Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 89/2021-T
Data da decisão: 2021-09-27  IRC  
Valor do pedido: € 1.627.756,07
Tema: IRC - Benefícios fiscais. RFAI. Sector das telecomunicações.
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Sumário:

I – A norma do artigo 2.º, n.º 3, do Código Fiscal do Investimento (CFI) tem a natureza de um reenvio normativo, remetendo para regulamento a definição de aspetos complementares de regulação que não poderiam ser densificados no texto da lei;

II - A Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, que, em execução daquela disposição legal, definiu, no seu artigo 2.º, os códigos de classificação de atividades económicas a que se aplicam os benefícios fiscais, não derrogou o regime jurídico estatuído pelo artigo 2.º, n.º 2, do CFI quanto ao âmbito objetivo de aplicação desses benefícios, nem viola o princípio da reserva legislativa da Assembleia da República em matéria de impostos ou o princípio da proibição de atos não legislativos de interpretação e integração das leis;

III – A norma do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 não é passível de uma interpretação conforme ao direito europeu, e especificamente às disposições do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC) e das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (OAR), de modo a permitir enquadrar no âmbito objetivo de aplicação do benefício fiscal RFAI os investimentos realizados por uma operadora na expansão e requalificação da rede de telecomunicações.

 

DECISÃO ARBITRAL

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na..., n.º..., 8.º, ..., ...–... Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do ato de autoliquidação em IRC referente ao ano de 2017, na parte respeitante à não dedução à coleta do IRC do benefício fiscal apurado no âmbito do RFAI, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra esse ato, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de  juros indemnizatórios.

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente efetuou em 2017 investimentos em Portugal na área das telecomunicações, designadamente em centrais de receção e transmissão e em redes, nas regiões Norte, Centro, Alentejo, Região Autónoma dos Açores (RAA), Região Autónoma da Madeira (RAM) e, mais residualmente, no Algarve, grande Lisboa e península de Setúbal, num total de € 6.950.612,02, elegíveis para efeitos de RFAI, a que corresponde um crédito de imposto no montante de € 1.627.756,07.

 

Não era tributada por métodos indiretos e dispunha no exercício fiscal em causa de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo sector de atividade.

 

O crédito de imposto apurado ascende ao total de € 1.627.756,07.

 

A Requerente não inscreveu nas declarações de rendimento Modelo 22 de IRC do exercício de 2017 o benefício fiscal, não tendo deduzido à coleta o referido montante de € 1.627.756,07.

 

Com o objetivo de poder beneficiar dessa dedução, a Requerente apresentou reclamação graciosa do ato de autoliquidação de IRC, que foi indeferida por despacho de 12 de novembro de 2020, do Chefe de Divisão do Serviço Central, por se ter entendido que o RFAI exige que os sujeitos passivos exerçam uma atividade económica correspondente a um dos sectores elencados na Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, em aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional ditadas pela UE para o período 2014-2020.

 

Discordando desse entendimento, a Requerente considera que a concessão do incentivo fiscal não pode estar dependente de diploma de natureza meramente regulamentar.

 

O artigo 2.º do Código Fiscal de Investimento (CFI), definindo o âmbito objetivo dos benefícios fiscais, aplicável ao RFAI por força do disposto no artigo 22.º, n.º 1, no seu n.º 2, enumera as atividades que se encontram abrangidas pelos incentivos fiscais, aí se incluindo a atividade de telecomunicações, e o n.º 3 do mesmo preceito limita-se a remeter para portaria a definição dos códigos de atividade económica (CAE) que lhe são correspondentes.

 

Do conjunto dessas disposições conclui-se que o âmbito objetivo do RFAI está circunscrito aos sectores de atividade listados no artigo 2.º, n.º 2, do CFI e a portaria visa apenas explicitar os códigos CAE que a prossecução daquelas atividades económicas pode assumir, sendo que a portaria não pode definir códigos CAE que não se encontrem relacionados com as atividades económicas mencionadas no artigo 2.º, n.º 2, do CFI, nem poderá deixar de definir códigos CAE atinentes àqueles sectores de atividade.

Ora, a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, emitida em execução do artigo 2.º, n.º 3, do CFI, é totalmente omissa quanto ao sector das telecomunicações, e, desse modo, a Portaria redunda numa derrogação do regime instituído pelo CFI, designadamente pelo seu artigo 2.º, n.º 2, restringindo, por via regulamentar, as atividades elegíveis para efeitos de concessão do benefício fiscal previsto nos artigos 22.º a 26.º do CFI.

 

E, sendo assim, a Portaria n.º 282/2014, enquanto regulamento administrativo que fixa regras derrogatórias relativas a benefícios fiscais, padece de inconstitucionalidade por violação dos artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), e 112.º, n.º 5, da CRP, inquinando a autoliquidação de IRC e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa de ilegalidade geradora de anulabilidade.

Adicionalmente, não merece acolhimento a posição sustentada pela Autoridade Tributária no sentido de que a inserção de códigos CAE relativos ao sector das telecomunicações contrariaria o Direito da União Europeia e especialmente as OAR e o RGIC.

