Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 425/2020-T
Data da decisão: 2021-10-05  IRS  
Valor do pedido: € 8.864,89
Tema: IRS. Artigo 31º, nº 2, b) CIRS. Audição prévia. Falta de fundamentação
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

A) As partes e a constituição do tribunal arbitral

A... (contribuinte fiscal n.º...) e B... (contribuinte fiscal n.º ...), residentes ..., na Rua ..., ..., ..., adiante designados por Requerentes, apresentaram junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 3, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos seguintes actos tributários:

- liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) com o n.º 2019..., relativa ao exercício de 2016, bem como da demonstração de liquidação de juros compensatórios nº 2019... e a respectiva demonstração de acerto de contas nº 2019..., todas de 27.03.2019; e

- liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) com o n.º 2019 ..., relativa ao exercício de 2015, bem como da demonstração de liquidação de juros compensatórios nº 2019... e a respectiva demonstração de acerto de contas nº 2019..., todas de 28.03.2019;

no montante global de € 8864,69.

Pretende também a declaração de ilegalidade do acto de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa que os ora Requerentes apresentaram das referidas liquidações tributárias.

Peticiona ainda o reembolso desse imposto pago em excesso e o pagamento de juros indemnizatórios.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado pelo Requerente em 28.08.2020 e aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 31.08.2020. Foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 07.09.2020. O Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi designada, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em 21.10.2020, a ora signatária como Árbitro a integrar o Tribunal arbitral singular, o qual se constituiu em 23.11.2020, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro. Em 23.11.2020 foi proferido despacho arbitral para a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.

Em 05.01.2021, a Requerida AT veio juntar aos autos a sua resposta, que se dá por integralmente reproduzida, bem como o processo administrativo.

Em 09.01.2021, foi proferido nos autos despacho arbitral, cuja fundamentação se dá por integralmente reproduzida, a dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, dada a ausência de matéria de facto controvertida e a evidência da natureza das questões suscitadas pelas partes, que se configuram como questões exclusivamente de direito. Por outro lado, as partes foram notificadas para, querendo, apresentarem alegações escritas, não o tendo feito.

 

B) Do pedido formulado pelos Requerentes

Os Requerentes no presente pedido arbitral pretendem a declaração de ilegalidade das liquidação de IRS referentes aos anos de 2015 e 2016 e a sua anulação, em parte, bem assim como a restituição do imposto por si pago em excesso, acrescido dos juros indemnizatórios devidos. Alegam, em síntese, que estes actos tributários enfermam de vício de forma por falta de fundamentação e por preterição do direito de audição, e de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Segundo os Requerentes, o entendimento da AT, subjacente aos actos impugnados, assenta numa errada interpretação e aplicação do n.º 2, alínea b) do artigo 31.º, do CIRS, quando devia ser aplicada ao caso em apreço a alínea e) da mesma disposição legal (a que corresponde o coeficiente de 0,35), por se estar perante rendimentos de categoria B não previstos nas alíneas anteriores”, provenientes de actividades profissionais que n. Em consequência, pede a anulação das liquidações em crise e o reembolso do imposto pago indevidamente, bem como de juros indemnizatórios.

 

C) A Resposta da Requerida

A Requerida AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual pugna pela manutenção na ordem jurídica dos actos impugnados. Alega, em síntese, que a posição dos Requerentes  em relação ao vício de falta de fundamentação recusa que o mesmo se verifique, uma vez que os Requerentes compreenderam as razões que conduziram à emissão dos actos tributários em crise ao ponto de as “atacarem” na reclamação graciosa e no presente requerimento de pronúncia arbitral. Quanto à preterição do direito de audição, defende que o Requerente marido já tinha exercido o direito de audição, aquando do processo de divergência antes da emissão das liquidações impugnadas. Sustenta a aplicação da alínea b) do nº 2 do artigo 31º do CIRS, em vez da pretendida alínea e) uma vez que considera a actividade exercida pelo Requerente marido uma actividade de comissionista, especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151º do CIRS, sob o código 1319, pelo que o rendimento deve ser declarado no campo 403 do quadro 4ª do anexo 8 e o rendimento tributável obtido através da aplicação do coeficiente 0,75. Conclui pugnando pela legalidade das liquidações de IRS impugnadas e pela improcedência do pedido arbitral.

