DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Francisco Melo e Dr. Jorge Carita (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 29-06-2021, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., SGPS, SA, NIPC..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... ..., área do Serviço de Finanças de Matosinhos –..., doravante designada por “Requerente”, apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da liquidação de IRS n.º 2020 ... (Retenção na fonte) e da liquidação de juros compensatórios n.º 2020 ... .
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 19-04-2021.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 09-06-2021 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 29-06-2021.
A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou resposta e, em 17-07-2021, veio comunicar a revogação do acto impugnado, juntando cópia de um ofício dirigido aos Senhores Mandatários da Requerente em que é comunicado que, por despacho de 01-07-2021, da Subdirectora-Geral da Área de Gestão Tributária – IR, «foi revogado o ato que constitui o objecto do pedido de constituição do tribunal arbitral» do processo n.º- 220/2021-T.
Em despacho de 31-07-2021, ordenou-se a notificação das Partes «para se pronunciarem, querendo, sobre a eventual inutilidade superveniente da lide, no prazo de 10 dias».
As Partes nada vieram dizer.
Por despacho de 24-09-2021, foi dispensada reunião e alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, e é competente.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
Mostram os autos o seguinte:
a) A Autoridade Tributária e Aduaneira foi notificada da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, por correio electrónico de 19-04-2021;
b) Em 29-06-2021, ficou constituído o Tribunal Arbitral;
c) Por despacho de 01-07-2021, a Subdirectora-Geral da Área de Gestão Tributária – IR revogou o acto impugnado;
d) Em 14-07-2021, a Autoridade Tributária e Aduaneira informou no presente processo que foi proferido o despacho de revogação do acto impugnado;
e) Em 28-04-2020, a Requerente prestou garantia bancária ao suspender a execução fiscal n.º ...2020..., instaurada para cobrança coerciva das quantias liquidadas.
3. Inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de anulação
O objecto do processo arbitral são actos de liquidação de tributos dos tipos referidos no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.
A Autoridade Tributária e Aduaneira dispõe do prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, para proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do acto tributário cuja ilegalidade foi suscitada, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do RJAT.
Findo esse prazo, a administração tributária fica impossibilitada de praticar novo acto tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos (n.º 3 do mesmo artigo 13.º do RJAT).
Revogado o acto impugnado, está satisfeita a pretensão formulada pela Requerente quanto à anulação do acto de liquidação de IRS e juros compensatórios impugnado, pois não pode ser praticado novo acto, o que gera inutilidade superveniente da lide, que é causa de extinção da instância.
Esta causa de extinção da instância tem a ver com o interesse em agir ou interesse processual, que é um pressuposto processual ou uma condição da acção que «consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção».( ) Esse interesse tem de existir no momento em que o processo se inicia, mas tem de manter-se ao longo dele, justificando a sua falta a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. ( )
No caso em apreço, não tem utilidade o prosseguimento do processo, quanto ao pedido de anulação da liquidação de IRS e juros compensatórios, pelo que ocorre inutilidade superveniente da lide parcial.
Por isso, verifica-se uma excepção dilatória que é causa de extinção parcial da instância e implica a absolvição da Requerida da instância, na parte respectiva, nos termos dos artigos 277.º, alínea e), e 278.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
4. Pedido de indemnização por garantia indevida
A Requerente prestou garantia para suspender a execução fiscal n.º ...2020..., instaurada para cobrança coerciva das quantias liquidadas e pede indemnização, ao abrigo do disposto no artigo 53.º da LGT.
O artigo 171.º do CPPT estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».
Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.
O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.
No caso em apreço, ocorreu revogação do acto impugnado (e não qualquer das alternativas possíveis em relação a actos ilegais, que são a sua ratificação, reforma ou conversão, previstas no artigo 79.º da LGT e no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT), o que tem ínsito o reconhecimento de um vício de violação de lei, que tem de considerar-se imputável aos serviços, pois foram estes que emitiram as liquidações revogadas.
Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.
Não havendo elementos que permitam determinar o montante exacto da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão, de harmonia com o preceituado no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
5. Responsabilidade por encargos do processo
De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, «da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral».
Pelo que se referiu ocorre uma causa de extinção da instância quanto aos pedidos de anulação que é imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois apenas notificou o Requerente da anulação das liquidações após a apresentação do pedido de pronúncia arbitral e não comunicou a sua revogação nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 13.º do RJAT.
Por outro lado, o pedido de pronúncia arbitral procede quanto ao pedido de indemnização por garantia indevida.
A regra básica sobre responsabilidade por encargos dos processos é a de que deve ser condenada parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, a causa de extinção da instância é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que lhe é imputável a responsabilidade pelas custas do presente processo.
6. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
– julgar extinta a instância quanto aos pedidos de anulação das liquidações e absolver da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira quanto a estes pedidos;
– julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar a Requerente a indemnização que for determinada em execução do presente acórdão.
– condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar as custas do presente processo.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 660.000,00, indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
8. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 9.492,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 28-09-2021
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Francisco Melo)
(Jorge Carita)