 

Embora a Portaria n.º 282/2014 não possa contemplar códigos CAE de atividades excluídas do âmbito de aplicação das OAR e do RGIC, também é certo que esse diploma não pode excluir todo um sector de atividade que se encontra abrangido pelo artigo 2.º, n.º 2, do CFI, tanto mais que nem as OAR nem o RGIC afastam do seu campo de aplicação o sector das telecomunicações.

 

As OAR excluem os setores siderúrgico e das fibras sintéticas (parágrafo 9), a pesca e aquicultura, a agricultura e transportes, porque são sectores sujeitos a regras (de auxílios) especiais (parágrafo 10), aeroportos ou sector da energia (parágrafo 11), empresas com atividade principal inserida na secção K «Atividades financeiras e de seguros, empresas com atividades intragrupo e cuja atividade principal se insere nas subdivisões 70.10 «Atividades das sedes sociais» ou 70.22 «Atividades de consultoria para os negócios e outra consultoria para a gestão» da NACE Rev. 2 (parágrafo). E considera abrangidos todos os sectores de atividade económica, com exceção da pesca e da aquicultura, da agricultura, etc., sem fazer qualquer referência, nesse plano, à atividade ou sector das telecomunicações.

 

E no que respeita aos auxílios de finalidade regional ao investimento, o RGIC em nada contraria as OAR, antes as replica, começando por prescrever que se aplica aos auxílios com finalidade regional de que tratam exclusivamente as OAR (artigo 1.º, n.º 1, alínea a), do RGIC). 

 

Conclui pela procedência do pedido arbitral.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que as normas do CFI relativas ao RFAI devem ser entendidas à luz das regras do RGIC e das OAR e que esse diploma teve em vista adaptar os regimes de benefícios fiscais ao investimento e à capitalização das empresas às novas regras europeias aplicáveis em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020.

 

A anterior Portaria n.º 1542/2009, de 29/12, publicada ao abrigo do CFI, na redação resultante do Decreto-Lei n.º 249/2009, compreendia na alínea g) do n.º 1 do artigo 1.º a rubrica “Ambiente, energia e telecomunicações”, mas visava delimitar apenas o âmbito de aplicação dos incentivos fiscais ao investimento de natureza contratual, não se aplicando ao RFAI, pelo que a omissão constante da Portaria n.º 282/2014 quanto a essa rubrica foi intencional.

De acordo com o n.º 1 do artigo 22.º do CFI, o RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (OAR) e do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC).

Sendo as designações das atividades constantes do citado n.º 2 do art.º 2.º do CFI heterogéneas, e não possuindo um grau suficientemente preciso, o legislador optou por remeter para portaria a concretização dos códigos de atividade económica (CAE) aos quais o benefício será aplicável, impondo-se concluir que, salvaguardadas as limitações inscritas no quadro legislativo europeu em matéria de auxílios estatais de finalidade regional, não emanam da Lei n.º 44/2014, de 11 de julho, que concedeu autorização legislativa para a emissão do diploma, quaisquer orientações ou diretivas precisas sobre as concretas atividades económicas que poderiam beneficiar dos incentivos fiscais ao investimento. Remetendo-se para o Governo a definição do elenco dos sectores de atividades, cujos investimentos são elegíveis para os incentivos fiscais do RFAI em articulação com as prioridades estabelecidas nas opções estratégicas de política económica, de consolidação da competitividade da economia portuguesa e de política de desenvolvimento regional    

Tendo o legislador definido o elenco dos sectores de atividade de forma condicionada, ficou claro que as atividades económicas abrangidas pelos incentivos do RFAI seriam apenas as previstas na portaria a publicar, não podendo considerar-se as normas dos artigos 2.º, n.º 2, e 21.º, n.º 1, do CFI como diretamente exequíveis.

Assim, a ausência da referência a “telecomunicações” na Portaria n.º 284/2014 não consubstancia qualquer omissão ou derrogação do CFI, mas antes a necessidade de conformar o direito nacional com o direito comunitário, atentas as regras do RGIC e das OAR aplicáveis à data.

A limitação das atividades económicas abrangidas pelos incentivos fiscais ao investimento pela Portaria n.º 282/2014 não implica a inconstitucionalidade orgânica. Não existe uma reserva absoluta de lei formal que exclua o desenvolvimento da disciplina legal por decreto-lei não autorizado ou por regulamento, sendo que os regulamentos emitidos pelo Governo em matéria de impostos assumem grande importância na gestão do sistema fiscal e a Portaria n.º 282/2014 não invade o campo de incidência dos incentivos fiscais do RFAI, porque as normas habilitantes são normas de aplicação condicionada que não especificam os sectores de atividade elegíveis.

O Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC) e as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (OAR), para as atividades do sector das telecomunicações, identificam apenas os auxílios a infraestruturas de banda larga e os auxílios a redes de banda larga e, mesmo quanto a estes últimos, as OAR subordinam a compatibilização destes auxílios com o mercado interno a condições especiais, que não se encontram incorporadas no RFAI.

