Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 216/2020-T
Data da decisão: 2021-10-13  IRS  
Valor do pedido: € 63.158,19
Tema: IRS – Adiantamento por conta de lucros.
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SUMÁRIO:

I.             Considerado o contexto concreto em que foi produzido o acto de liquidação, é perceptível, para um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, que os fundamentos daquele são os constantes do relatório de inspecção que o precedeu.

II.            Constando do RIT, em termos que não deixam dúvidas, os factos (lançamentos em contas correntes de sócios), fundamentos legais (as normas invocadas) e o modo de prova (presunção legal) dos factos tributários, não se verifica falta de fundamentação substancial.

III.          A existência de créditos dos sócios sobre a sociedade deve ser demonstrada por meio da individualização e quantificação das concretas entradas em dinheiro alegadamente efectuadas, assente em documentos que as evidenciem.

 

DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 06 de Abril de 2020, A..., Lda., NIPC..., com sede na ..., ..., ...-... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRS, (Retenção na fonte), relativa ao ano de 2015, (Liq. n.º 2019...), no valor de € 63.158,19.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:

a.            Falta de fundamentação (incidência);

b.            Falta de fundamentação (material); e

c.            Falta de pressupostos da liquidação.

 

3.            No dia 07-04-2020, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 07-07-2020, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 06-08-2020.

 

7.            No dia 30-09-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, abstiveram-se as partes de o fazer.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente foi alvo de procedimento inspectivo externo, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2018..., de âmbito parcial (IRC e Retenções na fonte de IRS do ano 2015), tendo como motivo a situação declarativa com anomalias, particularmente prejuízos contabilísticos e fiscais no triénio 2013/2015 com perdas em subsidiárias no valor de € 517.931,00.

2-            Na sequência da acção de inspecção, foram efectuadas correcções ao imposto por a AT ter entendido não terem sido efectivadas retenções na fonte.

3-            Do Relatório de Inspecção consta, para além do mais, o seguinte:

“III.2 IRS - Correção ao Imposto - Retenções na Fonte

A contabilidade, que dispõe de uma única conta corrente de sócios: 2781101 - Outros devedoras e credores/devedores diversos/sócios, revela no final do ano um saldo devedor de €139.932,98. Verificados os movimentos, constata-se que a partir de março de 2015, evidencia saldo devedor que vai aumentando ao longo dos meses (exceto agosto), sendo que estes lançamentos contabilísticos se repartem da seguinte forma:

- Levantamentos por entrega ao(s) sócio(s): transferências bancárias e cheques emitidos á ordem dos sócios.

- Transferências bancárias e cheques emitidos à ordem de outras entidades (em relações especiais).

- Lançamentos por pagamento de despesas alheias à sociedade.

Os lançamentos a débito na conta do(s) sócio(s) têm como contrapartida a crédito as contas 1201 - Depósitos à ordem/B... e 1203 - Depósitos à ordem/Banco C... .

Finalmente, no mês de Dezembro de 2015, foram regularizados saldos de contas de terceiros que resultaram num lançamento a débito na conta de sócio(s).

Assim, a análise da conta-corrente do(s) sócio(s), evidencia que em 2015 foram feitas retiradas sem que o(s) mesmo(s) tivesse(m) vindo a repor as importâncias em causa.

Tais retiradas estão evidenciadas a débito da única conta-corrente do(s) sócio(s). Presume-se, como impõe o art. 6 do CIRS no n.º 4 "Os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem- se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros" e o art. 5º do CIRS, na alínea h) do n.º 2 dispõe que são considerados rendimentos de capitais - categoria E - "Os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º".

Determina o art. 71º do CIRS, no n.º 1 alínea c) que "Estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28%, os rendimentos a que se refere a alínea h) do n.º 2 do art. 5.º, cuja responsabilidade de entrega constitui obrigação da sociedade, enquanto entidade pagadora dos rendimentos.

Assim, conforme o relatado e tendo em conta o disposto no artigo 101.º do CIRS, uma vez que o beneficio obtido pelos sócios foi de € 139.932,98, o rendimento ilíquido colocado à disposição do(s) sócio(s) foi de € 194.351,36 (139.932,98:0,72), pelo que o sujeito passivo deveria ter procedido à retenção e entrega da declaração de retenções na fonte de IRS/ ..., a titulo de retenção na fonte sobre IRS - Outros Rendimentos de Capitais, com o montante global de € 54.418,38, repartido pelos seguintes períodos:

 

4-            Tais correções deram lugar à liquidação n.º 2019..., no montante € 63.158,19 (juros incluídos).

