Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 313/2020-T
Data da decisão: 2024-10-17  IMI  
Valor do pedido: € 19.435,32
Tema: IMI; Fixação do valor patrimonial; ampliações do pedido arbitral; incompetência do Tribunal arbitral – Reforma de decisão arbitral (em anexo)
*Substitui a decisão arbitral de 18 de outubro de 2021.
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Sumário:

Tendo sido anulada pelo Tribunal Central Administrativo Sul a decisão arbitral anteriormente proferida, impõe-se a sua substituição por nova decisão arbitral conforme ao entendimento vertido no Acórdão anulatório, nos termos do qual deve proceder a exceção de incompetência material do tribunal arbitral invocada pela Requerida.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Considerando o teor do Acórdão do TCAS proferido no processo nº Proc. nº 127/21.5 BCLSB, que anulou a decisão arbitral proferida em 18 de outubro de 2021, profere-se nova decisão arbitral nos termos seguintes:

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 24-06-2020, A..., reformada, titular do Cartão de Cidadão com o n.º de contribuinte..., residente na Rua ... n.º..., ...– ... Ílhavo, (doravante designada por Requerentes), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante RJAT) e do artigo 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro. O pedido arbitral tem por objeto a impugnação e anulação das decisões de indeferimento, proferidas em relação à Reclamação Graciosa que havia deduzido, relativamente às liquidações oficiosas de IMI, referente aos anos de 2015 a 2018, a saber:
  2. Liquidação n.º 2015..., de 2019-06-07, no montante de 3.233,12€;
  3. Liquidação n.º 2016..., de 2019-06-07, no montante de 3.031,06€;
  4. Liquidação n.º 2017..., de 2019-06-07, no montante de 3.031,06€;
  5. Liquidação n.º 2018..., de 2019-06-07, no montante de 3.325,65€;
  6. Liquidação n.º 2019..., de 2020-04-08, no montante de €3.917,13;

 

E, ainda, das liquidações de AIMI, referentes aos anos de 2017 a 2019 a seguir indicadas:

 

  1. Liquidação n.º 2017..., de 2019-06-15, no montante de 962,13€;
  2. Liquidação n.º 2018..., de 2019-06-15, no montante de 962,13€;
  3. E Liquidação n.º 2019..., de 2019-06-30, no montante de 973,04.

 

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente:
    1. Vício de falta de fundamentação do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Ílhavo, datado de 25-01-2019, que determina que se proceda à avaliação, nos termos do artigo 37.º do CIMI, das frações descritas nos autos:
    2. Vício de falta de fundamentação do despacho que fixa a data de 1.1.2013 como data de conclusão das referidas frações;
    3. Vício de violação de lei quanto à fixação dos valores patrimoniais tributários (VPT) atribuídos às frações autónomas em causa e por violação dos princípios orientadores do procedimento da inspeção tributária, nomeadamente os vertidos no RCPIT, bem como o princípio da participação previsto no artigo 60.º da LGT, violação que afeta a validade dos atos de liquidação subsequentes.

 

Conclui peticionando que seja considerada ilegal a atualização na matriz realizada às frações A D, E, F, G, L, M, N, O, P, Q, R e S do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de...  (...), sob o artigo n.º ... e, em consequência, serem anuladas, por ilegais, as liquidações oficiosas de IMI e as liquidações de AIMI identificadas nos autos, com a consequente reposição dos VPT´s a zero das referidas frações.

 

  1. É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral apresentado em 25-06-2020, foi aceite, na mesma data, pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.

 

  1. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou, em 12-08-2020, como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, que comunicou a aceitação no prazo aplicável.

 

  1. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral ficou constituído em 11-09-2020. No dia 13-09-2020 foi proferido despacho arbitral em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

 

  1. A AT apresentou Resposta em 19-10-2020, na qual arguiu a exceção de incompetência do Tribunal arbitral, e, por cautela, defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral. Juntou aos autos Processo Administrativo.

 

  1. Em 15-10-2020 veio a Requerente apresentar requerimento de ampliação do pedido, para impugnação da segunda prestação de IMI relativa ao ano de 2019, com o nº 2019..., e da liquidação de AIMI nº 2020..., respetivamente, no valor de 1305,71€ e 1257,25€. Este pedido de ampliação foi apresentado antes da resposta da AT, e veio a ser acrescido de um outro pedido de ampliação apresentado em 6-01-2021, referente â 3ª prestação do IMI, referente ao ano de 2019. Estes pedidos de ampliação foram aceites pelo Tribunal arbitral, por despacho arbitral de 08-01-2021, por se tratar do desenvolvimento do pedido original, nos termos previstos no artigo 265º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, nº1, e) do RJAT. O valor global do pedido, após as ampliações referidas passou para 23.303,97€.

 

  1. Em 05-11-2020 a Requerente veio aos autos responder à exceção invocada pela AT e indicar a matéria de facto para inquirição da testemunha indicada.

 

  1.  Em 13-11-2020 foi proferido despacho arbitral nos termos do qual o tribunal aceitou a junção aos autos dos documentos em anexo à resposta à exceção apresentada pela Requerente, por se afigurarem relevantes para a descoberta da verdade e agendou a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, e a inquirição da testemunha indicada pela Requerente, para o dia 10.12.2020, pelas 10h 30m. A Requerida AT solicitou o adiamento desta data, por impossibilidade de agenda, devido a outras diligências marcadas no CAAD para a mesma data. Em 17-11-2020, a Requerente veio também aos autos manifestar a sua indisponibilidade para a data agendada, pelo que o tribunal arbitral adiou a diligência para o dia 16-12-2021, à mesma hora. No mesmo despacho, o tribunal arbitral decidiu deferir a ampliação do pedido formulado pela Requerente por requerimento apresentado em 15-10-2020, nos termos previstos no artigo 265º do CPC, aplicável, ex vi artigo 29º, nº1 e) do RJAT.

 

Em 2-12-2020, veio a mandatária da Requerente invocar indisponibilidade para a data indicada a qual foi adiada para 21-12-2021. Mais uma vez a reunião não pode realizar-se nesta data por razões de impedimento relacionados com isolamento profilático da testemunha.

Como resulta do próprio sistema de gestão processual da AT, forma várias as marcações de data para a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, sendo que não foi possível a sua realização por impedimento e impossibilidades diversas, nomeadamente, por força do período de confinamento imposto pela pandemia COVID 19. Assim, após sucessivas datas agendadas e sempre adiadas, foi possível realizar a reunião em 20-04-2021, conforme consta da ata da reunião junta aos autos.  Foi inquirida a testemunha indicada pela Requerente. Na mesma reunião foi fixado prazo de 10 dias, igual e sucessivo, para apresentação de alegações escritas. Foi ainda determinado que a decisão seria proferida no prazo previsto no artigo 21º, nº 1 do RJAT, considerada a suspensão dos prazos ocorrida no período de confinamento imposto pela pandemia.

 

  1. As partes apresentaram alegações escritas, no prazo fixado, respetivamente, em 30-04-2021 e 14-05-2021.

 

  1. Em 4-06-2021 veio, de novo a Requerente apresentar mais uma ampliação do pedido, agora referente ao IMI de 2020, a qual não foi admitida pelo Tribunal arbitral, conforme despacho arbitral de 14-07-2021, que a seguir se transcreve:

 

«Despacho Arbitral

Considerando o requerimento de ampliação do pedido apresentado pela Requerente em 04-06-2021 e a resposta ao mesmo apresentado pela AT, cumpre decidir.

1. No processo arbitral tributário, a notificação do dirigente máximo do Serviço da AT para apresentar Resposta (cf. artigo 17.º, n. 1 do RJAT) equivale à “citação do réu”, pelo que a partir desse momento fixa-se  o objeto processual arbitral – pedido e causa de pedir.

2- No limite, para que o Tribunal Arbitral não seja constantemente confrontado com alterações sucessivas da instância, apenas se admite a ampliação do pedido até à fase de encerramento da discussão, ou seja, até à realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT ou até à apresentação das alegações escritas, se for o caso do pedido de ampliação corresponder ao desenvolvimento do pedido original ou ser consequência deste (art. 265º, nº 2 do CPC).

3- Nos presentes autos a Requerente apresentou dois pedidos de ampliação, sendo que o primeiro apresentado em 15/10/2020, ocorre logo após a notificação da AT para apresentação da Resposta, diz respeito à 2ª prestação do IMI relativo ao ano 2019, e tem origem na mesma liquidação oficiosa de IMI em discussão nos autos e ao mesmo período de tributação, pelo que cumpre os pressupostos supra indicados e é admitido pelo Tribunal arbitral.

4- O segundo Requerimento de ampliação do pedido é apresentado depois de encerrada a discussão, com a realização da reunião do artigo 18º do RJAT e após a apresentação das alegações escritas, ou seja, na fase em que o processo se encontra em preparação da decisão final.

5- Pelas razões expostas, este segundo pedido afigura-se totalmente extemporâneo. Acresce que, não se refere ao mesmo período de tributação nem tem origem na mesma liquidação oficiosa de imposto. De ressaltar que a circunstância de ser apresentado após o encerramento da discussão e apresentação de alegações escritas, o torna, sem mais, inadmissível, bem assim como a junção dos documentos que o acompanha.

Termos em que, sem mais considerandos, se decide pela inadmissibilidade do segundo pedido de ampliação do pedido e indefere-se a junção dos documentos, devendo os mesmos ser desentranhados dos autos…»

 

  1. No mesmo despacho arbitral foi determinado que a data-limite para prolação da decisão final, considerando a contagem do prazo do nº1 do artigo 21º do RJAT e a suspensão dos prazos operada pela legislação COVID, se prevista para o dia 27-07-2021, sem prejuízo do disposto no nº2 do artigo 21º do RJAT. A fixação desta data decorre da consideração da data de constituição do Tribunal arbitral, do período de suspensão dos prazos decorrente da legislação COVID, de férias judiciais e da prorrogação do prazo já determinada, como consta da ata da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, nos termos do disposto no artigo 21º, nº2 do RJAT.

