SUMÁRIO:
1. A imparidade por créditos de cobrança duvidosa, para ser dedutível como custo fiscal, tem de ser constituída no exercício em que o risco de incobrabilidade se constata e isso deve aferir-se objectivamente em função do que a tal respeito estatui o ordenamento jurídico-contabilístico, ou seja, em função do que dispõe o § 24 da NCRF 27.
2. Atento o disposto no § 24 da NCRF, a prova objectiva de imparidade (que o aludido § 24 designa como evidência objectiva), in casu, resulta da verificação das suas primeiras três alíneas e que são: i) a dificuldade financeira do devedor; ii) a quebra contratual; iii) o oferecimento ao devedor de concessões que o credor de outro modo não consideraria e não concede aos seus demais clientes;
3. O risco de incobrabilidade revelou-se em exercício anterior àquele em que foi constituída e contabilizada a imparidade.
4. O risco de incobrabilidade dos créditos aqui em causa ficou evidenciado no momento em que foi reformulado o vínculo contratual entre a Requerente e o seu cliente (devedor) e já não posteriormente, nomeadamente, quando o acordo firmado entre aqueles foi revogado.
5. A Requerente não gozava do poder de livre escolha do exercício em que pretendia contabilizar os seus créditos de cobrança duvidosa.
6. O caso sub judicio não se enquadra no tipo de situações que a aplicação do princípio da justiça pretende salvaguardar, desde logo, porquanto, não ficou demonstrada qualquer injustiça que permitisse equacionar a derrogação do princípio da anualidade nos termos em que a jurisprudência o vem admitindo e, ademais, porquanto, o diferimento dos custos associados à constituição da imparidade em 2014 para os exercícios de 2015 e de 2016 não ficou a dever-se ao facto dos correspondentes gastos serem imprevisíveis ou meramente desconhecidos.
I. RELATÓRIO:
1. A..., S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede na ..., n.º..., ... ... (doravante, Requerente), apresentou, em 13.11.2020, um pedido de pronúncia arbitral, invocando o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º, o n.º 1 e alínea a) do n.º 2 do art.º 5.º, o n.º 1 do art.º 6.º e a alínea a) do n.º 1 do art.º 10º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, de ora em diante apenas designado por RJAT) em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
2. No pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA), a Requerente optou por não designar árbitro.
3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou árbitro singular que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. Em 11.1.2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.
5. Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 3.5.2021 para apreciar e decidir o objecto do processo.
6. A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste: i) Na declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento proferida no âmbito do processo de Reclamação Graciosa n.º ...2020... que a Requerente apresentou dirigida à demonstração de liquidação de Imposto sobre o rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) de 2016 com o n.º 2019 ..., emitida em 30.10.2019; bem como da correspondente demonstração e acerto de contas n.º 2019...; e da demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2019...; e ainda na consequente declaração de ilegalidade daqueles actos de liquidação, respeitantes ao ano de 2016, por desconsideração indevida de perdas por imparidade subsumíveis no n.º 2 do art.º 28.º-B do CIRC; ii) Em consequência do eventual decretamento da ilegalidade dos actos de liquidação referidos, na restituição à Requerente do valor pago indevidamente a título de IRC e de juros compensatórios na parte correspondente ao valor da correcção ao lucro tributável de 2016 contestada na presente acção, ou seja, em função do petitório, do montante de 14.146,46 €; iii) No pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, por estarem preenchidos os pressupostos previstos no n.º 5 do art.º 24º do RJAT, por remissão para o art.º 43.º da LGT, contados desde a data do pagamento indevido até à restituição do imposto pago em excesso com referência àquele período de tributação (Cfr. n.º 5 do art.º 61º do CPPT);
7. Fundamentando o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:
I.A) BREVE SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DA REQUERENTE NO PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL:
7.1. Por não se conformar com a correcção ao lucro tributável do RETGS, no montante de 65.699,52 €, correspondente à correcção empreendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao lucro individual da sociedade denominada B..., a aqui Requerente deduziu, em 19.3.2020, o correspondente procedimento de reclamação graciosa.
7.2. Apreciada a reclamação, a Autoridade Tributária e Aduaneira deferiu-a parcialmente, reduzindo o ajustamento ao lucro em 10.000,00 € e mantendo a correcção de 55.699,52 €.
7.3. Tal ajustamento respeita a uma perda por imparidade em créditos a receber, contabilizada no período de tributação de 2014, mas relativa a créditos comerciais do ano de 2011 e que foi tributada por inscrição do valor de 131.399,04 €, no Campo 718, do Quadro 07, da Declaração Modelo 22 de IRC com identificação ... .
7.4 Diz a Requerente que no despacho que consubstanciou o deferimento parcial da aludida reclamação graciosa, a AT concluiu pela manutenção de uma correcção positiva ao lucro tributável de B..., no exercício 2016, decorrente da não aceitação da dedutibilidade, com base no decurso da mora, da imparidade relativa ao devedor C..., Lda., por entender que: “ - (...) com a celebração de acordo em 2011 [ Contrato de Prestação de Serviços - Gestão de Loja celebrado entre a B... e o C...] não foi estabelecido novo prazo para pagamento como afirma a reclamante, pois não vislumbramos da leitura do mesmo, o estabelecimento qualquer prazo para pagamento dos valores vencidos em 2011. – a reclamante, à revelia do princípio da prudência, optou por não constituir a imparidade (provisão) em 2011. – O risco de incobrabilidade que já existia em 2011, não deixa de existir com a celebração do contrato prestação de serviços no qual a reclamante aceita que em cada valor de comissões (15%) pago a C... seja retido 2,5% para pagamento de dívidas em conta corrente, (...). – Concluindo, não foram constituídas quaisquer imparidades em 2011, mesmo, a reclamante, verificando indícios de incobrabilidade, não respeitando, assim, os princípios da prudência, da periodização nem a sua indispensabilidade para a realização de rendimentos ou para a manutenção da fonte produtora, (...). - , Se considerarmos que o risco de incobrabilidade apenas ocorre em 2014, o que se admite por mera hipótese académica, mas não se aceita, pois não estariam reunidas as condições do artigo 28.º-B n.º 1 alínea c) do CIRC, uma vez que não foram apresentadas provas de que a reclamante efetuou diligências para o recebimento desses créditos, a simples reserva de viagens para a Região Autónoma da Madeira, não pode ser considerada como prova de que foram efetuadas diligências. Para daí concluir que (...) Não tendo a reclamante apresentado prova suficiente e capaz de demonstrar que as perdas por imparidade contabilizadas em 2016, eram imprevisíveis e manifestamente desconhecidas em períodos de tributação anteriores, períodos onde as mesmas deveriam ter sido imputadas, deverá a presente reclamação ser indeferida, atenta a falta de verificação do preenchimento dos requisitos exigidos para o efeito pelo artigo 18.º, nºs 1 e 2, artigo 28.º-A, n.º 1, alínea a) e artigo 28.º-B, n.º 1, alínea c), todos do CIRC.”
7.5. Diz a requerente não se conformar com a correcção empreendida pela AT.
7.6. Fundamentando tal discordância, começa desde logo a Requerente por aduzir como segue: “(...) A imparidade relativa ao crédito sobre C... foi contabilisticamente constituída em 2014, não tendo sido considerada a respetiva dedutibilidade para efeitos do apuramento do lucro tributável nesse exercício, por não estarem reunidas as condições de que dependia essa dedutibilidade, nos termos previstos no artigo 28.º-B do Código do IRC.”
7.7. Prossegue a Requerente dizendo: “Sendo que em 2016 o que se verifica é o reconhecimento, por via do decurso da mora, da dedutibilidade, para efeitos de apuramento do lucro tributável, de 50% do valor da imparidade constituída contabilisticamente e tributada em 2014.”
7.8. Quanto ao momento da verificação das provas objetivas de imparidade, diz a Requerente que “(...) A simples mora não é condição imediata e suficiente para a verificação de provas objetivas de imparidade, despoletando a obrigatoriedade de reconhecimento imediato de imparidade para o crédito em mora.”, dizendo ainda que “É ao sujeito passivo, e não à AT, que cabe avaliar e decidir sobre a constituição imparidades, tendo em consideração se o risco de incobrabilidade é normal, ou se, em determinado momento, se tornou excessivo e nesse último caso por se encontrar verificada a probabilidade de incobrabilidade, se tornar justificável reconhecer a imparidade.”
7.9. Seguidamente e quanto ao reconhecimento contabilístico da imparidade, a Requerente entendeu adequado trazer à colação os parágrafos 23 e 24 da Norma Contabilística de Relato Financeiro (NCRF) 27 – Instrumentos Financeiros, inferindo deles que cabe ao sujeito passivo e não à AT “(...) avaliar e decidir sobre a constituição de imparidades, tendo em consideração o risco de incobrabilidade e as regras contabilísticas aplicáveis, [pelo que] não pode a AT limitar-se a invocar que a mora teve início em 2011, porquanto é necessário provar que a incobrabilidade dos créditos foi verificada em exercícios anteriores àquele em que ocorreu a constituição da imparidade, o que a AT não logrou provar!”
7.10. No sentido de ancorar a sua posição, a Requerente entendeu ainda trazer à discussão o Acórdão do STA de 30.4.2003, Processo n.º 0101/03 que abundantemente transcreve.
7.11. Argumentando a Requerente que só em 2014 e “(...) por via da evolução das circunstâncias comerciais conforme descritas e tendo por base o referencial contabilístico aplicável, concluiu a B... pela necessidade constituição de imparidade, logo, (...) será a partir desse momento da constituição contabilística da imparidade e não antes, que deverá operar a aferição das condições de dedutibilidade da imparidade para efeitos de apuramento do lucro tributável, nos termos do artigo 28.º-B do Código do IRC!”
7.12. E tendo considerado a AT que o risco de incobrabilidade já existia em 2011 e que não deixava de existir com a celebração do contrato prestação de serviços no qual a Requerente aceitava que em cada valor de comissão devida a C..., Lda. fossem deduzidos 2,5% para pagamento das dívidas em conta corrente, defende a Requerente que esse entendimento não podia prevalecer.
7.13. No sentido de fundamentar a sua posição, alinha a Requerente os seguintes argumentos: i) “A celebração, entre B... e C..., do contrato prestação de serviços, veio alterar o modelo de negócio seguido até então (franchising), demonstrando a convicção na viabilidade do novo modelo de negócio e na capacidade de C... cumprir as suas obrigações de pagamento.”; ii) Entre Setembro de 2011 e Dezembro 2014, C... procedeu ao pagamento de, aproximadamente, 190.000,00 €; iii) “(...) Não é possível considerar a existência de um risco de incobrabilidade em 2011, quando por via do contrato prestação de serviços celebrado em 1 Setembro de 2011, as partes acordaram no modo de pagamento das faturas em dívida à data da celebração de contrato. Tendo as partes convencionado, por contrato escrito, a forma de pagamento das faturas vencidas, não pode concluir-se pela verificação de condições objetivas de imparidade, conforme decorre dos princípios e regras contabilísticas aplicáveis.
7.14. Aduzindo ainda a Requerente com a circunstância do Revisor Oficial de Contas não haver enfatizado, nos exercícios de 2011 a 2013, para efeitos de emissão da respetiva certificação legal das contas, a existência de créditos sobre clientes não recuperáveis em relação aos quais a imparidade constituída se revelasse inexistente ou insuficiente.
7.15. Trazendo ainda à colação aquilo que a Requerente designa por “Despacho de Informação n.º 394/96, de 31 de Julho” e onde a AT esclarece que “(...) acordando os sujeitos passivos novas formas e prazos de pagamento, não se pode, de facto, considerar que haja mora e, consequentemente, não se verifica o requisito estabelecido na alínea c) do n.º 1 do art.º 34.º [que corresponde ao art.º 28.º-B do CIRC na redacção à data dos factos e à data actual] do CIRC.”
7.16. Concluindo a Requerente que, assim sendo, não é possível aceitar a existência de risco de incobrabilidade defendido pela AT, no exercício 2011, quando estava em vigor o acordo de pagamento diferido através da retenção de 2,5% do valor das comissões debitadas pela B... a C..., Lda. suportado, aliás, aduz a Requerente, por uma garantia bancária, e quando o referido modo e prazo de pagamento estava a ser cumprido.
7.17. Não aceita também Requerente que se possa concluir por uma violação do princípio da periodização do lucro tributável, consagrado no art.º 18.º do Código IRC.