 

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

III. CUMULAÇÃO DE PEDIDOS

O presente pedido de pronúncia arbitral reporta-se a duas liquidações de IRS. Todavia, atendendo à identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, o tribunal considera que, face ao disposto nos artigos. 3.º do RJAT e 104.º do CPPT, nada obsta à cumulação de pedidos.

 

Cumpre decidir.

 

IV – DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

A)           Factos Provados

Tendo em conta a prova documental junta aos autos, cumpre fixar a matéria de facto relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como segue.

Como matéria de facto relevante, dá o tribunal por assente os seguintes factos:

a)            O Requerente marido, está colectado desde 20.02.2014 com o CAE 68312 (Actividades de Mediação Imobiliária), categoria B de IRS, tendo optado pela tributação segundo as regras do regime simplificado.

b)           É, também, funcionário público, na qualidade de encarregado operacional, a exercer funções no gabinete dos Bombeiros Municipais e heliporto da Câmara Municipal de ... (doc. 5 junto pelos Requerentes)

c)            No âmbito da informação n.º .../18, processo .../2016, da Direcção de Finanças de IRS, foram realizados diversos actos de fiscalização, tendo como objectivo os rendimentos de categoria B, com o CAE 68312, relativa à actividade de Angariação Imobiliária.

d)           Em resultado da acção inspectiva, os Requerentes foram notificados para exercer o direito de audição e para substituir as declarações de rendimentos modelo 3 de IRS, referentes aos anos de 2015, 2016 e 2017, com vista à correcção resultante da alteração dos rendimentos obtidos do campo 404, para o campo 403 dos respectivos anexos B (docs. 1, 2 e 3 juntos pelos Requerentes).

e)           Os Requerentes pronunciaram-se, em sede de audição prévia, em 12.12.2018 (doc. 4 junto pelos Requerentes).

f)            Através do ofício nº .../2019 de 30.01.2019, do Serviço de Finanças de ..., os Requerentes foram notificados do indeferimento do direito de audição, bem como da emissão das liquidações, ora impugnadas, referentes aos anos de 2015 e 2016 (doc. 7 junto pelos Requerentes e PA2).

g)            Em 27 e 28 de Março de 2019, foram os Requerentes notificados das demonstrações de liquidação de IRS, tendo posteriormente sido notificados das demonstrações de liquidação de juros compensatórios e das correspondentes demonstrações de acerto de contas, relativas aos exercícios de 2015 e 2016 (docs. 8 e 9 juntos pelos Requerentes).

h)           Por não concordarem com as liquidações emitidas oficiosamente, os Requerentes apresentaram a reclamação graciosa nº ...2019..., em 3 de Setembro de 2019, a qual foi indeferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de  ... ...(PA e PA2).

i)             Em 28.08.2020, o Requerente apresentou o presente pedido arbitral.

 

B) Factos não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

C)           Fundamentação dos factos provados

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a sua convicção ficou formada tendo por base a prova documental apresentada pelo Requerente e não contestada, que aqui se dá por reproduzida, as peças processuais apresentadas pelas Partes e o processo administrativo.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Ainda relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596º e n.º 2 a 4 do artigo 607º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e) do n.º do artigo 29º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes, a prova documental junta aos autos e o processo administrativo, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.

 

IV – DECISÃO DA MATÉRIA DE DIREITO

Fixada a matéria de facto, importa conhecer das questões de direito suscitadas pelos Requerentes.

 

A)           Questões de Direito a decidir nos presentes autos

Os Requerentes alegam que os actos tributários em crise enfermam de vício de forma por falta de fundamentação e por preterição do direito de audição e de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Do vício de falta de fundamentação

Invocam os Requerentes, para este efeito, que «à AT cabia, pois, no mínimo, fundamentar a correcção que efectuou». Os Requerentes consideram a fundamentação apresentada «obscura e insuficiente, porque o seu conteúdo não é bastante para explicar as verdadeiras razões por que foram praticados os actos ora reclamados».

