SUMÁRIO:
1. É diretamente aplicável na determinação do rendimento tributável das mais-valias realizadas por residentes comunitários e residentes no EEE o n.º 2 do art.º 43.º do Código do IRS, mesmo que o sujeito passivo não tenha exercido o direito de opção previsto no art.º 72º do CIRS.
2. Não é de considerar sanada a incompatibilidade da legislação interna com o normativo comunitário concretizada pelo aditamento ao art.º 72.º do Código do IRS de disposição que confere a possibilidade de opção pela equiparação ao regime aplicável aos residentes, porquanto persiste uma situação de discriminação no tratamento de residentes e não residentes domiciliados na U.E. ou no EEE, com prejuízo para estes últimos.
I. RELATÓRIO:
1. A..., contribuinte fiscal n.º..., residente em ...–..., ..., França, (doravante, Requerente), apresentou, em 30.11.2020, um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
2. No pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA), a Requerente optou por não designar árbitro.
3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou árbitro singular que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. Em 25.1.2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.
5. Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 3.5.2021 para apreciar e decidir o objecto do processo.
6. A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste na: i) Declaração de ilegalidade parcial do acto tributário de liquidação de IRS, referente ao ano de 2019, no montante de 6.973,47 €, consubstanciado na demonstração de liquidação IRS n.º 2020..., correspondente à liquidação n.º 2020..., por enfermar de erro sobre os pressupostos e ainda erro de cálculo do imposto, bem como em virtude da violação do direito da União Europeia; ii) Em consequência do eventual decretamento parcial da ilegalidade daquele acto de liquidação, na restituição à Requerente do valor do IRS pago indevidamente, ou seja, em função do petitório, do valor que exceda o montante de imposto apurado sobre 50% do rendimento da categoria G no ano de 2019, no montante de 3.486,73 € (6.973,47 € x 50%); iii) No pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, por estarem preenchidos os pressupostos previstos no n.º 5 do art.º 24º do RJAT, por remissão para o art.º 43.º da LGT, contados desde a data do pagamento indevido até à restituição do imposto pago em excesso com referência àquele período de tributação (Cfr. n.º 5 do art.º 61º do CPPT); iv) Na condenação da Requerida no pagamento da taxa de arbitragem.
7. Fundamentando o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:
I.A) BREVE SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DA REQUERENTE NO PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL E NAS ALEGAÇÕES FINAIS:
7.1. A Requerente começa por traçar o quadro legal que conforma a tributação das mais-valias imobiliárias, explicitando o regime de tributação das mais-valias apuradas por residentes e, comparativamente, o regime de tributação das mais-valias apuradas por não residentes.
7.2 Diz a Requerente que “No que respeita aos residentes, o rendimento colectável em sede de mais-valias é o que resulta do englobamento do respetivo rendimento, considerado apenas 50% do seu valor.” E ainda que “Quanto aos não residentes, o artigo 72.º n.º 1 CIRS prevê a aplicação de uma taxa especial 28%, que incide sobre a totalidade do saldo relativo às mais-valias imobiliárias, ou a possibilidade de englobar o rendimento, considerando o valor total de mais valia obtida.”
7.3 Inferindo daí a Requerente que “este regime é incompatível com liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, por se traduzir no regime fiscal menos favorável para os não residentes em situações comparáveis.”
7.4 Não tardando a asserção de que “Declinando, assim, a entidade requerida, a aplicação do regime preceituado na alínea b) do artigo 43.º CIRS, em manifesto e de direito e clara violação das disposições legais aplicáveis.”
7.5. Para ancorar a violação do direito da União Europeia, concretamente do princípio da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais, desfia e identifica a Requerente jurisprudência comunitária e nacional que aqui se deve considerar reproduzida.
7.6. Em 30.6.2021, a Requerente apresentou alegações escritas repristinando ali a hermenêutica sustentada no PPA e que no essencial defendia a ilegalidade parcial da liquidação sindicada por violação dos art.ºs 18.º e 63.º do TFUE.
7.7 Na mesma data requereu a junção aos autos do comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem subsequente.
8. Em 7.6.2021, a Requerida apresentou resposta, na qual alegou, em síntese, o seguinte:
I.B) BREVE SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DA REQUERIDA NA RESPOSTA:
8.1. Começa a Requerida por aduzir como segue: “(...) relativamente a este assunto, é certo que no Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 2007OUT11, foi decidida a contrariedade com o Direito Comunitário da disciplina da tributação das mais-valias imobiliárias de não residentes resultante dos artigos 72º, n.º 1 e 43º, n.º 2 do Código do IRS, por o artigo 56º CE dever ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.”