7.18. Dizendo aquela que o reconhecimento da imparidade em 2014 não resultou de omissões voluntárias ou intencionais por si praticadas, decorrentes de estratégias deliberadas de manipulação de resultados. É que, tendo a B... e o Grupo D... apurado em 2011, 2014, 2015 e 2016 lucro tributável, do entendimento preconizado pela AT sempre teria resultado uma antecipação da dedutibilidade do gasto e, consequentemente, uma redução da receita tributária correspondente.
7.19 Argumentando ainda no sentido de que ainda que tivesse ocorrido desrespeito pelo princípio da periodização do lucro tributável, sempre haveria que se concluir que o procedimento seguido pela Requerente não determinou prejuízo à receita tributária, havendo ainda que atender à jurisprudência recorrente do STA no sentido de que a rigidez do princípio da periodização dos exercícios tem de ser ponderada com o princípio da justiça. A Requerente identifica a este propósito jurisprudência que dimana do Acórdão do STA de 14 de Março 2018, proferida no processo número 0716/13 e aponta ainda os ensinamentos de Diogo Leite Campos, Benjamin Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa in Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Lisboa, Encontro da Escrita, 2012, pp.452 e 454 no sentido de estribar a sua hermenêutica.
7.20. Já quanto ao início da contagem da mora, refere a Requerente que “(...) verificadas as provas objetivas de imparidade, em 2014, e tendo sido contabilizada a respetiva imparidade, é a partir desse momento que deverá considerar-se operado o início da contagem da mora para efeitos fiscais, nos termos do n.º 2 do art.º 28.º-B e do Código do IRC.”
7.21. Operada a resolução do contrato de prestação de serviços outorgado com C..., Lda. em conformidade com a notificação datada de 16 de Novembro de 2014, é nesse exercício de 2014 que se verifica o vencimento dos créditos objecto do referido vínculo e o início da contagem da mora.
7.22. Dizendo a Requerente que a mora dos créditos comerciais de 2011 não se reporta à data de vencimento das facturas que estão a titular os créditos, mas à data de um eventual incumprimento do contrato de prestação de serviços firmado com C..., Lda., o qual veio a ocorrer em finais do ano de 2014.
7.23. Concluindo a Requerente no sentido de que “Iniciando-se a mora a partir de dezembro 2014, e não existindo processo judicial em curso nessa data, não poderia ser outro o tratamento que não fosse o acréscimo em 2014 da imparidade constituída e a subsequente dedução em função do decurso da mora, nos exercícios seguintes.” Ancorando esta posição, em termos de suporte legal, no disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 28.º-A e nos nºs 1 e 2 do art.º 28.º-B, ambos do CIRC.
7.24. Quanto à realização de efectivas diligências para a cobrança das dívidas de C..., Lda., defende a Requerente que “Cabe à gestão das empresas que são os maiores interessados na boa cobrança dos créditos vencidos, decidir, entre outros aspetos, quanto tempo conceder ao devedor para pagar a sua dívida e a modalidade das diligências de cobrança encetar: se contacto directo ou indireto por intermédio de terceiro, se pessoal ou por telefone ou mail, outros.” e partindo daqui aduz: “(...) a B... entendeu que as diligências de cobrança junto da C... deveriam ser realizadas através de contactos diretos e pessoais, o que resultou, na deslocação do Diretor de vendas (E...) e do responsável do mercado (F...) ao Arquipélago da Madeira no início do mês de Dezembro de 2014 (...).”
7.25. Em 20.7.2021, a Requerente apresentou alegações escritas repristinando ali a hermenêutica sustentada no PPA e que no essencial defendia a ilegalidade da correcção empreendida pela AT por desconsideração da perda por imparidade adequadamente relevada em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 28.º-B do CIRC e subsumível na alínea h) do n.º 2 do art.º 23º do CIRC.
8. Em 6.7.2021, a Requerida apresentou Resposta, na qual, em escorço, alega:
I.B) BREVE SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DA REQUERIDA:
8.1. A Requerida começa por delimitar o objecto da divergência que a opõe à Requerente dizendo que ela assenta no momento da constituição da perda por imparidades em dívidas a receber.
8.2 Contrariando a posição defendida pela Requerente e acima explicitada com desenvolvimento, começa a Requerida por trazer à colação, também, a NCRF 27; discorre abundantemente sobre a problemática das imparidades; traz à discussão o § 24 da NCRF 27 que define “evidência objectiva”; aduz a Requerida no sentido de que o CIRC não conceitua “prova objectiva de imparidade”, pelo que, assim sendo, considera que temos de perscrutar no normativo contabilístico tal desidrato.
8.3. Defende a Requerida que a dedutibilidade fiscal das perdas por imparidade exige o cumprimento cumulativo dos pressupostos determinados nos artigos 28.ºA, 28.º-B e 18.º do Código do IRC.
8.4. E perante o contrato de prestação de serviços celebrado entre a B... e C..., datado de 1 de Setembro de 2011, diz a Requerida que “(...) pesa-embora seja reconhecido o valor em dívida, e o encontro de contas com valores que no futuro possam vir a ser recebidos, o certo é que não é contratualizado um novo plano de pagamentos com data e valor definidos.
8.5. E ainda que: “(...) Consubstanciando o mesmo, antes, um cenário de previsões incertas e não determinadas.”
8.6. E mais: “(...) que o montante a receber, inerente ao pagamento das dívidas vencidas em 2011, não resulta da vontade das partes, mas antes de futuras e possíveis vendas que possam vir a ocorrer, reforçando-se mais uma vez que estamos perante factos incertos.”
8.7. Não se detendo aduz a Requerida como segue: “Além do mais, o nº 4 da cláusula Quinta do referido contrato previa que, no caso de cessação por qualquer motivo, em data anterior à liquidação do valor total da dívida, a sociedade C... obrigava-se ao pagamento do valor remanescente, sem qualquer interpelação por parte da B... .” Dizendo ainda que: “Assim e diversamente do entendido pela Requerente, o prazo da contagem da mora não se iniciou num determinado momento, igual ou anterior a 2014-12-31, com o incumprimento do Acordo de 1 de setembro de 2011.”
8.8. E mais: “Na medida em que tal acordo não consubstancia um acordo de pagamento, a prazo ou a prestações, posto que não se estabelece no âmbito do mesmo, um diferimento, uma data certa (ou plano de pagamento) para o pagamento da dívida.”
8.9. E prossegue a Requerida afirmando que: “Sendo certo que, já em setembro de 2011 se identificam as razões económicas e de prudência para se considerar o risco de cobrança e iniciar o prazo para efeitos fiscais, cumprindo com o preconizado no artigo 18.º, n.ºs 1 e 2 do CIRC.”
8.10. Concluindo no sentido de que “(...) a mora dos créditos se conta desde a data estabelecida para pagamento do mesmo, ou seja, a prevista nas faturas – ano 2011, conforme dispõem os artigos 804º e 805º do Código Civil.”
8.11. Aduzindo finalmente no sentido de que se “(...) encontra plenamente demonstrado que, pelo menos desde 2011, já se poderiam considerar verificadas as condições de dedutibilidade fiscal previstas no artigo 28.º-B do CIRC. Na medida em que o crédito já se encontrava em mora há mais de seis meses; existindo provas objectivas da sua imparidade; sendo certo que, a não realização de diligências com vista ao seu recebimento apenas podem ser imputáveis à B... .”
8.12. Ainda quanto ao argumentário esgrimido pela Requerente e que se consubstanciava no facto de só ao sujeito passivo caberia avaliar e decidir sobre a constituição da imparidade, tendo em conta o risco de incobrabilidade, sustenta a Requerente que não lhe assiste razão. Desde logo, considera a Requerida que “(...) não se trata de uma ingerência da AT, não se encontrando a AT a desvirtuar o princípio da liberdade de gestão empresarial, pois sendo credora de imposto, tem algo a dizer, não em termos de gestão empresarial, mas poderá averiguar até que ponto determinada despesa se subsume no interesse societário e até que ponto aquela despesa potencia lucro, pois que a obtenção deste último é o maior dos interesses societários.” E Ainda que “(...) os sujeitos passivos podem tomar as decisões de gestão que bem entendam, conquanto os factos fiscais decorrentes das mesmas, e as suas repercussões na determinação do lucro tributável, sejam compatíveis com as normas que o legislador fiscal impõe serem cumpridas, aplicáveis a todos os sujeitos passivos e não casuisticamente a uns em detrimento doutros.”
8.13. Concluindo a Requerida no sentido de que os “(...) pressupostos legais cumulativos constam dos artigos artigo 28.º-A, 28.º-B e 18.º do CIRC, deles resultando, indubitavelmente, que o legislador pretendeu limitar a possibilidade de "escolha" dos períodos de tributação para reconhecimento do gasto, situação que ocorre quando não se imputa ao período de tributação em que o risco de incobrabilidade é observado o gasto fiscal que lhe está inerente.” e ainda no sentido de que “(...) foi claramente objetivo do legislador tributário não deixar a constituição das imparidades ao livre arbítrio dos contribuintes.”
8.14. A Requerida louva-se ainda (sustentando a posição que defende) nas decisões arbitrais tiradas nos processos n.ºs 582/2917-T, 244/2017-T e 442/2017-T e na jurisprudência que dimana do Acórdão do STA de 5.7.2012, processo n.º 0658/11, cujas transcrições aqui se devem igualmente considerar reiteradas.
8.15. Conclui ainda a Requerida “(...) pela falta de cabais esclarecimentos documentados sobre as efetivas diligências para a cobrança das dívidas.” Diz ainda que “(...) a única diligência documentada é a retenção contratual de 2,5% das verbas das comissões de venda efetivamente realizadas.” Afirmando ainda a Requerida como segue: “Quanto às viagens para a Região Autónoma da Madeira, apenas foram apresentadas reservas de viagens, não podendo as mesmas comprovar diligências de recebimento dos valores em dívida.”
8.16. Retirando a Requerida a asserção final de que, em face de tudo quanto ficou exposto na respectiva Resposta, não assiste razão à Requerente, não deixando de notar que “(...) ainda que por qualquer motivo se considerasse que o risco de crédito apenas se teria verificado em 2014, seria neste ano que deveria ter sido constituída a imparidade a 100%, atendendo a que: a) Foi no exercício de 2011 que ocorreu o vencimento das faturas; b) O prazo de mora já tinha ultrapassado os 24 meses; c) Pelo que deveria ser nesse exercício (2014) que a mesma seria aceite, caso cumprisse com os demais requisitos.”
8.15. Em face do aduzido, peticiona a Requerida seja julgado totalmente improcedente o Pedido de Pronúncia Arbitral sub judice, com as devidas e legais consequências, ou seja, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação sindicados, absolvendo-se, em conformidade, a Requerida de todos os pedidos.
II. THEMA DECIDENDUM:
9. A questão de fundo a apreciar no presente processo é a de saber se a decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada pela Requerente (n.º ...2020...), nos termos e em conformidade com o disposto nos art.ºs 68.º e seguintes do CPPT, com vista à contestação parcial dos actos tributários de liquidação de IRC e JC, reportados ao exercício de 2016, está eivada de ilegalidade por desconsideração indevida de perdas por imparidade subsumíveis no n.º 2 do art.º 28.º-B do CIRC.
10. Cumpre, então, agora, proferir decisão.
III. SANEAMENTO:
11. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos actos tributários de liquidação adicional de IRC e JC, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
12. Quanto à competência do CAAD para apreciação da (i)legalidade de actos de primeiro, segundo e terceiro grau, considera o Tribunal Arbitral Singular que é actualmente entendimento pacífico tanto na Jurisprudência como na Doutrina, que os actos de indeferimento de pretensões dos sujeitos passivos - i.e., actos de segundo grau - poderão ser arbitráveis junto do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), na condição de, eles próprios, terem apreciado a legalidade de um acto de liquidação de imposto - i.e., de um acto de primeiro grau.
13. Naquele sentido, adequado se mostra trazer à colação jurisprudência arbitral (concretamente a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 272/2014-T do CAAD que pode ser lida in
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listOrder=Sorter_data&listDir=DESC&listPage=180&id=614 ) e doutrina (Jorge Lopes de Sousa que, no seu “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” e Carla Castelo Trindade, in “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”), que sustenta que a jurisdição arbitral é competente para arbitrar pretensões relativas à declaração da legalidade de actos de liquidação de tributos - actos de primeiro grau - quando, num acto de segundo grau, a AT se tenha pronunciado relativamente à legalidade de tal acto.
