Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 194/2020-T
Data da decisão: 2021-10-13  IRC  
Valor do pedido: € 2.176.392,26
Tema: IRC – EBF: SGPS; Gastos financeiros com participações sociais; Revogação do art.º 32.º do EBF.
*Decisão arbitral anulada por acórdão do STA de 26 de maio de 2022, recurso n.º 147/21.0BALSB.
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SUMÁRIO:

I. O regime participation exemption, introduzido no art.º 51.º-C do Código do IRC, pela Lei n.º 2/2014, de 16-01, constituindo uma alteração ao regime geral da relevância fiscal das mais e menos valias realizadas com a transmissão onerosa de partes sociais, não substitui, nem sucede, ao regime especial consagrado no art. 32.º do EBF.

II. A revogação do art.º 32.º do EBF, operada pela Lei n.º 83- C/2013, de 31/12, com efeitos a partir de 01/01/2014, fez cessar este regime especial, e, consequentemente, a  indedutibilidade ex ante, a que estavam sujeitos os encargos financeiros com participações sociais detidas por SGPS’s à data da referida revogação, não deduzidos em exercícios anteriores, por força do disposto no n.º 2 do referido art.º 32.º do EBF, revogado.

III. Tendo cessado a referida indedutibilidade ex ante no exercício de 2014, é nesse exercício que será admitida a dedutibilidade de tais encargos.

 

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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 20 de Março de 2020, A..., SGPS, S.A., NIPC ..., com sede no ..., n.º ..., ..., ...-..., Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação de IRC referente ao período de 2014, refletida na declaração de grupo identificada com o n.º..., assim do acto de indeferimento expresso do procedimento de Recurso Hierárquico n.º ...2018..., interposto da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2017..., que tiveram aquele acto de autoliquidação como objecto, no valor total de € 2.176.392,26.

 

2.            Entende a Requerente que os encargos financeiros suportados nos períodos de tributação de 2004 a 2012, deverão ser considerados fiscalmente dedutíveis ao lucro tributável apurado por esta sociedade no exercício de 2014, em virtude da revogação do regime fiscal aplicável às SGPS e, simultaneamente, repercutido ao nível do resultado fiscal apurado pelo Grupo.

 

3.            No dia 23-03-2020, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 06-07-2020, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 05-08-2020.

 

7.            No dia 30-09-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações eventualmente determinadas nos termos do n.º 2 daquele artigo.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais e a sociedade dominante do Grupo “B...”, tributada de acordo com o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS), previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, na redação em vigor em 2014.

2-            Por se tratar de uma SGPS, a Requerente encontrava-se sujeita, até 31 de Dezembro de 2013, à aplicação do regime estabelecido no artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

3-            Em cumprimento do determinado na Circular 7/2004, de 30 de Março, da Direção de Serviços do IRC – que estabelecia o método de imputação de encargos financeiros às participações sociais detidas pelas SGPS para efeitos de aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF – nos períodos de tributação compreendidos entre 2004 e 2012, a Requerente e outra sociedade que integra o Grupo B... (a “C... SGPS, SA”) acresceram, para efeitos do apuramento do respectivo lucro tributável e, em consequência, do lucro tributável do Grupo, encargos financeiros imputáveis à aquisição de participações sociais, no montante de € 2.176.392,26.

4-            O referido montante de € 2.176.392,26, corresponde à soma das seguintes parcelas:

 

5-            O valor dos encargos financeiros em questão, relativo ao exercício de 2010, foi reduzido de €324.211,68 para €184.968,90, na sequência de um pedido de revisão oficiosa apresentado pela sociedade C..., SGPS, SA.

6-            As participações sociais a que se reportam os encargos financeiros referidos nos pontos anteriores, não foram alienadas até 31 de Dezembro de 2013, permanecendo na titularidade das respectivas sociedades, a 1 de Janeiro de 2014

7-            Em 20 de Maio de 2015, a Requerente apresentou a sua declaração Modelo 22 de IRC individual, respeitante ao exercício de 2014, no âmbito da qual apresentou um prejuízo fiscal de €461.377,99, e um imposto a recuperar de €4.841,52.

8-            Em 11 de Maio de 2015, a sociedade C..., integrante do grupo fiscal da Requerente, apresentou a sua declaração Modelo 22 de IRC individual, respeitante ao exercício de 2014, no âmbito da qual apresentou um prejuízo fiscal de €2.851.828,67 e um imposto a recuperar de €22.183,55.

9-            Em 28 de Maio de 2015, a Requerente procedeu ao apuramento do lucro tributável e do IRC do grupo, referente ao exercício de 2014, e submeteu a correspondente declaração de rendimentos modelo 22 de IRC.

10-         No campo 380 do quadro 09 dessa declaração de rendimento, referente à soma algébrica dos resultados fiscais das várias empresas que integram o grupo, a Requerente declarou um resultado negativo de €2.601.800,11.

11-         Na mesma declaração, a Requerente apurou um imposto a recuperar de € 249.386,99, um valor de derrama municipal a pagar de €15.612,51, e um valor a pagar de €38.728,98, relativo a tributações autónomas.

12-         Nas mencionadas declarações, a Requerente e a C..., não deduziram os montantes acrescidos em exercícios anteriores, em cumprimento do disposto na Circular 7/2004.

13-         A 26 de Maio de 2017 a Requerente apresentou reclamação graciosa conta a autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 2014.

14-         Por despacho datado de 29 de Dezembro de 2017, a reclamação graciosa foi indeferida.

15-         Em 09 de Fevereiro de 2018, a Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

16-         O referido recurso hierárquico foi indeferido por despacho datado de 16 de Dezembro de 2019.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

DO DIREITO

 

                Como resulta pacificamente das posições da Requerente e da Requerida, a questão substancial que se apresenta a decidir nos presentes autos prende-se com saber quais os efeitos da revogação do art.º 32.º do EBF, operada pela Lei n.º 83- C/2013, de 31/12, com efeitos a partir de 01/01/2014, no que diz respeito a encargos financeiros com participações sociais detidas por SGPS’s à data da referida revogação, não deduzidos em exercícios anteriores, por força do disposto no n.º 2 do referido art.º 32.º do EBF, entretanto revogado.

                Pretende a Requerente, nos presentes autos, que tais encargos financeiros sejam dedutíveis no primeiro exercício subsequente à revogação da norma em questão (o exercício de 2014), e sustenta a Requerida que tais encargos devem ser tidos por não dedutíveis, a menos que, se bem se percebe, aquando da alienação das participações sociais em causa, a Requerente não beneficie do regime participation exemption, entretanto introduzido no art.º 51.º-C do Código do IRC, pela Lei n.º 2/2014, de 16-01.

 

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                Sem grandes preocupações conceptuais, poder-se-á dizer que, verificada a respectiva efectividade, a indedutibilidade de um gasto incorrido por um sujeito passivo de IRC num determinado exercício, resultará de uma de três hipóteses possíveis, a saber:

a)            A não verificação dos requisitos gerais da dedutibilidade dos gastos;

b)           A não compatibilidade da dedutibilidade do gasto com as regras de periodização económica;

c)            A existência de norma específica que precluda, condicional ou definitivamente, a dedutibilidade do gasto.

Estando em causa, nos presentes autos, a aferição da dedutibilidade de determinados gastos efectivamente incorridos pela Requerente, com encargos financeiros relacionados com a aquisição de participações sociais, cumprirá, então determinar se se verifica alguma daquelas situações, partindo, a análise subsequente, da hipótese mais concreta (a referida na al. c) supra), para a hipótese mais genérica (a referida na al. a) supra).

 

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Como dados de facto relevantes para a apreciação e solução do problema jurídico colocado, e atenta a matéria de facto provada, temos que, no período entre 2004-2012:

- a Requerente e a C..., que pertence ao grupo da Requerente, incorreram em gastos no montante global de € 2.176.392,26;

- tais gastos respeitam a gastos financeiros com participações sociais, que eram ainda detidas a 01/01/2014;

- esses mesmos gastos não foram objecto de dedução ao lucro tributável da respectivas sociedades (Requerente e C...) e do grupo, no período de imposto em que foram incorridos - com as necessárias consequências ao nível da tributação da Requerente enquanto sociedade dominante do grupo abrangido pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades -, por as participações sociais em questão terem sido consideradas susceptíveis de, no futuro, não concorrerem, como mais ou menos valias, para a formação do seu lucro tributável, nos termos do art.º 32.º/2 do EBF;

- até 01/01/2014, as referidas participações não geraram mais ou menos valias que não contribuíssem para a formação do lucro tributável das sociedades em causa (Requerente e C...), e respectivo grupo fiscal, nos termos do art.º 32.º/2 do EBF.

 

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                Posto isto, dispunha o art.º 32.º/2 do EBF, na redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, e, antes dele, em termos materialmente idênticos quanto às SGPS, o art.º 31.º/2 do mesmo EBF, na redacção dada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que:

“As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.”

                Antes disso, dispunha o mesmo art.º 31.º/2, na redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30/12, que:

“As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.”

                As referidas normas deram origem a várias dificuldades de aplicação prática, que no caso não relevam, sendo que, para o que ora importa, se veio a formar o entendimento, em suma, de que:

                               a. os encargos financeiros em questão (suportados com a aquisição de participações financeiras, detidas por período não inferior a um ano, por SGPS) não eram dedutíveis nos exercícios em que eram incorridos; e

                               b. Era possível a “correção dos custos não deduzidos em períodos tributários anteriores, caso a alienação de participação de capital não revista os requisitos para a aplicação do regime especial de isenção das mais-valias” em questão .

                Foi em execução das normas referidas (art.º 31.º/2 e, posteriormente, art.º 32.º/2 do EBF), assim interpretadas, que a Requerente, nos exercícios de 2004 a 2012 não deduziu os encargos financeiros ora em causa.