 

  1. Em 27-07-2021, foi proferido despacho arbitral, nos termos do qual foi prorrogado o prazo para prolação da decisão arbitral, devido a acumulação de processos com datas de prolação de decisão muito próximas ou mesmo coincidentes,  em virtude da suspensão dos prazos processuais determinada pelo artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, aditado pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, cuja cessação apenas ocorreu com a publicação da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, e que protelou a ulterior tramitação processual, sucessivos adiamentos da data para realização da inquirição de testemunhas, entre outras vicissitudes na tramitação do processo, torna-se necessário proceder à prorrogação do prazo por dois meses, nos termos previstos no artigo 21.º, n.º 2, do RJAT. Prazo esse prorrogado, ainda, por novo despacho de 24-09-2021, fixando assim como nova data-limite para prolação da decisão arbitral o dia 27-11-2021.

 

 

  1. O Tribunal Arbitral, regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, proferiu decisão arbitral em 18 de outubro de 2021, e de imediato foi notificada às partes.

 

  1. A Requerente, não se conformando com o teor da decisão arbitral proferida deduziu impugnação junto do TCAS, o qual proferiu Acórdão no processo nº Proc. nº 127/21.5 BCLSB, que anulou a decisão arbitral por considerar que «padece de vício de ininteligibilidade a decisão arbitral que, primeiro, assume a competência do tribunal para conhecer do pedido de anulação das liquidações em apreço, com base nos vícios relativos ao procedimento, e, depois, acaba por rejeitar tal competência, com base na invocação da falta de esgotamento dos meios impugnatórios dos actos inseridos em tal procedimento

 

  1. A Requerente interpôs, simultaneamente, recurso junto do STA, o qual veio a ser considerado extinto por inutilidade superveniente da lide, face à anulação da decisão arbitral proferida pelo Acórdão do TCAS supra indicado.

 

  1. Operado o trânsito em julgado das decisões proferidas pelos Tribunais superiores, impõe-se proferir nova decisão arbitral, em conformidade com a decisão proferida pelo Acórdão do TCAS. De ressaltar que, a decisão da matéria de facto foi considerada correta, improcedendo a alegação da Requerente. Porém, considera o Tribunal superior existir um vício de «ininteligibilidade» da decisão, ao considerar, por um lado, o Tribunal arbitral competente e, seguidamente, no conhecimento do fundo da questão ter considerado que os atos de liquidação impugnados não padeciam de qualquer vício considerando o pressuposto do prévio esgotamento dos meios impugnatórios administrativos e judiciais dos atos avaliativos que antecedem tais liquidações. Assim, reformula-se a decisão, em conformidade com o entendimento que se extrai do Acórdão anulatório.

 

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. Com relevância para a decisão consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é proprietária do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º..., da freguesia de ... –..., em Ílhavo.
  2. A Câmara Municipal de Ílhavo têm impedido a emissão da licença de utilização das frações que integram o prédio, tendo notificado a Requerente do seguinte: “para efeitos de regularização do licenciamento em apreço, ou seja, da emissão do alvará de utilização abrangendo todas as frações do mesmo, deverá a requerente promover a apresentação do projeto de relocalização do corpo de anexos e a solução que permita resolver a questão da rampa de acesso à cave, proporcionando a sua inclinação de modo a cumprir o estabelecido no Regulamento Municipal de Ílhavo (RMI), em vigor à época do licenciamento da obra (a inclinação da rampa não poderá ultrapassar 15%, em todos os setores).”
  3. O prédio no seu todo está acabado, nele funciona uma Farmácia e algumas outras frações do prédio encontram-se em utilização, sendo que as frações mencionadas nas alíneas seguintes, encontram-se com alguns acabamentos incompletos (colocação de portas, chão, cozinha e acabamentos elétricos) e ainda inabitadas por força da ausência de licenças de utilização, embora possam a qualquer momento ser finalizados para entrega a eventuais compradores.
  4. No dia 28-03-2019 a Requerente foi notificada, na pessoa do seu Procurador, pelo Serviço de Finanças de Ílhavo da cópia do ofício n.º..., emitido por este serviço de finanças, referente à “AVALIAÇÃO – DETERMINAÇÃO DE VALOR PATRIMONIAL DE FRACÇÕES AUTÓNOMAS”.
  5. Nesse mesmo ofício é referido que: “No âmbito de auditoria levada a efeito pela Direção de Serviços de Auditoria, foi detectado que várias fracções autónomas do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de...– ... sob o artigo n.º..., das quais figura V. Exa., como proprietária, não estavam identificadas na matriz com o respectivo valor patrimonial. Nesse âmbito e após terem sido efectuadas as diligências necessárias com vista à sua determinação, foi por despacho de 25/01/2019 do Sr. Chefe deste Serviço (infra transcrito), determinado que se procedesse à sua avaliação, nos termos do disposto no art. 37.º do CIMI”. -
  6. Do mesmo ofício resulta que por Despacho do Chefe de Finanças de Ílhavo, datado de 25.01.2019, foi emitida a Ordem de Serviço datada de 18.12.2018, da qual resulta que o Serviço de Finanças de Ílhavo procedeu à inserção das declarações Mod. 1 do IMI, iniciando assim o procedimento de avaliação das frações A D, E, F, G, L, M, N, O, P, Q, R e S do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... (...), sob o artigo n.º..., para determinação do valor patrimonial tributário (VPT) de cada uma destas frações;
  7. Do resultado das avaliações efetuadas àquelas frações, a requerente foi notificada em 20.3.2019, sendo que tanto a 1ª notificação como a 2ª foram devolvidas pelos CTT com a menção “Objeto não reclamado”;
  8. Em 28.03.2019, a Requerente tomou conhecimento das fichas de avaliação, referentes a cada uma das mencionadas frações e, bem assim, do VPT atribuído a cada fração, através do seu Procurador;
  9. A Requerente apresentou requerimento fundamentado, datado de 18.04.2019, no qual requereu o retorno à situação de VPT a “zero” das referidas frações.
  10. Por correio enviado sob registo, foi a Requerente notificada em 17.06.2019 da demonstração da revisão oficiosa da liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis do ano de 2018, datada de 07.06.2019.
  11. Em 26.06.2019, a Requerente recebeu, por correio simples, a nota demonstrativa da liquidação correspondente ao ano 2017 e das liquidações do AIMI relativo aos anos 2017 e 2018, datadas de 15.06.2019, cuja data limite de pagamento ocorreu no último dia do mês de agosto de 2019.
  12. Posteriormente, por correio enviado sob registo, foi a Requerente notificada em 10.07.2019 da correção da liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis do ano de 2015, datada de 07.06.2019, no valor de €3.233,12, cuja data limite de pagamento ocorreu no último dia do mês de Julho de 2019 e, ainda, da correção da liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis do ano de 2016 e 2017, ambas datadas de 07.06.2019, no valor, respetivamente, de €3.3.031,06, cuja data limite de pagamento ocorreu no último dia do mês de Julho de 2019
  13. Em 18.07.2019, a Requerente foi notificada das notas demonstrativas das liquidações de IMI´s, referentes às frações mencionadas em f), relativamente aos anos de 2015, 2016, 2017, seguindo-se as liquidações referentes aos anos de2018 e 2019, com a globalidade de todos os restantes prédios, a saber:
    1. Liquidação nº 2015 ... de 2015 (Serviço de Finanças de Ílhavo;
    2. Liquidação nº 2016 ... de 2016 (Serviço de Finanças de Ílhavo)
    3. Liquidação nº 2017 ... de 2017 (Serviço de Finanças de Ílhavo)
    4. Liquidação nº 2018 ... de 2018 (Serviço de Finanças de Ílhavo)
    5. Liquidação nº 2019 ... de 2019 (Serviço de Finanças de Ílhavo)
    6.  Liquidação nº 2017 ... de 2017 (Serviço de Finanças de Ílhavo)
    7.  Liquidação nº 2018 ... de 2018 (Serviço de Finanças de Ílhavo)
    8.  Liquidação nº 2019 ... de 2019 (Serviço de Finanças de Ílhavo)

 

  • Em 19.07.2019 a Requerente foi notificada, por carta registada, da 2ª prestação do Imposto Municipal sobre Imóveis do ano de 2018, datada de 07.06.2019.
  • Foi ainda notificada da 3ª prestação de IMI referente ao ano de 2018, da liquidação do AIMI relativo ao ano 2019;
  • Em 23.09.2019 a Requerente foi notificada da instauração do processo de execução fiscal n.º ...2019... pelo Serviço de Finanças de Ílhavo para cobrança do valor das liquidações dos AIMI dos anos 2017 e 2018.
  • A Requerente apresentou em 27.09.2019, junto do Serviço de Finanças de Ílhavo, Reclamação Graciosa onde peticionou «que fosse considerada ilegal a atualização na matriz realizada às fracções A D, E, F, G, L, M, N, O, P, Q, R e S do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia  ... (...), sob o artigo n.º... e fossem anuladas, por ilegais, as liquidações oficiosas de IMI referentes aos anos de 2015 a 2018 e ainda, a reposição dos VPT´s a zero das referidas fracções.»
  • Em 17-12-2019 a Requerente foi citada da instauração do processo de execução fiscal n.º ...2019... pelo Serviço de Finanças de Ílhavo para cobrança do valor das liquidações do IMI do ano 2018 e da instauração do processo de execução fiscal n.º ...2019... para cobrança do valor das liquidações do AIMI do ano 2019;
  • A Requerente foi notificada, por carta datada de 08.04.2020, do IMI correspondente ao ano de imposto de 2019, onde as frações (A D, E, F, G, L, M, N, O, P, Q, R e S foram também alvo de tributação:
  • Por ofícios datados de 07.01.2020, respetivamente, ofícios n.º ... e n.º ... foi a Requerente notificada, no âmbito de direito de audição prévia, do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.
  • A Requerente interpôs dois recursos hierárquicos contra os indeferimentos das reclamações graciosas em 05.03.2020, junto da Direcção de Finanças de Aveiro, das decisões de indeferimento da Reclamação Graciosa que havia deduzido, relativamente às liquidações oficiosas de IMI, referentes aos anos de 2015 a 2018 e de AIMI, referentes aos anos de 2017 a 2019.
  • Em 24-06-2020 a Requerentes apresentou o presente pedido arbitral, posteriormente ampliado passando a incluir, na sua globalidade, todas as liquidações (e respetivas prestações) de IMI e AIMI, referentes aos anos de 2015 a 2019, no valor global de 23,303,97€.