14. Assim sendo, o Tribunal Arbitral Singular considera-se competente para a apreciação da pretensão da Requerente, em virtude de esta respeitar também à apreciação da legalidade da decisão de indeferimento proferida no âmbito do processo de Reclamação Graciosa n.º ...2020... despoletado pela Requerente com referência aos actos tributários de liquidação de IRC e JC, respeitantes ao ano de 2016, tendo a AT, nessa mesma decisão de deferimento parcial, apreciado a legalidade daqueles actos de liquidação.
15. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (Cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
16. A ação é tempestiva, porque apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”). O prazo para apresentação do PPA deve contar-se do conhecimento do despacho de deferimento parcial da aludida reclamação graciosa. O Ofício a coberto do qual foi dada a conhecer à requerente a referida decisão está datado de 17.8.2020 (Cfr. Doc. n.º 1 junto ao PPA). A Requerente foi notificada da decisão de deferimento parcial acima referida no dia 18.8.2020, data a partir da qual se conta o prazo para a interposição do pedido de pronúncia arbitral nos termos do n.º 1 do art.º 10º do RJAT, pelo que, o mesmo se revelou efectivamente tempestivo, na medida em que foi apresentado em 13.11.2020.
17. O processo não enferma de nulidades.
18. Não existem excepções a apreciar.
IV. DECISÃO:
IV.A) FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS:
19. Antes de entrarmos na apreciação do mérito, cumpre fixar a matéria factual que é relevante para a respectiva decisão:
A) A Requerente era, no exercício de 2016, a sociedade dominante do grupo D..., o qual integrava as sociedades dominadas seguintes: i) G..., S.A., NIPC...; ii) H..., S.A., NIPC...; iii) B..., S.A., NIPC... . (Acordo das partes).
B) A Requerente encontra-se registada, em sede de IRC, no regime geral de determinação do rendimento, sendo tributada pelo Regime Especial de Tributação de Grupo de Sociedades (RETGS). (Acordo das partes).
C) Através da ordem de serviço n.º OI2019..., foram consolidadas na esfera do RETGS, as correções efetuadas no âmbito das ordens de serviço nºs OI2019..., OI2018... e OI2018..., através das quais foram efetuados procedimentos inspetivos na esfera individual da própria sociedade dominante e das sociedades dominadas acima identificadas, tendo dado origem à liquidação adicional de IRC, de 2016, com o nº 2019..., emitida em 30.10.2019, materializada na demonstração de acerto de contas n.º 2019... e na demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., ora contestada. (Acordo das partes).
D) A referida liquidação adicional reflete as seguintes correções, no valor total de € 1.166.741,00: - G..., S.A. - 183.850,42 €; H..., S.A - 917.191,06 € e B..., S.A (doravante B...) - 65.699,52 €. (Acordo das partes).
E) Não se conformando a Requerente com a correcção do lucro tributável do RETGS no montante de 65.699,52 €, correspondente à correção ao lucro individual da sociedade dominada B..., apresentou, em 19 de Março de 2020, a correspondente reclamação graciosa (Doc. n.º 4 junto ao PPA).
F) O objecto da presente acção cinge-se à discussão da correcção que se cifra em 65.699,52 €, sendo que, tendo já sido deferido, em sede de reclamação graciosa, o valor de 10.000,00 €, o valor da correcção aqui em discussão eleva-se a 55.699,52 €. (Acordo das partes).
G) No despacho que consubstanciou o deferimento parcial da reclamação graciosa n.º ...2020..., a AT concluiu pela manutenção de uma correcção positiva ao lucro tributável de B..., no exercício 2016, decorrente da não aceitação da dedutibilidade, com base no decurso da mora, da imparidade relativa ao devedor C..., por entender que: “ - (...) com a celebração de acordo em 2011 [ Contrato de Prestação de Serviços - Gestão de Loja celebrado entre a B... e o C...] não foi estabelecido novo prazo para pagamento como afirmar reclamante, pois não vislumbramos da leitura do mesmo, o estabelecimento qualquer prazo para pagamento dos valores vencidos em 2011. – a reclamante, a revelia do princípio da prudência, optou por não constituir a imparidade (provisão) em 2011. – O risco de incobrabilidade que já existia em 2011, não deixa de existir com a celebração do contrato prestação de serviços no qual reclamante aceita que em cada valor de comissões (15%) pago a C... seja retido 2,5% para pagamento de dívidas em conta corrente, (...). – Concluindo, não foram constituídas quaisquer imparidades em 2011, mesmo, a reclamante, verificando indícios de incobrabilidade não respeitando, assim, os princípios da prudência, da periodização nem a sua indispensabilidade para a realização de rendimentos ou para a manutenção da fonte produtora, (...). – Por último, se considerarmos que o risco de incobrabilidade apenas ocorre em 2014, o que se admite por mera hipótese académica, mas não se aceita, pois não estariam reunidas as condições do artigo 28.º-B n.º 1 alínea c) do CIRC, uma vez que não foram apresentadas provas de que a reclamante efetuou diligências para o recebimento desses créditos, a simples reserva de viagens para a Região Autónoma da Madeira, não pode ser considerada como prova de que foram efetuadas diligências. Para daí concluir que (...) Não tendo a reclamante apresentado prova suficiente e capaz de demonstrar que as perdas por imparidade contabilizadas em 2016, eram imprevisíveis e manifestamente desconhecidas em períodos de tributação anteriores, períodos onde as mesmas deveriam ter sido imputadas, deverá a presente reclamação ser indeferida, atenta a falta de verificação do preenchimento dos requisitos exigidos para o efeito pelo artigo 18.º, nºs 1 e 2, artigo 28.º-A, n.º 1, alínea a) e artigo 28.º-B, n.º 1, alínea c), todos do CIRC.” (cfr. Doc. n.º 1 e 5 juntos ao PPA).
H) A Requerente procedeu ao pagamento do valor total de 232.399,59 € apurado na demonstração de acerto de contas n.º 2019 ... (Cfr. Doc. n.º 7 junto ao PPA), sendo que, desse valor, o correspondente à correcção ao lucro tributável da B... (55.699,52 €), ascende a 14.146,46 €, por desdobramento em função do valor das correcções empreendidas às sociedades dominadas do grupo D... . (Acordo das partes).
I) A B... celebrou, em 2005 e 2008, contratos de franchising com C..., Lda.. (Acordo das partes).
J) Em execução dos referidos contratos o crédito a haver pela B... de C..., por referência a 31.8.2011, ascendia a 403.112,37 €, sendo titulado por facturas emitidas com data anterior a 30.8.2011. (Acordo das partes).
K) Em 1 de Setembro de 2011, a B... e C..., Lda. decidiram alterar o modelo de negócio seguido até então (mediante outorga de vínculos de franchising), tendo celebrado um Contrato de Prestação de Serviços – Gestão de Loja (cfr. Doc. n.º 8 junto ao PPA).
L) Daquele contrato e com pertinência para a questão decidenda, relevam os seguintes aspectos: i) C..., Lda., reconhece e confessa-se devedor à B... do montante de 403.112,37 € a título do aquisição de bens no âmbito dos contratos de franchising outorgados pelas partes em 2005 e 2008; ii) C..., Lda. obriga-se a prestar serviços de gestão segundo os parâmetros definidos pela B..., adequados a desenvolver as atividades do exibição, promoção e venda dos produtos da B..., em regime do exclusividade, em três estabelecimentos (Centro Comercial ..., Centro Comercial Fórum ... e loja na Rua ..., n.º..., no Funchal); iii) Todos os recursos humanos necessários e adequados para desenvolver as atividades do exibição, promoção e venda dos produtos são contratados por C..., Lda., que assegura o cumprimento de todas as obrigações laborais, nomeadamente, pagamento de salários, encargos da segurança social e seguro do trabalho, obrigando-se nos termos do segundo parágrafo da cláusula terceira a enviar periodicamente à B..., comprovativo do pagamento desses valores; iv) Todos os pagamentos efetuados pelos clientes e decorrentes da atividade desenvolvida nas lojas são diariamente depositados pela C..., Lda. em conta bancária em nome da B...; v) Como remuneração dos serviços prestados, C..., Lda. aufere um valor correspondente a 15% da totalidade das vendas mensais líquidas de descontos e de IVA, emitindo a correspondente fatura até ao segundo dia útil de cada mês, acrescida de IVA à taxa legal em vigor no território (cfr. n.º 2 da cláusula quinta); vi) A B... subtrai ao pagamento das faturas emitidas pela C..., Lda. o montante correspondente a 2,5% das vendas mensais liquidas de descontos e de IVA, destinado à amortização do valor em divida por C..., que à data da celebração do contrato de Prestação de Serviços ascende a Euro 403.112,37 (cfr. n.º 2 da cláusula quinta); vii) De acordo com o n.º 4 da cláusula quinta do referido contrato, no caso de cessação do contrato por qualquer motivo em data anterior à liquidação total do valor em divida (Euro 403.112,37), C..., Lda. obriga-se ao pagamento imediato à B... “do valor remanescente em dívida sem necessidade de interpelação pela PRIMEIRA CONTRAENTE” [B...]; viii) Adicionalmente, de acordo com o disposto na alínea a) da cláusula décima primeira, o contrato pode ser resolvido se alguma das partes faltar as suas obrigações, nomeadamente, caso C..., Lda. esteja em incumprimento em relação a qualquer das suas obrigações presentes no contrato do prestação de serviços. (Cfr. Doc. n.º 8 junto ao PPA).
M) Em 31 de Dezembro de 2014, o valor total do saldo a haver pela B... junto de C..., Lda. cifrava-se em 211.905,52 €, a seguir discriminado: i) adiantamento por conta de comissões a favor de C...– 20.000,00 €; ii) créditos comerciais relativos ao ano de 2014 – 1.612,98 €; iii) créditos comerciais relativos ao ano de 2011 – 190.292,54 €. (Cfr. Relatório de Inspecção constante do Doc. n.º 3 junto ao PPA e também do P.A. e Acordo das Partes).
N) O valor de 190.292,54 € respeita a créditos comerciais detidos pela B... sobre a sociedade C..., Lda. e são, todos, referentes a facturas de venda de produtos da marca B... . (acordo das partes e Relatório de Inspecção constante do Doc. n.º 3 junto ao PPA e também do P.A.).
O) Em finais do ano de 2014, C..., Lda. deixou transparecer dificuldades financeiras no cumprimento das suas obrigações laborais, tendo solicitado um adiantamento à B... por conta das comissões que haveriam de se vencer no futuro, sendo que, esse adiantamento, se cifrou em 20.000,00 €. (Acordo das partes).
P) A B... acedeu a efectivar o adiantamento solicitado por C..., Lda. (Acordo das partes)
Q) A B... foi notificada pelo Serviço de Finanças do Funchal –..., da penhora a favor da AT do saldo credor detido por aquela em relação a C..., Lda., para fazer face a dívidas cujo montante se elevava a 159.221,49 €. (Cfr. Ofício n.º ..., de 18 de Dezembro de 2014, cuja cópia está junta ao PPA como Doc. n.º 12).
R) A B... decidiu-se pela resolução do contrato de prestação de serviços (Cfr. Doc. n.º 10 junto ao PPA).
S) Mesmo antes de concretizar tal resolução, a B... encetou diligências de cobrança dos créditos em dívida que implicaram a deslocação à Madeira do seu Director de Vendas e do responsável do mercado no início do mês de Dezembro de 2014. Essas diligências continuaram no início do ano de 2015. (Cfr. Docs n.ºs 10 e 11 juntos ao PPA).
T) No exercício de 2014, a B... relevou contabilisticamente uma imparidade no montante de 131.399,04 (Acordo das Partes).
U) Em 19.3.2020, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra os actos de liquidação sindicados (Cfr. Doc. n.º 4 junto ao PPA).
V) A reclamação graciosa foi parcialmente deferida por despacho de 15.8.2020 (Cfr. Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e ainda Processo Administrativo Tributário) do Exmº Senhor Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Braga, que manifestou concordância com a proposta de decisão apresentada, cujo teor se dá como reproduzido.
W) A notificação a coberto da qual veio a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa está datada de 17.8.2020. (Cfr. fls. 88 do Processo Administrativo Tributário e no Doc. n.º 1 junto ao PPA).
X) A requerente foi notificada da decisão de deferimento parcial acima referida no dia 18.8.2020 (Cfr. Doc. n.º 1 junto ao PPA).