 

*

Assumindo-se, então, que os “custos não deduzidos em períodos tributários anteriores, caso a alienação de participação de capital não revista os requisitos para a aplicação do regime especial de isenção das mais-valias”, seriam considerados para efeitos do cômputo do lucro tributável, o que não é, nem, em momento algum que se conheça, foi colocado em questão pela AT, ter-se-á de validar que:

a.            tais “custos”/encargos financeiros são os mesmos que foram incorridos em “períodos tributários anteriores”, e não um custo/encargo financeiro novo que se gera/ocorre no período tributário em que se dá a “alienação de participação de capital [que] não revista os requisitos para a aplicação do regime especial de isenção das mais-valias”;

b.            a indedutibilidade dos “custos”/encargos financeiros em questão será, assim e sob este ponto de vista, uma indedutibilidade “relativa”, por contraponto a uma indedutibilidade “absoluta”, própria dos custos que não são dedutíveis no exercício em que são incorridos, e que nunca o serão;

c.            os “custos”/encargos financeiros em causa tinham uma dedutibilidade sob "condição suspensiva", ou seja, a dedutibilidade apenas seria "eficaz" quando a “alienação de participação de capital não revista os requisitos para a aplicação do regime especial de isenção das mais-valias” do art.º 32.º/2 do EBF.

Ou seja, e em suma: o regime do art.º 32.º/2 do EBF, à data da sua revogação, e do art.º 31.º/1 do mesmo diploma antes de 01/01/2008, tal como foi comummente interpretado, e não é nos presentes autos contestado, não postulava uma indedutibilidade definitiva dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações financeiras, detidas por período não inferior a um ano, por SGPS’s, mas uma indedutibilidade “condicionada” ao facto de que as mais ou menos valias geradas pela respectiva alienação não viessem a contribuir para o cômputo do lucro tributável das SGPS’s.

Não estará aqui, assim e simplesmente, em causa uma norma especial que veda a dedução fiscal de certos custos, mas antes uma norma que consagra uma indedutibilidade não definitiva, em exercícios sucessivos, até que se verifiquem, ou não, determinados factos, dos quais decorra:

a) a definitividade da indedutibilidade “ex ante”; ou

b) a cessação daquela indedutibilidade.

O próprio TC, no aresto citado, fundamentando a não violação do princípio da proporcionalidade da norma em questão, esclarece que a indedutibilidade em questão integra uma “indedutibilidade de encargos financeiros ex ante”, ou seja, a indedutibilidade opera previamente à causa dessa mesma indedutibilidade, e condicionada à verificação dessa mesma causa, ou seja, à “aplicação do regime especial de isenção das mais-valias”.

 

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Sucede que, como se viu já, o regime em questão, plasmado, até 31/12/2013, no art.º 32.º/2 do EBF, foi revogado, com efeito a partir de 01/01/2014, pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, sendo que, pela Lei n.º 2/2014, de 16/01, foi, no art.º 51.º-C do Código do IRC, introduzido o regime designado por participation exemption.

A questão que se coloca, então, é a de saber se o novo regime é uma continuação do anterior ou se, antes, é um regime novo, ainda que parcialmente replicando aspectos do regime revogado.

Ressalvado o respeito devido a outras opiniões, crê-se que se está perante um novo regime.

Efectivamente, e desde logo, embora não sendo um argumento decisivo, verifica-se que a revogação do art.º 32.º do EBF e a consagração do regime participation exemption ocorreram em actos legislativos distintos e em momentos temporais também distintos, ao contrário do que seria normal se houvesse uma continuidade de regimes.

Por outro lado, e não sendo este, igualmente, um argumento determinante, inexiste uma continuidade do diploma onde são consagrados os regimes em questão, ou seja, o regime primitivo constava do EBF, e o regime inovador foi integrado no CIRC.

Esta circunstância dá-se, de resto, e aqui já se começam a apresentar circunstâncias de relevância mais decisiva, porquanto se constata uma diferente natureza substancial dos regimes em causa.

Assim, enquanto que o regime do art.º 32.º/2 do EBF constituía um verdadeiro benefício fiscal, na definição do art.º 2.º/1 do próprio EBF , o regime participation exemption passou a fazer parte do regime geral do IRC, deixando de revestir o carácter excepcional, instituído para tutela de interesses públicos extrafiscais, postulado pela qualidade de benefício fiscal, e passado a ser uma norma genérica, aplicável a todos os sujeitos passivos de IRC, integrando o “modelo de tributação dos rendimentos de partes de capital” , fazendo parte de um “regime, que encontra a sua ratio num aprofundamento do princípio da territorialidade” .

Sendo que, como referiu o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 139/2016 :

“tentando apurar a igualdade substancial de posições jurídicas - no pressuposto de que só duas posições materialmente iguais ou equivalentes podem servir de parâmetro para aferir de um tratamento desigual -, não pode afirmar-se, de modo algum, que tal ligação exista entre uma relação que conduz à tributação-regra e uma outra relação que conduz à concessão ou não concessão do benefício fiscal.”

Este aspecto é bem claro no “Relatório do Anteprojeto da Reforma” do IRC, que refere que “que a realização de mais-valias e a distribuição de dividendos são duas formas alternativas de aportação de valor aos acionistas, sendo concebidas como substitutos próximos, em função da sua inerente substituibilidade relativa. Nestes termos, considera-se que um tratamento fiscal discrepante entre estas duas formas de realização do rendimento é suscetível de influenciar a decisão fundamental de detenção de capital nas empresas, modificando, desta forma, o comportamento “natural” dos agentes económicos, ou, por outras palavras, criando ineficiências.” .

Foi este um dos dois  motivos específicos, dentro da constatação geral da limitação da “eficiência do regime utilizado, a nível nacional, para eliminação da dupla tributação” , que levaram a Comissão de Reforma a propor “a adoção de um regime participation exemption de cariz universal (i.e., aplicável ao investimento independentemente do país ou região em que este se materialize, salvo as indispensáveis normas anti-abuso) e horizontal (aplicável tanto à distribuição de lucros e de reservas, quanto às mais-valias, e, bem assim, às diversas operações suscetíveis de serem consideradas substitutos próprios destas operações)” .

Ou seja: a instituição do regime participation exemption nada teve a ver com o regime do art.º 32.º/2 do EBF, tendo sido determinado por razões próprias e específicas, alheias àquele.

A redundância (e não substituição) do “regime fiscal previsto para as SGPS”, e a sua consequente revogação, foi uma consequência da adopção do regime participation exemption, e não uma causa.

Ou seja, e em suma: crê-se que, com o regime participation exemption, não se trata, desde logo, de um regime de carácter excepcional, instituído para tutela de interesses públicos extrafiscais, mas de uma opção de política fiscal, integrado num lote de medidas destinado a aumentar a “eficiência do regime utilizado, a nível nacional, para eliminação da dupla tributação”, tendo a revogação do art.º 32.º do EBF sido uma consequência da sobreposição, em grande parte, entre o novo regime-regra criado, e o regime especial das SGPS, sendo este um dos “diversos regimes fiscais especiais atualmente existentes” que “a adoção do novo regime de participation exemption veio tornar redundantes” .

Assim, e embora, como refere o próprio “Relatório do Anteprojeto da Reforma” do IRC, o novo regime mantenha, “no essencial, as vantagens que o Estatuto dos Benefícios Fiscais concedia a este tipo de entidades” , não deixam de ser regimes substancialmente distintos, sendo que, como se viu e resulta do “Relatório do Anteprojeto da Reforma” do IRC, a referida manutenção, no essencial, das vantagens que o EBF concedia às SGPS na matéria, é um efeito lateral da instituição de um novo regime cuja consagração, causalmente, está desligada do referido regime do EBF.

Daí que, desde logo, em sentido estrito, e para efeitos de aplicação da lei no tempo, não se possa nem deva falar em sucessão de leis.

O que ocorreu foi, isso sim, a revogação de um regime, e a consagração, 17 dias depois, de um outro, de âmbito e natureza distintos, que não sucedeu, nem pretendeu suceder, àquele.

Isto mesmo, de resto, foi reconhecido pelo STA, no seu recente acórdão de 22-09-2021, proferido no processo 029/21.5BALSB , onde se pode ler, para além do mais, que:

“Ora, foi decisivo na decisão arbitral recorrida a posição assumida no sentido de que o regime participation exemption, introduzido no art. 51.º-C do Código do IRC, pela Lei n.º 2/2014, de 16-01, constituindo uma alteração ao regime geral da relevância fiscal das mais e menos valias realizadas com a transmissão onerosa de partes sociais, não substitui, nem sucede, ao regime especial consagrado no art.º 32.º do EBF e que a revogação do art.º 32.º do EBF, operada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, com efeitos a partir de 01/01/2014, fez cessar este regime especial, e, consequentemente, a exclusão da tributação das mais e menos valias abrangidas por esse regime especial, de modo que, tendo cessado a referida exclusão no exercício de 2014, não poderá, quanto à tributação devida nesse exercício, aplicar-se essa mesma exclusão.

Com este pano de fundo, tem de entender-se que está em causa uma alteração substancial da regulamentação jurídica, o que quer dizer que, embora a factualidade seja similar em ambas as situações, a verdade é que houve uma alteração substancial do enquadramento da situação em apreço,”

 

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Posto isto, cumprirá, então, aferir, face à sucessão de regimes legais, qual o status jurídico dos gastos financeiros com participações sociais não deduzidos pela Requerente e pela sociedade C... (e, consequentemente, pelo respectivo grupo), de 2004 a 2012.

