a 63.º da resposta);
– a avaliação das possibilidades de cobrança dos créditos incumbe, em primeira linha, aos sujeitos passivos;
– apesar do atraso no pagamento das faturas, inexistindo provas da incobrabilidade de toda ou parte da dívida, não deveria ser reconhecida a perda por imparidade (cfr. artigo 59.º da resposta);
– aceitando o profundo conhecimento da (in)disponibilidade do seu cliente K... para pagamento das dívidas, em virtude de terem ambas as sociedades os mesmos acionistas, por uma lado, e o facto evidenciado pelos registos na conta corrente do cliente de vendas efetuadas, de forma continuada, ano após ano, mesmo depois de registadas sucessivas perdas por imparidade, está-se perante factos evidentes de confiança na honorabilidade da K... em fazer face, ainda que tardiamente, aos compromissos de pagamento assumidos, pelo que de outra forma não se justificaria o reiterado fornecimento de mercadoria (cfr. artigo 21.º da resposta);
– ambas as sociedades se encontravam sob a mesma direção efetiva, na medida em que os sócios de ambas são as mesmas pessoas singulares e, consequentemente, inexistência de prova efetiva de risco de incobrabilidade, têm-se mantido as relações comerciais simultaneamente com a constituição de perdas por imparidade sobre as suas dívidas (cfr., inter alia, artigos 31.º; 41.º e 42.º da resposta).
Da prova produzida resultam razões convincentes para a Requerente continuar os fornecimentos à K..., apesar do atraso nos pagamentos e das dúvidas sobre a solvibilidade dos créditos.
Na verdade, resulta da prova produzida que a Requerente tinha interesse próprio em manter em Londres o ponto de venda físico que a K... assegurava, como forma de promover a sua marca no mercado do Reino Unido e incrementar as vendas on line efectuadas pela própria Requerente através da H..., como efeito da visibilidade que aquele ponto de venda dava aos seus produtos naquele mercado.
Foi, assim, justificado «o reiterado fornecimento de mercadoria» com uma explicação diferente da única que a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou existir que foi a «confiança na honorabilidade da K... em fazer face, ainda que tardiamente, aos compromissos de pagamento assumidos».
Na verdade, resulta da prova produzida que a Requerente, mesmo sem confiança em que os pagamentos viessem a ser efectuados pela K..., entenda ter interesse próprio na continuação dos fornecimentos.
Por outro lado, como resulta também da prova produzida, a K... comercializava apenas produtos com a marca da Requerente, pelo que, se a Requerente deixasse de a fornecer, provocaria o seu encerramento definitivo, transformando em certeza de incumprimento definitivo a falta de pagamento atempado das dívidas existentes.
Para além disso, se é certo que, como a Autoridade Tributária e Aduaneira refere, o facto de a Requerente ter os mesmos sócios que a K... implicava um conhecimento profundo da Requerente sobre as possibilidades de cobrança das dívidas sobre a K..., também o é que esse conhecimento, numa situação de falência técnica da K..., tinha potencialidade para reforçar a convicção de que esta não pagaria as dívidas, na totalidade.
Neste contexto, tem de se concluir que a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira a nível das perdas por imparidade destes créditos sobre a K... enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto, que constitui vício de violação de lei, que justifica a anulação desta correcção.
De resto, perante as justificações apresentadas para a não cessação de fornecimentos pela Requerente à K..., ter-se-ia, no mínimo de ficar com fundadas dúvidas sobre a convicção a alegada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, de que as dívidas viriam a ser pagas, o que justificaria a aplicação do artigo 100.º, n.º 1 do CPPT, que impõe que essas hipotéticas dúvidas sejam valoradas processualmente a favor dos sujeitos passivo, implicando a anulação das correcções.
Pelo exposto, a correcção relativa às perdas por imparidade de créditos resultantes da actividade da Requerente enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
A decisão da reclamação graciosa, que manteve esta correcção enferma do mesmo vício, pelo que se justifica também a sua anulação.
3.1. Liquidação de juros compensatórios
A liquidação de juros compensatórios tem por pressuposto a liquidação de IRC, pelo que enferma do mesmo vício, justificando-se também a sua anulação, na parte correspondente à correcção relativa às perdas por imparidade de créditos resultantes da actividade da Requerente.
4. Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios
A Requerente pede o reembolso da quantia liquidada, na parte correspondente à correcção relativa às perdas por imparidade de créditos resultantes da sua actividade, com juros indemnizatórios.
Como resulta da matéria de facto fixada, não se provou que a Requerente tivesse efetuado o pagamento da quanta liquidada.
O reembolso de quantia paga por força de acto anulado e os juros indemnizatórios dependem, naturalmente, do pagamento indevido e da data em que ele for efectuado, pelo que não há fundamento factual para se decidir neste processo se a Requerente tem ou não direito a reembolso e a juros indemnizatórios.
A ter ocorrido pagamento a Requerente, como consequência da anulação das liquidações, terá direito a reembolso das quantias pagas, na parte em as liquidações de imposto e juros compensatórios têm como pressuposto correcção relativa às perdas por imparidade de créditos resultantes da sua actividade, tendo também direito a juros indemnizatórios calculados sobre essa quanta, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, já que a anulação da liquidações se baseia em erro imputável aos serviços, pois as liquidações foram exclusivamente geradas pelo entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Assim, não tendo sido feita prova do pagamento, aqueles pedidos têm de ser julgados improcedentes, sem prejuízo dos eventuais direitos a reembolso e juros indemnizatórios poderem ser reconhecidos à Requerente em execução de julgado, que é o meio processual adequado para os definir, quando não há elementos para esse efeito no processo declarativo (artigo 609.º, n.º 2, do CPC e 61.º, n.º 2, do CPPT).
5. Decisão
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação parcial dos actos impugnados;
b) Anular a liquidação de IRC n.º 2019..., de 23 de outubro de 2019, e respetiva demonstração de liquidação de juros, ambas associadas à demonstração de acerto de contas n.º 2019..., com a compensação n.º 2019..., de 25 de outubro de 2019, por vícios de forma e de violação de lei, com todas as consequências legais, designadamente:
1. A aceitação fiscal das perdas por imparidade sobre créditos comerciais contabilizadas pela requerente no período de tributação de 2016, no valor de € 325.875,90;
2. A anulação da correção preconizada, ao nível do lucro tributável individual da Requerente e do RETGS, no mesmo montante, com os consequentes efeitos ao nível da coleta de IRC, derrama estadual e da derrama municipal que se mostram devidos por referência ao período de tributação de 2016;
3. A anulação (parcial) da demonstração de liquidação de IRC n.º 2019..., de 23 de outubro de 2019, e respetiva demonstração de liquidação de juros, ambas associadas à demonstração de acerto de contas n.º 2019..., com a compensação n.º 2019..., de 25 de outubro de 2019;
c) Julgar improcedente os pedidos de reembolso e de juros indemnizatórios, sem prejuízo de os respectivos direitos poderem ser reconhecidos em execução do presente acórdão.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 89.751,95, indicado peça Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique-se.
Lisboa, 18-10-2021
Os Árbitros
(Fernanda Maças)
(Raquel Franco)
(Nuno Cunha Rodrigues)