Y) O dies a quo para apresentação do PPA era, nos termos do n.º 1 do art.º 10º do RJAT, o dia 19.8.2020;
Z) Em 13.11.2020, 23:31 horas, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD).
IV.B) FACTOS NÃO PROVADOS:
20. Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.
IV.C) FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:
21. Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
22. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art.º 596.º do CPC).
23. A convicção sobre os factos assim dados como provados (acima explicitados) fundou-se nas posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados; na prova documental junta aos autos e no Processo Administrativo Tributário junto aos autos pela entidade demandada, nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro; e ainda nas alegações aduzidas pelas partes, Requerente e Requerida, que não foram impugnadas pela parte contrária.
IV.D) DO DIREITO:
IV.D1) APRECIAÇÃO DO MÉRITO DA CAUSA; DA LEGALIDADE DA CONSTITUIÇÃO DA IMPARIDADE:
IV.D.1.2) DO ENQUADRAMENTO JURIDICO-TRIBUTÁRIO QUE PROPUGNA A LEGALIDADE DAS LIQUIDAÇÕES ADICIONAIS QUE AQUI SE
CONTROVERTEM:
24. O Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), acolhe o modelo de dependência parcial entre a fiscalidade e a contabilidade para efeitos de apuramento do lucro tributável.
25. A dado passo, no seu Preambulo, concretamente no seu n.º 10, diz-se “Dado que a tributação incide sobre a realidade económica constituída pelo lucro, é natural que a contabilidade, como instrumento de medida e informação dessa realidade, desempenhe um papel essencial como suporte da determinação do lucro tributável.
As relações entre contabilidade e fiscalidade são, no entanto, um domínio que tem sido marcado por uma certa controvérsia e onde, por isso, são possíveis diferentes modos de conceber essas relações. Afastadas uma separação absoluta ou uma identificação total, continua a privilegiar-se uma solução marcada pelo realismo e que, no essencial, consiste em fazer reportar, na origem, o lucro tributável ao resultado contabilístico ao qual se introduzem, extra contabilisticamente, as correções - positivas ou negativas - enunciadas na lei para tomar em consideração os objetivos e condicionalismos próprios da fiscalidade.
Embora para concretizar a noção ampla de lucro tributável acolhida fosse possível adotar como ponto de referência o resultado apurado através da diferença entre os capitais próprios no fim e no início do exercício, mantém-se a metodologia tradicional de reportar o lucro tributável ao resultado líquido do exercício constante da demonstração de resultados líquidos, a que acrescem as variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo e não refletidas naquele resultado.
Nas demais regras enunciadas a propósito dos aspetos que se entendeu dever regular refletiu-se, sempre que possível, a preocupação de aproximar a fiscalidade da contabilidade.
É assim que, quanto a reintegrações e amortizações, se dá uma maior flexibilidade ao respetivo regime, podendo o contribuinte, relativamente à maior parte do ativo imobilizado corpóreo, optar pelo método das quotas constantes ou pelo método das quotas degressivas, o que constituirá, por certo, um fator positivo para o crescimento do investimento.
No domínio particularmente sensível das provisões para créditos de cobrança duvidosa e para depreciação das existências acolhem-se as regras contabilísticas geralmente adotadas, o que permite um alinhamento da legislação fiscal portuguesa com as soluções dominantes ao nível internacional.”
26. O aludido modelo de tributação vindo de explicitar está, no essencial, consagrado no art.º 17º do respectivo Código, que estatui: “1 — O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.
2 — Para efeitos do disposto no número anterior, os excedentes líquidos das cooperativas consideram-se como resultado líquido do período.
3 — De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:
a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;
b) Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.”
27. Daquele normativo pode inferir-se a existência manifesta de uma correlação entre o lucro contabilístico e o lucro tributável, pesa-embora os respectivos conceitos se não sobreponham.
28. Efectivamente e quanto às pessoas colectivas e outras entidades residentes que exerçam a título principal uma actividade comercial, industrial ou agrícola, o ponto de partida para a determinação do lucro tributável é, como visto, o resultado contabilístico ao qual se introduzem extra-contabilisticamente as correções fiscais impostas pelo CIRC.
29. A organização da contabilidade passa pelo cumprimento do sistema de normalização previsto no SNC, aprovado pelo DL n.º 158/2009, de 13 de Julho.
30. Determinando o n.º 1 do art.º 123º do CIRC que “1 — As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais entidades que exerçam, a título principal, uma actividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direcção efectiva em território português, bem como as entidades que, embora não tendo sede nem direcção efectiva naquele território, aí possuam estabelecimento estável, são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º, permita o controlo do lucro tributável.” Dizendo ainda o n.º 2 do mesmo normativo que “Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte: a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário; b) As operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objecto de regularização contabilística logo que descobertos.”
31. Ademais, o CIRC aceita o regime de acréscimo (periodização económica) como critério de determinação do lucro tributável.
32. O n.º 1 do art.º 18 do CIRC estatui no sentido de que “Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.”, inferindo-se dali que a imputação dos rendimentos e gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, deve ser efectivada de acordo com o critério económico em detrimento da aplicação de critérios financeiros ou de caixa.
33. Com a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1986, o POC sofreu diversas alterações até à aprovação do DL n.º 158/2009, de 13 de julho, que aprovou o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), revogando o POC.
34. O SNC entrou em vigor em Portugal em 1 de Janeiro de 2010.
35. O DL n.º 98/2015, de 2 de Junho, entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2016 e transpõe para o normativo interno a Diretiva n.º 2013/34/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013, relativa às demonstrações financeiras anuais, às demonstrações consolidadas e aos relatórios conexos de certas formas de empresas.
36. Relevando um conjunto de instrumentos, descritos no anexo ao DL 98/2015, de 2 de Junho, relativos ao referencial contabilístico com vista à normalização contabilística . São eles: i) Bases para a apresentação de demonstrações financeiras (BADF); ii) Modelos de demonstrações financeiras (MDF); iii) Código de contas (CC); iv) Normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF);Normas contabilísticas e de relato financeiro para pequenas entidades (NCRF PE); v) Normas contabilísticas e de relato financeiro para entidades do sector não lucrativo (NCRF-ESNL); vi) Normas contabilísticas para microempresas (NC-ME); vii) Normas interpretativas; viii) A estrutura conceptual [EC], baseada no anexo 5 das «Observações relativas a certas disposições do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho», publicado pela Comissão Europeia em Novembro de 2003, que enquadra aqueles instrumentos, constitui um documento autónomo.
37. A actual Estrutura Conceptual do SNC foi publicada pelo Aviso n.º 8254/2015 do Diário da República, n.º 146, Série II, de 29 de Julho de 2015. O § 2º da estrutura conceptual diz: “Esta Estrutura estabelece conceitos que estão subjacentes à preparação e apresentação das demonstrações financeiras para utentes externos, seja pelas entidades que preparam um conjunto de demonstrações financeiras, seja pelas pequenas entidades (…)”.
38. Em perfeita consonância com o disposto no CIRC, a EC do Sistema de Normalização Contabilística, publicada no Aviso n.º 8254/2015, de 29 de Julho, no seu § 22, diz: “A fim de satisfazerem os seus objetivos, as demonstrações financeiras são preparadas de acordo com o regime contabilístico do acréscimo. Através deste regime, os efeitos das transações e de outros acontecimentos são reconhecidos quando eles ocorram (e não quando caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos) sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionem. As demonstrações financeiras preparadas de acordo com o regime de acréscimo informam os utentes não somente das transações passadas envolvendo o pagamento e o recebimento de caixa mas também das obrigações de pagamento no futuro e de recursos que representem caixa a ser recebida no futuro. Deste modo, proporciona -se informação acerca das transações passadas e outros acontecimentos que seja mais útil aos utentes na tomada de decisões económicas.”
39. Em termos declarativos, a conversão do resultado líquido do exercício no lucro tributável é feita no Quadro 07 da Declaração Modelo 22, sendo que a 1ª linha desse Quadro recebe o saldo da conta que apura o resultado líquido do exercício ao qual são adicionadas as variações patrimoniais positivas e negativas que não foram consideradas no apuramento do RLE mas que nos termos do CIRC deverão influenciar o lucro tributável, bem como as correcções positivas e negativas impostas pelo mesmo CIRC.
40. No que estritamente respeita aos créditos de cobrança duvidosa, reitera-se aqui o já acima transcrito e constante do n.º 10 do Preâmbulo do CIRC: “(…) No domínio particularmente sensível das provisões para créditos de cobrança duvidosa e para depreciação das existências acolhem-se as regras contabilísticas geralmente adotadas, o que permite um alinhamento da legislação fiscal portuguesa com as soluções dominantes ao nível internacional.” Quanto à constituição ou reforço de perdas por imparidade, não aceites fiscalmente, dever-se-ão acrescer ao lucro tributável, no aludido Quadro 07, da Declaração Modelo 22, concretamente no seu Campo 718 “Ajustamentos em inventários para além dos limites legais (art.º 28º) e perdas por imparidade em créditos não fiscalmente dedutíveis ou para além dos limites legais (art.º 35º)”. Correspectivamente, quando as perdas por imparidade são anuladas, reduzidas, revertidas ou quando passam a ser aceites fiscalmente , terão de ser deduzidas ao lucro tributável, no aludido Quadro 07, da Declaração Modelo 22, concretamente no seu Campo 762 “Reversão de ajustamentos em inventários tributados (art.º 28º n.º 3) e de perdas por imparidade tributadas (art.º 35º, n.º 3)”.
41. A EC do Sistema de Normalização Contabilística, publicada no Aviso n.º 8254/2015, de 29 de Julho, no seu § 37, diz: “Os preparadores das demonstrações financeiras têm, porém, de lutar com as incertezas que inevitavelmente rodeiam muitos acontecimentos e circunstâncias, tais como a cobrabilidade duvidosa de dívidas a receber, a vida útil provável de instalações e equipamentos e o número de reclamações de garantia que possam ocorrer. Tais incertezas são reconhecidas através da divulgação da sua natureza e extensão e pela aplicação de prudência na preparação das demonstrações financeiras. A prudência é a inclusão de um grau de precaução no exercício dos juízos necessários ao fazer as estimativas necessárias em condições de incerteza, de forma que os ativos ou os rendimentos não sejam sobreavaliados e os passivos ou os gastos não sejam subavaliados. Porém, o exercício da prudência não permite, por exemplo, a criação de reservas ocultas ou provisões excessivas, a subavaliação deliberada de ativos ou de rendimentos, ou a deliberada sobreavaliação de passivos ou de gastos, porque as demonstrações financeiras não seriam neutras e, por isso, não teriam a qualidade de fiabilidade, materializando-se ali uma das caraterísticas qualitativas das demonstrações financeiras consubstanciada na vigência do princípio da prudência.”
42. As perdas por imparidade referentes a créditos de cobrança duvidosa não devem obedecer a critérios fiscais, mas à Norma Contabilística de Relato Financeiro (NCRF) 27 – “Instrumentos financeiros”, já que tais créditos se enquadram no conceito de activos financeiros cuja definição se encontra no §5 daquela Norma e que diz: “Os termos que se seguem são usados nesta Norma com os significados especificados: Ativo financeiro: é qualquer ativo que seja: a) Dinheiro; b) Um instrumento de capital próprio de uma outra entidade; c) Um direito contratual: i) De receber dinheiro ou outro ativo financeiro de outra entidade; ou ii) De trocar ativos financeiros ou passivos financeiros com outra entidade em condições que sejam potencialmente favoráveis para a entidade; ou d) Um contrato que seja ou possa ser liquidado em instrumentos de capital próprio da própria entidade e que seja: i) Um não derivado para o qual a entidade esteja, ou possa estar, obrigada a receber um número variável dos instrumentos de capital próprio da própria entidade; ou ii) Um derivado que seja ou possa ser liquidado de forma diferente da troca de uma quantia fixa em dinheiro ou outro ativo financeiro por um número fixo de instrumentos de capital próprio da própria entidade. Para esta finalidade, os instrumentos de capital próprio da própria entidade não incluem instrumentos que sejam eles próprios contratos para futuro recebimento ou entrega dos instrumentos de capital próprio da própria entidade.”
43. As perdas por imparidade refletidas na contabilidade deverão ser analisadas ao abrigo do CIRC e deverão ser regularizadas, extra-contabilisticamente, as situações necessárias, com fim à obtenção do lucro tributável.