A fundamentação do acto de liquidação mais não é do que a forma de a “AT exteriorizar os motivos por que procedeu àquela liquidação e não a qualquer outra, de uma forma clara, congruente e racional de molde a constituir a base que suporta a decisão” (Ac. TCA Sul de 25.01.2011 – Proc. 04410/10, o que é aplicável, com as devidas adaptações, ao presente caso.

Como se diz no Ac. STA de 2.07.2014 - Proc. nº 01074/13: “É inquestionável que a Administração tem o dever de fundamentar os actos que afectem os direitos ou os legítimos interesses dos administrados – em harmonia com o princípio plasmado no artigo 268º da CRP e acolhido nos artigos 124º do CPA e 77º da LGT. Ora, como a doutrina e a jurisprudência têm vindo exaustivamente a repetir, a fundamentação há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao contribuinte um conhecimento concreto da motivação do acto; e congruente, de modo que a decisão constitua a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação. É também incontroverso que as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido, bastando-se com a expressão clara das razões que levaram a determinada deliberação decisória. A determinação do âmbito da declaração fundamentadora pressupõe, portanto, a busca de um conteúdo adequado, que há-de ser, num sentido amplo, o suficiente para suportar formalmente a decisão administrativa. Assim, a fundamentação deve ser entendida como a obrigação de enunciar expressamente (de modo directo ou por remissão) os motivos de facto e de direito que determinaram o agente ou órgão decisor, esclarecendo o seu destinatário das razões que o motivaram e do porquê do sentido decisório, visando proporcionar ao administrado o conhecimento do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto. Deste modo, o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o artigo 487º, nº 2, do C. Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, por aceitar, ou não, o acto”.

Da análise do processo de divergência e do procedimento de reclamação graciosa e, designadamente da proposta de decisão para que o despacho de indeferimento remete, é manifesto que a AT cumpriu cabalmente tal dever de fundamentação que, diga-se, o próprio pedido arbitral revela que o Requerente apreendeu.

Sendo certo que “não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido” (…», in (Ac. STA de 30.01.2013 – Proc. n.º 0105/12).

Assim, estando os actos de indeferimento do direito de audição prévia e da reclamação graciosa devidamente fundamentados, não violam qualquer princípio legal ou constitucional e estão aptos a produzir os seus efeitos. Improcede, assim, o pedido dos Requerentes neste ponto.

O que ocorrerá no caso em apreço – e é bem diferente - é que os Requerentes não concordam com os fundamentos invocados pela AT, o que entronca no terceiro vício ora invocado: erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Com efeito, os Requerentes podem não concordar com a fundamentação apresentada – questão que apreciaremos de seguida – mas é indesmentível que ela existe, é clara, não contraditória e congruente com a conclusão que levou à emissão dos actos tributários de liquidação em crise e ao indeferimento da reclamação graciosa.

 

Da preterição do direito de audição

Esta questão já foi objecto de decisão do TCA Sul, no acórdão de 13.11.2014, proferido no processo n.º 07564/14. Ali se registou que «Consagra o art. 267º, nº.5, da Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela lei constitucional nº.1/2001, o direito de todos os cidadãos participarem na formação das decisões ou deliberações da Administração que lhes disserem respeito. A lei ordinária, concretizou inicialmente este direito no art. 100º, do C. P. Administrativo, aprovado pelo dec. lei 442/91, de 15/11, estando actualmente tal direito expressamente previsto no art. 60º, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec. lei 398/98, de 17/12 (cfr. art. 45º, do C.P.P.T.). O direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objecto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projecto da mesma decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo direito pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita. A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos consagrados no artº. 60º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, constitui um vício de procedimento susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (cfr. art. 135º, do C.P. Administrativo).