Como se viu, previamente, os referidos gastos não deverão ser reputados, à luz do regime do EBF (ou seja, até 2013) como simplesmente indedutíveis, mas, antes, como sujeitos a uma indedutibilidade antecipada ou ex ante.

A questão que se colocará, então, salvo melhor opinião, será, antes de mais, a de definir se, face à revogação do art.º 32.º do EBF, a referida indedutibilidade:

a)            se consolida como indedutível;

b)           se mantém; ou

c)            cessa;

Relativamente à primeira das hipóteses colocadas, crê-se não haver grandes dúvidas que não se verifica.

Com efeito, e desde logo, tal hipótese não é sustentada, julga-se, sequer pela própria AT, nem será coerente quer com a interpretação que foi sendo feita do regime do art.º 32.º do EBF, designadamente com o entendimento, pilar da constitucionalidade daquele regime, de que a indedutibilidade em questão estava directamente condicionada ao gozo do benefício consagrado naquele mesmo regime, quer com o princípio da proporcionalidade, tal como entendido pelo Tribunal Constitucional, quer com a própria exigência constitucional de tributação das empresas pelo lucro real.

Não se julga, também, que a indedutibilidade dos gastos em questão estivesse já consolidada à luz da legislação vigente nos exercícios em que foram incorridos, máxime, do regime do art.º 32.º do EBF, questão que, de resto, não é suscitada nos autos, sendo consensual que as participações sociais a que se reportam os gastos financeiros em causa, não geraram quaisquer mais ou menos valia que não concorresse para o lucro tributável das sociedades que as adquiriram ou para o respectivo grupo fiscal.

Em todo o caso, tal entendimento, do qual resulta que a dedutibilidade desses gastos, nos casos de não aplicação do regime especial daquele art.º 32.º, configurará uma correcção fiscal, não terá, salvo melhor opinião, apoio quer no regime legal em causa, quer nas diversas interpretações doutrinais e jurisprudenciais conhecidas a respeito daquele, não se conhecendo, igualmente, qualquer prática que tenha existido nesse sentido.

De resto, a própria Circular 7/2004, no seu ponto 6 , refere que a correcção fiscal opera no próprio exercício em são incorridos os gastos financeiros, e não no exercício em que, eventualmente, tais gastos venham a ser fiscalmente relevados, por terem cessado os pressupostos da sua indedutibilidade “ex ante”.

 

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Embora tal não seja dito expressamente, crê-se que a segunda das hipóteses elencadas será a sustentada pela AT.

Entenderá a Requerida, se bem se compreende a sua argumentação, que prevendo o art.º 51.º-C do CIRC, em vigor a partir de 01/01/2014, uma possibilidade de não tributação das mais valias, à semelhança do que acontecia com o regime, vigente até 31/12/2013, do art.º 32.º do EBF, se deverá manter a indedutibilidade “suspensa” dos encargos financeiros em questão, até se verificar se, efectivamente, as participações sociais subjacentes aos gastos em questão geram, ou não, mais valias tributáveis.

Ressalvado sempre o respeito devido a outras opiniões, crê-se que, desde logo em homenagem aos princípios da legalidade e da tipicidade que vigoram no direito fiscal, apenas será legítimo concluir dessa forma com base em norma legal que sustente esse mesmo entendimento.

É que, vistos os regimes legais potencialmente aplicáveis ao caso, não se descortina norma legal que aponte nesse sentido, ou seja, no de que os gastos em questão mantêm o seu status de antecipadamente indedutíveis, conclusão que sempre esbarraria, crê-se, na distinta natureza dos regimes legais que se sucederam no tempo, nos termos anteriormente expostos.

Assim, tal não resultará, desde logo, do regime do art.º 32.º do EBF, que como se viu, apenas condicionava a dedutibilidade dos gastos em causa ao caso de “alienação de participação de capital não revista os requisitos para a aplicação do regime especial de isenção das mais-valias” em questão. Ou seja, e dito de outro modo, o regime especial do art.º 32.º do EBF suspendia a dedutibilidade dos gastos em questão, ou, visto por outro lado, impunha a sua indedutibilidade preventiva ex ante, até se verificar que as SGPS’s alienavam as participações sociais correspondentes, altura em que ou se consolidava a indedutibilidade dos gastos financeiros, ou eles se tornavam dedutíveis.

Ora, com a cessação, por revogação, do regime do art.º 32.º do EBF, deixa de existir a norma que mantinha a indedutibilidade em questão (ex ante) dos gastos financeiros em causa, que, nos termos das normas que regem a aplicação da lei no tempo, terá a sua sobrevigência limitada aos exercícios anteriores a 2014 (que aqui não estão em causa), aos quais se deverá considerar aplicável o respectivo regime.

Deixando de existir tal norma, a dedutibilidade de tais gastos terá de ser aferida, daí em diante (ou seja, do exercício de 2014 em diante), face às regras gerais, uma vez que, como se viu, a indedutibilidade imposta pelo regime revogado não era uma indedutibilidade definitiva e não se tinha consolidado.

Em suma: a 01/01/2014 a norma especial (relativa a benefícios fiscais) que impunha a indedutibilidade dos gastos financeiros, ora em causa, deixou de vigorar, pelo que deixou de condicionar (de ser aplicável ao) juízo de dedutibilidade ou indedutibilidade de tais gastos.

A manutenção da indedutibilidade ex ante ou condicionada dos gastos em causa, não resulta igualmente quer da Lei n.º 83- C/2013, de 31/12, quer da Lei n.º 2/2014, de 16/01, já que, quer uma quer outra, não contém qualquer disposição transitória, regulando tal questão.

Especificamente, não se julga que a norma do art.º 14.º daquela Lei n.º 2/2014, contenha uma disposição transitória da qual decorra a persistência do regime de indedutibilidade ex ante, a que os encargos em apreço se encontravam sujeitos por força do revogado regime do art.º 32.º do EBF, do exercício de 2014 em diante.

Com efeito, e para o que ao caso interessa, está-se a aferir, no exercício de 2014,  a dedutibilidade de encargos efectivamente incorridos pela Requerente, que até aí eram ex-ante indedutíveis, à luz do regime introduzido por aquela Lei 2/2014, dando-se, assim, cumprimento ao disposto no referido art.º 14.º, de aplicar a lei nova aos períodos de tributação que se iniciem após 1 de Janeiro de 2014.

De resto, não se poderá desconsiderar que aquela norma do art.º 14.º da Lei n.º 2/2014 não deverá ser lida como integrando no seu âmbito, qualquer disposição transitória relativa ao regime do art.º 32.º do EBF, não só porquanto este havia já sido revogado previamente, como porque a matéria sobre que dispõe o regime a que se refere aquela Lei, não se refere a benefícios fiscais, mas ao regime geral do IRC.

Deste modo, e esta será a conclusão fulcral do périplo que se vem de efectuar, apenas no regime participation exemption, introduzido no CIRC por aquela Lei n.º 2/2014, de 16/01, se poderá procurar alguma norma que, a partir de 01/01/2014 mantenha, nesse exercício, a indedutibilidade condicionada (ou ex ante) até aí imposta pelo art.º 32.º/2 do EBF.

Ora, compulsado o regime consagrado no CIRC a partir de 01/01/2014, não será possível detectar qualquer norma que obste à dedutibilidade dos gastos financeiros que ora nos ocupam.

Efectivamente, no regime em questão foi introduzido o art.º 67.º/13/d), que passou a dispor que os rendimentos ou gastos relativos a partes de capital às quais seja aplicável o regime previsto no artigo 51.º-C do CIRC, não concorrem para a formação do lucro tributável.

                Assim, e desde logo, conclui-se que não é possível, com base no regime em causa, excluir, e menos ainda preventivamente ou ex ante, gastos relativos a partes de capital às quais fosse aplicável o regime previsto no artigo 32.º/2 do EBF, por não caber tal hipótese na estatuição da norma.

Por outro lado, e embora se possa questionar se o novo regime deverá efectivamente ser operacionalizado de forma igual ao regime do art.º 32.º/2 do EBF, ou seja, se os encargos com as participações susceptíveis de serem abrangidas  pelo regime participation exemption deverão ver a sua dedutibilidade "suspensa" até ao momento da alienação, e mesmo assumindo que assim seja, forçosamente que tal regime só se aplicará aos encargos incorridos após a entrada em vigor do novo regime.

Daí que, por força deste art.º 67.º/13/d) do CIRC, desde logo, porquanto a lei tributária dispõe apenas para o futuro, para os beneficiários da norma do art.º 51.º-C/1 do CIRC, não concorrerão para a formação do lucro tributável, os gastos relativos a partes de capital às quais seja aplicável o regime previsto no artigo 51.º-C, suportados (que sejam incorridos) a partir de 1/1/2014.

Este entendimento é confirmado pelo já citado Acórdão do Tribunal Constitucional de 09-01-2014, proferido no processo 42/2014, que, relativamente à entrada em vigor do regime do art.º 32.º do EBF (então art.º 31.º), entrado em vigor a 01/01/2003, considerou “que nenhum efeito retroativo comporta relativamente aos encargos financeiros incorridos (...) em exercícios anteriores a 2003”, razão pela qual foi julgada constitucional a indedutibilidade dos gastos financeiros incorridos após a entrada em vigor do regime, de onde decorre que se estaria perante um caso de retroactividade da lei fiscal, se essa indedutibilidade se alastrasse aos encargos financeiros suportados em exercícios anteriores (no caso julgado pelo Tribunal Constitucional, a 2003, no caso do regime participation exemption, a 2014).