44. O art.º 23º n.º 1 alínea h) do CIRC estabelece que as perdas por imparidade são consideradas gastos do período, já que são indispensáveis para a realização de rendimentos ou para a manutenção da fonte produtora.
45. O art.º 28º-A do CIRC define as perdas por imparidade em dívidas a receber, relativamente aos créditos de cobrança duvidosa, estatuindo: “1 – Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores: a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade; (…).”. O n.º 3 daquele normativo dispõe no sentido de que verificando-se que as perdas por imparidade não devam subsistir, haverá lugar ao acréscimo no lucro tributável, pelo valor correspondente, no respetivo período de tributação.
46. Podendo inferir-se do disposto no art.º 28º-A do CIRC a existência das seguintes condições cumulativas para a aceitação das perdas por imparidade referentes a créditos de cobrança duvidosa como fiscalmente dedutíveis: i) Sejam derivadas da atividade normal da entidade; ii) Possam ser consideradas de cobrança duvidosa; e iii) Estejam evidenciadas na contabilidade.
IV.D.1.2.1) DÍVIDAS DE CLIENTES E PERDAS POR IMPARIDADE NA PERSPECTIVA DO QUADRO NORMATIVO CONTABÍLISTICO EM VIGOR:
47. É na EC do Sistema de Normalização Contabilística, publicada no Aviso n.º 8254/2015, de 29 de Julho, na alínea a) do § 49, que poderemos encontrar a definição de Ativo - um dos elementos das demonstrações financeiras relevado no balanço – como “um recurso controlado pela entidade como resultado de acontecimentos passados e do qual se espera que fluam para a entidade benefícios económicos futuros”.
48. As dívidas a receber qualificam-se no balanço como ativos financeiros por contemplarem os três elementos essenciais apresentados na Estrutura Conceptual: i) Recurso controlado pela Entidade (§ 56 da EC); ii) Resultado de transações ou acontecimentos passados (§ 57 da EC) e, iii) Gerador de benefício económico futuro (§ 52 da EC).
49. A EC vai mais além ao indicar que o reconhecimento de ativos no balanço tem de ser mensurado com fiabilidade (§ 87 da EC).
50. No entanto, ressalva que quando um ativo deixa de proporcionar benefícios económicos futuros para a entidade, na totalidade ou em parte, não deverá ser reconhecido no balanço (§ 88 da EC). Este parágrafo é a causa que irá permitir o efeito de reconhecimento do ativo de acordo com critérios valorimétricos objetivos e adequados, através da constituição de perdas por imparidade.
51. O enquadramento contabilístico do conceito de perda por imparidade em dívidas de clientes consta na Norma Contabilística e de Relato Financeiro 27 – Instrumentos Financeiros.
52. A NCRF 27 indica que as dívidas a receber, entre as quais as de clientes, devem ser mensuradas ao custo ou custo amortizado ou ao justo valor com as alterações de justo valor a serem reconhecidas nas demonstrações de resultados, conforme definido nos seus §10 a §16, menos qualquer perda por imparidade constituída.
53. Para o reconhecimento da imparidade a NCRF 27 no §23 estabelece: “À data de cada período de relato financeiro, uma entidade deve avaliar a imparidade de todos os ativos financeiros que não sejam mensurados ao justo valor através de resultados. Se existir uma evidência objetiva de imparidade, a entidade deve reconhecer uma perda por imparidade na demonstração de resultados”.
54. A alínea c), do n.º 1, do art.º 28.º-B do CIRC apesar de impor como requisito necessário à aceitação da perda por imparidade de créditos de cobrança duvidosa a prova objectiva de imparidade, não a conceitua.
55. O §24 da NCRF 27 define evidencia objectiva e que o tribunal interpreta como “prova objectiva de imparidade” na acepção do que a tal propósito estatui o CIRC, ao dispor: “Evidência objetiva de que um ativo financeiro ou um grupo de ativos está em imparidade inclui dados observáveis que chamem a atenção ao detentor do ativo sobre os seguintes eventos de perda: a) Significativa dificuldade financeira do emitente ou devedor; b) Quebra contratual, tal como não pagamento ou incumprimento no pagamento do juro ou amortização da dívida; c) O credor, por razões económicas ou legais relacionados com a dificuldade financeira do devedor, oferece ao devedor concessões que o credor de outro modo não consideraria; d) Torne -se provável que o devedor irá entrar em falência ou qualquer outra reorganização financeira; e) O desaparecimento de um mercado ativo para o ativo financeiro devido a dificuldades financeiras do devedor; ou f) Informação observável indicando que existe uma diminuição na mensuração da estimativa dos fluxos de caixa futuros de um grupo de ativos financeiros desde o seu reconhecimento inicial, embora a diminuição não possa ser ainda identificada para um dado ativo financeiro individual do grupo, tal como sejam condições económicas nacionais, locais ou sectoriais adversas.”
56. Transpondo esta norma para as contas a receber de clientes, as empresas devem aferir se os valores que esperam vir a receber diferem da quantia escriturada em contas ou subcontas de clientes e, em caso afirmativo, devem de reconhecer uma imparidade.
57. A mensuração das perdas por imparidade das dívidas a receber de clientes deve ser determinada pela diferença entre a quantia escriturada e o valor atualizado dos fluxos de caixa estimados, descontado à taxa de juro efectiva original, sempre que o activo tenha sido relevado no relato financeiro ao custo amortizado, conforme definido na alínea a) do § 28 da NCRF 27.
58. A reversão de perdas por imparidade está prevista no §29 da NCRF 27, sempre que num período posterior “(…) a quantia de perda por imparidade diminuir e tal diminuição possa estar objetivamente relacionada com um evento ocorrido após o reconhecimento da imparidade (como por exemplo a melhoria na notação de risco do devedor) a entidade deve reverter a imparidade anteriormente reconhecida.”. Na prática, tal sucede, sempre que os factores que levaram à constituição dessa perda por imparidade, deixarem de ter significado no relato financeiro. Esta reversão não poderá ser superior ao custo amortizado do ativo escriturado no relato financeiro e deverá ser reconhecida na demonstração de resultados.
59. A cada data de relato uma entidade também deve avaliar se existem indícios de que uma perda por imparidade que já tenha sido reconhecida anteriormente, tenha diminuído ou deixado de existir. Nesta situação, deve-se proceder à reversão da perda por imparidade registada no passado.
60. Se ocorrer uma diminuição da perda por imparidade e a mesma esteja objetivamente relacionada com um evento ocorrido após o reconhecimento da imparidade, a entidade deve proceder à reversão da imparidade que tinha sido anteriormente reconhecida.
61. Um exemplo desta situação pode ser a melhoria na notação de risco do devedor.
IV.D.1.2.2) ENQUADRAMENTO DAS PERDAS POR IMPARIDADE DOS CRÉDITOS DE COBRANÇA DUVIDOSA NA PERSPECTIVA DO CIRC:
62. Comecemos por reiterar o que já acima se explicitou a propósito do enquadramento em sede do IRC das imparidades dos créditos de cobrança duvidosa.
63. No reconhecimento de perdas por imparidade em dívidas a receber, resultantes de atividade normal e evidenciados como sendo de cobrança duvidosa na contabilidade , o CIRC, no n.º 1 do seu art.º 28º-B, considera como créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que diz verificar-se nos seguintes casos: “a) O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de Agosto; b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral; c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.”
64. Do n.º 2 do mesmo normativo resulta uma outra condição para a aceitação fiscal da perda por imparidade dos créditos de cobrança duvidosa: a mora.
65. Nas situações de mora considera-se existir risco de incobrabilidade quando decorreu já tempo suficientemente longo para a satisfação da dívida não tendo sido possível, apesar das diligências efectuadas, obter o seu recebimento. A alínea c) do n.º 1 do art.º 28º-B do CIRC dispõe no sentido de que existe justificação para o risco de incobrabilidade quando os créditos estejam em mora há mais de 6 meses, desde a data do respectivo vencimento, e existam provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento, graduando o montante da provisão fiscalmente admissível em função do atraso no recebimento. A efectivação de tal condição pressupõe a sua quantificação por percentagens que variam em função da antiguidade da dívida, contada a partir da data de vencimento, nos seguintes termos: a) 25 % para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses; b) 50 % para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses; c) 75 % para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses; d) 100 % para créditos em mora há mais de 24 meses.
66. Em face do que estatuem os n.ºs 1 e 2 do art.º 804º do Código Civil, o devedor ficará constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir ou, independentemente de mora, no caso de se tratar de uma obrigação com prazo certo, se provier de facto ilícito e, ainda, se o próprio devedor impedir a interpelação.
67. A circunstância de um crédito se encontrar em mora há mais de 6 meses, não é, ipso facto, um factor determinante para o considerar de cobrança duvidosa.
68. Tal consideração deve ser efectuada com base na avaliação casuística do risco de incobrabilidade.
69. Uma dívida vencida e não paga há mais de 6 meses, relativamente à qual o credor concorda em diferir o respectivo prazo de pagamento constante do documento que a titula – factura – não é uma dívida em mora para efeitos fiscais, donde, não releva para efeitos da alínea c) do n.º 1 do art.º 28º-B do CIRC. Este entendimento resulta mesmo de doutrina administrativa sancionado por Despacho do SDGCI de 23.05.1994, divulgada no Ofício-Circulado n.º 023332, de 03.06.94, do SAIR, que diz: “1. A constatação da existência de risco de cobrabilidade do crédito implica a sua consideração como crédito de cobrança duvidosa e a sua evidenciação como tal na contabilidade, conforme alínea a) do n.º 1 do art.º 33.º do CIRC, só sendo admissível, nesta situação, para efeitos fiscais, a constituição da provisão para créditos de cobrança duvidosa nos termos estabelecidos nos art.ºs 33.º e 34.º do CIRC. 2. Para efeitos fiscais, só haverá mora quando o credor não concorda com o deferimento do prazo normalmente estabelecido para o pagamento da dívida.”
70. O CIRC, no n.º 3 do art.º 28º-B ,impõe, ainda, uma limitação aos créditos que não serão qualificados de cobrança duvidosa e a sua perda por imparidade não relevada fiscalmente: “a) Os créditos sobre o Estado, regiões autónomas e autarquias locais ou aqueles em que estas entidades tenham prestado aval; b) Os créditos cobertos por seguro, com exceção da importância correspondente à percentagem de descoberto obrigatório, ou por qualquer espécie de garantia real; c) Os créditos sobre pessoas singulares ou coletivas que detenham, direta ou indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, mais de 10 % do capital da empresa ou sobre membros dos seus órgãos sociais, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1; d) Os créditos sobre empresas participadas, direta ou indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, em mais de 10 % do capital, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1.”.
IV.D.1.2.3) DO EVENTUAL ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO EM QUE ESTÁ A ASSENTAR A TRIBUTAÇÃO ADICIONAL AGORA EMERGENTE, CONSUBSTANCIADO NA ERRÓNEA QUANTITICAÇÃO DO LUCRO TRIBUTÁVEL, POR DESCONSIDERAÇÃO DAS IMPARIDADES CONSTITUÍDAS EM 2014:
71. Deixámos acima amplos desenvolvimentos sobre a relevação contabilística no âmbito da constituição e reversão das imparidades e princípios aplicáveis, nomeadamente, o princípio contabilístico da especialização ou do acréscimo (sendo que o SNC adoptou aquele princípio contabilístico que é, aliás, um princípio basilar da técnica contabilística, adoptado igualmente a nível internacional pelas normas internacionais de contabilidade), bem como o princípio da prudência.
72. Enunciados os princípios contabilísticos da especialização e da prudência importará questionar se a constituição de provisões para clientes de cobrança duvidosa se disciplina, (por ora numa perspectiva estritamente contabilística), em ordem mais a um ou a outro dos princípios explicitados ou até aos dois cumulativamente?
73. A resposta parece evidente: a constituição de provisões para clientes de cobrança duvidosa está, indiscutível e essencialmente, ligada ao princípio da prudência, sem que com isto se queira dizer que tal constituição/reforço não possa igualmente submeter-se ao princípio da especialização, como adiante melhor se explicitará.
74. Utilizando a linguagem das Normas Internacionais de Contabilidade, a constituição de imparidades tem por escopo fazer face a contingências negativas (que, neste caso, resultavam da eventual incobrabilidade) cuja probabilidade de ocorrência é verosímil, resultando (caso ocorra) numa perda para a empresa.