 

A.2. Factos dados como não provados

      17. Com relevo para a decisão, não existem outros factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

  1. A matéria considerada comprovada tem por fundamento os factos reconhecidos como assentes pelas partes, bem assim como o suporte documental junto aos autos pelo Requerente e o constante do processo administrativo (PA) junto pela AT. Deste consta, concretamente, um conjunto de documentos que provam os factos assentes constantes das alíneas a), b) e d) a v), relativamente aos quais não se verifica divergência entre Requerente e Requerida.

O facto mencionado na alínea c) resulta provado pelo teor das fotos juntas aos autos pela Requerente, em anexo à resposta à exceção, apresentada em 05-11-2020, bem assim como do depoimento prestado pela testemunha inquirida.

 

Todos os factos mencionados, com exceção do constante da alínea c) da matéria assente, foram confirmados pelo teor da resposta da AT, bem assim como do PA que juntou aos autos. Em divergência está apenas a consequência jurídica a extrair dos mesmos.

 

Importa, ainda, referir que relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).  Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Resulta, aliás, que a controvérsia que opõe as partes nos presentes autos não se reporta à matéria de facto, mas somente em relação à matéria de direito.

 

 

B. DO DIREITO

B.1. Questão prévia a decidir: da incompetência material do tribunal arbitral para apreciar a ilegalidade de ato de indeferimento tácito de recurso hierárquico

 

  1. Considerando que a Requerida na sua resposta suscita a exceção de incompetência material do tribunal arbitral importa conhecer e decidir esta questão prévia.

Assim,

 

  1. Em síntese, entende a Requerida AT que o tribunal arbitral não tem competência material para aferir da legalidade de atos de avaliação e inscrição matricial. Pelo que, considerando o pedido formulado pela Requerente e a causa de pedir em que se fundamenta, não cabe na competência material do Tribunal Arbitral a sua análise, fazendo esse o seu principal fundamento de procedência do pedido arbitral, já que o que se pretende é eliminar da ordem jurídica as avaliações e os respetivos VPT atribuídos às frações descritas nos autos. O que a Requerente pretende é a eliminação da ordem jurídica daquelas avaliações, inscrições matriciais dos VPT fixados, fazendo-as regressar a «zero». As liquidações são apenas um pretexto para alcançar este objetivo.

 

  1. Em resposta à invocada exceção de incompetência do tribunal arbitral veio a Requerente alegar que, ao contrário do que a AT alega, a causa de pedir assenta em ilegalidade dos atos de liquidação de IMI e de AIMI impugnados, ainda que os vícios que lhe sejam imputados decorram de ilegalidades ocorridas no procedimento de avaliação e fixação oficiosa dos respetivos VPT e sua inscrição na matriz. Alega, ainda, que o ato subjacente ao pedido arbitral é o do indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto do ato de indeferimento da reclamação graciosa antecedente, a qual versou sobre os atos de liquidação de IMI e de AIMI identificados no presente pedido arbitral e cuja impugnação pretende.

 

Por último, alega a Requerente a favor desta posição que a orientação jurisprudencial tem sido claramente no sentido de considerar que “eventuais ilegalidades praticadas nos actos prévios ao de fixação do valor patrimonial tributário do prédio, como o de inscrição oficiosa na matriz de determinada realidade física como prédio, podem ser objecto de impugnação autónoma – através de acção administrativa especial – ou invocadas em impugnação de acto tributário”, como resulta, a título de exemplo, do Acórdão do STA de 8/1/2014, proferido no processo nº. 01685/13.

 

Assim, conclui a Requerente que: «no caso destes autos, que a ora Requerente impugna expressamente (como reconhece a Requerida nos pontos 2.º e 3.º da sua resposta) os actos tributários de liquidação de IMI com fundamento na sua ilegalidade (vd. também, a este respeito, e.g., os pontos 39.º e 47.º da p.i.); c) nada obsta, assim, a que a ora Requerente invoque a ilegalidade dos actos de liquidação impugnados com fundamento na errada inscrição matricial do prédio em causa (ainda que tal inscrição não tenha sido autonomamente sindicada em momento anterior) – a este respeito, ver, por exemplo, os seguintes acórdãos: “o acto em causa [...] é imediatamente lesivo, e [...], como tal, pode a recorrente, querendo, sindicá-lo autonomamente, se o não quiser sindicar em sede de impugnação da liquidação do tributo. (Sobre esta faculdade alternativa, cfr. Jorge Lopes de Sousa, [Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª ed., 2011, I vol.], p. 470.)” (Acórdão do STA de 27/11/2013, proc. 01725/13); “O acto de inscrição oficiosa na matriz predial de uma determinada realidade física, por ter sido qualificada como prédio, é imediatamente lesivo e autonomamente sindicável através da acção administrativa especial, sendo a impugnação judicial o meio próprio para sindicar a liquidação do IMI a que tal acto dê origem.” (Acórdão do TCA Norte de 28/9/2017, proc. 01939/12.6BEBRG); d) como decorre do que se disse anteriormente, não há a (alegada) retroacção de efeitos de classificação de imóvel que ocorreu em 2017, há somente a avaliação da legalidade das liquidações resultantes da (alegada) errada inscrição matricial do prédio em causa nos anos de 2012 a 2015; e) nos termos do disposto no art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT, os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar os pedidos de declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos [como é o caso do pedido que originou o presente processo: vd. supra, b)].»

 

Vejamos, pois, em face do que vem exposto e da configuração da causa de pedir e do pedido formulado pela Requerente se deve ou não proceder a alegada exceção de incompetência material do Tribunal arbitral.

 

  1. Para aferir a competência do Tribunal arbitral é fundamental atender ao pedido formulado e à causa de pedir que o sustenta.

No caso dos presentes autos a Requerente apresenta um pedido de pronúncia arbitral que tem por objeto a decisão de indeferimento tácito dos recursos hierárquicos apresentados do indeferimento dos procedimentos de reclamação graciosa, os quais por sua vez foram apresentados para impugnação das liquidações do IMI dos anos de 2015 a 2019 e das liquidações de AIMI dos anos de 2017 a 2019 relativas às frações A, D, E, F, G, L, M, N, O, P, Q, R e S, do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo ..., sito na freguesia  ... (...), do concelho de Ílhavo.

 

  1. A competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD é limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT). Dispõe esta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
    1. A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
    2. A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais. (redação da Lei n.º 64- B/2011, de 30 de dezembro).

 

Para além da apreciação direta da legalidade dos atos supramencionados, incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais tributários, competências para apreciar atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos do tipo mencionados na referida norma legal (liquidações de imposto ou atos de fixação de matéria tributável de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais). Inclui-se, pois, na competência do tribunal arbitral a competência para conhecer de atos de indeferimento expresso ou tácito de recursos hierárquicos, reclamações graciosas ou outros, que versem sobre atos de liquidação de imposto.

A corroborar esta interpretação veja-se o disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, in fine, o qual se refere expressamente «…à notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico».

Ainda neste sentido, a lei de autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, revela de modo expresso e claro a intenção do legislador consagrar um processo arbitral tributário que constitua «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2 da referida norma de autorização). Dito isto, importa atender ao disposto no artigo 2.º do RJAT, segundo o qual a arbitragem tributária não foi implementada quanto às matérias suscetíveis de serem objeto de ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois é manifesto que não se enquadram em qualquer das situações previstas nas suas alíneas a) e b).

Acresce ainda que, como bem se menciona no Acórdão arbitral proferido no processo nº 487/2020-T, que «e qualquer forma, extrai-se também da referida autorização legislativa, designadamente da alínea a) do n.º 4 do referido artigo 124.º, ao fazer referência aos «actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação», que não se pretendeu estender o âmbito da arbitragem tributária à apreciação de actos que, nos termos do CPPT, não podem ser objecto de impugnação judicial. Na verdade aquela expressão tem ínsita a exclusão dos «actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação» e das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação.  Porém, como excepção a esta regra de delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa poderão considerar-se os casos de impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, independentemente do seu conteúdo, pelo facto de a utilização do processo de impugnação judicial ter sido prevista numa norma especial, que é o n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, actualmente revogado, em que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. No mesmo sentido aponta a alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, ao referir «a impugnação do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas dos actos tributários».

 

  1. Retornando ao caso dos autos a Requerente apresentou, primeiramente, duas reclamações graciosas, relativas a alegadas ilegalidades dos atos de liquidação de IMI e de AIMI com referência às frações do prédio urbano e aos anos em causa e já identificados supra. Estas reclamações foram indeferidas, por decisão expressa, e destes indeferimentos a Requerente interpôs os recursos hierárquicos aos quais não obteve decisão expressa, tendo, por isso, presumido o seu indeferimento tácito, nos termos previstos no artigo 57.º, n.º 5, da LGT. Quando ocorre um indeferimento tácito não há apreciação expressa da legalidade do(s) ato(s)o de liquidação, tratando-se de uma ficção de ato (ato putativo) destinada a assegurar a impugnação contenciosa em meio processual adequado.

 

No caso concreto destes autos, os recursos hierárquicos, bem assim como as reclamações graciosas que os antecederam, tiveram por objeto os atos de liquidação de IMI e de AIMI identificados nos autos.