Em resumo, a Lei n.º 44/2014, remeteu para o Governo a definição do âmbito sectorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional, sendo que o Governo - através do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro - limitou-se a listar, em termos genéricos, as atividades em que deveriam inserir-se os projetos de investimento, atribuindo aos membros do Governo responsáveis pelas áreas da economia e das finanças a definição dos códigos CAE correspondentes às atividades referidas na lista.

 

Deste modo, só com a publicação da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, foram identificadas as concretas atividades elegíveis para efeitos da concessão do benefício fiscal RFAI. 

 

Por fim, apesar de considerar que a interpretação seguida cumpre o direito comunitário, a Autoridade Tributária, verificando a inexistência de jurisprudência comunitária sobre a matéria, requer o reenvio prejudicial para o TJUE para apreciação da questão.

 

2. No seguimento do processo, por despacho arbitral de 9 de julho, o tribunal dispensou a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas.

 

Em requerimento autónomo, a Requerente pretendeu exercer o contraditório quanto ao alegado nos artigos 176.º e 177.º da resposta e juntou dois documentos.

 

Por despacho arbitral de 21 de agosto, o tribunal notificou a Autoridade Tributária para se pronunciar sobre os documentos juntos, vindo a Requerida a tomar posição através do requerimento apresentado em 8 de setembro de 2021. 

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e dos n.º 1 e 2 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, as partes designaram os árbitros, e o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou o terceiro árbitro, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 31 de maio de 2021.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades nem foram suscitadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos que podem ser tidos como provados são os seguintes:

 

A)           A Requerente é uma sociedade comercial, tendo como CAE principal a atividade de telecomunicações sem fio (CAE 61200) e CAE secundário a atividade de telecomunicações sem fio (CAE 61100).

B)           Em sede de IRC, esta entidade dispõe de contabilidade organizada, sendo-lhe aplicável o regime geral de tributação.

C)           A sua matéria coletável é determinada por avaliação direta.

D)           No exercício de 2017, efetuou investimentos em Portugal na área das telecomunicações, designadamente em centrais de receção e transmissão e em redes, nas regiões Norte, Centro, Alentejo, Região Autónoma dos Açores (RAA), Região Autónoma da Madeira (RAM) e, mais residualmente, no Algarve, grande Lisboa e península de Setúbal, num total de € 6.950.612,02.

E)            A Requerente não inscreveu na declaração de rendimento Modelo 22 de IRC do exercício de 2017 o benefício fiscal a que julga ter direito, em resultado desses investimentos, no montante de € 1.627.756,07, para efeito de dedução à coleta de IRC.

F)            No dia 28 de agosto de 2020, a Requerente apresentou reclamação graciosa do ato de autoliquidação de IRC do exercício de 2017.

G)           Por ofício de 29 de setembro de 2020, a Requerente foi notificada do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

H) Por despacho de 12 de novembro de 2020, do Chefe de Divisão do Serviço Central, praticado com subdelegação de competências, foi indeferida a reclamação graciosa.

I)             O indeferimento baseia-se na informação dos serviços n.º 324-AIR2/2020, que, na parte relevante, é do seguinte teor:

 

§ IV. ANÁLISE DO PEDIDO

8. Previamente, cumpre sublinhar que se confirma que a reclamante não incluiu em nenhuma das declarações de rendimentos (modelo 22), referentes ao período de tributação de 2017, qualquer dedução à coleta do IRC, a título dos benefícios fiscais previstos no n.o 1 do artigo 23.º do CFI, no âmbito da aplicação do RFAI.

9. Posto isto, reportemo-nos a esse regime, começando por referir que o mesmo se encontra previsto no capítulo III do CFI (concretamente nos artigos 22.º a 26.º), aprovado pelo Decreto-Lei no 162/2014, de 31/10, aplicando-se aos períodos de tributação iniciados em ou após 1/01/2014.

10. Nos termos do n.o 1 do artigo 22.º do CFI, podem beneficiar desse regime os "sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do refendo artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC".

11. Sendo que, tratando-se de um regime de auxílio com finalidade regional, o mesmo apenas pode ser aplicado a projetos de investimento produtivo cujo objeto se inclua nas atividades económicas previstas nos setores de atividade enunciados no n.º 2 do artigo 2.º do CFI, sendo os respetivos códigos de atividade económica (CAE) definidos por Portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da economia e das finanças.

12. Com efeito, em conformidade com as orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, foi publicada a Portaria n.º 282/2014, de 30/12, com a indicação dos setores de atividade que podem usufruir do RFAI, bem como das atividades económicas que dele são excluídas.

13. Desta forma, atento o disposto no artigo 2.º da referida Portaria têm-se abrangidas no âmbito do RFAI as atividades correspondentes aos seguintes CAE, Revisão 3, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14/11.

 

a) Indústrias extrativas - divisões 05 a 09;

b) Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33,

c) Alojamento - divisão 55;

d)           Restauração e similares - divisão 56;

e)           Atividades de edição - divisão 58,

f)            Atividades cinematográficas, de vídeo e de produção de programas de televisão - grupo 591,

g)            Consultoria e programação informática e atividades relacionadas - divisão 62;

h)           Atividades de processamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas e portais Web - grupo 631;

i)             Atividades de investigação científica e de desenvolvimento - divisão 72;

j)             Atividades com interesse para o turismo - subclasses 77210, 90040, 91041, 91042, 93110, 93210, 93292, 93293 e 96040;

k)            Atividades de serviços administrativos e de apoio prestados às empresas - classes 821 IO e 82910".