75. Nestes casos, é prudente reconhecer essa perda potencial nas demonstrações financeiras, constituindo-se ou reforçando-se a imparidade.
76. A constituição de imparidades, no pressuposto de que a contingência negativa existe (de notar que este juízo compete, em princípio, ao empresário. É ele que, em função do conhecimento que tem da realidade empresarial e da sua clientela em particular, deve decidir se um determinado crédito, não obstante a sua antiguidade, se deve subsumir no conceito de contingência negativa face ao risco de incobrabilidade), não é mormente determinada pelo princípio da especialização dos exercícios que tão-só pode ser chamado à colação caso o risco de incobrabilidade se mostre já firmado e até relevado contabilisticamente por transferência das respectivas contas de terceiros (211 – Clientes) para as contas de clientes de cobrança duvidosa – (conta 218), sem que se mostre imediatamente cumprida a constituição da respectiva imparidade ou reforçada a imparidade já constituída em parte. Neste sentido veja-se o Acórdão do STA, de 21.11.2001, Recurso n.º 26080, de onde dimana firme jurisprudência que vai no sentido de que( ): “1 — As componentes negativas do lucro tributável são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios, só podendo ser imputadas a exercício posterior quando, na data de encerramento das contas do exercício a que deveriam ser imputadas, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas. 2 — Uma vez considerados determinados créditos como sendo de cobrança duvidosa e como tal contabilizados, não pode falar em imprevisibilidade da necessidade de constituição das provisões respectivas. 3 — Por isso, estas provisões só podem ser consideradas como custo fiscal do exercício em que os créditos a que se reportam foram contabilizados como sendo de cobrança duvidosa.”
77. Isto dito, traga-se à colação agora para o enquadramento jurídico-tributário da constituição de imparidades o acima explicitado no ponto IV.D.1.2.2 desta peça.
78. Subjacente à constituição de provisões dos créditos de cobrança duvidosa encontra-se o princípio do balanceamento dos custos com os inerentes proveitos e o já sobejamente analisado supra princípio da prudência.
79. O princípio de prudência conduz, como visto, à necessidade de inserção nas contas de um determinado grau de precaução para fazer face a situações de incerteza, de tal forma que os activos e os resultados não sejam sobredimensionados.
80. A constituição de imparidades tem como finalidade essencial possibilitar a inclusão de custos ou perdas de dado exercício de montantes que de outro modo nele não figurariam, por lhe faltar justificação documental para a respectiva movimentação; é, exactamente, essa falta de justificação documental que a constituição da imparidade vem suprir. Ou seja, as contas de provisões/imparidades são aquelas onde se inscrevem as verbas destinadas a contrabalançar encargos ou prejuízos estimados e actuais, de provável processamento futuro, ou, sendo certa a sua ocorrência futura, apenas o seu montante é actualmente incerto.
81. Podemos então definir imparidades como sendo custos estimados e actuais (do exercício) correspondentes a despesas cujo montante ainda não é certo ou que são de eventual ocorrência futura.
82. A necessidade de constituição de imparidades surge porque a tributação do rendimento se processa anualmente, obrigando as empresas a fazer paragens teóricas da sua actividade para a periodização do lucro tributável, concretizada de acordo com o princípio da especialização dos exercícios.
83. E o princípio da prudência adoptado pelo SNC determina que as diminuições do activo, ainda que potenciais, deverão ser relevadas contabilisticamente.
84. Estamos perante possíveis futuras perdas de rendimentos da empresa.
85. Haverá, todavia, a considerar que a integração de um grau de precaução nas contas não pode conduzir à criação de reservas ocultas ou provisões excessivas ou à deliberada quantificação de activos e proveitos por defeito ou de passivos e custos por excesso.
86. Tal como acima sobejamente se deixou, o SNC prevê, entre outras, a constituição de imparidades para créditos de cobrança duvidosa.
87. No entanto, e porque a constituição abusiva de imparidades para créditos de cobrança duvidosa poderia conduzir a uma distorção dos resultados duma empresa, para efeitos fiscais, o legislador introduziu normas tipificando as situações que são passíveis de constituir custos para efeitos fiscais.
88. Efectivamente, do ponto de vista fiscal e tal como sobejamente explicitado acima, consagra-se, como regra geral, no artigo 23°, n° 1, alínea h), do CIRC, dedutibilidade fiscal das imparidades.
89. Todavia, essa regra sofre as limitações qualitativas expressas na alínea a) do n.º 1 do art.º 28º-A do CIRC e, do ponto de vista do quantum, as restrições constantes do n.º 2 do art.º 28º-B do mesmo Código.
90. Tais condicionalismos conduzem ao facto de poder não existir coincidência entre os critérios contabilísticos e critérios fiscais que disciplinam a constituição e reforço das provisões.
91. Assim, o CIRC estabelece as situações em que as imparidades constituídas pelos contribuintes podem ser consideradas para efeitos de apuramento do lucro tributável, enunciando de forma taxativa um elenco fechado de tipologias de provisões/imparidades com tal relevância.
92. Foi, claramente, objectivo do legislador não deixar a constituição das imparidades/provisões ao livre arbítrio dos contribuintes.
93. Os créditos a considerar para efeitos de cálculo de provisões/imparidades de cobrança duvidosa têm que resultar da actividade normal da empresa. Tal como é referido no Código do IRC, Comentado e Anotado, Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, 1990, pág. 180, “Embora se não encontre definido na lei o que se entende por créditos resultantes da actividade normal, a Administração Fiscal tinha vindo a entender, no âmbito da Contribuição Industrial, que estes compreendem os saldos devedores de clientes e fornecedores constantes do balanço reportado a 31 de Dezembro de cada ano”.
94. Além de que os créditos de cobrança duvidosa deverão ser registados na contabilidade, em contas apropriadas. Defende-se no Código do IRC, Comentado e Anotado, Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, 1990, pág. 181, que “(…) dever-se-ão registar na contabilidade, em contas apropriadas, os créditos duvidosos contabilizando, em subcontas, os créditos desta natureza em função das alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo em anotação [art.º 34º do CIRC, na redacção à data da sua entrada em vigor] e dentro dos previstos na alínea c) em função do tempo decorrido desde o vencimento, conforme o n.º 2 do mesmo artigo ou, em alternativa, em registos extra-contabilísticos que forneçam a mesma informação, embora sempre com a evidenciação na contabilidade dos créditos de cobrança duvidosa.”
95. É, ainda, necessário que os créditos que estejam evidenciados como créditos de cobrança duvidosa na contabilidade e, para os clientes que não estão em contencioso, terá de haver prova de terem sido feitas diligências tendentes ao recebimento dos créditos em mora relativos aos quais foram constituídas as provisões, por exemplo, carta registada com aviso de recepção insistindo no pagamento. Enfoque-se que a referência à carta registada com AR vem referida a título meramente exemplificativo.
96. No Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30.4.2003, Processo n° 101/03, in http://www.dgsi.pt/jsta.nsf?OpenDatabase, foi afirmado que "os artigos 34° n°1 alínea a) e 18° n°1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas não exigem que a provisão para créditos de cobrança duvidosa seja constituída no exercício em que esses créditos entrem em mora.
97. Para que a provisão seja recusada como custo fiscal não basta, pois, invocar-se que os créditos já estavam em mora há mais de seis meses aquando da constituição da provisão, importando que a Administração afirme, e isso se prove, que a incobrabilidade dos créditos foi verificada em exercícios anteriores àquele em que ocorreu essa constituição, e isso evidenciado na contabilidade do contribuinte, pois só neste caso há ofensa do princípio da especialização dos exercícios, a justificar o não atendimento da imparidade como custo fiscal do exercício.
98. No regime do CIRC, a constituição de provisões/imparidades para cobertura de créditos de cobrança duvidosa é imputável, "não ao exercício da constituição dos créditos, mas sim ao exercício em que se verifica o risco de incobrabilidade", donde se infere que "não é a data da constituição dos créditos ou a verificação de certo prazo de mora que releva para o efeito, mas sim a data da verificação do risco de incobrabilidade".
99. O que se pode inferir da lei – alínea a), do n.º 2, do art.º 28°-B, do CIRC - é que o crédito em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento pode ser considerado de cobrança duvidosa; e que, para o cobrir, pode ser constituída uma imparidade fiscalmente dedutível no ano em que o crédito seja considerado de cobrança duvidosa e como tal contabilizado, mas não já em exercícios posteriores, sob pena de se afrontar o n.º 1, do art.º 18° do CIRC.
100. Defende-se ainda no Acórdão acima citado que, "não é a data da constituição dos créditos ou a verificação de certo prazo de mora que releva para o efeito, mas sim a data da verificação do risco de incobrabilidade.”
101. Assim, tudo está em saber, como ali se diz, em que exercício o risco de incobrabilidade foi constatado e isso reflectido na contabilidade da Requerente.
102. Sendo que “tal exercício não tem, necessariamente, que coincidir com aquele em que os créditos entraram em mora, ou em que tal mora ultrapassou a duração de seis meses, pois a simples mora do devedor não é indício bastante de que o crédito não virá a obter cobrança.” No caso sub judicio o devedor da Requerente parece ter incorrido em mora, atento o acordo firmado entre a Requerente e o seu cliente (C..., Lda.), não após o vencimento das facturas aqui em causa mas antes após a revogação do acordo firmado pela Requerente e uma vez ultrapassados os prazos para pagamento acordados entre as partes, ainda que a expectativa de recebimento daqueles créditos se haja mantido até momento muito posterior ao do vencimento das facturas, ou seja, durante todo tempo em que se esteva a cumprir o acordo que foi firmado. A expectativa de recebimento daqueles créditos só se gorou quando o acordo foi revogado por incumprimento do cliente da requerente.
103. A Requerida, para efectuar correcções que fez emergir, fundou-as no facto do risco de incobrabilidade já se haver firmado em momento anterior a 2014. A Requerida suscitou durante o procedimento inspectivo a questão do risco de incobrabilidade já se haver formado antes da constituição das imparidades em 2014, sendo que, para o Tribunal Arbitral Singular ficou provado (durante o procedimento inspectivo e nos autos) que a incobrabilidade dos créditos que originaram a imparidade aqui em causa foi constatada em 2011 (em exercício anterior ao da sua relevação contabilística em 2014) e só reflectida na contabilidade da Requerente em 2014, ou seja, depois de revogado o acordo que a requerente firmou com o seu cliente.
104. A referida invocação e prova daquele pressuposto não pode deixar de se valorar em desfavor da Requerente.
105. Acrescendo dizer que, como já foi afirmado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, no Acórdão de 19/07/2006, no Recurso n° 1095/06, in http://www.dgsi.pt/jtca.nsf?OpenDatabase, "(...) o contribuinte se poderá socorrer de todas as provas que, atento o circunstancialismo a demonstrar, lhe sejam facultadas pelo ordenamento jurídico, o que vale por dizer não ser questionável(...) que a prova da factualidade atinente ao momento em que se verificou o risco de incobrabilidade possa ser feita (...), designadamente , (...) por via testemunhal."
106. Partindo da hermenêutica vinda de explicitar, passemos agora a analisar mais em concreto o caso sub studi.
107. Ora, tal como acima se defendeu, a questão relevante para efeitos do art.º 28º-A e 28º-B do CIRC não era a de saber qual é a data da emissão ou até mesmo do vencimento das facturas, mas sim a data em que estes créditos foram considerados em risco de incobrabilidade pela aqui Requerente, tendo em atenção o princípio da prudência.
108. Daqui decorre que a Requerente para obstar a que as correcções produzidas (e os actos tributários sindicados que nelas estão estribados) pudessem colher, teria de ter afirmado e tal teria de ficar provado que a incobrabilidade dos créditos que originaram as imparidades foi constatada e reflectida na contabilidade no exercício de 2014 e já não no exercício anterior de 2011. E a tal propósito, não obstante a Requerente se haver esforçado em fazer tal demonstração o que se afigura incontornável a este Tribunal Arbitral Singular é que, atento o disposto no § 24 da NCRF, a prova objectiva de imparidade (que o aludido § 24 designa como evidência objectiva) resulta da verificação das primeiras 3 alíneas – daquele parágrafo 24, ou seja, no momento em que se firmou o acordo entre o devedor da Requerente e esta já havia dados observáveis para os eventos de perda que estão naquelas três alíneas do § 24 e que são: i) a dificuldade financeira do devedor; ii) a quebra contratual; iii) o oferecimento ao devedor de concessões que o credor de outro modo não consideraria e não concede aos seus demais clientes;
109. E o que dizer quanto à circunstância do risco de incobrabilidade se haver constatado em 2011 e de o cliente da Requerente só haver entrado em mora após a revogação do acordo entretanto firmado com aquele em 2014?