Ora, no caso de impugnação administrativa, através de reclamação graciosa, de um ou mais atos de liquidação, com fundamento na sua ilegalidade, no âmbito da qual se decidiu expressamente indeferir o pedido da reclamante, o conteúdo ficcionado do ato de indeferimento do recurso hierárquico é o de indeferimento do pedido formulado na reclamação graciosa. O que vale por dizer que, neste caso o indeferimento tácito resulta na confirmação do indeferimento anteriormente decidido na reclamação graciosa.

Assim, é o ato subjacente, que se presume confirmado tacitamente, no caso de o recurso hierárquico não ser decidido no prazo legal, que se assume como o relevante para aferir a idoneidade do meio processual utilizado pela Requerente. A este propósito, seguimos integralmente o entendimento vertido no já referido Acórdão 487/2020 T, nomeadamente quando refere que «nos casos de indeferimento tácito de recurso hierárquico interposto de decisão expressa de indeferimento, proferida em sede de reclamação graciosa, é à face do conteúdo deste acto recorrido que se afere se foi ou não apreciada a legalidade de acto de liquidação.»

 

  1.  Do que vem exposto resulta que, no caso dos presentes autos, estamos perante o indeferimento tácito de dois recursos hierárquicos, interpostos das decisões de indeferimento expresso dos pedidos de reclamação graciosa que os antecederam e que tiveram como objeto direto os atos de liquidação de IMI e de AIMI aqui impugnados.

 

  1. Porém, os vícios legados pela Requerente como fundamento do pedido de impugnação estão sujeitos à preclusão do caso decidido administrativo, dado não terem sido esgotados os meios administrativos impugnatórios adequados para o efeito. Ora, seguindo o percurso lógico do Acórdão do TCAS tal significa que o tribunal arbitral, não deve considerar-se competente para dirimir o litígio no qual é pedida a anulação de liquidações de IMI, tendo por base os vícios do procedimento que antecede tais liquidações. Na verdade, não se alcança outro entendimento possível a extrair desta decisão.

 

Analisado o Acórdão anulatório, conclui-se que dos vícios alegados pela Requerente como fundamento da impugnação da decisão arbitral. apenas um foi considerado procedente. Assim, do ponto de vista do TCAS, estando em causa nos autos vícios imputados à decisão anterior de avaliação dos imóveis e sobre os quais, posteriormente, foram liquidados os impostos devidos (inexistindo vícios autónomos das liquidações impugnadas) o tribunal arbitral devia ter decidido pela incompetência do tribunal nos termos alegados pela requerida AT. Ao não ter decidido pela incompetência do tribunal arbitral, a decisão incorreu em vício de «ininteligibilidade».

Esta é a conclusão possível resultante do Acórdão anulatório, nomeadamente, na parte em que afirma que o tribunal arbitral incorreu em vício de ininteligibilidade ao ter considerado improcedente a exceção de incompetência do tribunal alegada pela AT, sendo que, posteriormente, no conhecimento do fundo da questão, o tribunal arbitral  «acaba por declinar tal competência, invocando o pressuposto do prévio esgotamento dos meios impugnatórios administrativos e judiciais dos actos avaliativos que antecedem tais liquidações. Na medida em que rejeita, por um lado, a preclusão da competência do tribunal arbitral, para apreciar do pedido de anulação das liquidações de IMI sob escrutínio, para, num segundo momento, reafirmar a mesma preclusão, que antes havia rejeitado, a decisão arbitral mostra-se ininteligível.»

Obedecendo a este entendimento vertido no Acórdão do TCAS, não resta outra decisão lógica a não ser a da incompetência do Tribunal arbitral para conhecer do pedido, seguindo o percurso lógico-dedutivo nele vertido.

Na verdade, como bem resultava da decisão anterior a questão em apreciação era e é a de saber se os atos de liquidação de IMI e de AIMI podem ter como fundamento de impugnação eventuais vícios dos atos de avaliação e fixação do valor patrimonial tributário atribuído a cada fração do prédio descrito nos autos. Da análise do pedido concluiu i tribunal que a Requerente peticiona a anulação das liquidações do IMI dos anos de 2015 a 2019 e das liquidações de AIMI dos anos de 2017 a 2019 relativas às frações A, D, E, F, G, L, M, N, O, P, Q, R e S do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo ..., sito na freguesia ... (...), do concelho de Ílhavo, alegando que aquelas frações não se encontravam concluídas por causa do litígio com a Câmara Municipal de Ílhavo, relacionado com o licenciamento de utilização, não podendo ser transacionadas. E, porque se encontram inacabadas, alega a Requerente que estas frações não deviam ter sido avaliadas, nem determinado o seu valor patrimonial tributário (VPT), nos termos em que o foi por força do procedimento desencadeado pelo Serviço de Finanças de Ílhavo. Argumenta, em síntese, que o procedimento de auditoria e avaliação bem assim como a fixação dos VPT para cada uma das frações avaliadas são ilegais, requerendo a anulação das liquidações por considerar serem anuláveis os atos administrativos praticados pelo Serviço de Finanças, em sede de avaliação e fixação do VPT. 

Do ponto de vista da Requerente este procedimento de avaliação e fixação do VPT decorreu «com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção, pelo que a omissão do ato procedimental invalida, por anulabilidade, todo o procedimento arrastando necessariamente a validade do ato(s) de liquidação(ões) oficiosa(s) [subsequentes], que nele obteve os seus fundamentos legais.»

Termina o seu pedido nos termos seguintes:

 «Nestes termos e melhores de Direito deve a presente impugnação ser considerar procedente, por provada e, ser considerada ilegal a atualização na matriz realizada às frações A D, E, F, G, L, M, N, O, P, Q, R e S do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... (...), sob o artigo n.º ... e, em consequência, serem anuladas, por ilegais, as liquidações oficiosas de IMI (Liq. n.º 2015...– 2019-06-07, Liq. n.º 2016 ... – 2019-06-07, Liq. n.º 2017 ... – 2019-06-07, Liq. n.º 2018...– 2019-06-07 e Liq. n.º 2019...– 2020-04-08) e AIMI Liq. n.º 2017...– 2019-06- 15; Liq. n.º 2018...– 2019-06-15 e Liq. n.º 2019 ... – 2019-06-30) com base nos fundamentos acima referidos, com as consequências legais, nomeadamente a reposição dos VPT´s a zero das referidas frações.” (sublinhado nosso).»

 

  1. Ora, a este propósito alegou a Requerida AT que as invocadas razões de facto e de direito estão longe de fundamentar e de sustentar quaisquer das pretensões formuladas, que devem por isso improceder por impugnadas. Assim, segundo a AT há que ter em conta que a Requerente veio deduzir o presente pedido arbitral «tendo em conta a presunção de indeferimento tácito que se terá formado na sequência da apresentação dos recursos hierárquicos, peticionando que “deve a presente impugnação ser considerar procedente, por provada e, ser considerada ilegal a atualização na matriz realizada às frações A D, E, F, G, L, M, N, O, P, Q, R e S do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... (...), sob o artigo n.º ... ….”(…)»  Referindo a Requerente que …” a questão levantada é, uma vez mais, uma questão de fundamentação do acto de atualização das frações em questão na matriz, resposta que o ora projeto de decisão pretende alegadamente responder – portanto, fora do Despacho ferido de ilegalidade - como que querendo suprir tal vício.”

Concluindo no ponto 84.º do pedido arbitral que “não se verificam os pressupostos para a avaliação com vista à sua atualização da matriz das fracções em questão.”

 

  1. Face ao que vem exposto, é evidente que os fundamentos de facto e de direito invocados no pedido arbitral para a anulação das liquidações de IMI e de AIMI em questão, assentam em alegados vícios ocorridos no procedimento de avaliação e fixação dos VPT de cada uma das frações, até então inscritas na matriz com valor «zero». Por isso, formula o pedido arbitral nos termos sobreditos, requerendo que sejam anulados todos os atos praticados no procedimento de avaliação e fixação oficiosa dos VPT, voltando este a ser repostos em «zero».

Ou seja, a Requerente não pretende apenas a anulação das liquidações, pois que tal não seria solução para o problema, o qual só ficará verdadeiramente resolvido com a anulação dos atos de avaliação e fixação do VPT atribuído às ditas frações.

A questão a decidir é a de saber se, considerada a matéria assente como provada, a Requerente tem a possibilidade de impugnar as liquidações de imposto com fundamento em vícios que imputa aos atos de avaliação e fixação do VPT, uma vez que não impugnou estes atos na altura própria, usando das garantias processuais legalmente previstas para o efeito. E, dito isto, saber se o tribunal arbitral deve considerar-se competente para julgar o litígio colocado nestes termos. Seguindo o entendimento do Acórdão anulatório, o tribunal arbitral não é competente para conhecer o litígio nos exatos termos colocados pela Requerente.

 

Termos em que, em estrita obediência ao Acórdão anulatório proferido pelo TCAS, decide-se pela incompetência do tribunal arbitral e pela procedência da exceção alegada pela Requerida AT, com a consequente absolvição da instância.

 

Ficam prejudicadas as demais questões suscitadas nos autos, face à procedência da exceção de incompetência do tribunal arbitral.

 

C. Decisão Arbitral

 

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral Singular, em substituição da decisão proferida em 18/10/2021 e em cumprimento do decidido pelo Acórdão proferido pelo TCAS, o seguinte:

 

  1. Julgar procedente a exceção de incompetência do tribunal arbitral.
  2. Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em 23,303,97€, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.224,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela parte vencida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 17 de outubro de 2024

 

O Tribunal Arbitral singular,

 

 

(Maria do Rosário Anjos)

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 313/2020-T

Tema: IMI; Fixação do valor patrimonial; ampliações do pedido arbitral; competência do Tribunal arbitral.

*Substituída pela decisão arbitral de 17 de outubro de 2024.