5-            Na Assembleia Geral de sócios da Requerente, de 31-03-2015, a que se reporta a acta n.º 58 da sociedade, foi deliberada a devolução de prestações suplementares aos sócios.

 

A.2. Factos dados como não provados

1- Que os sócios fossem, em 2015, credores da Requerente.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , o “relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

O facto dado como não provado, deve-se à insuficiência de prova a seu respeito.

Com efeito, não obstante a acta da AG de 31-03-2015 refira a existência de créditos dos sócios sobre a sociedade, a existência dos mesmos deveria ser demonstrada por meio da individualização e quantificação das concretas entradas em dinheiro alegadamente efectuadas, assente em documentos que as evidenciassem, o que não foi, por qualquer modo, feito.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

                A Requerente, como se viu já, suscita perante este Tribunal arbitral várias questões, a saber:

a.            Falta de fundamentação (incidência);

b.            Falta de fundamentação (material); e

c.            Falta de pressupostos da liquidação.

Vejamos cada uma delas.

*

a. Falta de fundamentação (incidência).

Começa a Requerente por arguir a falta de fundamentação das liquidações objecto da presente acção arbitral, por não se encontrarem devidamente fundamentados, em violação do artigo 77. º da Lei Geral Tributária (bem como do art.º 125.º do CPA).

Cumpre, nesta matéria, ter em atenção a redacção da norma prevista no artigo 77.º da Lei Geral Tributária e desta retirar o seu conteúdo útil. De acordo com o referido preceito, cuja epígrafe é “Fundamentação e eficácia”: “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos anteriores, pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária” e prossegue o segundo número do mesmo artigo, “ A fundamentação dos actos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação.”

De acordo com DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA , a Constituição da República Portuguesa garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os actos administrativos que afectem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos. Ora, tendo em consideração o que se encontra previsto no artigo 120.º do Código de Procedimento Administrativo, ter-se-á como compreendido nesse conceito, os actos tributários. Por outro lado, o artigo 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa garante aos interessados a impugnação contenciosa contra quaisquer actos administrativos que sejam lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos. Descortina-se assim, a razão pela qual o dever de fundamentação dos actos tributários e decisórios de procedimentos tributários surge reforçado no artigo 77.º da Lei Geral Tributária: a proteção dos administrados.

Em suma, impende sobre a AT um dever de fundamentação sobre os actos tributários por ela praticados, devendo obrigatoriamente constar as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos actos tributários, assim como, os prazos e meios de defesa à disposição do contribuinte, conforme o disposto no artigo 77.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária.

Trata-se de uma disposição legal que visa assegurar a racionalidade das decisões cometidas à AT, proporcionando um controlo interno do percurso lógico-valorativo encetado pela própria entidade antes de emitir a sua decisão e, que se destina, fundamentalmente, a desempenhar um controlo de legalidade das decisões da AT, permitindo ao contribuinte optar, conscientemente, por cumprir a decisão, conformando-se com a mesma ou cumprir a decisão mas sindicá-la, seja pela via administrativa ou pela via judicial.

Na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria, exige-se que a fundamentação possa ser considerada suficientemente clara e compreensível, nas razões de facto e de direito, para um destinatário médio colocado na situação concreta.

Posto isto, alega a este respeito a Requerente que não é invocado o fundamento de incidência nem referidas as normas dessa incidência à concreta contribuinte, considerando que esse fundamento e dispositivos legais não são apresentados no procedimento de liquidação.

Não se alcança, exactamente, a que se refere a Requerente nesta matéria.

Com efeito, no RIT, e como resulta da matéria de facto, são referidas todas as normas legais que a fundam a pretensão de tributar da AT, bem como as circunstâncias que justificam a aplicação daquelas.

Como se esclarece no Ac. do TCA-Sul de 15-12-2016, proferido no processo 09929/16, e ocorre no caso:

“6. Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final.

7. Se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr.artº.125, nº.2, do C.P.Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Em conclusão, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final.”

Eventualmente, poderá a Requerente estar a referir-se à circunstância de a fundamentação do acto tributário constar do Relatório de Inspecção, e não da liquidação, stricto sensu.