8.2 Diz ainda a requerida que no seguimento daquele Acórdão foi esse o entendimento seguido pelo Acórdão do STA de 16.1.2008, processo n.º 0439/06.
8.3. O legislador nacional, com o objetivo de adequar o sistema tributário nacional à decisão proferida pelo TJUE, introduziu, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, a possibilidade de os sujeitos passivos residentes noutro Estado-Membro da União Europeia optarem, relativamente aos rendimentos referidos no artigo 72.º, n.º 1 e n.º 2 do Código do IRS, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRS, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.
8.4 E diz a Requerente que em resultado da jurisprudência Hollmann foram aditados ao art.º 72º do CIRS as seguintes disposições: «8 – Os rendimentos previstos nas alíneas c) a e) do n.º 1, no n.º 5 e no n.º 6 podem ser englobados por opção dos respetivos titulares residentes em território português. 9 – Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português. 10 – Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos
residentes. […].»
8.5. Prossegue a Requerida dizendo que “E, por força dessa alteração legislativa, as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 (em vigor a partir de janeiro de 2009) e seguintes, mais concretamente o Modelo 3, têm um campo para ser exercida opção pela taxa do artigo 68º do Código do IRS.”
8.6. E consultada a declaração Mod. 3 entregue em nome do sujeito passivo (relativa ao ano fiscal de 2019), verifica-se que no quadro 8 B do Modelo 3 foi assinalado o campo 4 (não residente), o campo 6 (código do país) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).
8.7. Partindo daqui sustenta a requerida que as alegações da Requerente não podem obter provimento face à alteração do artigo 72º efetuada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, nomeadamente o aditamento dos n.º 7 e 8.
8.8. Concluindo no sentido de que “(...) para efeitos de tributação pela taxa do artigo 68º, ou seja, como residente, era necessário ter preenchido os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68º do CIRS) ou 10 (opção pelas regras dos residentes) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro),” ou seja, para se aplicarem as regras dos residentes aos não residentes domiciliados na U.E. ou no EEE e em conformidade com o disposto no n.º 8 do art.º 72.º do CIRS têm de ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano pelo sujeito passivo quer em Portugal quer no estrangeiro.
8.9. E em jeito de asserção final diz a Requerida que “(...) o quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.ºs 7 e 8 (agora 14 e 15) ao artigo 72 º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12.”
8.10. Defende ainda a requerida na sua resposta que “(...) o artigo que o sujeito passivo pretende que lhe seja aplicado (43º n.º 2 do Código do IRS) está incluso no capítulo II do Código do IRS que tem como epígrafe “Determinação do rendimento coletável”.” Daqui retira que “Estamos, pois, perante a determinação do rendimento.”, sendo que, “Para efeitos de incidência (no que toca à matéria das mais-valias) os artigos relevantes são o 9º e 10º do Código do IRS.” Não tardando a asserção de que “Assim, o disposto no n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS não pode ser aplicável ao caso aqui em análise.”
8.11. Quanto à invocação de várias decisões jurisprudenciais prolatadas no CAAD e que vão no sentido da procedência das pretensões da requerente, aduz a Requerente que “o CAAD já veio pronunciar-se sobre esta questão de modo completamente diverso [do plasmado nas decisões identificadas pela requerente no PPA], conforme se pode constatar pela decisão arbitral proferida em 22 de abril de 2019, em sede do processo ali apreciado sob o nº 539/18-T.”
8.12. A Requerida não apresentou alegações escritas.
9. Em 24.6.2021 o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho que foi devidamente notificado à partes:
“Considerando que:
- Face aos articulados apresentados pelas partes afigura-se que as questões a apreciar e decidir se reconduzirão, fundamentalmente, a questões de direito;
- Não foi apresentada prova testemunhal, nem requerida a produção de qualquer prova adicional; e,
- Não foram suscitadas pela Requerida excepções, pelo que, não há excepções que seja necessário apreciar e decidir antes de se conhecer do pedido.