 

 

Sumário:

 

I – Face ao indeferimento tácito de recurso hierárquico, interposto de decisão de indeferimento expresso dos pedidos de reclamação graciosa que os antecederam, e que tiveram como objeto direto os atos de liquidação de IMI e de AIMI aqui impugnados é de considerar que o que está em causa no ato ficcionado é a legalidade de atos de liquidação e, por isso, o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa é o processo de impugnação judicial ou o processo arbitral (meio alternativo). Pelo que, improcede a exceção de incompetência material do tribunal arbitral invocada pela Requerida.

 

II – Resulta do disposto no n.º 2 do artigo 15º do CIMI que nos prédios urbanos, como é o caso das Frações em discussão nestes autos, a avaliação é direta, ou seja, assenta na avaliação direta do imóvel. Por sua vez o nº 1 do artigo 86º da LGT refere que a avaliação direta é suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa direta.

Por sua vez, dispõe o artigo 134.º do CPPT que os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade.

 

III - Os alegados vícios dos atos de avaliação e fixação dos VPT das frações autónomas do prédio descrito nos autos invocados pela Requerente, e que não foram objeto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação das liquidações de IMI e de AIMI impugnadas no presente pedido arbitral que, em consequência, tem de improceder.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 24-06-2020, A... reformada, titular do Cartão de Cidadão com o n.º de contribuinte ..., residente na Rua ... n.º..., ...– ...Ílhavo, (doravante designada por Requerentes), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante RJAT) e do artigo 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro. O pedido arbitral tem por objeto a impugnação e anulação das decisões de indeferimento, proferidas em relação à Reclamação Graciosa que havia deduzido, relativamente às liquidações oficiosas de IMI, referente aos anos de 2015 a 2018, a saber:
  2. Liquidação n.º 2015..., de 2019-06-07, no montante de 3.233,12€;
  3. Liquidação n.º 2016..., de 2019-06-07, no montante de 3.031,06€;
  4. Liquidação n.º 2017..., de 2019-06-07, no montante de 3.031,06€;
  5. Liquidação n.º 2018..., de 2019-06-07, no montante de 3.325,65€;
  6. Liquidação n.º 2019..., de 2020-04-08, no montante de €3.917,13;

 

E, ainda, das liquidações de AIMI, referentes aos anos de 2017 a 2019 a seguir indicadas:

 

  1. Liquidação n.º 2017..., de 2019-06-15, no montante de 962,13€;
  2. Liquidação n.º 2018..., de 2019-06-15, no montante de 962,13€;
  3. E Liquidação n.º 2019..., de 2019-06-30, no montante de 973,04.

 

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente:
    1. Vício de falta de fundamentação do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Ílhavo, datado de 25-01-2019, que determina que se proceda à avaliação, nos termos do artigo 37.º do CIMI, das frações descritas nos autos:
    2. Vício de falta de fundamentação do despacho que fixa a data de 1.1.2013 como data de conclusão das referidas frações;
    3. Vício de violação de lei quanto à fixação dos valores patrimoniais tributários (VPT) atribuídos às frações autónomas em causa e por violação dos princípios orientadores do procedimento da inspeção tributária, nomeadamente os vertidos no RCPIT, bem como o princípio da participação previsto no artigo 60.º da LGT, violação que afeta a validade dos atos de liquidação subsequentes.

 

Conclui peticionando que seja considerada ilegal a atualização na matriz realizada às frações A D, E, F, G, L, M, N, O, P, Q, R e S do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... (...), sob o artigo n.º ... e, em consequência, serem anuladas, por ilegais, as liquidações oficiosas de IMI e as liquidações de AIMI identificadas nos autos, com a consequente reposição dos VPT´s a zero das referidas frações.

 

  1. É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral apresentado em 25-06-2020, foi aceite, na mesma data, pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.

 

  1. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou, em 12-08-2020, como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, que comunicou a aceitação no prazo aplicável.

 

  1. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral ficou constituído em 11-09-2020. No dia 13-09-2020 foi proferido despacho arbitral em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

 

  1. A AT apresentou Resposta em 19-10-2020, na qual argui a exceção de incompetência do Tribunal arbitral, e, por cautela, defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral. Juntou aos autos Processo Administrativo.

 

  1. Em 15-10-2020 veio a Requerente apresentar requerimento de ampliação do pedido, para impugnação da segunda prestação de IMI relativa ao ano de 2019, com o nº 2019..., e da liquidação de AIMI nº 2020..., respetivamente, no valor de 1305,71€ e 1257,25€. Este pedido de ampliação foi apresentado antes da resposta da AT, e veio a ser acrescido de um outro pedido de ampliação apresentado em 6-01-2021, referente â 3ª prestação do IMI, referente ao ano de 2019. Estes pedidos de ampliação foram aceites pelo Tribunal arbitral, por despacho arbitral de 08-01-2021, por se tratar do desenvolvimento do pedido original, nos termos previstos no artigo 265º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, nº1, e) do RJAT. O valor global do pedido, após as ampliações referidas passou para 23,303,97€.

 

  1. Em 05-11-2020 a Requerente veio aos autos responder à exceção invocada pela AT e indicar a matéria de facto para inquirição da testemunha indicada.

 

  1.  Em 13-11-2020 foi proferido despacho arbitral nos termos do qual o tribunal aceitou a junção aos autos dos documentos em anexo à resposta à exceção apresentada pela Requerente, por se afigurarem relevantes para a descoberta da verdade e agendou a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, e a inquirição da testemunha indicada pela Requerente, para o dia 10.12.2020, pelas 10h 30m. A Requerida AT solicitou o adiamento desta data, por impossibilidade de agenda, devido a outras diligências marcadas no CAAD para a mesma data. Em 17-11-2020, a Requerente veio também aos autos manifestar a sua indisponibilidade para a data agendada, pelo que o tribunal arbitral adiou a diligência para o dia 16-12-2021, à mesma hora. No mesmo despacho, o tribunal arbitral decidiu deferir a ampliação do pedido formulado pela Requerente por requerimento apresentado em 15-10-2020, nos termos previstos no artigo 265º do CPC, aplicável, ex vi artigo 29º, nº1 e) do RJAT.

 

Em 2-12-2020, veio a mandatária da Requerente invocar indisponibilidade para a data indicada a qual foi adiada para 21-12-2021. Mais uma vez a reunião não pode realizar-se nesta data por razões de impedimento relacionados com isolamento profilático da testemunha.

Como resulta do próprio sistema de gestão processual da AT, forma várias as marcações de data para a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, sendo que não foi possível a sua realização por impedimento e impossibilidades diversas, nomeadamente, por força do período de confinamento imposto pela pandemia COVID 19. Assim, após sucessivas datas agendadas e sempre adiadas, foi possível realizar a reunião em 20-04-2021, conforme consta da ata da reunião junta aos autos.  Foi inquirida a testemunha indicada pela Requerente. Na mesma reunião foi fixado prazo de 10 dias, igual e sucessivo, para apresentação de alegações escritas. Foi ainda determinado que a decisão seria proferida no prazo previsto no artigo 21º, nº 1 do RJAT, considerada a suspensão dos prazos ocorrida no período de confinamento imposto pela pandemia.

 

  1. As partes apresentaram alegações escritas, no prazo fixado, respetivamente, em 30-04-2021 e 14-05-2021.

 

  1. Em 4-06-2021 veio, de novo a Requerente apresentar mais uma ampliação do pedido, agora referente ao IMI de 2020, a qual não foi admitida pelo Tribunal arbitral, conforme despacho arbitral de 14-07-2021, que a seguir se transcreve:

 

«Despacho Arbitral

Considerando o requerimento de ampliação do pedido apresentado pela Requerente em 04-06-2021 e a resposta ao mesmo apresentado pela AT, cumpre decidir.

1. No processo arbitral tributário, a notificação do dirigente máximo do Serviço da AT para apresentar Resposta (cf. artigo 17.º, n. 1 do RJAT) equivale à “citação do réu”, pelo que a partir desse momento fixa-se o objeto processual arbitral – pedido e causa de pedir.

2- No limite, para que o Tribunal Arbitral não seja constantemente confrontado com alterações sucessivas da instância, apenas se admite a ampliação do pedido até à fase de encerramento da discussão, ou seja, até à realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT ou até à apresentação das alegações escritas, se for o caso do pedido de ampliação corresponder ao desenvolvimento do pedido original ou ser consequência deste (art. 265º, nº 2 do CPC).

3- Nos presentes autos a Requerente apresentou dois pedidos de ampliação, sendo que o primeiro apresentado em 15/10/2020, ocorre logo após a notificação da AT para apresentação da Resposta, diz respeito à 2ª prestação do IMI relativo ao ano 2019, e tem origem na mesma liquidação oficiosa de IMI em discussão nos autos e ao mesmo período de tributação, pelo que cumpre os pressupostos supra indicados e é admitido pelo Tribunal arbitral.

4- O segundo Requerimento de ampliação do pedido é apresentado depois de encerrada a discussão, com a realização da reunião do artigo 18º do RJAT e após a apresentação das alegações escritas, ou seja, na fase em que o processo se encontra em preparação da decisão final.

5- Pelas razões expostas, este segundo pedido afigura-se totalmente extemporâneo. Acresce que, não se refere ao mesmo período de tributação nem tem origem na mesma liquidação oficiosa de imposto. De ressaltar que a circunstância de ser apresentado após o encerramento da discussão e apresentação de alegações escritas, o torna, sem mais, inadmissível, bem assim como a junção dos documentos que o acompanha.

Termos em que, sem mais considerandos, se decide pela inadmissibilidade do segundo pedido de ampliação do pedido e indefere-se a junção dos documentos, devendo os mesmos ser desentranhados dos autos…»

 

  1. No mesmo despacho arbitral foi determinado que a data-limite para prolação da decisão final, considerando a contagem do prazo do nº1 do artigo 21º do RJAT e a suspensão dos prazos operada pela legislação COVID, se prevista para o dia 27-07-2021, sem prejuízo do disposto no nº2 do artigo 21º do RJAT. A fixação desta data decorre da consideração da data de constituição do Tribunal arbitral, do período de suspensão dos prazos decorrente da legislação COVID, de férias judiciais e da prorrogação do prazo já determinada, como consta da ata da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, nos termos do disposto no artigo 21º, nº2 do RJAT.