110. Desde logo importará assentar que a imparidade poderá ser contabilisticamente reconhecida, bastando para o efeito que o seja (a constituição da imparidade) no exercício em que se verificou o risco de incobrabilidade do crédito. Ainda que do ponto de vista fiscal o reconhecimento da imparidade se firme decorridos mais de 24 meses da data de vencimento dos respectivo crédito, sabendo-se que in casu emergiu um acordo que admitiu o diferimento desses prazos de vencimento constantes das facturas.
111. Importando salientar que o aludido risco de incobrabilidade se tem de manifestar objectiva e externamente, de modo a possibilitar a sua sindicância. Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 10.11.2011, arresto n.º 00123/03-Porto: “À lei fiscal não interessa (...) o momento (subjectivo) em que a empresa equacionou o risco de incobrabilidade, que muito dificilmente poderia ser sindicado. Interessa sim o momento em que, objectiva e externamente, se manifestou o risco de incobrabilidade. «A ratio legis destes afunilamentos fiscais ancora-se, em especial, na impossibilidade desta ciência tolerar a subjectividade inerente à provisão contabilística, a qual, por repousar sobre critérios de probabilidade, contém necessariamente uma certa margem de discricionariedade» (Tomás Tavares, «Da relação da dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: Algumas reflexões ao nível dos custos», in C.T.F. n.º 396, pág. 81/82)”.
112. E a respeito da constatação objectiva do risco de incobrabilidade dos créditos, ficou provado nos autos que logo em 2011 a Requerente aceitou diferir o pagamento das facturas vencidas e não pagas pelo seu devedor; alterou o relacionamento contratual que vinha estabelecendo com o seu devedor por haver constatado que aquele se encontrava em manifesta dificuldade para cumprir com a contraprestação pelos fornecimentos que antes havia outorgado com a Requerente; converteu as obrigações de pagamento que tinham prazo certo em obrigações sem prazo.
113. Da prova produzida nos autos foi possível constatar que o risco de incobrabilidade se revelou em exercício anterior àquele em que foi constituída e contabilizada a imparidade.
114. O risco de incobrabilidade revelou-se, entende o Tribunal Arbitral Singular, no preciso momento em que a Requerente entendeu aceitar o acordo para pagamento faseado dos créditos vencidos e não pagos pelo seu cliente C..., Lda., cumprindo lembrar que os créditos se venceram em momento anterior a 31.12.2011, tendo o risco de incobrabilidade advindo ainda no ano de 2011 e a imparidade só foi constituída em 2014 pela aqui Requerente.
115. Sendo que o distanciamento temporal da verificação de tal risco de incobrabilidade, face à data da constituição da imparidade em 2014, se afasta da normalidade, cumprindo, por conseguinte, à Requerente explicar as razões da contabilização da imparidade tão-só em 2014 e já não no momento em que constatou as dificuldades financeiras do seu cliente, a ponto de ter aceite outorgar com ele um contrato que diferia claramente os prazos de pagamento constantes das facturas que titulavam os seus fornecimentos para aquele e que não foram recebidas.
116. O Tribunal Arbitral Singular considera que há factos provados nos autos que suportam objectivamente a afirmação de que o risco de incobrabilidade dos créditos aqui em causa ficou evidenciado no momento em que tal acordo foi firmado e já não posteriormente, nomeadamente, quando o acordo firmado entre a Requerente e o seu devedor foi revogado, ou seja, em 2014.
117. A requerente não gozava do poder de livre escolha do exercício em que pretendia contabilizar os seus créditos de cobrança duvidosa.
118. A imparidade, para ser dedutível como custo fiscal, tinha de ser constituída no exercício em que o risco de incobrabilidade se constatou e isso deve aferir-se objectivamente em função do que a tal respeito estatui o ordenamento jurídico-contabilístico, ou seja, como visto, em função do que dispõe o § 24 da NCRF 27.
119. E para o Tribunal Arbitral Singular esse risco de incobrabilidade foi constatado, necessariamente, no exercício em que a Requerente aceitou acordar com o seu devedor uma nova configuração do seu relacionamento contratual (sendo que o devedor passou de cliente a prestador de serviços) e ainda novas regras de pagamento do que estava em falta, sendo que tal exercício não tem necessariamente, que coincidir com aquele em que os créditos entraram em mora, ou em que tal mora ultrapassou a duração de seis meses prevista na alínea a) do n.º 2 do art.º 28-B do CIRC; ou até a duração de mais de 24 meses a que se reporta a alínea d) daquele mesmo normativo, já que a simples mora do devedor não significa que o crédito não virá a obter cobrança.
120. Assim sendo, o Tribunal Arbitral Singular é levado a concluir, num juízo de normalidade, que a Requerente desprezou o risco de incobrabilidade dos créditos vencidos e aqui em causa que se firmou em 2011, só voltando a diligenciar no sentido do recebimento dos pagamentos em mora decorridos vários anos sobre a data de vencimento dos créditos, precisamente porque estava em vigor um acordo para pagamento faseado da dívida emergente em 2011, o que a poderia tê-la levado a registar adequadamente a imparidade em exercício anterior a 2014 e de modo consentâneo com o princípio da especialização, consagrado no art.º18.º do CIRC, também ele orientado para prevenir a manipulação dos resultados fiscais através da imputação de custos e proveitos ao exercício que mais interessa ao sujeito passivo, com nítido desvio do princípio constitucional da tributação dos rendimentos reais (art.º 104.º, n.º 2, da CRP).
121. O registo da imparidade em 2014 esbarra no princípio da periodização económica do lucro tributário, na medida em que, nos termos do artigo 18.º n.º 1. e n.º 2 do CIRC, a regra é a de que as componentes negativas do lucro tributável devem ser imputadas ao período de tributação em que são suportadas, sendo a imputação das mesmas a outros períodos de tributação excepcional e limitada a componentes negativas imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.
122. Para se proceder à imputação a 2015 e 2016 de componentes negativas consubstanciadas nas imparidades por créditos de cobrança duvidosa cujo risco de incobrabilidade foi constatado em 2011 era necessário que se estivesse diante de realidades imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.
123. Ora, é evidente que, in casu, os correspondentes custos associados às imparidades aqui em causa, não eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos. Na verdade, há nos autos dados objetivos disponíveis que demonstram que o risco inerente à cobrança dos créditos aqui em causa já existia nos anos anteriores a 2014, i.e. mais concretamente em 2011. Dos elementos de prova carreados para os autos se infere a significativa dificuldade financeira do devedor a que alude o § 24 alínea a) da NCRF 27. Do acordo firmado entre a Requerente e o seu devedor, pode razoavelmente retirar-se que no momento da sua outorga o devedor se encontrava em situação de incontornável quebra contratual associada ao não pagamento dos créditos vencidos a que se reporta também o § 24 alínea b) da NCRF 27. Daquele vínculo se intui ainda que a Requerente, face às dificuldades financeiras em que o devedor estava a laborar, ofereceu àquele concessões que o credor de outro modo não consideraria e não oferecia aos demais devedores da sua carteira de clientes. Nisto se consubstanciando a verificação também do evento de perda a que se reporta a alínea c) do § 24 da NCRF 27.
124. A conjugação destes elementos permitem que se conclua, razoavelmente, pela existência de provas objetivas de imparidade, logo no exercício de 2011, para efeitos da alínea c) do n.º 1 do art.º 28.º-B do CIRC.
125. Tal como acima se referia, a Requerente argumentava ainda no sentido de que ainda que tivesse ocorrido desrespeito pelo princípio da periodização do lucro tributável, sempre haveria que se concluir que o procedimento seguido pela Requerente não determinou prejuízo à receita tributária, havendo ainda que atender à jurisprudência recorrente do STA no sentido de que a rigidez do princípio da periodização dos exercícios tem de ser ponderada com o princípio da justiça. A requerente identifica a este propósito jurisprudência que dimana do Acórdão do STA de 14 de Março 2018, proferida no processo número 0716/13 e aponta ainda os ensinamentos de Diogo Leite Campos, Benjamin Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa in Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Lisboa, Encontro da Escrita, 2012, pp.452 e 454.
126. A tal propósito diga-se desde já que se podem identificar duas correntes jurisprudenciais: i) uma, que, in limine, não admite a derrogação ao princípio da periodização económica, exceptuado o caso previsto expressamente no n.º 2 do art.º 18.º do CIRC (que dispõe no sentido de que: “[A]s componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.); ii) uma outra, que admite violação do princípio da anualidade, por cedência a outros princípios e de entre eles, nomeadamente, o da justiça.
127. Na corrente jurisprudencial identificada em i) do ponto precedente desde decisão, identificam-se as seguintes decisões arbitrais tiradas nos processo arbitrais n.ºs: i) 239/2015-T, de 19.02.2016; ii) 429/2017-T, de 21.5.2018; iii) e 442/2017-T, de 26.1.2018.
128. Na decisão de improcedência proferida no âmbito do processo nº 239/2015-T, de 19.2.2016, o Requerente invocou que as correções efetuadas pela Requerida, aos rendimentos (juros de suprimentos) de 2010 e 2011, enfermavam de vício de duplicação de coleta, uma vez que os rendimentos corrigidos haviam sido incluídos no lucro tributável de 2012. O Tribunal entendeu que o que importava analisar era se o Requerente deveria, ou não, relevar os respectivos rendimentos nos exercícios de 2010 e de 2011 e, sopesando convenientemente o teor da NCRF 20 e ainda o disposto nos artºs 17.º e 18.º do CIRC, decidiu no sentido de que as correções promovidas pela AT, em obediência ao disposto no art.º 18.º do CIRC, deveriam manter-se, julgando assim improcedente o Pedido de Pronúncia Arbitral, porquanto, os rendimentos ali em causa respeitavam aos anos de 2010 e 2011.
129. A invocação da suposta violação do princípio da justiça não mereceu acolhimento nem foi bastante para levar o Tribunal a julgar procedente o PPA.
130. Na decisão de improcedência proferida no âmbito do processo nº 442/2017-T, de 26.1.2018, o Requerente pretendia que fosse considerado gasto relevante no exercício de 2015 o montante titulado por facturas e notas de débito respeitantes ao ano de 2012 e 2013, pagas ao respectivo fornecedor na sequência da decisão judicial que emergiu no âmbito de um processo de injunção instaurado (pelo fornecedor) em Abril de 2013, influenciando, por isso, tais gastos, o lucro tributável de 2015, invocando que a não consideração do gasto naquele ano de 2015, violava os princípios da periodização do lucro tributável, da capacidade contributiva e da justiça.
131. Fundamentando a decisão de improcedência das pretensões da Requerente, o tribunal aduziu no sentido de que o Requerente em nenhum momento alegou que os serviços que lhe foram faturados não foram prestados, donde, apesar de questionar o respectivo montante, deveria ter deduzido os gastos nos exercícios de 2012 e de 2013, uma vez que, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios e o disposto no n.º 2 do art.º 18.º do CIRC, os mesmos não eram desconhecidos ou imprevisíveis, ou, pelo menos, por prudência, poderia ter registado uma provisão. O tribunal aduziu ainda no sentido de que não tendo sido registado o gasto, o Requerente deveria ter apresentado reclamação graciosa necessária (Cfr. art.º 131.º do CPPT) das autoliquidações de 2012 e 2013. O Tribunal Arbitral referiu que era compreensível que, do incumprimento das exigências legais de natureza formal e do princípio da especialização dos exercícios (cujos objetivos são: o “controlo da atividade do contribuinte”, a “promoção da realidade” e a “proteção do interesse público no combate à fuga e à evasão fiscal”), resultasse o estabelecimento pela lei da sanção da não dedutibilidade dos gastos, daí concluindo: “Considera-se então que o princípio da especialização dos exercícios, assente no interesse público da prevenção e combate da evasão fiscal, deve prevalecer sobre o princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real consagrado no art.º 104º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Em suma, no entender deste Tribunal e nos termos do art.º 18º, nº 1 do CIRC, o gasto em causa nos presentes autos deveria ter sido deduzido no exercício de 2013, uma vez que, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios e o disposto no art.º 18, nº 2 do CIRC, o gasto em causa não era desconhecido pela Requerente e não era imprevisível.