DECIDE-SE, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 16º, alíneas c) e e), 19º,nº 1 e 29º, nº 2 do RJAT), e do princípio da proibição de actos inúteis (art.º 130º do Código de Processo Civil, ex vi da alínea e) do nº 1 do artigo 29º do RJAT): i) dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT; ii) facultar às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas, podendo a Requerente fazê-lo no prazo de vinte dias, contados da notificação do presente despacho, e a AT no mesmo prazo, contado da notificação das alegações da Requerente ou da falta de apresentação das mesmas; iii) a decisão final será proferida e notificada às partes até ao termo do prazo fixado no artigo 21º, nº 1 do RJAT, devendo a Requerente, até dez dias antes do termo de tal prazo, proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente. Notifique-se.”
II. THEMA DECIDENDUM:
10. A questão de fundo a apreciar no presente processo é a de saber se a norma do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS, ao prever a redução em 50%, da matéria coletável correspondente a mais-valias imobiliárias apenas para as mais-valias realizadas por residentes, constitui violação dos art.ºs 18.º e 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
III. SANEAMENTO:
11. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos actos tributários de liquidação de IRS à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
12. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (Cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
13. A ação é tempestiva, porque apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
14. O dies a quo para apresentação do PPA ocorreu em 1.9.2020.
15. O prazo para interposição do PPA é peremptório, de caducidade e de conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final do processo, dado versar sobre direitos indisponíveis no que diz respeito à Fazenda Pública.
16. É, pois, um pressuposto processual negativo, em rigor, uma excepção peremptória que, nos termos do art.º 576, n.º 3, do Código de processo Civil, consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos articulados pelo Autor, assim sobrevindo o não conhecimento “de meritis” e a consequente absolvição oficiosa do pedido.
17. A contagem do prazo para interposição do PPA deve fazer-se nos termos do art.º 10.º do RJAT, do n.º 1 do art.º 20.º do CPPT e do art.º 279, do Código Civil (por remissão da alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT), isto é, de forma contínua e sem qualquer desconto dos dias não úteis. No cômputo do prazo em questão, quando o seu termo final ocorra em domingo, dia feriado ou férias judiciais, faz com que o mesmo termo se transfira para o primeiro dia útil seguinte (Cfr. art.º 279.º, alínea e), do Código Civil).
18. No âmbito do Processo n.º 314/2014-T, disponível in
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAxODExMjgxMjM4MzEwLlAzMTRfMjAxNC1UIEpVUklTUFJVREVOQ0lBLnBkZg%3D%3D , o tribunal arbitral disse: “50 - O prazo de 90 dias para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral, previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT, na medida em que não consubstancia, nem um prazo de procedimento, nem processual a que aludem, respectivamente, os n.ºs 1 e 2 do art.º 3.º-A do aludido RJAT, aditado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, é disciplinado pelo disposto no CPPT. Com efeito, 51 - Resulta explicitamente do disposto no mencionado art.º 3.º-A, n.ºs 1 e 2 que aos prazos atinentes ao procedimento arbitral é aplicável o Código do Procedimento Administrativo e, aos prazos de natureza processual ou judicial, inscritos no quadro do processo tributário, é aplicável o Código de Processo Civil, não sendo, assim, tais normas aplicáveis à contagem do prazo relativo ao pedido de constituição do tribunal arbitral. Na verdade, 52 - O prazo para a apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral reporta-se a um momento anterior à existência do processo, situando-se fora e aquém do procedimento e, necessariamente, do processo arbitral, cujo início ocorre, face ao disposto no art.º 15.º do RJAT, na data da constituição do tribunal arbitral. 53 - Dispõe o n.º 1 do artigo 20.º do CPPT, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que “Os prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil”.
19. Assim sendo, o dies ad quem ocorreu em 30.11.2020 (data da apresentação do PPA), porquanto, o nonagésimo dia a que se reporta a alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT coincidia com o dia 29.11.2020, domingo, transferindo-se o prazo para apresentação do PPA para o dia útil imediatamente a seguir, i.e., o dia 30.11.2020, nos termos e em conformidade com o disposto no art.º 279.º do Código Civil, sendo, por isso, tempestivo o pedido de pronúncia arbitral apresentado.