14. No caso em apreço, e conforme é explicitado pela reclamante, esta: i) efetuou investimentos em diversos ativos não correntes com o propósito de expandir e requalificar a sua rede de telecomunicações, bem como diversificar a sua oferta de produtos e serviços; ii) em concreto, no total do ano de 2017, realizou investimentos em aplicações relevantes para efeitos do RFA, no valor de € 6.950 612,02.

15. Mais refere a reclamante que tais investimentos foram levados a cabo no âmbito da atividade de telecomunicações, a qual é, na sua perspetiva. elegível para efeitos do benefício do RFAI. Vejamos

16. Consultada a aplicação informática da AT "Visão Integrada do Contribuinte", verifica-se que a atividade desenvolvida peia reclamante, à data dos factos, era (e é) especificamente a que a seguir se identifica:

 

Tipo       Código  Designação         Data de início

CAE principal     61200    ATIVIDADES DE TELECOMUNICAÇÕES SEM FIO 06-03-2008

CAE secundário 1             061100  ATIVIDADES DE TELECOMUNICAÇÕES POR FIO   23-10-2008

 

17. Ora, como se pode verificar do que se descreveu no ponto no 13, no âmbito sectorial a que se reporta o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30/12, não está incluída a atividade económica a que correspondem os CAE’s de reclamante, pelo que as despesas apresentadas não poderão, desde logo, ser elegíveis para efeitos do RFAI.

18. A reclamante, como vimos anteriormente, reconhece que a referida Portaria é omissa quanto a qualquer CAE relativo ao setor das telecomunicações, no entanto, entende que tal situação restringe o âmbito subjetivo do RFAI, e, por outro lado, viola o estabelecido no CFI, além de que é incompatível com o direito interno

19. Quanto a tais alegações, importa trazer à colação o Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de dezembro, que aprovou a orgânica da AT, o qual no seu artigo 2.º,  n.º 1: estabelece que «(a AT tem por missão administrar os impostos direitos aduaneiros e demais tributos que lhe sejam atribuídos, bem como exercer o controlo da fronteira externa da União Europeia e do território aduaneiro nacional para fins fiscais, económicos e de proteção da sociedade, de acordo com as politicas definidas pelo Governo e o Direito da União Europeia».

20. O n.º 2 do mesmo preceito, por sua vez, elenca as diversas atribuições da AT, que no fundo aprofundam apenas o conceito associado à administração dos impostos referido no número anterior, não fazendo qualquer referência ao controlo legal ou constitucional de atos normativos ou normas Jurídicas

21. Donde decorre que, não cabe à AT pronunciar-se sobre a Portaria n o 282/2014, de 30/1 2 e as desconformidades/irregularidades que a reclamante lhe aponta.

22. Dito isto, e reiterando que nessa Portaria, a observar pela AT, não está incluída a atividade económica a que correspondem os CAE's da reclamante, não pode, salvo melhor opinião, obter deferimento o pedido que deduziu com vista à consideração, na autoliquidação do IRC, referente ao período de 2017, do benefício fiscal relativo ao RFAI, no valor de € 1.627.756,07.

§ V. DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE AUDIÇÃO PRÉVIA

23. Após apreciação dos argumentos invocados pela reclamante na sua petição inicial, foi, por parte desta UGC, elaborado o competente "Projeto de Decisão" junto aos autos, consubstanciado na nossa anterior Informação n.º 270-AlR2/2020.

24. Através de ofício emanado da UGC, a reclamante foi devidamente notificada para, querendo, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, por sua vez conjugado com o preceituado no artigo 122.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA).

25. Decorrido o prazo então concedido para o exercício do seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nem a reclamante, por um lado, veio aos autos acrescentar outros elementos que não tivessem já sido dirimidos aquando do nosso anterior "Projeto de Decisão", nem esta UGC, por outro, descortinou também quaisquer outros elementos suscetíveis de colocar em causa a conclusão anteriormente proposta.

26. Nestes termos, considerando-se a permanência da validade dos pressupostos que, de facto e de direito, alicerçaram o nosso anterior "Projeto de Decisão", somos então a entender pela definitividade do mesmo, com todas as consequências legais.

§ VI. DA CONCLUSÃO

Em conformidade com o anteriormente exposto e compulsados todos os elementos dos autos, designadamente o nosso anterior 'Projeto de Decisão’ e as peças processuais carreadas pela reclamante, afigura-se de INDEFERIR o pedido inserto nos autos, em conformidade com o teor do "quadro síntese» mencionado no introito desta nossa Informação, com todas as consequências legais.

Afigura-se, ainda, que, em caso de concordância superior, se deve promover a notificação da reclamante, nos termos previstos nos artigos 35.º a 39.º, todos do CPPT, com todas as consequências legais.

J) A Requerente procedeu ao pagamento do imposto devido.