Dever-se-á, pelo exposto e em aplicação da doutrina descrita, considerar que o regime da indedutibilidade decorrente do art.º 67.º/13/d), apenas se aplicará aos encargos financeiros suportados após 01/01/2014, não sofrendo, consequentemente, à luz de tal regime, qualquer constrangimento, ao nível da dedutibilidade, os gastos relativos às partes de capital que possam beneficiar do regime do art.º 51.º-C do CIRC, suportados em exercícios anteriores a 01/01/2014.

Dito de outro modo: se em 2014 um sujeito passivo de IRC (SGPS ou não, dado que o regime em causa não faz qualquer distinção) for titular de participações sociais susceptíveis de beneficiar do regime do art.º 51.º-C do CIRC, não verá, ao abrigo do art.º 67.º/13/d) do CIRC, afastada a dedução de encargos que haja suportado com as participações em questão, por exemplo, nos exercícios de 2012 e 2013, ainda que não as haja, por qualquer razão, deduzido ao seu lucro tributável .

                Ora, se isto é assim, como se crê que será para todos os sujeitos passivos de IRC, a quem se aplique a norma do art.º 51.º-C do CIRC, não se vislumbra como poderá deixar de o ser para as SGPS, atenta, como se referiu, a inexistência de qualquer norma vigente e aplicável ao exercício de 2014, ora em causa, que disponha de outra forma.

                Face ao exposto, verifica-se, então, que também o regime participation exemption, introduzido no CIRC pela Lei n.º 2/2014, de 16/01, não contém fundamento para considerar que a indedutibilidade ex ante dos gastos com participações sociais decorrente do regime do art.º 32.º/2 do EBF, se mantém, após a revogação daquele.

                Conclui-se, deste modo, e em suma, que:

i.             em 31/12/2013, cessou o regime do art.º 32.º/2 do EBF que determinava a indedutibilidade ex ante dos gastos financeiros suportados pelas SGPS, até essa data, com participações sociais susceptíveis de beneficiar daquele regime;

ii.            face ao novo regime, em vigor a partir de 01/01/2014, tais gastos não se tornaram definitivamente indedutíveis, nem viram mantida a indedutibilidade ex ante a que, até aí, estavam sujeitos;

iii.           não se tendo tornado definitivamente indedutíveis, nem tendo sido mantida a sua indedutibilidade ex ante, ter-se-á de concluir que os gastos em questão serão dedutíveis, ou não, pela aplicação dos critérios gerais à luz dos quais se deve aferir a dedutibilidade dos gastos.

Estas conclusões ficarão particularmente claras, crê-se, executando-se o seguinte exercício:

i.             Em primeiro lugar, dever-se-á abstrair das alterações operadas ao CIRC em 2014, e figurar, isoladamente, os efeitos jurídicos da revogação do art.º 32.º do EBF;

ii.            Nesse cenário, julga-se, não será sustentável que os encargos financeiros não deduzidos pelas SGPS, relativos a participações que não tivessem, à data da revogação, gerado mais ou menos valias isentas pelo regime revogado, não pudessem ser, então, dedutíveis;

iii.           Num segundo passo, deverá contemplar-se o regime novo, e verificar se deste decorre algum efeito jurídico noutro sentido, ou seja, que mantenha a indedutibilidade ex ante dos encargos em causa ou a torne definitiva;

iv.           Conforme se viu, do novo regime apenas se poderá retirar a indedutibilidade ex ante de encargos com participações sociais incorridos por sujeitos passivos de IRC:

a.            susceptíveis de preencher os pressupostos do art.º 51.º-C do CIRC; e

b.            incorridos após 01-01-2014;

v.            Pelo que será o novo regime insusceptível de alterar a conclusão acima retirada em ii.

Ficará assim, julga-se, demonstrado que:

- ou se entende que o regime do art.º 32.º do EBF consagrava um indedutibilidade definitiva dos encargos a que tal regime se reportava, situação em que, por força da aplicação das leis no tempo, tal indedutibilidade deveria persistir; ou

- a aplicação das normas relativas à lei no tempo não são susceptíveis de fundar a persistência daquele regime de indedutibilidade ex ante, para lá do exercício correspondente ao ano de 2013.

É que, como se referiu já, o regime novo, não sucede ao revogado, tendo um alcance, uma teleologia e uma natureza distintas. Assim sendo, como se crê que é, a questão a formular, no fundo, julga-se, reconduz-se a saber se tendo sido revogado o regime relativo ao benefício fiscal, a dedutibilidade dos gastos incorridos, não deduzidos, e que não se consolidaram, na pendência do regime revogado, como indedutíveis, deve ou não ser aferida face ao regime geral vigente, após a ocorrência da revogação.

Não se subscrevendo o primeiro daqueles supra-referidos entendimentos – que tanto quanto se percebe não é sequer sustentado pela Requerida – necessariamente se haverá de concluir pelo segundo.

Estando, no caso sub iudice, em causa o exercício de 2014, tal entendimento conforma-se, assim, com o disposto quer no já referido art.º 14.º da Lei n.º 2/2014, quer com o art.º 12.º da LGT, quer com o art.º 12.º do Código Civil, na medida em que se está a aplicar o regime fiscal vigente no período de tributação de 2014, ao exercício da Requerente desse mesmo ano.

Por outro lado, não se julga ser caso de aplicação do disposto no art.º 11.ºdo EBF, uma vez que:

- não está em causa qualquer alteração a normas relativas a “benefícios fiscais convencionais, condicionados ou temporários”;

- tal norma apenas preclude a aplicação por força da lei nova, da parte do regime que prejudique o contribuinte, o que não é o caso, já que o que pretende a Requerida é a persistência de uma parte do regime desfavorável à Requerente, que implica a não relevância fiscal de gastos reais e efectivos em que incorreu.

Aqui chegados, a questão que se coloca é a da determinação do exercício em que tal dedutibilidade deve ser efectivada, no caso de, à luz dos critérios gerais da dedutibilidade dos gastos, se dever concluir pela respectiva dedutibilidade.

 

*

                Dispõe o art.º 18.º do CIRC aplicável (versão de 2014) que:

“1 - Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

2 - As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.”.

                Face ao normativo em questão, poder-se-ia, prima facie, concluir que os gastos sub iudice deveriam, verificados que sejam os pressupostos gerais da dedutibilidade dos gastos, ser deduzidos nos períodos em que foram incorridos (no caso, de 2004 a 2012).

                Não obstante, no caso concreto, crê-se dever ser outra a solução.

                Assim, e desde logo, dentro do que foi a interpretação genericamente aceite do regime do art.º 32.º/2 do EBF, atrás já exposta, nunca foi entendido que, cessando a indedutibilidade ex ante decorrente de tal regime, os gastos que assim se tornassem dedutíveis tivessem de o ser nos exercícios em que foram incorridos.

                Por outro lado, e bem vistas as coisas, no caso o que se verifica é que:

- em tais exercícios e face às normas aplicáveis a cada um deles, os gastos em questão continuarão a dever ter-se como afectados pela indedutibilidade ex ante imposta pelo art.º 32.º/2 do EBF, que não obstante a sua revogação, continuará a aplicar-se aos factos ocorridos durante a respectiva vigência; e

- o regime revogatório do art.º 32.º do EBF não previu nenhuma norma transitória, no sentido de aqueles gastos poderem/deverem ser deduzidos nos períodos em que foram incorridos;

- o facto jurídico subjacente à cessação da indedutibilidade ex ante que afectava os gastos em questão, ou seja, a revogação do regime jurídico do art.º 32.º do EBF, apenas ocorreu a 01/01/2014, ou seja, no exercício de 2014.

Pelo que se deverá concluir que os gastos em questão, sendo, face às regras gerais, dedutíveis, deverão sê-lo no exercício de 2014.

                Em todo o caso, e mesmo que assim não se entendesse, tem sido jurisprudência recorrente do STA que:

“III - O princípio da especialização dos exercícios visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respectivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram.

IV - Contudo esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.”          

                Assim, também à luz do referido entendimento se deverá admitir a dedutibilidade dos gastos ora em questão no exercício de 2014, dado, manifestamente, não estarmos perante “omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios”, e visto que a não dedução em exercícios anteriores se deveu a impedimento legal, e que, como se viu, nunca, na interpretação e execução do regime do art.º 32.º/2 do EBF se considerou que o princípio da especialização dos exercícios obstasse à dedutibilidade de gastos indedutíveis ex ante, em exercício posterior àquele em foram incorridos, sendo que, de resto, esta solução até acaba por favorecer o credor tributário, designadamente ao nível do cálculo de juros que sejam devidos.

                Deste modo, e face a todo o exposto, conclui-se que o princípio da especialização dos exercícios não deverá, em concreto, constituir obstáculo à dedutibilidade dos gastos em questão, em exercício posterior àquele em foram efectivamente suportados.

 

*

                Aqui chegados, crê-se ter ficado claro que face às normas legais aplicáveis se deverá concluir que:

                - Os gastos sub iudice viram a indedutibilidade ex ante que os afectava cessada a 01/01/2014;

                - O princípio da especialização dos exercícios não obsta a que os gastos em causa, cumpridos os requisitos gerais da dedutibilidade dos gastos, sejam deduzidos no exercício de 2014.

                Deste modo, cumpre apenas aferir se aqueles requisitos gerais estão, ou não cumpridos.

                A este propósito, o art.º 23.º do CIRC aplicável estabelece que:

“1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2- Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas: (...)

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;”

Estão em causa, deste modo, gastos reputados como expressamente dedutíveis pelo referido art.º 23.º/1 e 2/c) do CIRC aplicável, dado tratar-se de gastos suportados com encargos financeiros destinados à aquisição de participações sociais.

No caso, e de resto, a AT não contesta, ou põe, por qualquer forma, em causa ou em dúvida, a natureza ou a quantificação dos gastos em questão, constantes das declarações periódicas das sociedades e do grupo fiscal em causa, e, consequentemente da Requerente, que são do conhecimento pessoal da AT, e que se presumem verdadeiras nos termos do art.º 75.º/1 da LGT.