20. O processo não enferma de nulidades.
21. Não existem excepções a apreciar.
IV. DECISÃO:
IV.A) FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS:
22. Antes de entrarmos na apreciação das questões acima elencadas, cumpre fixar a matéria factual que é relevante para a respectiva decisão:
A) A Requerente era residente fiscal em França, mais concretamente em ...–..., ..., França (Cfr. Doc. n.º 5 junto ao PPA). Esta é factualidade não controvertida em face do que está na Resposta junta aos autos pela Requerida;
B) No dia 5.4.2019, a Requerente e os seus irmãos (comproprietários), procederam à alienação, em Portugal, pelo valor de 149.000,00 €, no Cartório Notarial a cargo da Notária Dra. B..., sito na Rua..., n..., na cidade da Póvoa de Varzim, à C..., Lda., com o NIPC..., do “(...)Prédio urbano, correspondente a casa de dois pavimentos, com dependências e logradouro, sito na Rua ..., número ..., da (extinta) freguesia do ..., do concelho da Póvoa de Varzim, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob a ficha .../..., aí registada a aquisição a favor dos autores das heranças, pela AP. 2 do 27/12/1962, inscrito na matriz predial urbana da União de freguesias de ..., ... e ... sob o artigo ... (o presente artigo proveio do artigo ... da matriz urbana da extinta freguesia do ...), com o valor patrimonial de € 53.855,90 (cinquenta e três mil e oitocentos e cinquenta e cinco euros e noventa cêntimos).” (Cfr. Doc. n.º 3 junto ao PPA);
C) Por documento particular autenticado outorgado no dia 30.09.2019, no escritório da advogada Dra. D..., com a cédula profissional número ...P, com domicílio profissional na Rua ..., entrada ..., ..., na cidade da Póvoa de Varzim, venderam, pelo valor de 100.000,00 €, a E... e esposa F..., contribuintes fiscais n.ºs ... e ..., respetivamente o “(...) Prédio urbano, correspondente a casa com um pavimento, dependências e logradouro, sito na Rua ..., número ..., freguesia de ..., concelho do Póvoa de Varzim, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob a ficha .../..., aí registada a aquisição a favor dos autores das heranças, pela AP. 2 do 09/06/1964, inscrito na matriz predial urbana da união do freguesias de ..., ... e ... sob o artigo ... (o presente artigo proveio do artigo ... da matriz urbana do extinta freguesia do ...), com o valor patrimonial do € 11.712,17 (onze mil e setecentos e doze euros e dezassete cêntimos).” (Cfr. Doc. n.º 4 junto ao PPA);
D) Os identificados prédios vieram à posse e titularidade da Requerente e dos seus irmãos, por sucessão mortis causa por óbito seus pais G... e H..., ocorridos em 11.12.2012 e 9.8.2017, respectivamente. (Cfr. Escritura pública de habilitação de herdeiros de 2.4.2019, cuja cópia está junta ao PPA como Doc. n.º 6);
E) Dando cumprimento à obrigação declarativa que sobre si impendia, entregou a aqui Requerente a respectiva declaração de rendimentos Modelo 3, do IRS, identificada como ..., respeitante ao ano de 2019, juntamente com o respectivo Anexo G, relativo aos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos com a alienação do aludido imóvel (Cfr. Doc. n.º 5 junto ao PPA), tendo declarado, no Quadro 4, do citado Anexo G àquela declaração, os montantes relativos aos valores de realização e de aquisição em função da respectiva quota-parte que cabia à aqui Requerente na aludida compropriedade;
F) Na referida declaração de rendimentos Modelo 3, foi inscrita a condição de não residente da aqui Requerente, mais concretamente no Quadro 8B, Campo 04, da sua folha de rosto (Cfr. Doc. n.º 5 junto ao PPA);
G) Na declaração Modelo 3 de IRS apresentada, foi assinalada indicação quanto ao circunstancialismo da aqui Requerente residir, à data, na União Europeia, tendo sido indicado no Campo 06, do Quadro 8B, quanto à “Residência em país da UE ou EEE”, o código correspondente a França, ou seja, o código 250; tal como foi igualmente indicado, quanto a saber se aquela pretendia a tributação pelo regime geral (Campo 07) ou optava por um dos regimes abaixo indicados (Campo 08) de “Opção pelas taxas gerais do art.º 68º. do CIRS – Relativamente aos rendimentos não sujeitos a retenção liberatória – art.º 72º, n.º 9, do CIRS” (Campo 09) ou de “Opção pelas regras dos residentes – art.º 17º-A do CIRS” (Campo 10), que a aqui Requerente pretendia a tributação pelo regime geral, assinalando o referido campo 7 do Quadro 8B da Declaração de Rendimentos Modelo 3 (Cfr. Doc. n.º 5 junto ao PPA);