L) O pedido arbitral deu entrada em 10 de fevereiro de 2021.

 

Factos não provados

 

Não existem factos que relevem para a decisão da causa que se não encontrem provados.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e na alegação de factos não questionados.

 

Matéria de direito

 

5. A Requerente considera que a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, ao definir o âmbito sectorial das atividades económicas abrangidas pelo Regime Fiscal de Apoio ao Investimento, cujo âmbito de aplicação se encontra previsto no Código Fiscal do Investimento (CFI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, é totalmente omissa quanto ao sector das telecomunicações, e, desse modo, restringe, por via regulamentar, as atividades elegíveis para efeitos de concessão do benefício fiscal de acordo com o disposto no artigo 2.º, n.º 2, alínea g), do CFI.

 

Nesse sentido, entende que a Portaria n.º 282/2014 padece de inconstitucionalidade por violação dos artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), e 112.º, n.º 5, da Constituição.

 

Adicionalmente, a Requerente imputa à posição sustentada pela Autoridade Tributária na decisão de indeferimento da reclamação graciosa uma interpretação desconforme ao direito europeu, tendo em atenção que nem as Orientações Relativas aos Auxílios com Finalidade Regional para o período 2014-2020 (OAR), nem o Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC) afastam do seu campo de aplicação o sector das telecomunicações, designadamente atividades de expansão e requalificação da rede.

 

São estas, pois, as questões que cabe dilucidar.

 

O Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, que aprovou o novo Código Fiscal do Investimento (CFI) e procedeu à revisão global dos regimes de benefícios ao investimento e à capitalização, teve em vista, como ressalta da nota preambular, adaptar o regime legal ao novo quadro legislativo europeu aplicável aos auxílios estatais para o período 2014-2020 e, por outro lado, reforçar os diversos regimes de benefícios fiscais ao investimento, em particular no que se refere a investimentos que proporcionem a criação ou manutenção de postos de trabalho e se localizem em regiões menos favorecidas.

 

Referindo-se ao âmbito objetivo dos benefícios fiscais contratuais ao investimento público, o artigo 2.º, nos seus n.ºs 2 e 3, dispõe o seguinte:

 

2 - Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC:

a) Indústria extrativa e indústria transformadora;

b) Turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo;

c) Atividades e serviços informáticos e conexos;

d) Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;

e) Atividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica;

f) Tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia;

g) Defesa, ambiente, energia e telecomunicações;

h) Atividades de centros de serviços partilhados.

3 - Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior.

 

O CFI estabelecia igualmente o Regime Fiscal do Investimento (RFAI), regulado nos artigos 22.º e seguintes, sendo que esse artigo 22.º, sob a epígrafe “Âmbito de aplicação e definições”, dispõe, no seu n.º 1, nos seguintes termos:

1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.

 

Por seu lado, a Portaria n.º 282/2014, em execução do disposto no n.º 3 do referido artigo 2.º do CFI, ostenta a seguinte redação:

 

Artigo 1.º

Enquadramento comunitário

Em conformidade com as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013 e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria), não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos sectores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas.

Artigo 2.º

Âmbito sectorial

Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior, as atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro:

a) Indústrias extrativas - divisões 05 a 09;

b) Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33;

c) Alojamento - divisão 55;

d) Restauração e similares - divisão 56;

e) Atividades de edição - divisão 58;

f) Atividades cinematográficas, de vídeo e de produção de programas de televisão - grupo 591;

g) Consultoria e programação informática e atividades relacionadas - divisão 62;

h) Atividades de processamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas e portais Web - grupo 631;

i) Atividades de investigação científica e de desenvolvimento - divisão 72;

j) Atividades com interesse para o turismo - subclasses 77210, 90040, 91041, 91042, 93110, 93210, 93292, 93293 e 96040;

k) Atividades de serviços administrativos e de apoio prestados às empresas - classes 82110 e 82910.

 

Por sua vez, o regime definido através do diploma regulamentar encontra-se justificado, no respetivo preâmbulo, pela “necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais, nomeadamente as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013 e o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, que aprovou o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de junho de 2014”, sendo em atenção ao direito europeu que “são também definidos na portaria os sectores de atividade excluídos da concessão de benefícios fiscais”.

Constata-se, deste modo, que, embora sector das telecomunicações seja elegível, em abstrato, para o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), a portaria de execução não definiu um CAE correspondente a essa área de atividade.

Não pode daí concluir-se, necessariamente, que a Portaria derrogou o regime jurídico estatuído pelo artigo 2.º, n.º 2, do CFI e invadiu a esfera da competência legislativa.

Como se observou no acórdão proferido no Processo n.º 545/2018-T, que incidiu sobre o mesmo tema, importa ter presente que o elenco de atividades constante daquele preceito legal não é exaustivo, visto que se limita a enunciar o conjunto de atividades económicas abrangidas pelos projetos de investimento a título meramente exemplificativo. E, por outro lado, a elegibilidade dos projetos fica dependente, em concreto, da especificação dos códigos de atividade económica (CAE), que o legislador remeteu para diploma regulamentar, especificação essa que, além disso, haverá de ter em conta as orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020 (OAR) e Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC).