Nos procedimentos de segundo grau, de que são exemplo as reclamações [como se passa no caso sub judice], e os recursos hierárquicos, sempre que não existam factos novos capazes de influenciar a decisão final e o contribuinte já tenha sido ouvido sobre a factualidade em discussão no procedimento anterior aos ditos reclamação ou recurso (…), não haverá qualquer obstáculo à dispensa do direito de audiência, por ele ter sido já assegurado noutra fase do procedimento e não se verificarem alterações da situação factual. Trata-se de casos em que só em termos formais, relativamente a um procedimento parcelar, se pode falar em dispensa do direito de audiência, uma vez que ele foi assegurado e, não havendo alteração da situação de facto, deve considerar-se já exercido (cfr. art. 60º, n.º 3, da LGT, na redacção de natureza interpretativa introduzida pelo art. 13º, n.º 1, da Lei 16-A/2002, de 31/5).

A eventual ocorrência de vício de forma em momento posterior à efectivação da liquidação, consubstanciado na preterição do direito de audição no âmbito de procedimento gracioso de reclamação ou recurso hierárquico, não projecta efeitos anulatórios sobre aquele acto tributário de liquidação, antes podendo implicar a anulação da respectiva decisão de indeferimento da reclamação graciosa/recurso hierárquico. Face ao acto tributário de liquidação, tal vício de procedimento não surte quaisquer efeitos invalidantes, devendo antes visualizar-se como formalidade não essencial que em nada afectou os direitos de defesa do impugnante».

Na mesma linha de pensamento, o STA, em acórdão proferido em 07.04.2021, no processo 045/06.7BEPRT, definiu que «[o] direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objecto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projecto da decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o direito pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita (cfr. arts. 23, n.º4, e 60º, n.ºs 5 e 6, da LGT; art. 122º, do C.P. Administrativo). A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (cfr. artº 60º, da LGT.; art. 163º, do C.P. Administrativo).

De acordo com o princípio da impugnação unitária, consagrado no art. 54º, do CPPT, a impugnação contenciosa do acto final do procedimento tributário, normalmente a liquidação, acto tributário por excelência, deve abarcar qualquer ilegalidade anteriormente cometida no mesmo procedimento, ressalvando-se os actos destacáveis que o legislador prevê (cfr. v.g.

Nos presentes autos, estamos face a formalidade posterior às liquidações impugnadas, a qual não pode ter qualquer repercussão sobre estas. Por outras palavras, o vício de procedimento em causa (alegada falta de audição prévia), a existir, apenas poderia conduzir à anulação da respectiva decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa deduzido pelo recorrente, por tal efeito se quedando, mas nunca podendo ter como consequência a anulação dos actos tributários impugnados. Face a estes, tal vício de procedimento não surte quaisquer efeitos invalidantes, devendo antes visualizar-se como formalidade não essencial que em nada afectou os direitos de defesa do impugnante/recorrente».

Ora, os Requerentes afirmam no ponto 5 do pedido de constituição de Tribunal Arbitral que «O Reclamante veio exercer o direito de audição prévia por não concordar com esta [correcção efectuada pela AT] e em particular, com a fundamentação que lhe estava atribuída. Para esse efeito, juntou o documento 4 que titula o exercício desse mesmo direito e foi objecto de despacho de indeferimento (doc. 7 junto pelos Requerentes) no processo de liquidação.

Aliás, tinham sido notificados, para esse efeito, através do ofício n.º .../2018 de 20.11.2018.

Logo, pelas razões acima expostas, entende-se que a ausência de audição prévia no procedimento de reclamação graciosa não consubstancia um vicio de preterimento de formalidade essencial que possa afectar a validade das liquidações em apreço ou o próprio despacho de indeferimento da reclamação graciosa.

 

Do erro sobre os pressupostos de facto e de direito

Os Requerentes entendem serem as liquidações de IRS relativas aos anos de 2015 e 2016 ilegais por a correcção da AT estar assente em erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Vejamos então.