H) Na referida declaração Modelo 3 do IRS foi apenas declarado rendimento no Anexo G, i.e, a aqui Requerente só auferiu no território nacional rendimentos decorrentes das alienações imobiliárias vindas de referir e que se subsumiam na categoria G de rendimentos do CIRS, donde, aquela, só obteve em Portugal rendimentos de mais-valias imobiliárias (Cfr. Doc. n.º 5 junto ao PPA);
I) Do anexo G consta que a aqui Requerente alienou 5,36% e 8,93% do imóvel identificado no ponto B do probatório em Abril de 2019 e ainda que alienou 5,36% e 8,93% do imóvel identificado no ponto C do probatório em Setembro de 2019, indicando-se ali um valor de realização total de 35.571,32 €, ao qual foi subtraído o valor de aquisição total de 9.228,45 e ainda despesas e encargos totais de 1.323,58 €, tendo-se apurado uma mais-valia imobiliária que se cifrava em 24.905,26 € e que, tal como se pode ver pela leitura da “Demonstração da Liquidação de IRS” junta ao PPA como Doc. n.º 1, coincide com o “Rendimento Global” obtido pela aqui Requerente;
J) Tratada a referida declaração de rendimentos Modelo 3, a AT procedeu ao cálculo do imposto devido, nos termos e em conformidade com o estatuído no n.º 1 do art.º 43º do CIRS, ou seja, tendo por base o saldo apurado entre as mais-valias e as menos valias (que in casu simplesmente inexistiam, já que, como já implicitamente aventado, a aqui Requerente só realizou uma alienação onerosa de imóvel onde apurou ganho e não perda, donde, não havia qualquer menos-valia a deduzir à mais-valia realizada), desconsiderando, naquele cálculo, a aplicação da regra prevista no n.º 2 do mesmo normativo que permite a tributação em apenas 50% do valor do saldo referido;
K) Tal como se pode intuir da leitura da “Demonstração da Liquidação de IRS” (junta ao PPA como Doc. n.º 1), a AT na determinação do imposto a dirigir à aqui Requerente, aplicou a taxa de 28% à mais-valia imobiliária apurada de 24.905,26 €, i.e., à totalidade do valor das mais-valias apuradas aplicou a taxa de 28% prevista na lei, obtendo o imposto apurado de 6.973,47 €;
L) A aqui Requerente foi notificada da liquidação de IRS n.º 2020..., correspondente à Nota de cobrança de IRS n.º 2020..., relativa ao ano de 2019, no valor de 6.973,47 € (Cfr. Doc. n.º 1 junto ao PPA);
M) Tal imposto foi pago em 28.8.2020 (Cfr. Doc. n.º 2 junto ao PPA);
N) O dies a quo para apresentação do PPA era, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 10º do RJAT, o dia 1.9.2020 (Cfr. Doc. n.º 1 junto ao PPA);
O) Em 30.11.2020, 10:20 horas, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD).
IV.B) FACTOS NÃO PROVADOS:
23. Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.
IV.C) FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:
24. Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
25. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art.º 596.º do CPC).
26. A convicção sobre os factos assim dados como provados (acima explicitados) fundou-se na posição assumida pela Requerente no PPA e pela requerida na Resposta; na prova documental junta aos autos pela Requerente; e, ainda, nas alegações aduzidas pela Requerente que não foram impugnadas pela parte contrária.
IV.D) DO DIREITO:
IV.D1) DA ILEGALIDADE PARCIAL DE QUE ENFERMA O ACTO TRIBUTÁRIO DE LIQUIDAÇÃO SINDICADO DE IRS DE 2019 POR INCOMPATIBILIDADE DO QUADRO NORMATIVO QUE A ESTÁ A ANCORAR COM OS ARTIGOS 18.º E 63º DO TFUE, NOMEADAMENTE, POR VIOLAÇÃO DA LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS E TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO ENTRE O REGIME TRIBUTÁRIO APLICÁVEL ÀS MAIS-VALIAS OBTIDAS POR SUJEITOS PASSIVOS RESIDENTES VERSUS NÃO RESIDENTES:
27. Adequado se mostrando começar por se explicitar o quadro normativo que enforma a tributação das mais-valias e constante do CIRS na sua redacção à data dos factos no que concretamente tange aos ganhos com a alienação de imóveis.
28. Estatui o nº 1 do art.º 10º do Código do IRS, no sentido de que “[C]onstituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (...)”.
29. Nos termos do nº 4 do mesmo artigo 10.º, o ganho sujeito a tributação corresponde à diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição.