Neste sentido, a norma do artigo 2.º, n.º 3, do CFI tem a natureza de um reenvio normativo, remetendo para regulamento a definição de aspetos complementares de regulação que não poderiam ser densificados no texto da lei.

Sublinhe-se que o artigo 112.º, n.º 5, da Constituição não proíbe os reenvios normativos, admitindo que a lei remeta para a administração a edição de normas regulamentares executivas ou complementares da disciplina por ele estabelecida. O que o preceito constitucional, veio a proibir, em geral, na revisão de 1982, são as habilitações legais para a emissão, em matéria inicialmente regulada por lei, de regulamentos administrativos praeter legem, ou seja, de regulamentos que venham a “interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar” quaisquer preceitos da própria lei habilitante (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 398/2008).

A intervenção regulamentar visa regular aquilo que a lei se absteve de regular e não integrar a regulamentação legislativa, pelo que o poder exercido pela Administração não corresponde a uma delegação do poder legislativo feito pela norma habilitante mas constitui um poder regulamentar próprio, daí resultando que o reenvio tem natureza meramente formal: a lei reenviante não incorpora o conteúdo da norma regulamentar nem lhe pode atribuir força legal, mantendo as normas a sua diferente natureza e hierarquia, que obsta a que se possa falar em integração (cfr., sobre todos estes aspetos, GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª edição, Coimbra, págs. 70-81).

Não ocorre, por conseguinte, um qualquer fenómeno de deslegalização, visto que a lei não habilita a administração a emitir uma regulação primária e inovatória, mas apenas uma regulação executiva ou complementar.

Nestes termos, não se verifica a alegada inconstitucionalidade por violação do princípio da reserva legislativa da Assembleia da República em matéria de impostos, e do princípio da proibição de atos não legislativos de interpretação e integração das leis.

 

7. A Requerente defende ainda que o RGIC e as OAR não excluem a atividade de telecomunicações do regime jurídico nacional de incentivos fiscais ao investimento, nomeadamente no que concerne aos concretos investimentos realizados pela Requerente para a expansão da rede.

E tendo sido objetivo do legislador que aprovou o CIF assegurar a conformidade com as disposições europeias em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020, nomeadamente, com as disposições constantes do Regulamento Geral de Isenção por Categoria e as regras previstas no mapa nacional de auxílios estatais com finalidade regional, haverá de entender-se que o artigo 2.º, n.º 2, alínea g), desse diploma, ao incluir o sector das telecomunicações no âmbito de aplicação dos benefícios fiscais, teve em vista adaptar o regime nacional ao Direito Europeu.

 

Estando em causa uma eventual violação do princípio da interpretação conforme o direito europeu, importa esclarecer – retomando o acórdão n.º 545/2018-T – que o estabelecimento das regras de concorrência necessárias ao funcionamento do mercado interno integra a reserva de competência exclusiva da União Europeia, aí se incluindo as normas que disciplinam os auxílios de Estado, concretizadas nos artigos 107.º a 109.º do TFUE.

 

Em matéria de competência exclusiva, só a União Europeia pode legislar e adotar atos juridicamente vinculativos, cabendo aos Estados-Membros produzir a legislação e regulamentação nacional em execução das normas europeias, em aplicação do princípio do primado do direito europeu. É neste contexto institucional e normativo que devem ser interpretados e aplicados o CFI e a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro.

 

Na medida em que dizem respeito à matéria europeia dos auxílios de Estado, o CFI (e a regulação que dele consta do RFAI) e a Portaria n.º 282/2014 devem ser entendidos como instrumentos de execução, efetivação e aplicação dos princípios e regras contidos nos artigos 107.º a 109.º do TFUE, no RGIC e nas OAR, e nesse sentido a Portaria não pode ser tida como um mero regulamento de complementação do n.º 2 do art.º 2.º do CFI, mas como um diploma de execução de disposições de direito europeu.

 

Reportando-nos ao direito europeu, o ponto de partida em matéria de auxílios de Estado centra-se no artigo 107.º do TFUE, que, na parte que interessa considerar, dispõe o seguinte:

 

“1. Salvo disposição em contrário dos Tratados, são incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.”

(…)

3. Podem ser considerados compatíveis com o mercado interno:

a) Os auxílios destinados a promover o desenvolvimento económico de regiões em que o nível de vida seja anormalmente baixo ou em que exista grave situação de subemprego, bem como o desenvolvimento das regiões referidas no artigo 349.º, tendo em conta a sua situação estrutural, económica e social;

(…)

c) Os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas atividades ou regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum;

 

Estabelece-se, assim, uma regra geral de incompatibilidade dos auxílios com o direito da União Europeia, que pode ceder em situações particulares e, designadamente, quando se tenha em vista, dentro de certo condicionalismo, o desenvolvimento de certas atividades ou regiões económicas.

 

É nesse domínio que surgem as “Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (OAR)”, publicadas pela Comissão Europeia, em que se estabelecem, a título introdutório, as diretrizes essenciais de plano conceptual.