A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, veio alterar a redacção do n.º 2 (actual n.º 1) do artigo 31º do CIRS, que passou a ser a seguinte:

«Artigo 31.º

Regime simplificado

1 - No âmbito do regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação dos seguintes coeficientes:

(…)

b) 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º;

c) 0,35 aos rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores;

(…)»

 

Na alínea b) passou a estar prevista a aplicação do coeficiente de 0,75 aos rendimentos das actividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151º.

A Requerida sustenta que o serviço prestado por um Angariador Imobiliário consubstancia, dada a sua natureza, uma actividade de Comissionista, especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151º do CIRS, sob o código 1319, a qual está enquadrada na alínea b) do referido n.º 1 do artigo 31º do CIRS.

Por seu turno, os Requerentes defendem que a actividade de Angariador Imobiliário exercida pelo Requerente marido não se encontra prevista na tabela a que se refere aquela alínea, sendo antes abrangida pela alínea c), que prevê um coeficiente de 0,35. Para suportar a sua posição, juntam vários documentos: como documento n.º 5, uma declaração da Camara Municipal de..., de 31.12.2018, a autorizar a acumulação de funções por parte do Requerente marido, que não abrange os anos de 2015 e 2016, aqui em causa; como documento n.º 6 um contrato de formação para agente angariador imobiliário e contrato de agente angariador imobiliário.

Acontece que deste documento 6, não resulta que:

- o Requerente tenha recebido a ali referida formação;

- que tenha efectivamente celebrado o contrato definitivo de angariador ali prometido (artigo 6º).

Resulta, por outro lado, no entanto, desse mesmo documento que o agente angariador imobiliário (Requerente) receberá uma remuneração mensal (sublinhado nosso), no caso de três mil e quinhentos euros, por cada 15 angariações imobiliárias que leve para a empresa C... . Contudo, não receberá a referida remuneração enquanto não perfizer as referidas 15 angariações. O que nos permite concluir que não se trata de uma remuneração mensal, mas uma remuneração em função de um objectivo a atingir: 15 angariações.

Efectivamente, se ficar aquém das 15 angariações, não receberá qualquer quantia; se ultrapassar as 15 angariações, o excedente transitará para um próximo pagamento. Não existe assim uma retribuição mensal fixa pelo trabalho desempenhado, nem tão-pouco se faz referência a um horário de trabalho ou à isenção deste.

 

Ora, um vínculo desta natureza corresponde à essência da actividade de comissionista, em que este recebe uma retribuição pela intermediação de negócios ou cumprimento de objectivos previamente acordados.

 

Logo, terá de recair obrigatoriamente na tabela a que se refere o artigo 151º do CIRS, sob o código 1319, a qual se enquadra na alínea b) do n.º 1 do artigo 31º do CIRS, independentemente de actividade exercida estar, nos termos do Código de IRS, classificada de acordo com a Classificação Portuguesa de Actividades Económicas (CAE) ou de acordo com os códigos mencionados na tabela de actividades aprovada pela Portaria n.º 1011/2001, de 21 de Agosto.

Assim sendo, o rendimento proveniente desta actividade deverá ser declarado no campo 403 do quadro 4ª do anexo 8 da declaração de rendimentos do sujeito passivo, sendo o rendimento tributável obtido através da aplicação do coeficiente 0,75 e não do coeficiente de 0,35, como, no caso em apreço, pretendiam os Requerentes.

 

Pelo exposto, decide-se pela legalidade das liquidações contestadas, em virtude de se entender que a aplicação do quadro legal defendido pela AT não padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito. Assim sendo, improcede o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações em crise.

 

B) Reembolso das quantias indevidamente pagas e juros indemnizatórios

Improcedendo o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações em crise e do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, improcede, igualmente, o pedido de reembolso do imposto pago em excesso bem como o pedido de juros indemnizatórios.

 

V – DECISÃO

Termos em que se decide:

a)            Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral;

b)           Condenar os Requerentes no pagamento das custas do processo.

 

VI - VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 8.864,89 (oito mil e oitocentos e sessenta e quatro euros e oitenta e nove cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VII - CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelos Requerentes, uma vez que o pedido foi integralmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 5 de Outubro de 2021

 

O Árbitro,

Cristina Aragão Seia