Nestes termos, haverá que concluir pela verificação dos requisitos gerais da dedutibilidade dos gastos ora em questão, por aplicação das normas indicadas, e não se postulando, antes se constatando e valorando devidamente, a ausência de qualquer disposição transitória na matéria em causa.

 

*

                Como se referiu inicialmente, verificada a respectiva efectividade, a indedutibilidade de um gasto incorrido por um sujeito passivo de IRC num determinado exercício resultará de uma das seguintes três hipóteses:

a)            A não verificação dos requisitos gerais da dedutibilidade dos gastos;

b)           A não compatibilidade da dedutibilidade do gasto com as regras de periodização económica;

c)            A existência de norma específica que precluda, condicional ou definitivamente, a dedutibilidade do gasto.

E, como se vem verificar, relativamente aos gastos em discussão nos presentes autos, por referência ao exercício de 2014:

a)            Cumprem os requisitos gerais da dedutibilidade dos gastos;

b)           A sua dedutibilidade não é postergável pelas regras da periodização económica;

c)            Não existe norma específica que precluda, condicional ou definitivamente a sua dedutibilidade.

Termos em que se terá de concluir pela admissibilidade da dedução dos gastos em questão, no exercício de 2014, enfermando, portanto, o acto tributário objecto da presente acção arbitral de erro de direito, e devendo, como tal e nessa medida, ser anulado.

 

*

Questão análoga à que vem de se apreciar subjaz, para além do mais, aos acórdãos arbitrais proferidos nos processos  n.ºs 754/2016-T e 645/2017-T, que julgaram procedentes os respectivos pedidos, e n.º 610/2017-T do CAAD, que julgou improcedente o respectivo pedido.

                Visto este último acórdão, e com o muito e reconhecido respeito que lhe é devido, não se descortinam argumentos que invalidem o entendimento que atrás se firmou.

                Assim, para além de considerações relativas às circulares, em geral, e à circular 7/2004, em especial, que irrelevarão para o que supra se expôs, na medida em que da referida circular não se retira nenhum argumento decisivo para qualquer uma das conclusões retiradas (sem prejuízo de o teor da mesma corroborar o quanto foi dito relativamente ao que foi a interpretação genericamente aceite do regime do art.º 32.º/2 do EBF), refere-se no referido acórdão que:

“Como ficou dito, no caso em apreço rege a lei nova que é precisamente o normativo do artigo 51.º-C do Código do IRC, a qual deveria aplicar-se ao Requerente caso tivesse realizado mais ou menos-valias com alienação das participações sociais descritas nos autos a partir de 2014. Relativamente aos encargos financeiros suportados a partir de 2014, também serão de aplicar as disposições em vigor desde 1 de janeiro de 2014, ou seja, dedução dos encargos financeiros ao abrigo da norma geral do artigo 23.º do Código do IRC, com a limitação prevista no artigo 67.º do Código do IRC.”

                Este entendimento, é, precisamente, o que ora se segue, ou seja, considera-se que, in casu, a solução jurídica deve ser procurada na lei nova, e que desta resulta¬, apenas, que “aos encargos financeiros suportados a partir de 2014, também serão de aplicar as disposições em vigor desde 1 de janeiro de 2014, ou seja, dedução dos encargos financeiros ao abrigo da norma geral do artigo 23.º do Código do IRC, com a limitação prevista no artigo 67.º do Código do IRC.”.

                Daqui decorre, como se viu, que a lei nova não impõe qualquer limitação aos gastos suportados anteriormente a 2014, sendo, precisamente, as circunstâncias de:

a)            Se aplicar a lei nova; e

b)           Se verificar a ausência nesta de norma que vede a dedutibilidade dos gastos suportados anteriormente a 2014, e cuja indedutibilidade definitiva não resulta de qualquer norma anteriormente vigente e aplicável aos períodos anteriores;

que conduz à solução a que se chegou previamente.

                Mais se refere no acórdão em questão que “em relação aos encargos financeiros suportados até 2014, só a eventualidade de não virem a ser realizadas mais-valias permitirá, como adiante se verá, deduzir os gastos incorridos, mas essa é uma eventualidade incerta (dependente da desvalorização das participações sociais detidas em 2014), e é exatamente a mesma situação em que a Requerente estaria se o legislador não tivesse alterado o regime fiscal. Tendo-o feito de forma que lhe conferiu vantagens adicionais (a partir de 2014 pode beneficiar da isenção de mais-valias e da dedução dos encargos financeiros, nos termos gerais) não faz sentido pretender invocar para o passado uma argumentação que, por opção legislativa, só colhe para futuro.”

                Em relação a estes considerandos, como se expôs previamente, considera-se que a Requerente não está “exactamente” na mesma situação que estaria se o legislador não tivesse alterado o regime fiscal, desde logo porque o novo regime, como se viu, não é “exactamente” o mesmo, variando, inclusive, a sua natureza jurídica, sendo, que nas palavras do “Relatório do Anteprojeto da Reforma” do IRC, o novo regime manteve, “no essencial, as vantagens que o Estatuto dos Benefícios Fiscais concedia a este tipo de entidades” (sublinhado nosso), e que o próprio acórdão em questão acaba, mais adiante, por reconhecer que o novo regime tem “pequenos ajustes”.

                Que o novo regime é, na sua intencionalidade, substancialmente diferente do anterior, dá também conta aquele Relatório, que refere expressamente que “quanto aos encargos financeiros, (...) optou-se por não criar regras especiais limitativas da respetiva dedutibilidade ou recaptura” , de onde resulta que a tão relevada, no aresto em apreço, associação “entre os encargos financeiros não deduzidos e as mais-valias isentas”, se pretendeu quebrada no, ou pelo menos foi alheia ao, desenho do novo regime.

                Acresce que, como se viu e se verá adiante, a questão a formular, não será a de saber se a Requerente está, “exactamente”, ou no “essencial” na mesma situação que estaria se o legislador não tivesse alterado o regime fiscal, ou, sequer se tem “vantagens adicionais”, mas se a lei nova consagra alguma previsão que mantenha a indedutibilidade ex ante dos gastos em causa, incorridos em períodos anteriores a 2014, não fazendo, como o acórdão em referência não faz, sentido aplicar para o passado, uma solução que, por opção legislativa, só colhe para futuro.

Prossegue o acórdão em questão, referindo que “conceder provimento ao pedido da Requerente seria como que admitir ficar na disponibilidade do SP escolher o ano de dedução dos encargos, fora do quadro legal, quer anterior, quer vigente.”, o que como se viu, anteriormente não será o caso, acrescendo que, como também se viu, na interpretação genericamente aceite e executada do art.º 32.º/2 do EBF, nunca foi questionada que a dedutibilidade, no caso de cessação da indedutibilidade ex ante decorrente daquele regime, deveria ser exercida no exercício em que se desse tal cessação.

Afigura-se ainda que no acórdão em causa não se separou devidamente a questão da dedutibilidade, ou não dos gastos face à revogação do regime do art.º 32.º do EBF, da questão do momento da dedutibilidade. Com efeito, esta última questão é independente e subsequente à primeira, não sendo por isso, causal e logicamente, susceptível de afectar a resposta a dar a esta.

                Mais se refere no mesmo acórdão que “Por outro lado, seria também colocar a Requerente numa situação mais favorável do que a que decorria do regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF para as SGPS’s.”, consideração que, no quadro da fundamentação acima lavrada não assume qualquer relevância, já que não se considera estar em causa saber se os regimes são mais ou menos favoráveis, como se disse já, mas, unicamente, delimitar devidamente os seus termos de aplicação.

Por outro lado, a admissibilidade da dedutibilidade peticionada pelas Requerentes, não coloca as SGPS em situação mais vantajosa do que os restantes sujeitos passivos de IRC, mas no mesmo pé, sendo que, também estes, pela introdução do regime participation exemption no CIRC foram colocados “numa situação mais favorável do que a que decorria do regime” anterior, não se vendo porque razão o mesmo não poderá ocorrer para as SGPS’s.

Desenvolve o acórdão em causa a mesma ideia, referindo que:

“Na verdade, no quadro do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, às SGPS apenas era permitido, no momento da alienação das participações sociais, deduzir os encargos (até esse momento incorridos) com a aquisição das mesmas, caso a vantagem obtida (a isenção de mais-valias) não pudesse ser obtida.

Ora o que a Requerente pretende é, sem alienar as participações, deduzir desde já os encargos incorridos no passado com a aquisição de participações sociais, num quadro jurídico em vigor que lhe garante simultaneamente a isenção da tributação de eventuais mais-valias que possa vir a obter.

O que significaria favorecer a Requerente em relação a todas as demais SGPS que não tenham formulado pretensão idêntica.”.

                Relativamente a esta última parte, desde logo, não se descortina de que forma releva para a apreciação da questão em discussão, na medida em que é uma situação comum a todos os contribuintes que formulem pretensões junto da AT, em relação a outros contribuintes que não o façam. Em todos esses casos, caso os contribuintes que se empenhem em determinada causa obtenham ganho na mesma, ficarão favorecidos em relação aos contribuintes que optem por se conformar com a aplicação das normas tributárias feitas pela AT, em seu desfavor.

                No mais, crê-se que o primeiro parágrafo ora em apreço contorna um dado, generalizando-o, que é o de que a vantagem obtida (ou a obter), ou não obtida, ser a da isenção de mais valias, no quadro do regime do art.º 32.º/2 do EBF, e não qualquer outra isenção, actual ou futura.