 

Com base no artigo 107.º, n.º 3, alíneas a) e c), do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), a Comissão pode considerar compatíveis com o mercado interno os auxílios estatais destinados a facilitar o desenvolvimento económico de certas regiões desfavorecidas da União Europeia, designando-se estes auxílios como auxílios com finalidade regional (ponto 1.).

 

O objetivo primordial do controlo dos auxílios estatais no domínio dos auxílios com finalidade regional consiste em autorizar os auxílios a favor do desenvolvimento regional, garantindo simultaneamente a igualdade das condições de concorrência entre os Estados-Membros (ponto 2.)

 

Os auxílios com finalidade regional só podem desempenhar um papel eficaz se forem empregues com parcimónia e de forma proporcionada e se concentrarem nas regiões mais desfavorecidas da União Europeia (ponto 5.).

 

Referindo-se ao âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional, as OAR fazem menção aos auxílios ao investimento a redes de banda larga, estipulando que  “podem ser considerados compatíveis com o mercado interno se, para além das condições gerais estabelecidas nas presentes orientações, respeitarem também as seguintes condições específicas: i) os auxílios são concedidos apenas a regiões onde não existem redes da mesma categoria (quer de banda larga de base quer NGA) e onde nenhuma é suscetível de ser desenvolvida no futuro próximo; ii) o operador de rede subvencionado oferece acesso ativo e passivo por grosso em condições equitativas e não-discriminatórias com a possibilidade de desagregação eficaz e total; iii) os auxílios devem ser atribuídos com base num processo de seleção concorrencial em conformidade com o ponto 78, alíneas c) e d), das Orientações relativas a redes de banda larga” (ponto 12).

 

Também o Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC), no seu artigo 52.º, contempla os auxílios a infraestruturas de banda larga, estatuindo, na parte que mais releva, o seguinte:

 

1. Os auxílios ao investimento a favor do desenvolvimento de redes de banda larga devem ser compatíveis com o mercado interno, na aceção do artigo 107.º , n.º 3, do Tratado, e devem ser isentos da obrigação de notificação prevista no artigo 108.º, n.º 3, do Tratado, desde que preencham as condições estabelecidas no presente artigo e no capítulo I.

2. Os custos elegíveis devem ser os seguintes:

a) Custos de investimento para a instalação de uma infraestrutura de banda larga passiva;

b) Custos de investimento em obras de engenharia civil relacionadas com a banda larga;

c) Custos de investimento para a instalação de redes de banda larga básica; e

d) Custos de investimento para a instalação de redes de acesso da nova geração («NGA»).

3. O investimento deve estar localizado em zonas onde não existam infraestruturas da mesma categoria (redes de banda larga básica ou redes NGA), nem seja provável que esse tipo de infraestrutura venha a ser desenvolvido em condições comerciais no prazo de três anos a contar do momento da publicação da medida de auxílio planeada, o que deve igualmente ser objeto de verificação através de uma consulta pública aberta.

               

                Como se impõe concluir, os auxílios estatais assumem carácter de excecionalidade e quando se considerem compatíveis com o direito europeu carecem de ser aplicados limitadamente.

 

Os instrumentos de direito europeu não se referem genericamente a auxílios ao investimento no sector das telecomunicações, mas a auxílios a infraestruturas de banda larga, e, ainda que estas infraestruturas possam considerar-se abrangidas no conceito amplo de telecomunicações, o certo é que não se podem enquadrar nesse tipo de auxílios, pelo seu carácter mais restrito, os investimentos para em centrais de receção e expansão da rede.

 

A argumentação da Requerente assenta na ideia central de que não decorre do RGIC a exclusão das atividades de telecomunicações do regime jurídico nacional de incentivos fiscais ao investimento. Por outro lado, o CFI pretendeu adaptar o direito interno às disposições europeias em matéria de auxílios de Estado e inclui no âmbito de aplicação dos benefícios fiscais ao investimento o sector das telecomunicações, pelo que a derrogação operada pela Portaria 284/2014 não é aceitável à luz do princípio da interpretação conforme o direito europeu.

 

Como é sabido, o princípio da interpretação conforme implica que o intérprete e o aplicador do direito, internamente, deverá, quando tenha de aplicar apenas o direito nacional, atribuir-lhe uma interpretação que se apresente conforme com o sentido, economia e termos das normas comunitárias (cfr. acórdão do STJ n.º 3/2004, de 25 de Março de 2004). 

 

Ora, os Estados membros não estão vinculados a atribuir, em todos os casos, os auxílios estatais que sejam declarados como compatíveis com o direito da União Europeia e a Portaria para que a lei remeteu a definição dos códigos de atividade económica poderia selecionar, no interesse geral, determinadas atividades em detrimento de outras, ainda que estas se encontrassem também incluídas no âmbito objetivo de aplicação dos benefícios fiscais. 

 

E, como ficou dito, o sector das telecomunicações nem sequer consta dos auxílios estatais a que fazem referência Regulamento Geral de Isenção por Categoria e as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional.