Contudo, é entendimento do STA , que “Não vale como fundamentação a motivação apresentada posteriormente à prática do ato, nem a constante de peças instrutórias anteriores para as quais não tenha sido feita remissão, expressa ou implícita.”, admitindo-se, assim, que a remissão possa ser implícita, ou seja, decorrente do próprio contexto do ato tributário, ou do qual este emerge.

Neste mesmo sentido, se orienta a jurisprudência do STA que considera que “Apesar da não indicação expressa do preceito legal aplicável, a exigível fundamentação de direito do acto tributário será suficiente com a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, desde que, em qualquer caso, se possa concluir que aqueles eram conhecidos ou cognoscíveis por um destinatário normal colocado na posição em concreto do real destinatário.” , e que “A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa” .

Deste modo, entende-se que, considerado o contexto concreto em que foi produzido o acto de liquidação em questão nos presentes autos, será perceptível, para um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, que os fundamentos daquele são os constantes do relatório de inspecção que o precedeu, sendo certo que mais se afigura evidente que a Requerente compreendeu isso mesmo.

Este, de resto, tem sido o juízo dos nossos tribunais superiores em casos análogos, podendo a esse respeito conferir-se os Acórdãos do STA de 10-09-2014, proferido no processo 01226/13 , do TCA-Norte de 13-09-2012, proferido no processo 00334/05.8BEBRG , e do TCA-Sul de 23-05-2006, proferido no processo 01156/06 .

Deve, pelo exposto, improceder o vício ora em apreço.

 

*

b. Falta de fundamentação (material).

                Alega, seguidamente, a Requerente que cabe à AT o ónus de apresentar a existência de todos os pressupostos (de facto e de direito) que a determinaram a efectuar correcções ao declarado, incumbindo-lhe, nessa razão, mostrar a verificação dos factos tributários que tal sustente e só podendo efectuar a liquidação adicional quando os elementos que tiver apurado permitam formar a séria convicção sobre a inexistência do facto tributário declarado pelo contribuinte em homenagem a esse princípio da verdade material (arts. 58º n.º 1 e 75.º da LGT).

                Para a Requerente, na fundamentação da liquidação em causa, constata-se, pois, que a Administração, como lhe competia, não avança um só facto certo que, com suficiente razoabilidade e justificação, lhe permita concluir - desde logo e sem mais - pela invalidade das, (corrigidas), inscrições contabilísticas, tendo-se limitado a enunciar ilações e à formação de juízos meramente conclusivos, baseados sobretudo em generalistas elementos conceituais e de vaga definição de produto (???), olvidando por completo a respeitante vertente técnica, o que de modo algum pode satisfazer as exigências implicadas por uma actuação correctiva do imposto a entregar.

                Sem prejuízo da alegação em causa poder resultar de lapso (pelo menos existente na referência a uma “definição de produto” e a “vertente técnica”), sempre se dirá que não se descortina fundamento para a mesma.

                Com efeito, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 07-05-2020, proferido no processo 1022/12.4BELRA:

“I - Nos termos do disposto no art. 5º, nº 2, al.h) do CIRS, devem ser qualificados como rendimentos de capitais, de entre outros, os rendimentos derivados de lucros distribuídos por sociedades e os adiantamentos por conta desses lucros a favor dos respectivos sócios que sejam pessoas singulares.

II - Por sua vez, o art. 6º, nº 4 do CIRS estabelece uma presunção, no sentido de que as quantias lançadas a favor dos sócios, em quaisquer contas correntes de sócios de sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial e que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício do cargo social, correspondem a lucros ou a adiantamento por conta de lucros, devendo, por isso, ser sujeitas a tributação, nos termos do art. 5º, nº 1 e 2, al.h) do CIRS.

A referida presunção é ilidível, mediante prova em contrário, nos termos do nº 5 da mesma norma.

III - Tendo a AT demonstrado a legalidade do seu agir, incumbia à recorrente o ónus de demonstrar que o dinheiro não pertencia aos accionistas mas sim à sociedade recorrente tal como invoca, ónus que não cumpriu de todo, pelo que forçoso é concluir que a recorrente não logrou ilidir a presunção constante do art. 6º, nº 4, do CIRS”

                Tudo isto consta do RIT em termos que não deixam dúvidas, quanto aos factos (lançamentos em contas correntes de sócios), fundamentos legais (as normas invocadas) e o modo de prova (presunção legal) dos factos tributários.