 

  1. Em 27-07-2021, foi proferido despacho arbitral, nos termos do qual foi prorrogado o prazo para prolação da decisão arbitral, devido a acumulação de processos com datas de prolação de decisão muito próximas ou mesmo coincidentes,  em virtude da suspensão dos prazos processuais determinada pelo artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, aditado pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, cuja cessação apenas ocorreu com a publicação da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, e que protelou a ulterior tramitação processual, sucessivos adiamentos da data para realização da inquirição de testemunhas, entre outras vicissitudes na tramitação do processo, torna-se necessário proceder à prorrogação do prazo por dois meses, nos termos previstos no artigo 21.º, n.º 2, do RJAT. Prazo esse prorrogado, ainda, por novo despacho de 24-09-2021, fixando assim como nova data-limite para prolação da decisão arbitral o dia 27-11-2021.

 

  1. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

            Tudo visto, cumpre proferir

 

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. Com relevância para a decisão consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é proprietária do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º..., da freguesia de ...– ..., em Ílhavo.
  2. A Câmara Municipal de Ílhavo têm impedido a emissão da licença de utilização das frações que integram o prédio, tendo notificado a Requerente do seguinte: “para efeitos de regularização do licenciamento em apreço, ou seja, da emissão do alvará de utilização abrangendo todas as frações do mesmo, deverá a requerente promover a apresentação do projeto de relocalização do corpo de anexos e a solução que permita resolver a questão da rampa de acesso à cave, proporcionando a sua inclinação de modo a cumprir o estabelecido no Regulamento Municipal de Ílhavo (RMI), em vigor à época do licenciamento da obra (a inclinação da rampa não poderá ultrapassar 15%, em todos os setores).”
  3. O prédio no seu todo está acabado, nele funciona uma Farmácia e algumas outras frações do prédio encontram-se em utilização, sendo que as frações mencionadas nas alíneas seguintes, encontram-se com alguns acabamentos incompletos (colocação de portas, chão, cozinha e acabamentos elétricos) e ainda inabitadas por força da ausência de licenças de utilização, embora possam a qualquer momento ser finalizados para entrega a eventuais compradores.
  4. No dia 28-03-2019 a Requerente foi notificada, na pessoa do seu Procurador, pelo Serviço de Finanças de Ílhavo da cópia do ofício n.º..., emitido por este serviço de finanças, referente à “AVALIAÇÃO – DETERMINAÇÃO DE VALOR PATRIMONIAL DE FRACÇÕES AUTÓNOMAS”.
  5. Nesse mesmo ofício é referido que: “No âmbito de auditoria levada a efeito pela Direção de Serviços de Auditoria, foi detectado que várias fracções autónomas do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... – ... sob o artigo n.º..., das quais figura V. Exa., como proprietária, não estavam identificadas na matriz com o respectivo valor patrimonial. Nesse âmbito e após terem sido efectuadas as diligências necessárias com vista à sua determinação, foi por despacho de 25/01/2019 do Sr. Chefe deste Serviço (infra transcrito), determinado que se procedesse à sua avaliação, nos termos do disposto no art. 37.º do CIMI”. -
  6. Do mesmo ofício resulta que por Despacho do Chefe de Finanças de Ílhavo, datado de 25.01.2019, foi emitida a Ordem de Serviço datada de 18.12.2018, da qual resulta que o Serviço de Finanças de Ílhavo procedeu à inserção das declarações Mod. 1 do IMI, iniciando assim o procedimento de avaliação das frações A D, E, F, G, L, M, N, O, P, Q, R e S do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... (...), sob o artigo n.º..., para determinação do valor patrimonial tributário (VPT) de cada uma destas frações;
  7. Do resultado das avaliações efetuadas àquelas frações, a requerente foi notificada em 20.3.2019, sendo que tanto a 1ª notificação como a 2ª foram devolvidas pelos CTT com a menção “Objeto não reclamado”;
  8. Em 28.03.2019, a Requerente tomou conhecimento das fichas de avaliação, referentes a cada uma das mencionadas frações e, bem assim, do VPT atribuído a cada fração, através do seu Procurador;
  9. A Requerente apresentou requerimento fundamentado, datado de 18.04.2019, no qual requereu o retorno à situação de VPT a “zero” das referidas frações.
  10. Por correio enviado sob registo, foi a Requerente notificada em 17.06.2019 da demonstração da revisão oficiosa da liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis do ano de 2018, datada de 07.06.2019.
  11. Em 26.06.2019, a Requerente recebeu, por correio simples, a nota demonstrativa da liquidação correspondente ao ano 2017 e das liquidações do AIMI relativo aos anos 2017 e 2018, datadas de 15.06.2019, cuja data limite de pagamento ocorreu no último dia do mês de agosto de 2019.
  12. Posteriormente, por correio enviado sob registo, foi a Requerente notificada em 10.07.2019 da correção da liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis do ano de 2015, datada de 07.06.2019, no valor de €3.233,12, cuja data limite de pagamento ocorreu no último dia do mês de Julho de 2019 e, ainda, da correção da liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis do ano de 2016 e 2017, ambas datadas de 07.06.2019, no valor, respetivamente, de €3.3.031,06, cuja data limite de pagamento ocorreu no último dia do mês de Julho de 2019
  13. Em 18.07.2019, a Requerente foi notificada das notas demonstrativas das liquidações de IMI´s, referentes às frações mencionadas em f), relativamente aos anos de 2015, 2016, 2017, seguindo-se as liquidações referentes aos anos de2018 e 2019, com a globalidade de todos os restantes prédios, a saber:
    1. Liquidação nº 2015... de 2015 (Serviço de Finanças de Ílhavo;
    2. Liquidação nº 2016... de 2016 (Serviço de Finanças de Ílhavo)
    3. Liquidação nº 2017... de 2017 (Serviço de Finanças de Ílhavo)
    4. Liquidação nº 2018... de 2018 (Serviço de Finanças de Ílhavo)
    5. Liquidação nº 2019... de 2019 (Serviço de Finanças de Ílhavo)
    6.  Liquidação nº 2017... de 2017 (Serviço de Finanças de Ílhavo)
    7.  Liquidação nº 2018... de 2018 (Serviço de Finanças de Ílhavo)
    8.  Liquidação nº 2019... de 2019 (Serviço de Finanças de Ílhavo)

 

  1. Em 19.07.2019 a Requerente foi notificada, por carta registada, da 2ª prestação do Imposto Municipal sobre Imóveis do ano de 2018, datada de 07.06.2019.
  2. Foi ainda notificada da 3ª prestação de IMI referente ao ano de 2018, da liquidação do AIMI relativo ao ano 2019;
  3. Em 23.09.2019 a Requerente foi notificada da instauração do processo de execução fiscal n.º ...2019... pelo Serviço de Finanças de Ílhavo para cobrança do valor das liquidações dos AIMI dos anos 2017 e 2018.
  4. A Requerente apresentou em 27.09.2019, junto do Serviço de Finanças de Ílhavo, Reclamação Graciosa onde peticionou «que fosse considerada ilegal a atualização na matriz realizada às fracções A D, E, F, G, L, M, N, O, P, Q, R e S do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... (...), sob o artigo n.º ... e fossem anuladas, por ilegais, as liquidações oficiosas de IMI referentes aos anos de 2015 a 2018 e ainda, a reposição dos VPT´s a zero das referidas fracções.»
  5. Em 17-12-2019 a Requerente foi citada da instauração do processo de execução fiscal n.º ...2019... pelo Serviço de Finanças de Ílhavo para cobrança do valor das liquidações do IMI do ano 2018 e da instauração do processo de execução fiscal n.º ...2019... para cobrança do valor das liquidações do AIMI do ano 2019;
  6. A Requerente foi notificada, por carta datada de 08.04.2020, do IMI correspondente ao ano de imposto de 2019, onde as frações (A D, E, F, G, L, M, N, O, P, Q, R e S foram também alvo de tributação:
  7. Por ofícios datados de 07.01.2020, respetivamente, ofícios n.º ... e n.º 200 016 foi a Requerente notificada, no âmbito de direito de audição prévia, do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.
  8. A Requerente interpôs dois recursos hierárquicos contra os indeferimentos das reclamações graciosas em 05.03.2020, junto da Direcção de Finanças de Aveiro, das decisões de indeferimento da Reclamação Graciosa que havia deduzido, relativamente às liquidações oficiosas de IMI, referentes aos anos de 2015 a 2018 e de AIMI, referentes aos anos de 2017 a 2019.
  9. Em 24-06-2020 a Requerentes apresentou o presente pedido arbitral, posteriormente ampliado passando a incluir, na sua globalidade, todas as liquidações (e respetivas prestações) de IMI e AIMI, referentes aos anos de 2015 a 2019, no valor global de 23,303,97€.

 

A.2. Factos dados como não provados

      17. Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

  1. A matéria considerada comprovada tem por fundamento os factos reconhecidos como assentes pelas partes, bem assim como o suporte documental junto aos autos pelo Requerente e o constante do processo administrativo (PA) junto pela AT. Deste consta, concretamente, um conjunto de documentos que provam os factos assentes constantes das alíneas a), b) e d) a v), relativamente aos quais não se verifica divergência entre Requerente e Requerida.

O facto mencionado na alínea c) resulta provado pelo teor das fotos juntas aos autos pela Requerente, em anexo à resposta à exceção, apresentada em 05-11-2020, bem assim como do depoimento prestado pela testemunha inquirida.

 

Todos os factos mencionados, com exceção do constante da alínea c) da matéria assente, foram confirmados pelo teor da resposta da AT, bem assim como do PA que juntou aos autos. Em divergência está apenas a consequência jurídica a extrair dos mesmos.

 

Importa, ainda, referir que relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).  Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Resulta, aliás, que a controvérsia que opõe as partes nos presentes autos não se reporta à matéria de facto, mas somente em relação à matéria de direito.