 

Sendo assim, por efeito do reenvio normativo efetuado pelo artigo 2.º, n.º 3, do CFI, a administração poderia desconsiderar qualquer dos códigos de atividade económica do sector das telecomunicações, no uso do seu poder regulamentar, sem pôr em causa a aplicação do direito europeu.

 

Neste contexto, não é possível efetuar uma qualquer uma interpretação conforme que permita considerar como elegível o investimento realizado pela Requerente, nem ocorreu uma qualquer derrogação de norma legal, mas antes a regulamentação de norma legal que era em si mesmo inexequível, no ponto em que estava dependente da definição dos códigos de atividade económica que deviam ficar abrangidos pelo benefício fiscal.

 

O pedido arbitral é assim improcedente, ficando necessariamente prejudicado o pedido de condenação em juros indemnizatórios.

 

Reenvio prejudicial

 

8. A Requerente e a Autoridade Tributária propõem o reenvio prejudicial para o TJUE caso subsistam dúvidas quanto à interpretação do direito europeu.

 

No entanto, o está em causa é essencialmente uma questão de direito interno incidente sobre o âmbito objetivo de aplicação do benefício fiscal e a constitucionalidade da disposição regulamentar que omitiu qualquer referência ao sector das telecomunicações e não subiste dúvida fundada, como se explicita no precedente ponto 7., quanto à impossibilidade de uma interpretação conforme ao direito europeu que permita considerar como elegível o investimento realizado pela Requerente.

 

Entende-se, nestes termos, não se justificar o requerido reenvio prejudicial.

 

III – Decisão

Termos em que se decide julgar improcedente o pedido arbitral.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 1.627.756,07, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 21.726,00 que fica a cargo da Requerente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 27 de setembro de 2021,

  

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

Alberto Amorim Pereira

 

A Árbitro vogal

Maria Forte Vaz

(com declaração de voto de vencido em anexo)

 

 

 

VOTO DE VENCIDO

Voto vencido o presente acórdão subscrevendo os fundamentos de JOÃO TABORDA DA GAMA no processo arbitral n.º 218/2019-T.

Com efeito, como resumido no Acórdão n.º 294/2018 do Tribunal Constitucional, datado de 07/06/2018, a Constituição da República Portuguesa consagra, em matéria fiscal, o princípio da legalidade, que se desdobra nos subprincípios da (i) reserva de lei formal, traduzido na exigência de que a normação da matéria tributária deve constar de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei emitido ao abrigo de autorização legislativa daquele órgão, conforme art. 165.º, n.º 1, alínea i), e (ii) reserva de lei em sentido material ou princípio da tipicidade, traduzido na obrigatoriedade de que a lei defina os elementos essenciais dos impostos, especificamente a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, como determinado no art. 103.º, n.º 2.

O âmbito da reserva de lei formal é delimitado, materialmente, não apenas pelas matérias identificadas na alínea i) do n.º 1 do art. 165.º, mas igualmente pelas contempladas no n.º 2 do art. 103.º, abrangendo assim as questões da incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.

Nessa medida, é à Assembleia da República ou ao Governo mediante decreto-lei emitido ao abrigo de autorização legislativa daquele órgão que compete criar e regular os benefícios fiscais.

Assim, não pode uma portaria - neste caso, a Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro - excluir do âmbito de aplicação de uma lei que prevê um benefício fiscal - neste caso, o Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, aprovado com base na autorização legislativa conferida pela Lei n.º 44/2014, de 11 de Julho - um sector de actividade - neste caso, as telecomunicações - que o legislador soberano pretendeu beneficiar expressamente. Fazendo-o, está a restringir o âmbito de aplicação da lei, derrogando-a, numa matéria essencial da tipicidade tributária material e formal.

É, por isso, juridicamente irrelevante que a Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro - para a qual remete o n.º 1 do art. 22.º do Código Fiscal do Investimento, por via do n.º 3 do art. 2.º do mesmo diploma - não preveja qualquer CAE referente à actividade de telecomunicações porquanto o direito ao benefício invocado pela Requerente resulta directamente da lei. Lei esta que fixou expressamente os sectores de actividade que dele poderão beneficiar - nomeadamente, o sector das telecomunicações em que a Requerente opera - e que só poderá ser alterada, derrogada ou revogada por norma que siga o mesmo procedimento legislativo, ou seja, por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei devidamente autorizado por este órgão.

Quanto à alegada incompatibilidade das normas invocadas com o Direito Europeu, subscrevemos aqui o defendido por João Taborda da Gama no processo supra identificado e que passamos a transcrever: “Havendo a suspeita de que uma lei fiscal não respeita o Direito Europeu (…) não cabe nunca a uma portaria corrigir a lei, pois não há qualquer arrimo metodológico para essa operação que, de resto, arvoraria o poder regulamentar em poder de fiscalização correctiva geral e abstracta da lei.”

Em face do exposto, por considerar inconstitucional a Portaria invocada pela Requerida como fundamento para indeferir a pretensão da Requerente, decidiria pela ilegalidade de tal acto tributário que, em consequência, deveria ter sido anulado por este Tribunal.  

Por tudo isto, voto vencida a presente decisão.

 

Lisboa 27 de Setembro de 2021

Maria Forte Vaz