                Daí que não se possa acolher a pretensão da Requerente, devendo, por isso, improceder nesta parte, também, o pedido arbitral.

 

*

c. Falta de pressupostos da liquidação.

                Termina a Requerente por invocar a falta de pressupostos (de facto e de direito) da liquidação.

                A este propósito, alega a Requerente que informou, oportunamente, a AT que os valores (segundo alega, erroneamente) lançados na contabilidade a débito da referida conta 2781101 não se referem a adiantamentos por conta de lucros, mas sim à devolução de prestações suplementares aos sócios, deliberada na AG de sócios de 31-03-2015 (constante da ata n.º 58 da sociedade), e que os lançamentos contabilísticos não correspondem à realidade dos factos tendo sido efectuados por lapso do Contabilista Certificado.

                Mais alega que a situação (segundo diz, erradamente) contabilizada, não fazia qualquer sentido (para além de não corresponder à realidade) uma vez que a requerente se encontrava, já em 2015, a caminho do encerramento de actividade (vendendo os últimos activos entre 2015 e 2016), conforme resultará das suas DR de 2017 e 2018 onde se constatará que não existem quaisquer vendas ou actividade, pelo que mal seria que a requerente procedesse a adiantamentos por conta de lucros futuros que, necessariamente, não irão ocorrer, à mingua de actividade.

                Alega ainda que os sócios seriam credores da sociedade, aqui Requerente, (mormente através de prestações suplementares) pelo que caberia àquela, caso exista enquadramento legal (como seria o caso) reembolsar os sócios dos valores aportados à sociedade (para além da realização da sua quota social).

                Ora, no caso, a Requerente não logrou provar aquilo que alegou, designadamente a existência de créditos dos sócios sobre a sociedade, conforme se constata face à matéria de facto provada e respectiva motivação.

                Não se provando aquele facto, falece toda a argumentação da Requerente, não sendo a circunstância, igualmente alegada, de poder fazer pouco (ou nenhum) sentido a realização de adiantamentos por conta dos lucros, suficiente para infirmar a presunção legal de que tal ocorreu.

                Assim, e pelo exposto, não se demonstra qualquer violação do princípio da igualdade, do princípio da capacidade contributiva, do princípio da tributação pelo rendimento real, e/ou do princípio da justiça, nem dos artigos 104.º e 266°, n.º 2, da CRP, e/ou e 55.º da LGT.

                Não é de acolher, de igual modo, a alegação da Requerente segundo a qual os montantes presumidos como adiantamentos por conta de lucros, porque presumidamente estabelecidos (e, alega a Requerente, sem o provar, todavia, não efectivamente verificados), não estão sujeitos a retenção na fonte, for falta de base de incidência no sistema jurídico-tributário nacional, violando, por isso, o principio da legalidade tributária e de reserva de lei, bem como o estatuído nos art.ºs 71.º do CIRS e 20.º da LGT.

                Com efeito, e como se explica no Ac. do TCA-Sul de 15-12-2016, proferido no processo 09929/16:

“8. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.

9. Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva.

10. As normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação.

11. A definição de rendimentos de capitais, introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, no artº.5, nº.1, do C.I.R.S., traduz e incorpora uma regra de incidência tão ampla que é capaz de englobar qualquer situação, envolvente de valores mobiliários, que não seja tributada noutra das categorias de rendimentos em que opera o I.R.S.

12. O artº.5, nº.2, al.h), do C.I.R.S., sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de I.R.S. os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados.

13. Por sua vez, o artº.7, do C.I.R.S., define o momento da sujeição à tributação dos rendimentos de capitais, ou seja, define o momento em que o imposto se torna exigível.

14. Os valores pagos à entidade bancária decorrentes da assunção de dívida pela sociedade recorrente são considerados rendimentos de capitais a título de lucros e/ou adiantamento por conta de lucros e como tal sujeitos a tributação em sede de I.R.S. Essa tributação é feita através de retenção na fonte, a título definitivo, às taxas liberatórias consagradas no artº.71, do C.I.R.S., cabendo à sociedade ora recorrente proceder à citada retenção na fonte.”

                Assim, e pelo exposto, deve, também nesta parte, improceder o pedido arbitral.

 

***

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Absolver a Requerida do pedido; e

b)           Condenar a Requerente nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 63.158,19, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 13 de Outubro de 2021

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Paulo Lourenço)

 

O Árbitro Vogal                                                              

(A. Sérgio de Matos)