                Para além de tal resultar da própria lei, foi isto que o TC afirmou no seu acórdão 42/2014, já referenciado, ao indicar que não se dava a “correção dos custos não deduzidos em períodos tributários anteriores, caso a alienação de participação de capital não revista os requisitos para a aplicação do regime especial de isenção das mais-valias” (sublinhado nosso).

                No caso, a alienação que venha a ocorrer das participações sociais, necessariamente de 2014 em diante, não revestirá os requisitos “os requisitos para a aplicação do regime especial de isenção das mais-valias”, dado que tal regime especial foi revogado, não tendo sido substituído por qualquer outro regime especial, tendo as SGPS’s passado a ficar sujeitos ao regime geral para a tributação das mais valias.

                Quanto ao segundo parágrafo transcrito supra, sempre se dirá, para além do quanto se apontou já quanto à relevância das “vantagens” do novo regime para a discussão em causa, que o que a Requerente pretende é que, tal como os restantes sujeitos passivos de IRC, possam “deduzir desde já os encargos incorridos no passado com a aquisição de participações sociais, num quadro jurídico em vigor que lhe garante simultaneamente a isenção da tributação de eventuais mais-valias que possa vir a obter”.

                Considera também o acórdão em questão, referindo que “ao contrário da pretensão da Requerente o regime ora aplicável a partir de 1 de Janeiro de 2014 não viola o princípio da igualdade.”.

                Concordando-se que o regime “ora aplicável a partir de 1 de Janeiro de 2014 não viola o princípio da igualdade”, julga-se que também o mesmo acontece com a pretensão das Requerentes, já que não só não cria qualquer desigualdade (antes pelo contrário) com os demais sujeitos passivos de IRC, como não haverá qualquer desigualdade injustificada entre SGPSs, na medida em que, como se referiu já, se tal ocorrer será porque umas reagiram contra a aplicação que a AT fez da lei, e outras não.

                Reconhece o acórdão em apreço então que “É certo que relativamente às participações em carteira, que beneficiarão de isenção numa futura transmissão, sejam ou não detidas por SGPS, os encargos financeiros suportados para a sua aquisição não foram deduzidos pelas SGPS e foram deduzidos pelas restantes empresas”, contrapondo que “a possibilidade de, a pretexto de uma mudança de regime, se vir permitir agora o que não era permitido antes – que é o que a Requerente reclama –, criaria uma situação de eliminação retroativa de parte do regime das SGPS, precisamente a que é desfavorável às SGPS, isto é, a desconsideração dos encargos financeiros.”.

                Sendo um dado incontornável o primeiro aspecto assinalado, e eminentemente relevante nos juízos de igualdade que se formulem, já o contraponto laborará, salvo melhor opinião e o muito respeito devido, num equívoco, que é o de que a pretensão da Requerente “criaria uma situação de eliminação retroativa de parte do regime das SGPS”, o que não será o caso, na medida em que, como se tentou explicar anteriormente, o que ocorreu foi a eliminação in totum (e não parcial) do regime especial (benefício fiscal) das SGPSs, por um lado, e, por outro, não há qualquer retroactividade, uma vez que o que estará em causa será retirar os efeitos de tal revogação, face a gastos financeiros que, por força daquele regime especial tinham sido objecto de uma indedutibilidade ex ante, e que mantinham tal status jurídico à data daquela revogação, sem que o mesmo tenha sido convertido em definitivo.

                Dito de outro modo, e como se apontou antes, a pretensão da AT, acolhida naquele acórdão, é que mantém os gastos em questão no referido status jurídico de indedutibilidade ex ante, que resultava do regime do art.º 32.º/2 do EBF, após a revogação deste, e sem norma que disponha nesse sentido.

                Mais adiante, conclui o acórdão em apreço que “não foram as SGPS que passaram para o regime das restantes sociedades (o que, reconheça-se, implicaria um cuidado acrescido na transição de regimes), foram as demais sociedades que passaram para o regime das SGPS.”.

                Não se descortinando, por não especificado qual o “cuidado acrescido na transição de regimes” postulado, discorda-se, em função do quanto foi dito antes, do enquadramento feito, já que o que ocorreu foi a revogação de um regime especial, que constituía um benefício fiscal, sendo como tal, excepcional, e alteração do regime geral de tributação dos rendimentos emergentes de participações sociais, por sujeitos passivos de IRC, integrado num lote de medidas destinado a aumentar a “eficiência do regime utilizado, a nível nacional, para eliminação da dupla tributação”, e causalmente desligada do regime especial anteriormente vigente para as SGPSs.

                Conclui igualmente o acórdão que se está ora a seguir, que “As SGPS ficaram, portanto, onde sempre tinham estado, não se afigurando que, devam agora ser aceites fiscalmente os encargos financeiros desconsiderados ao longo da vigência do regime e que se encontram “imputados” ao valor de aquisição das participações financeiras em carteira, sem existir base legal nesse sentido.”.

                Uma vez mais, e em função do anteriormente explicado, com ressalva do respeito devido, se discorda, dado que, no novo regime, as SGPSs deixaram de ter um regime especial próprio, integrante de um benefício fiscal, para passarem a estar integradas no regime geral, que, nas palavras do “Relatório do Anteprojeto da Reforma” do IRC, tornou aquele regime especial “redundante”.

                Por outro lado, e também em função do já exposto, julga-se que não existe base legal necessária para manter, como julgou aquele acórdão, o status jurídico de indedutibilidade ex ante dos gastos em questão, ou para o converter em indedutibilidade definitiva. Já a dedutibilidade dos gastos, resultará, como também se viu, da aplicação das regras gerais que disciplinam tal matéria.

                Prossegue o acórdão no, que se julga, um novo equívoco ao exarar que:

“A questão relevante é a de saber se esse “custo” de formação de uma futura vantagem deve ser-lhe devolvido. Afigura-se óbvio que a resposta dependerá de a vantagem ainda lhe poder ser atribuída ou não. Se ela incorreu em custos para obter uma certa vantagem que o legislador depois lhe sonegou, é de toda a justiça que seja ressarcida desses custos: outra coisa seria violar os princípios mais elementares do Estado de Direito, se é que não legitimar a fraude legal. Se ela incorreu em certos custos e a vantagem que pretendia obter com eles lhe continua a ser devida, então parece igualmente óbvio que a decisão de a dispensar desses custos cabe por inteiro ao legislador.”.

                Com efeito, e como se viu anteriormente na análise ao regime do art.º 32.º/2 do EBF, a indedutibilidade ex ante dos gastos ali em causa não era, nem deverá, ser enquadrada como ““custo” de formação de uma futura vantagem”, mas antes como o efeito de um facto impeditivo da dedutibilidade daqueles gastos, decorrente da referida norma do art.º 32.º/2 do EBF.

                Dito de outra forma, tal como foi, de forma genericamente aceite, interpretada aquela norma, a mesma impedia a dedutibilidade dos gastos nela previstos, até se verificar que, em oposição à normalidade das coisas, as SGPSs não beneficiavam do regime nela previsto. Foi assim, crê-se que de forma meridianamente clara, que o Tribunal Constitucional interpretou o regime em questão, no supra mencionado acórdão 42/2014, e foi assim que, por norma, desde logo em obediência à Circular 7/2004, a AT a interpretou.

                Não estará assim, prosaicamente, em causa um “custo” pago pela Requerente, que lhe haja de ser devolvido, mas antes a vigência de um regime legal que consagrava uma indedutibilidade ex ante dos gastos em questão, como, de forma igualmente prosaica, não estará em causa a Requerente ter incorrido “em certos custos”, em ordem a obter uma “vantagem (...) com eles”, e que “lhe continua a ser devida”, já que, desde logo, nunca esteve na disponibilidade da Requerente comprar ou não comprar a putativa vantagem, nem o regime do art.º 32.º/2 do EBF lha garantia, uma vez que, sendo provável, não deixava de ser eventual, nem o novo regime lha garante, nos mesmos termos, sendo que, mesmo que se aceitasse a tese do custo/vantagem, o certo é que o custo da vantagem prevista no mesmo regime não é o mesmo que estava previsto no regime anterior, dado que, como se viu, do novo regime apenas decorre a indedutibilidade dos gastos incorridos de 2014 em diante, e não em períodos anteriores àquele, sendo que, como também se viu já, inexiste qualquer norma que imponha para as SGPS’s um custo diferente para a vantagem consagrada no novo regime.

                Na mesma linha, consta ainda do acórdão que se está a acompanhar que “as sociedades que não incorreram nos custos impostos às SGPS (não dedutibilidade dos gastos de financiamento na aquisição de participações sociais, com a correspondente majoração dos impostos pagos) também não tiveram, durante a mais de uma década em que durou a divergência de regimes, a possibilidade de beneficiarem da correlata vantagem (isenção de mais-valias na alienação das participações sociais).”, considerações que não se acolhem não só pelo exposto anteriormente, ou seja, que o que está em causa é a vigência e aplicação de determinado regime legal (no caso de um benefício fiscal), e não a compra de uma qualquer vantagem, como ainda porque agora se extrapola a teoria do preço/benefício do plano concreto (para obter um vantagem relativa a determinadas participações sociais, o contribuinte pagaria o custo de não deduzir os gastos com a sua aquisição), para o plano abstracto (não se deduz qualquer custo relativo a aquisição de participações sociais, pela vantagem abstracta de, num período delimitado de tempo, se poder obter uma vantagem na alienação de quaisquer participações)...

                Acresce ainda que, relativamente às participações sociais que se mantinham na titularidade da Requerente a 01/01/2014, aquela não obteve “durante a mais de uma década em que durou a divergência de regimes” qualquer “correlata vantagem”, não se descortinando, na fundamentação do acórdão ou em qualquer outra sede, justificação para a mera “possibilidade” daquela e/ou as vantagens auferidas relativamente a outras participações entretanto alienadas, impor a partir da referida data, relativamente a participações ainda detidas, um custo superior à dos restantes sujeitos passivos de IRC para uma mesma vantagem.