De facto, pelo menos a partir do momento que lhe foi instaurado o processo de injunção (abril de 2013), o gasto em causa deixou de ser imprevisível e manifestamente desconhecido como pugna a Requerente! Ainda assim, a Requerente sempre podia ter lançado mão de outro mecanismo contabilístico fiscal: discordando, com razão ou não, com os valores que lhe eram exigidos na injunção, devia ter efetuado, por cautela, uma provisão, nos termos do art.º 39º, nº 1 a) do CIRC.
O referido dispositivo permite a realização de provisões, fiscalmente dedutíveis, para fazer face a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os gastos do período de tributação.
A Requerente invoca em sua defesa a prevalência dos princípios da justiça e da tributação pelo rendimento real e da capacidade contributiva, previstos nos artºs. 266º, nº 2 e 104º, nº 2 da CRP, respetivamente, sobre o princípio da especialização dos exercícios.
O Acórdão do CAAD, proferido a 31-03-2017, no processo nº 422/2016-T esclarece a este propósito que “(…) o princípio da justiça é imposto à globalidade da atividade da Administração Tributária (…). Da observância concomitante dos princípios da legalidade e da justiça conclui-se que o dever de a Administração Tributária aplicar o princípio da legalidade não se traduz numa mera subordinação formal às normas que especificamente regulam determinadas situações, abrangendo também o dever de a administração ter em conta as consequências da sua atividade e abster-se da aplicação estrita de normas quando dela decorra um resultado manifestamente injusto. A aplicação do princípio da justiça sobrepondo-se ao princípio da especialização dos exercícios tem sido efetuada em situações deste tipo, conduzindo a que não seja efetuada qualquer correção quando não é possível imputar os gastos ao exercício a que deveriam ser imputados, à face daquele princípio, e os sujeitos passivos não atuaram intencionalmente com o objetivo de obterem alguma vantagem. O Supremo Tribunal Administrativo tem adotado este entendimento, tendo decidido, relativamente ao princípio da especialização dos exercícios, que «esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.” E ainda que: “(...) Em suma, se por um lado, os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real não são absolutos antes tendo como limites outros valores constitucionalmente protegidos, por outro, o princípio da justiça não pode dar cobertura a situações como a dos autos, numa ponderação global dos interesses em presença, mediada pelo princípio da proporcionalidade: deve, no entendimento deste Tribunal, dar-se prevalência ao interesse público de prevenção e combate à fraude fiscal, sendo que neste juízo de ponderação deve ser tido igualmente em conta o princípio da justiça na perspetiva dos contribuintes que cumprem as suas obrigações fiscais, que de outra forma seriam discriminados face aos que sistematicamente não as cumprem.
No caso em concreto, decidir no sentido do pretendido pela Requerente, corresponderia também a ignorar a obrigação que sobre ela impende quanto às exigências de contabilidade organizada.”
132. Na decisão de improcedência proferida no âmbito do processo nº 429/2017-T, de 21.5.2018, o Requerente pretendia que fosse considerado gasto relevante no exercício de 2013 o montante pago nesse ano, relativamente a liquidações oficiosas efetuadas pela AT e pela Segurança Social, na sequência de ações inspetivas, nas quais foi apurada a não entrega de impostos e de contribuições devidas em 2007, 2009 e 2010, invocando que a não consideração do gasto (no ano de 2013) violava os princípios da justiça e da capacidade contributiva.
133. Também neste caso o Tribunal Arbitral considerou que não existia fundamento para afastamento do regime-regra previsto no art.º 18º nº 1 do CIRC, uma vez que os gastos não eram, ou pelo menos não deveriam ser, desconhecidos ou imprevisíveis, concluindo que os mesmos tinham que ter sido registados no exercício em que os impostos e as contribuições deveriam ter sido entregues nos Cofres do Estado e não em 2013 (ano das liquidações oficiosas, na sequência de ações inspetivas promovidas pelas entidades competentes). No que tange à violação do princípio da justiça invocada pelo Requerente e contraditada pela Requerida, o Tribunal Arbitral considerou que tal princípio não é, ele próprio, absoluto, devendo ser equacionado em cada situação concreta em confronto com outros. Ancorando esta posição de principio e meramente conclusiva, traz-se à discussão o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 363/2001, 13.10.2001 e que pode ser consultado in https://dre.pt/home/-/dre/850194/details/maximized e que a dado passo se diz: “O princípio da justiça, como parâmetro aferidor da conformidade constitucional das normas jurídicas, pressupõe, porém, que esteja em causa uma solução normativa absolutamente inaceitável (como sempre aconteceu nos casos apreciados nos arestos citados), que afecte uma dada dimensão do núcleo fundamental dos interesses essenciais da pessoa humana e que colida com os valores estruturantes do ordenamento jurídico (cf. Maria Fernanda Palma, ob. cit., p. 28)., concluiu que não resulta manifestamente injusto o resultado imposto pela AT, em cumprimento da regra de periodização de exercícios.
134. Tal como já acima referido, o Tribunal Arbitral Singular identificou ainda decisões jurisprudenciais que admitem a violação do princípio da anualidade, por cedência a outros princípios e de entre eles, nomeadamente, o da justiça. Tais decisões admitem, em manifesta desconsideração do princípio ínsito no artº 18º do CIRC, a derrogação do princípio da anualidade ou especialização, entendendo que, não sendo absoluto, deve a sua rigidez ser temperada e conformada com outros, nomeadamente: o princípio da tributação pelo lucro real (Cfr. n.º 2 do art.º 104.º da CRP) e o princípio da justiça (Cfr. n.º 2 do art.º 266.º da CRP), dando-se relevância à “intenção” (“não resultar de omissões voluntárias ou intencionais”) em substituição da “imprevisibilidade” ou “desconhecimento” (art.º 18.º, nº 2 do CIRC).
135. Naquele sentido, identificou o Tribunal Arbitral Singular as seguintes decisões arbitrais: i) a proferida no processo nº 367/2014-T, de 24.11.2014 e ii) a tirada no Processo n.º 638/2015-T, de 2.10.2016.
136. Na decisão de procedência proferida no âmbito do processo nº 367/2014-T, de 24.11.2014, o Requerente invocou que a correção ao gasto, registado na conta 69 – “Correções relativas a exercícios anteriores”, em 2009 (suportado por notas de crédito emitidas em Janeiro de 2009), relativas à devolução física de mercadorias em 2008 de vendas realizadas em 2007 e em 2008, por aplicação do princípio da especialização dos exercícios, violava o princípio da justiça, por não ter sido causado qualquer lesão ao erário público; alegando ainda que: “apurou e pagou IRC sobre rendimentos antecipados, ficando os cofres do Estado, indevidamente beneficiados”. O Tribunal Arbitral decidiu-se pela procedência do PPA e consequentemente pela ilegalidade da correção efetuada pela AT ao gasto registado, aderindo às alegações do Requerente e fundamentando com o entendimento que dimana do acórdão Supremo Tribunal Administrativo de 2.4.2008, Processo n.º 0807/07, onde a dado passo se diz: “(...) esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.”
137. Adequado se mostrando trazer ainda aqui uma breve síntese da decisão proferida no âmbito do processo nº 638/2015-T, de 2.10.2016, que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral que sindicava a anulação de uma correção de um gasto registado em 2010, suportado por uma nota de débito emitida em 2007 e respeitante a reparações compreendidas entre 2005 a 2006.
138. Da identificação e breve síntese das decisões jurisprudenciais acima identificadas resulta a admissibilidade, da derrogação do princípio da anualidade ou periodização económica em razão da primazia que devem ter, no caso concreto, outros princípios, como seja o princípio da justiça.
139. Para o Tribunal Arbitral Singular a aceitação da derrogação do princípio da especialização dos exercícios por prevalência do princípio da justiça, só teria alguma justificação se a situação de manifesta injustiça se demonstrasse nos autos (o que do ponto de visto do Tribunal está longe de ter ficado demonstrado, não obstante aflorada pela requerente no seu PPA), ou seja, conquanto fosse alegada e analisada factualidade nesse sentido e na sua decorrência controlados os registos contabilísticos e seus impactos no exercício em que se verificou a violação do princípio; no exercício em que se procedeu ao registo e nos exercícios posteriores, pois, só assim, seria possível aferir da injustiça do resultado imposto pelas correções promovidas pela AT e que se pretendiam colocar em causa.
140. Não devendo olvidar-se que tal controlo sempre seria tarefa difícil de realizar, uma vez que implicaria a análise a outro ou outros exercício(s), sendo que, não pode olvidar-se, a aceitação da derrogação do cumprimento do princípio da especialização dos exercícios, impossibilita ou dificulta o controlo da expressão do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC, tornando-o demasiado oneroso e até incerto, o que resulta injusto para os contribuintes que cumprem e respeitam o princípio da anualidade ou que, verificando o seu incumprimento, recorrem aos meios legalmente previstos para reparação dos seus erros ou omissões, o que pode redundar numa violação do princípio da igualdade e da justiça em sentido exactamente oposto ao que a violação do principio da justiça invocado pela Requerente pretendia obter.
141. Além de que, como visto, o princípio da especialização dos exercícios está ancorado na prossecução do interesse público da prevenção e combate da evasão fiscal.
142. Conclui assim o Tribunal Arbitral Singular, que o caso sub judicio não se enquadra no tipo de situações que a aplicação do princípio da justiça pretende salvaguardar, desde logo, porquanto, não ficou demonstrada qualquer injustiça que permitisse equacionar a derrogação do princípio da anualidade nos termos em que a jurisprudência acima identificada o admite e, ademais, porquanto, entende o Tribunal Arbitral Singular que o diferimento dos custos associados à constituição da imparidade em 2014 para os exercícios de 2015 e de 2016 não ficou a dever-se ao facto dos correspondentes gastos serem imprevisíveis ou meramente desconhecidos, não devendo olvidar-se que ficou sobejamente demonstrado nos autos que eles já eram ao menos potencialmente conhecidos desde 2011, donde a sua incontornável previsibilidade, sendo que, ademais e a este propósito, acompanhamos in totum a posição defendida pela Requerida na sua Resposta, não vendo este Tribunal Arbitral Singular razões para dela divergir, considerando, sem necessidade de mais delongas, que também esta parte do argumentário esgrimido pela Requerente não pode vingar.
143. Retirando-se a asserção final de que da prova aqui produzida resulta sobejamente demonstrado que o risco de incobrabilidade se firmou em 2011 e ainda que a contabilização das dívidas como de cobrança duvidosa só se concretizou em 2014, pelo que há uma clara violação do princípio contabilístico da especialização dos exercícios e até do normativo constante do art.º 18º do CIRC, que o princípio da justiça não oblitera, donde resulta que, assim sendo, a Requerida, in casu, não levou à prática correcções que vieram a materializar-se nas liquidações sindicadas enfermadas de ilegalidade, não se mostrando aqueles actos tributários desprovidos de base legal.
V. DECISÃO:
FACE AO EXPOSTO, O TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR DECIDE:
A) JULGAR IMPROCEDENTE O PRESENTE PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL, POR NÃO PROVADO;
B) ABSOLVER A REQUERIDA DE TODOS OS PEDIDOS COM AS CONSEQUÊNCIAS LEGALMENTE DEVIDAS.
VI. VALOR DO PROCESSO:
FIXO O VALOR DO PROCESSO EM 14.146,46 € EM CONFORMIDADE COM O DISPOSTO NO ART.º 97.º-A DO CPPT, APLICÁVEL POR REMISSÃO DO ART.º 3º DO REGULAMENTO DAS CUSTAS NOS PROCESSOS DE ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA (RCPAT).
VII. CUSTAS:
FIXO O VALOR DAS CUSTAS EM 918,00 €, CALCULADAS EM CONFORMIDADE COM A TABELA I DO REGULAMENTO DE CUSTAS DOS PROCESSOS DE ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA EM FUNÇÃO DO VALOR DO PEDIDO E NÃO CONTRADITADO PELA AT, A CARGO DA REQUERENTE POR DECAIMENTO, NOS TERMOS DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 12.º, N.º 2 E 22.º, N.º 4 DO RJAT E AINDA ART.º 4.º, N.º 5 DO RCPAT E ART.º 527, NºS 1 E 2 DO CPC, EX VI DO ART.º 29.º, N.º 1, ALÍNEA E) DO RJAT.
NOTIFIQUE-SE.
Lisboa, 7 de Outubro de 2021.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
O árbitro,
(Fernando Marques Simões)