 

 

B. DO DIREITO

B.1. Questão prévia a decidir: da incompetência material do tribunal arbitral para apreciar a ilegalidade de ato de indeferimento tácito de recurso hierárquico

 

  1. Considerando que a Requerida na sua resposta suscita a exceção de incompetência material do tribunal arbitral importa conhecer e decidir esta questão prévia.

Assim,

 

  1. Em síntese, entende a Requerida AT que o tribunal arbitral não tem competência material para aferir da legalidade de atos de avaliação e inscrição matricial. Pelo que, considerando o pedido formulado pela Requerente e a causa de pedir em que se fundamenta, não cabe na competência material do Tribunal Arbitral a sua análise, fazendo esse o seu principal fundamento de procedência do pedido arbitral, já que o que se pretende é eliminar da ordem jurídica as avaliações e os respetivos VPT atribuídos às frações descritas nos autos. O que a Requerente pretende é a eliminação da ordem jurídica daquelas avaliações, inscrições matriciais dos VPT fixados, fazendo-as regressar a «zero». As liquidações são apenas um pretexto para alcançar este objetivo.

 

  1. Em resposta à invocada exceção de incompetência do tribunal arbitral veio a Requerente alegar que, ao contrário do que a AT alega, a causa de pedir assenta em ilegalidade dos atos de liquidação de IMI e de AIMI impugnados, ainda que os vícios que lhe sejam imputados decorram de ilegalidades ocorridas no procedimento de avaliação e fixação oficiosa dos respetivos VPT e sua inscrição na matriz. Alega, ainda, que o ato subjacente ao pedido arbitral é o do indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto do ato de indeferimento da reclamação graciosa antecedente, a qual versou sobre os atos de liquidação de IMI e de AIMI identificados no presente pedido arbitral e cuja impugnação pretende.

 

Por último, alega a Requerente a favor desta posição que a orientação jurisprudencial tem sido claramente no sentido de considerar que “eventuais ilegalidades praticadas nos actos prévios ao de fixação do valor patrimonial tributário do prédio, como o de inscrição oficiosa na matriz de determinada realidade física como prédio, podem ser objecto de impugnação autónoma – através de acção administrativa especial – ou invocadas em impugnação de acto tributário”, como resulta, a título de exemplo, do Acórdão do STA de 8/1/2014, proferido no processo nº. 01685/13.

 

Assim, conclui a Requerente que: «no caso destes autos, que a ora Requerente impugna expressamente (como reconhece a Requerida nos pontos 2.º e 3.º da sua resposta) os actos tributários de liquidação de IMI com fundamento na sua ilegalidade (vd. também, a este respeito, e.g., os pontos 39.º e 47.º da p.i.); c) nada obsta, assim, a que a ora Requerente invoque a ilegalidade dos actos de liquidação impugnados com fundamento na errada inscrição matricial do prédio em causa (ainda que tal inscrição não tenha sido autonomamente sindicada em momento anterior) – a este respeito, ver, por exemplo, os seguintes acórdãos: “o acto em causa [...] é imediatamente lesivo, e [...], como tal, pode a recorrente, querendo, sindicá-lo autonomamente, se o não quiser sindicar em sede de impugnação da liquidação do tributo. (Sobre esta faculdade alternativa, cfr. Jorge Lopes de Sousa, [Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª ed., 2011, I vol.], p. 470.)” (Acórdão do STA de 27/11/2013, proc. 01725/13); “O acto de inscrição oficiosa na matriz predial de uma determinada realidade física, por ter sido qualificada como prédio, é imediatamente lesivo e autonomamente sindicável através da acção administrativa especial, sendo a impugnação judicial o meio próprio para sindicar a liquidação do IMI a que tal acto dê origem.” (Acórdão do TCA Norte de 28/9/2017, proc. 01939/12.6BEBRG); d) como decorre do que se disse anteriormente, não há a (alegada) retroacção de efeitos de classificação de imóvel que ocorreu em 2017, há somente a avaliação da legalidade das liquidações resultantes da (alegada) errada inscrição matricial do prédio em causa nos anos de 2012 a 2015; e) nos termos do disposto no art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT, os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar os pedidos de declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos [como é o caso do pedido que originou o presente processo: vd. supra, b)].»

 

Vejamos, pois, em face do que vem exposto e da configuração da causa de pedir e do pedido formulado pela Requerente se deve ou não proceder a alegada exceção de incompetência material do Tribunal arbitral.

 

  1. Para aferir a competência do Tribunal arbitral é fundamental atender ao pedido formulado e à causa de pedir que o sustenta.

No caso dos presentes autos a Requerente apresenta um pedido de pronúncia arbitral que tem por objeto a decisão de indeferimento tácito dos recursos hierárquicos apresentados do indeferimento dos procedimentos de reclamação graciosa, os quais por sua vez foram apresentados para impugnação das liquidações do IMI dos anos de 2015 a 2019 e das liquidações de AIMI dos anos de 2017 a 2019 relativas às frações A, D, E, F, G, L, M, N, O, P, Q, R e S, do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo ..., sito na freguesia de ... (...), do concelho de Ílhavo.

 

  1. A competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD é limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT). Dispõe esta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
    1. A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
    2. A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais. (redação da Lei n.º 64- B/2011, de 30 de Dezembro)

 

Para além da apreciação direta da legalidade dos atos supramencionados, incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais tributários, competências para apreciar atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos do tipo mencionados na referida norma legal (liquidações de imposto ou atos de fixação de matéria tributável de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais). Inclui-se, pois, na competência do tribunal arbitral a competência para conhecer de atos de indeferimento expresso ou tácito de recursos hierárquicos, reclamações graciosas ou outros, que versem sobre atos de liquidação de imposto.

A corroborar esta interpretação veja-se o disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, in fine, o qual se refere expressamente «…à notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico».

Ainda neste sentido, a lei de autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, revela de modo expresso e claro a intenção do legislador consagrar um processo arbitral tributário que constitua «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2 da referida norma de autorização).

 

Dito isto, importa atender ao disposto no artigo 2.º do RJAT, segundo o qual a arbitragem tributária não foi implementada quanto às matérias suscetíveis de serem objeto de ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois é manifesto que não se enquadram em qualquer das situações previstas nas suas alíneas a) e b).

Acresce ainda que, como bem se menciona no Acórdão arbitral proferido no processo nº 487/2020-T, que «e qualquer forma, extrai-se também da referida autorização legislativa, designadamente da alínea a) do n.º 4 do referido artigo 124.º, ao fazer referência aos «actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação», que não se pretendeu estender o âmbito da arbitragem tributária à apreciação de actos que, nos termos do CPPT, não podem ser objecto de impugnação judicial. Na verdade aquela expressão tem ínsita a exclusão dos «actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação» e das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação.  Porém, como excepção a esta regra de delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa poderão considerar-se os casos de impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, independentemente do seu conteúdo, pelo facto de a utilização do processo de impugnação judicial ter sido prevista numa norma especial, que é o n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, actualmente revogado, em de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. No mesmo sentido aponta a alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, ao referir «a impugnação do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas dos actos tributários».

 

  1. Retornando ao caso dos autos a Requerente apresentou, primeiramente, duas reclamações graciosas, relativas a alegadas ilegalidades dos atos de liquidação de IMI e de AIMI com referência às frações do prédio urbano e aos anos em causa e já identificados supra. Estas reclamações foram indeferidas, por decisão expressa, e destes indeferimentos a Requerente interpôs os recursos hierárquicos aos quais não obteve decisão expressa, tendo, por isso, presumido o seu indeferimento tácito, nos termos previstos no artigo 57.º, n.º 5, da LGT.

 

Quando ocorre um indeferimento tácito não há apreciação expressa da legalidade do(s) ato(s)o de liquidação, tratando-se de uma ficção de ato (ato putativo) destinada a assegurar a impugnação contenciosa em meio processual adequado.

 

No caso concreto destes autos, os recursos hierárquicos, bem assim como as reclamações graciosas que os antecederam, tiveram por objeto os atos de liquidação de IMI e de AIMI identificados nos autos. Ora, no caso de impugnação administrativa, através de reclamação graciosa, de um ou mais atos de liquidação, com fundamento na sua ilegalidade, no âmbito da qual se decidiu expressamente indeferir o pedido da reclamante, o conteúdo ficcionado do ato de indeferimento do recurso hierárquico é o de indeferimento do pedido formulado na reclamação graciosa. O que vale por dizer que, neste caso o indeferimento tácito resulta na confirmação do indeferimento anteriormente decidido na reclamação graciosa.

Assim, é o ato subjacente, que se presume confirmado tacitamente, no caso de o recurso hierárquico não ser decidido no prazo legal, que se assume como o relevante para aferir a idoneidade do meio processual utilizado pela Requerente. A este propósito, seguimos integralmente o entendimento vertido no já referido Acórdão 487/2020 T, nomeadamente quando refere que «nos casos de indeferimento tácito de recurso hierárquico interposto de decisão expressa de indeferimento, proferida em sede de reclamação graciosa, é à face do conteúdo deste acto recorrido que se afere se foi ou não apreciada a legalidade de acto de liquidação.»

 

  1.  Do que vem exposto resulta que, no caso dos presentes autos, estamos perante o indeferimento tácito de dois recursos hierárquicos, interpostos das decisões de indeferimento expresso dos pedidos de reclamação graciosa que os antecederam e que tiveram como objeto direto os atos de liquidação de IMI e de AIMI aqui impugnados. E assim sendo, é de considerar que o que está em causa no ato ficcionado é a legalidade de atos de liquidação e, por isso, o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa é o processo de impugnação judicial ou o processo arbitral (meio alternativo).

Por tudo o que se deixa exposto, improcede a exceção de incompetência material invocada pela Requerida.