                Por fim, a argumentação em questão desconsidera um dado legal relevante, na perspectiva analítica que adopta (teoria custo/vantagem), e que é o seguinte: previamente à instituição do regime participation exemption, os sujeitos passivos de IRC que não fossem SGPSs podiam deter participações sociais e auferir os respectivos benefícios (dividendos), beneficiando da vantagem consagrada no art.º 51.º do CIRC (anterior art.º 46.º, eliminação da dupla tributação económica) e deduzindo os gastos financeiros em que tivessem incorrido, enquanto que as SGPSs , que estivessem na mesma posição, tinham a mesma vantagem mas a um custo acrescido, que era o de não poder deduzir aqueles gastos, não se devendo perder de vista que, como consta do “Relatório do Anteprojeto da Reforma” do IRC, “a realização de mais-valias e a distribuição de dividendos são duas formas alternativas de aportação de valor aos acionistas”  (sublinhado nosso).

                Para além disso, os sujeitos passivos de IRC que não fossem SGPSs podiam, ao contrário destas, beneficiar, adicionalmente e sempre sem prejuízo da dedutibilidade dos encargos financeiros correspondentes, ou de qualquer outro custo adicional, da vantagem consagrada no art.º 48.º do CIRC, ao nível da tributação de mais valias decorrentes da alienação de participações sociais de que fossem titulares, bem como da consideração, como custo fiscal, de metade das menos valias geradas por tal alienação, nos termos do art.º 45.º/3, também do CIRC.

                Ou seja: antes da instituição do novo regime as SGPS tinham uma potencial vantagem em relação aos restantes sujeitos passivos de IRC ao nível de eventuais mais-valias que decorressem da alienação de participações sociais, mas:

                - tinham um regime mais desfavorável, no que respeitava aos rendimentos gerados pelas participações sociais que detivessem (dividendos);

                - tinham um regime mais desfavorável no que respeitava ao tratamento das menos-valias decorrentes da alienação de participações sociais;

                - sendo que os restantes sujeitos passivos de IRC podiam, nas condições aí previstas, beneficiar do regime do art.º 48.º do CIRC, na tributação das mais valias geradas pela alienação de participações sociais.

                De onde decorre, desde logo, que o benefício para as SGPS, decorrente do regime do art.º 32.º/2 do EBF não era tão acentuado como o acórdão que se tem estado a rever considerou, dado que:

- por um lado, existia também um regime geral que, em determinadas condições, concedia um tratamento fiscal favorável às mais valias decorrentes da alienação de participações sociais, sem prejudicar o regime geral da dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com a aquisição daquelas, e sem qualquer outro custo adicional;

- tinha correspondência, não só na indedutibilidade ex ante dos encargos financeiros relacionados com as participações sociais susceptíveis de gerar aquele benefício, como na sujeição a um regime fiscalmente mais oneroso no que diz respeito não só aos rendimentos gerados pelas participações sociais detidas, como à consideração como gasto das eventuais menos-valias geradas pela alienação, a qualquer título, daquelas.

Assim, se a Requerente, e as outras SGPSs, tiveram “durante a mais de uma década em que durou a divergência de regimes, a possibilidade de beneficiarem da (...) vantagem (isenção de mais-valias na alienação das participações sociais)”, esta não era, simplisticamente, “correlata” do custo de não poder deduzir os gastos financeiros relativos a tais participações, mas também de ter os referidos regimes agravados, relativamente às menos-valias e aos dividendos, repetindo-se que “a realização de mais-valias e a distribuição de dividendos são duas formas alternativas de aportação de valor aos acionistas”, pelo que não deverão, nem poderão, ser menos ou desprezadas tais circunstâncias.

                Daí que, repita-se, será, no mínimo, extremamente redutor considerar a indedutibilidade ex ante imposta pelo regime do art.º 32.º/2 do EBF, como um ““custo” de formação de uma futura vantagem”, quando na realidade e vistas bem as coisas, acaba por ser um regime genericamente equilibrado e balanceado entre vantagens e desvantagens, regime esse que foi, in totum, revogado.

                Conclui, por fim, o acórdão em apreço que “conceder provimento ao pedido da Requerente seria admitir a dissociação, para o passado, entre os encargos financeiros não deduzidos e as mais-valias isentas, solução essa que não encontra apoio no regime anterior nem foi salvaguardada pelo atual”, já que para aquele Tribunal arbitral a Requerente “pretende que o Tribunal Arbitral reconheça a possibilidade de dedução em 2014 da totalidade dos encargos financeiros incorridos com participações sociais e não deduzidos nos exercícios de 2008 a 2013, inclusive, sem a verificação da condição legalmente imposta (alienação das participações sociais) e independentemente do regime fiscal dessa alienação” uma vez que “A Requerente não alega nem prova em que participações sociais não beneficiou/beneficiará do regime de isenção de mais-valias previsto no artigo 51.º-C do Código do IRC, por não se verificarem os requisitos do regime que não eram exigidos pelo artigo 32.º do EBF”.

                Para o acórdão em causa, “não tendo o legislador previsto uma norma transitória que salvaguardasse os efeitos da revogação do artigo 32.º do EBF, no que concerne à dedução dos encargos financeiros anteriormente incorridos, não pode o mesmo pretender deduzir os referidos encargos financeiros na totalidade em 2014”, uma vez que “se tivesse querido salvaguardar a dedução da totalidade dos encargos financeiros no ano de 2014, tê-lo-ia previsto na Lei que revogou o artigo 32.º do EBF ou, no limite, na Lei da Reforma do IRC”, pelo que “não tendo estabelecido uma norma transitória sobre os encargos financeiros não deduzidos ao abrigo da lei antiga, não pode o intérprete criar essa norma transitória, admitindo a dedução dos referidos encargos financeiros, na totalidade, no exercício de 2014.”.

                Sempre salvaguardado o muito respeito devido, julga-se que emerge aqui o equívoco de base do aresto em causa, que é o de desconsiderar que existem normas gerais que disciplinam a dedutibilidade dos gastos, e que, verificados esses requisitos gerais aquela dedutibilidade apenas poderá ser afastada pelas regras da periodização económica ou por norma especial que a afaste.

                Daí que a questão não seja a de encontrar uma norma, designadamente, transitória, que autorize a dedutibilidade de gastos cuja dedutibilidade já decorre das normas gerais, mas, pelo contrário, a de encontrar uma norma que afaste ou restrinja tal dedutibilidade.

                E é precisamente a inexistência de tal norma, seja no regime novo, seja em sede de normas transitórias que deverá conduzir à conclusão oposta àquela a que chegou a decisão que se analisou, não só por força do princípio hermenêutico do legislador razoável, que imporia que se aquele quisesse que, no âmbito do novo regime as SGPSs tivessem um tratamento mais desfavorável que os restantes sujeitos passivos, deveria dizê-lo, como também, e sobretudo, por força dos princípios da legalidade e da tipicidade a que deve obedecer a lei fiscal.

                Para além disso, e como se procurou demonstrar, não está em causa “a dissociação, para o passado, entre os encargos financeiros não deduzidos e as mais-valias isentas”, já que as mais-valias isentas, a existirem, serão associadas aos encargos financeiros abrangidos pelo novo regime (como para qualquer outro contribuinte), sendo que, lá está, inexiste qualquer norma vigente para o exercício de 2014 que faça qualquer associação entre os encargos financeiros suportados, e ainda que não deduzidos, anteriormente àquele ano, e as mais valias que se venham a gerar daí em diante.

                Para além disso, e como se procurou demonstrar, não existe um nexo causal exclusivo entre a isenção da tributação de mais valias prevista pelo art.º 32.º/2 do EBF e a indedutibilidade ex ante, também decorrente do mesmo artigo, já que tal regime implica, igualmente, um tratamento mais desfavorável, em relação ao regime geral contemporaneamente vigente, no que diz respeito à tributação de dividendos e à consideração como gastos das menos-valias, tratando-se, assim, de um regime global, com um conjunto de equilíbrios e contrapesos, que não pode ser, simplesmente, reduzido a uma troca, entre a desconsideração de um gasto e a não tributação de um ganho (e, menos ainda, entre a desconsideração de gastos concretos e a não tributação de ganhos abstractos ou eventuais).

                Por fim, e como também previamente se expôs, não se considera que tenha havido uma sucessão de regimes (no sentido de ter havido a substituição da regulação de uma determinada matéria, por outra regulação sobre a mesma matéria), mas a revogação de um regime tout court, e a posterior consagração de outro, que dispondo sobre matéria distinta, tornou, colateralmente, aquele redundante.

                Por todo o exposto, e uma vez mais, sempre salvaguardando o respeito devido e mantido à decisão em questão, não se pode acompanhar o decidido no acórdão 610/2017-T.

 

*

Não obstante julgar-se que a fundamentação precedente dá resposta a todas as questões que se possam, de forma relevante, colocar acerca da matéria em questão, por exaustividade, analisar-se-ão, especificadamente, os argumentos e questões apresentados em sentido contrário pela Requerida.

                Relativamente às considerações relativas ao teor da Circular 7/2004 bem como à ficha doutrinária exarada no processo n.º 39/2011, conforme se referiu já, ao analisar o acórdão arbitral proferido no processo 610/2017-T do CAAD, não se julga que as mesmas contendam com as conclusões anteriormente formuladas, na medida em que nenhum argumento decisivo se retira daqueles entendimentos administrativos.