 

 

B.2. Questão de fundo: da impugnação de liquidações de IMI e AIMI com fundamento em vícios de atos de fixação de valores patrimoniais

 

 

  1. A questão que agora se coloca é a de saber se os atos de liquidação de IMI e de AIMI podem ter como fundamento de impugnação eventuais vícios dos atos de avaliação e fixação do valor patrimonial tributário atribuído a cada fração do prédio descrito nos autos.

Da análise do pedido conclui-se que a Requerente peticiona a anulação das liquidações do IMI dos anos de 2015 a 2019 e das liquidações de AIMI dos anos de 2017 a 2019 relativas às frações A, D, E, F, G, L, M, N, O, P, Q, R e S do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo..., sito na freguesia de ... (...), do concelho de Ílhavo, alegando que aquelas frações não se encontravam concluídas por causa do litígio com a Câmara Municipal de Ílhavo, relacionado com o licenciamento de utilização, não podendo ser transacionadas. E, porque se encontram inacabadas, alega a Requerente que estas frações não deviam ter sido avaliadas, nem determinado o seu valor patrimonial tributário (VPT), nos termos em que o foi por força do procedimento desencadeado pelo Serviço de Finanças de Ílhavo. Argumenta, em síntese, que o procedimento de auditoria e avaliação bem assim como a fixação dos VPT para cada uma das frações avaliadas são ilegais, requerendo a anulação das liquidações por considerar serem anuláveis os atos administrativos praticados pelo Serviço de Finanças, em sede de avaliação e fixação do VPT. 

Do ponto de vista da Requerente este procedimento de avaliação e fixação do VPT decorreu «com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção, pelo que a omissão do ato procedimental invalida, por anulabilidade, todo o procedimento arrastando necessariamente a validade do ato(s) de liquidação(ões) oficiosa(s) [subsequentes], que nele obteve os seus fundamentos legais.»

Termina o seu pedido nos termos seguintes:

 «Nestes termos e melhores de Direito deve a presente impugnação ser considerar procedente, por provada e, ser considerada ilegal a atualização na matriz realizada às frações A D, E, F, G, L, M, N, O, P, Q, R e S do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... (...), sob o artigo n.º... e, em consequência, serem anuladas, por ilegais, as liquidações oficiosas de IMI (Liq. n.º 2015...– 2019-06-07, Liq. n.º 2016...– 2019-06-07, Liq. n.º 2017 ... – 2019-06-07, Liq. n.º 2018...– 2019-06-07 e Liq. n.º 2019 ... – 2020-04-08) e AIMI Liq. n.º 2017 ... – 2019-06- 15; Liq. n.º 2018 ... – 2019-06-15 e Liq. n.º 2019 ... – 2019-06-30) com base nos fundamentos acima referidos, com as consequências legais, nomeadamente a reposição dos VPT´s a zero das referidas frações.” (sublinhado nosso).»

 

 

  1. Ora, alega a Requerida AT que as invocadas razões de facto e de direito estão longe de fundamentar e de sustentar quaisquer das pretensões formuladas, que devem por isso improceder por impugnadas. Assim, segundo a AT há que ter em conta que a Requerente veio deduzir o presente pedido arbitral «tendo em conta a presunção de indeferimento tácito que se terá formado na sequência da apresentação dos recursos hierárquicos, peticionando que “deve a presente impugnação ser considerar procedente, por provada e, ser considerada ilegal a atualização na matriz realizada às frações A D, E, F, G, L, M, N, O, P, Q, R e S do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... (...), sob o artigo n.º ... ….”(…)»  Referindo a Requerente que …” a questão levantada é, uma vez mais, uma questão de fundamentação do acto de atualização das frações em questão na matriz, resposta que o ora projeto de decisão pretende alegadamente responder – portanto, fora do Despacho ferido de ilegalidade - como que querendo suprir tal vício.”

Concluindo no ponto 84.º do pedido arbitral que “não se verificam os pressupostos para a avaliação com vista à sua atualização da matriz das fracções em questão.”

 

  1. Face ao que vem exposto, é evidente que os fundamentos de facto e de direito invocados no pedido arbitral para a anulação das liquidações de IMI e de AIMI em questão, assentam em alegados vícios ocorridos no procedimento de avaliação e fixação dos VPT de cada uma das frações, até então inscritas na matriz com valor «zero». Por isso, formula o pedido arbitral nos termos sobreditos, requerendo que sejam anulados todos os atos praticados no procedimento de avaliação e fixação oficiosa dos VPT, voltando este a ser repostos em «zero».

Ou seja, a Requerente não pretende apenas a anulação das liquidações, pois que tal não seria solução para o problema, o qual só ficará verdadeiramente resolvido com a anulação dos atos de avaliação e fixação do VPT atribuído às ditas frações.

A questão a decidir é a de saber se, considerada a matéria assente como provada, a Requerente tem a possibilidade de impugnar as liquidações de imposto com fundamento em vícios que imputa aos atos de avaliação e fixação do VPT, uma vez que não impugnou estes atos na altura própria., usando das garantias processuais legalmente previstas para o efeito.

 

 

  1. A jurisprudência dos nossos tribunais superiores e dos tribunais arbitrais tem vindo a firmar um entendimento sólido desta questão.

Começando por analisar o recente Acórdão arbitral proferido no processo nº 487/2020 T, em que foi analisada a questão de saber se o tribunal arbitral pode ou não conhecer de pedidos arbitrais em que se impugnem atos de liquidação de IMI com fundamento em erros dos atos de fixação dos valores patrimoniais tributários (VPT) dos prédios sobre que incidiu o imposto. Estava em causa nesse processo saber se na determinação dos valores patrimoniais tributários dos prédios em causa, os quais serviram de base às Liquidações de IMI impugnadas, a AT havia aplicado indevidamente uma fórmula de cálculo ilegal na qual foram considerados, indevidamente. os coeficientes multiplicadores de VPT.

 

Com as devidas adaptações, não resta dúvida que a questão de direito em apreciação nesse caso é idêntica à que agora nos ocupa., como bem alega a AT nas alegações escritas juntas aos autos.

Segundo a jurisprudência vertida neste acórdão, à qual se adere na íntegra, os vícios de atos de avaliação e fixação de valores patrimoniais podem ser invocados como fundamento de impugnação de atos de liquidação de IMI, que os tenham como pressupostos, desde que tenham cumprido as regras procedimentais e as garantias legalmente previstas.

Nos dois casos em análise (o do Acórdão 487/202-T e o dos presentes autos) a Requerente não imputa qualquer vicio, específico e autónomo, às liquidações de IMI e de AIMI impugnadas. Todos os fundamentos invocados em sede de impugnação destes atos de liquidação reportam aos atos de avaliação e fixação do VPT, e a consequente inscrição na matriz predial.

 

  1. Ora, como resulta do disposto no n.º 2 do artigo 15º do CIMI que nos prédios urbanos, como é o caso das Frações em discussão nestes autos, a avaliação é direta, ou seja, assenta na avaliação direta do imóvel. Por sua vez o nº 1 do artigo 86º da LGT refere que a avaliação direta é suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa direta.

Por sua vez, dispõe o artigo 134.º do CPPT que os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade.

 

  1. Isto significa, que os atos de fixação dos valores patrimoniais, «quando inseridos num procedimento de liquidação de um tributo, são atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, nos termos do artigo 86º n.º 1, da LGT e do artigo 134,º do CPPT. » (cfr. Ac. Arbitral 487/2020-T)

Nessa medida, assiste razão à AT quando alega a improcedência do pedido arbitral por impossibilidade deste tribunal conhecer dos atos de fixação do VPT, que a Requerente não impugnou autonomamente usando as garantias processuais ao seu dispor. Na verdade, como se afirma no acórdão arbitral supra citado, «a atribuição da natureza de ato destacável tem por fim, precisamente, autonomizar os vícios deste ato para efeitos de impugnação contenciosa, pelo que os vícios específicos do ato de fixação do VPT e sua inscrição na matriz não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

 

  1. No caso específico dos autos, o tribunal arbitral não pode apreciar e corrigir o ato de fixação da matéria coletável, porquanto a não impugnação autónoma dos atos administrativos que fixaram o VPT e promoveram a sua inscrição na matriz, tem como consequência a consolidação do mesmo como pressuposto para a liquidação do imposto subsequente. A Requerente não pode, pela via da alegada ilegalidade transmissível aos atos de liquidação, obter a anulação da inscrição na matriz e a anulação do VPT fixado com a reposição a «zero», conforme peticionado.

Como se disse já, por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI, a avaliação dos prédios urbanos é direta e, por isso, suscetível de impugnação contenciosa direta, ao que acresce o disposto no nº 2 deste artigo 86º, do qual decorre que a impugnação da avaliação direta «depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão.»

 

Os termos da impugnação da avaliação direta de valores patrimoniais constam do artigo 134.º do CPPT, em que se estabelece «os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade» (n.º 1); e – «a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação» (n.º 7).

Como bem se afirma no Acórdão 487/2020.T, « o n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais, corroborado pelo disposto no n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, impede a possibilidade de essa impugnação se fazer, por via indireta, ou seja, na sequência da notificação de atos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento meios de revisão previsto no procedimento de avaliação. No âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI). Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI). Isto significa que os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos. Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT. Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI). A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT (…)».

 

  1. Pelo exposto, os alegados vícios dos atos de avaliação e fixação dos VPT das frações autónomas do prédio descrito nos autos invocados pela Requerente, e que não foram objeto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação das liquidações de IMI e de AIMI impugnadas no presente pedido arbitral que, em consequência, tem de improceder.

 

Fica prejudicado o conhecimento de outras questões suscitadas nos presentes autos.

 

 

C. Decisão Arbitral

 

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral Singular o seguinte:

 

  1. Julgar improcedente a exceção de incompetência do tribunal arbitral.
  2. Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado pela Requerente.
  3. Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em 23,303,97€, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.224,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela parte vencida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 18 de outubro de 2021

 

O Tribunal Arbitral singular,

 

 

(Maria do Rosário Anjos)