No que diz respeito à circunstância de o denominador comum às disposições transitórias constantes da Lei n.º 83- C/2013, de 31/12 e do artigo 12.º da Lei n.º 2/2014, de 16-01 ser o de não se prever qualquer regime transitório, designadamente de regularização de gastos ou de rendimentos, de prejuízos ou de operações respeitantes a períodos de tributação com início anterior a 1 de Janeiro de 2014, como se viu anteriormente, tem a consequência precisamente oposta à retirada pela Requerida.

Com efeito, a circunstância de não ser prevista qualquer disposição transitória, que como a própria Requerida refere “não se tratou de lapso”, designadamente no sentido de se manter a indedutibilidade ex ante decorrente do art.º 32.º/2 do EBF revogado, ou de a consolidar como indedutibilidade definitiva, é que concorre para a conclusão de que aquela indedutibilidade ex ante cessou com a revogação referida.

Por outro lado, não está em causa uma regularização, dado que não precedeu qualquer irregularidade, mas unicamente a aferição da dedutibilidade de gastos efectivamente incorridos, à luz das normas vigentes no momento relevante.

Deste modo, afrontoso do princípio da legalidade seria qualificar, no exercício de 2014, os gastos em questão como indedutíveis (ex ante ou definitivamente), sem qualquer norma que sancione tal qualificação.

Face ao previamente exposto, não será igualmente de acolher o entendimento da Requerida, segundo o qual a Lei n.º 2/2014, de 16-01, que procedeu à reforma da tributação das sociedades (comummente designada "reforma do IRC”), introduziu no nosso ordenamento jurídico o denominado regime de participation exemption, o qual, no tocante às mais-valias e menos-valias realizadas com a transmissão onerosa, expandiu o “método da isenção” anteriormente aplicável às SGPS e previsto no artigo 32.º do EBF a todos os sujeitos passivos de IRC que exerçam a título principal uma atividade comercial, industrial ou agrícola, desde que cumpridos todos os pressupostos de aplicação estabelecidos no artigo 51.º-C do Código do IRC.

Efectivamente, como se viu, não há qualquer continuidade ou expansão de regimes, formal, substancial ou teleológica, mas antes a revogação de um, e a criação de outro, distinto, que tornou redundante o primeiro.

                Relativamente às considerações a propósito dos princípios da tutela da confiança ou da igualdade, e do carácter penalizador ou não do novo regime, conforme resulta da fundamentação precedente, não são factores, crê-se, decisivos na apreciação a fazer, como se viu, e que resulta, essencialmente, da interpretação e aplicação do regime jurídico relativo à dedutibilidade dos gastos, vigente no exercício em causa (2014).

Quanto à circunstância de a Requerente reclamar a dedução de uma só vez da totalidade dos encargos financeiros que não deduziu nos exercícios de 2006 a 2013, foi já objecto de apreciação anteriormente, a propósito da análise feita à luz do princípio da periodização económica, e do acórdão arbitral proferido no processo 610/2017-T, sendo de reter, essencialmente, que é isso que a própria Circular/2004 prescrevia, para o caso de as participações sociais cuja alienação não viesse a beneficiar do disposto no artigo 32.º/2 do EBF (o que de resto, e na sua simplicidade, é o que acontece no caso).

A consideração de que só os gastos financeiros suportados pela Requerente em 2014 e exercícios seguintes, ainda que decorrentes de financiamentos contraídos em exercícios anteriores, por força dos critérios que regem a imputação temporal dos gastos (n.º 1 do art.º 18.º do Código do IRC) são abrangidos pelas regras gerais de dedutibilidade dos gastos previstas nos artigos 23.º e 67.º do mesmo Código, carece, como se viu, de fundamento legal, pelo que não será a pretensão da Requerente a reconduzir-se ao preenchimento de uma lacuna, mas antes a interpretação que a Requerida pretende fazer valer, ao não assentar em qualquer norma legal vigente no exercício de 2014, que se reconduz a tal operação.

Julga-se, por isso e por todo o anteriormente exposto, que não se verificam as inconstitucionalidades arguidas pela Requerida, designadamente a violação do disposto no artigo 13.º e no artigo 103.º da CRP, e/ou dos princípios da legalidade tributária, na vertente da generalidade e abstração da lei fiscal, da igualdade tributária.

Do mesmo modo, e também à luz da fundamentação previamente explanada, não se crê que haja qualquer aplicação retroactiva da lei, ao contrário do arguido pela Requerida.

Com efeito, o que se procede é à aplicação da lei vigente em 2014 a realidades que persistiam a essa data, e face a factos jurídicos ocorridos também nessa data, ou seja, e concretamente, aos gastos incorridos pela Requerente, que estiveram até aí sujeitos a um regime de indedutibilidade ex ante, e que, nesse exercício, por falta de norma que a mantivesse ou convertesse em indedutibilidade definitiva, viram alterado o seu status jurídico-tributário.

Não haverá assim qualquer retroatividade, do mesmo modo que, na hipótese pugnada pela Requerida, de, no caso de as participações sociais em questão não virem a beneficiar do regime do art.º 51.º-C do CIRC, ser facultada à Requerente a possibilidade de deduzir os gastos em causa, não haveria qualquer retroactividade.

Haveria, sim, retroactividade, se se prosseguisse a senda, também sugerida pela Requerida, de que os gastos em questão, concluindo-se pela sua dedutibilidade, deveriam ser deduzidos no exercício em que foram incorridos, já que tal se daria em violação do regime então vigente, que impunha a sua indedutibilidade ex ante, e corresponderia à aplicação do regime entrado em vigor em 2014, que não manteve aquela nem a converteu em definitiva, a períodos anteriores à sua vigência.

Por fim, julga-se que haveria também retroactividade, caso se corroborasse o entendimento sustentado pela Requerida, já que, como se viu previamente, tal se reconduziria a, em 2014 – exercício sub iudice – aplicar a indedutibilidade ex ante consagrada no regime que entrou em vigor em 2014, a factos (encargos financeiros) ocorridos antes daquela data.

                Julga-se, também, que não ocorre qualquer violação dos princípios da tributação do lucro real e da capacidade contributiva (artigo 104.º, n.º 2 da CRP), porquanto é permitido aos restantes sujeitos passivos de IRC, que não SGPSs, deduzir os mesmos encargos, incorridos previamente à entrada em vigor do novo regime, e tal como ocorria anteriormente a este, quando aqueles sujeitos passivos, que não SGPSs, beneficiavam da não tributação de dividendos, nos termos do art.º 51.º do CIRC, podendo deduzir os encargos financeiros incorridos com a aquisição das participações sociais geradoras daqueles .

                Não se reputa, igualmente, susceptível de fundar qualquer violação dos princípios da tributação do lucro real e da capacidade contributiva, a putativa violação do princípio da especialização dos exercícios, desde logo porquanto, como se viu, o STA esclareceu já devidamente que não se trata de um princípio absoluto, para além de, como também se viu, se considerar que não há qualquer violação daquele, e que a situação sempre seria análoga à dedutibilidade dos mesmos encargos aquando da alienação das participações sem que se verificasse a aplicação do regime do art.º 32.º/2 do EBF, situação em que, como igualmente se abordou, era consensualmente aceite que era possível/imposto que o sujeito passivo, nesse caso, deduzisse todos os encargos com a participação em causa, no exercício em que se dava a alienação em tais condições, e não no exercício em que tinha incorrido nos referidos encargos.

 

*

                A título de obter dictum, refira-se, ainda, que nesta matéria, como em muitas outras, o enquadramento interpretativo que se dá à questão concreta, condiciona – por via da imposição do princípio da congruência – soluções que se possam dar a questões distintas, mas que implicam a aplicação dos mesmos regimes.

                No caso, o que se verifica é que a interpretação supra-sustentada, e contra a qual a AT pugna, é a mesma que no processo arbitral 524/2019T do CAAD , sustentou e deu acolhimento à posição, naquele processo arbitral, defendida por aquela mesma Autoridade.

                Efectivamente, e no sumário da decisão arbitral referida, pode ler-se que:

“I. O regime participation exemption, introduzido no art.º 51.º-C do Código do IRC, pela Lei n.º 2/2014, de 16-01, constituindo uma alteração ao regime geral da relevância fiscal das mais e menos valias realizadas com a transmissão onerosa de partes sociais, não substitui, nem sucede, ao regime especial consagrado no art.º 32.º do EBF.

II. A revogação do art.º 32.º do EBF, operada pela Lei n.º 83- C/2013, de 31/12, com efeitos a partir de 01/01/2014, fez cessar este regime especial, e, consequentemente, a exclusão da tributação das mais e menos valias abrangidas por esse regime especial.

III. Tendo cessado a referida exclusão no exercício de 2014, não poderá, quanto à tributação devida nesse exercício, aplicar-se essa mesma exclusão.”

                Ora, se sempre ressalvado o respeito devido a outras opiniões, subscrevendo-se o decidido naquele processo arbitral n.º 524/2019-T, não se poderia decidir diferentemente no presente processo, dado que o enquadramento jurídico da questão ali decidida, e da questão a decidir aqui, é o mesmo.

 

*

                Assim, e por todo o exposto, deverá proceder o pedido arbitral,

 

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Anular a autoliquidação de IRC referente ao período de 2014, reflectida na declaração de grupo identificada com o n.º 3107-C4831-14, assim como o acto de indeferimento expresso do procedimento de Recurso Hierárquico n.º 3107201810000030, interposto da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º 310720170400311, que tiveram aquele acto de autoliquidação como objecto, na parte em que desconsideram encargos financeiros com aquisição de participações sociais, no valor total de € 2.176.392,26;

b)           Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 2.176.392,26, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 28.458,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 13 de Outubro de 2021

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Luís Baptista)

 

O Árbitro Vogal,

(João Taborda da Gama)