30. O valor de realização está conceituado no art.º 44º do CIRS e, in casu, coincide com a quota-parte da Requerente do valor da respectiva contraprestação pela alienação dos imóveis transmitidos em conformidade com o disposto na alínea f) do n.º 1 do aludido art.º 44º do CIRS.
31. Já o valor de aquisição a título gratuito de bens imóveis, aparece-nos referido no art.º 45º do CIRS.
32. Ali se diz: “1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito: a) O valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo; b) O valor que serviria de base à liquidação de imposto do selo, caso este fosse devido. 2 - (Revogado.) 3 - No caso de direitos reais sobre bens imóveis adquiridos por doação isenta, nos termos da alínea e) do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, considera-se valor de aquisição o valor patrimonial tributário constante da matriz até aos dois anos anteriores à doação.”
No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT).”
33. Em conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 50º do CIRS, o valor de aquisição é corrigido pela aplicação do coeficiente de desvalorização monetária, para o efeito aprovados – tais coeficientes - por Portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças. Para o exercício de 2019 vigorava a Portaria n.º 362/2019, publicada no Diário da República n.º 194/2019, Série I, de 2019.10.9, que pode ser consultada in https://dre.pt/home/-/dre/125085456/details/maximized .
34. Nos termos do que dispõe o art.º 51º do CIRS, para determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação do imóvel.
35. Dispõe o n.º 1 do art.º 13º do CIRS no sentido de que “[F]icam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos”.
36. No que respeita à tributação de não residentes em território português, como, in casu, a aqui Requerente, estatui o n.º 2 do art.º 15º do CIRS no sentido de que o IRS incide “(...) unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português”.
37. O art.º 18º do CIRS é normativo que dispõe sobre que rendimentos se consideram obtidos em território português.
38. De acordo com o disposto na alínea h) daquele normativo legal, consideram-se aqui obtidos “[O]s rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão.”
39. Isto dito, sai meridianamente intuitivo que o rendimento obtido pela Requerente com a alienação da sua quota parte dos imóveis aqui em causa, uma vez que aquela é não residente em Portugal, considera-se obtido em Portugal, estando assim submetido às regras de incidência real do IRS por subsunção naquele normativo.
40. Tal como se pode inferir do estatuído no n.º 1 do art.º 43º do CIRS, “[O] valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas o mesmo ano (...)”, sendo certo que, no caso de transmissões previstas nas alíneas a), c) e d) do nº 1 do art.º 10º do CIRS, e de entre elas, por subsunção na referida alínea a), a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, efectuadas por sujeitos passivos residentes (di-lo expressamente o n.º 2 do art.º 43º do CIRS), o saldo positivo ou negativo é apenas considerado em 50% do seu valor (Cfr. artigo 43.º, n.ºs 1 e 2 do Código do IRS).
41. Ademais e no que tange aos sujeitos passivos residentes, sobre o valor de rendimento apurado nos termos do ponto anterior, incidem as taxas gerais previstas no artigo 68º do Código do IRS, eventualmente submetido (o rendimento) a um encargo efectivo progressivo por aplicação da estrutura de taxas prevista naquele normativo.
42. Já quanto aos sujeitos passivos não residentes em território português, a alínea a) do art.º 72º do CIRS, prevê a aplicação, à totalidade das mais-valias apuradas, de uma taxa especial e proporcional de 28%.
43. Resultando daqui que, relativamente aos não residentes e de iure constituto, parceria não ter aplicação o n.º 2 do art.º 43º do CIRS, ou seja, não beneficiariam aqueles da redução em 50% do valor do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas.
44. Ainda assim e não obstante, em conformidade com o disposto no n.º 9 do art.º 72º do CIRS, “[O]s residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, (...), exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do nº 1 e no nº 2 do artigo 72º do Código do IRS, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no nº 1 do artigo 68º daquele Código seria aplicável no caso de tais rendimentos serem auferidos por residentes em território português.”
45. Por outro lado e em conformidade com o disposto no n.º 10 do referido art.º 72º do Código do IRS, “[P]ara efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes”.
46. E sendo a aqui Requerente residente em França, é bem verdade que poderia beneficiar da aplicabilidade daquele regime optativo de tributação das mais-valias obtidas por não residente.
47. Sendo que, importa não olvidá-lo, o que a aqui Requerente pretendia era ver reconhecida a aplicabilidade aos rendimentos que obteve em território português do n.º 2 do art.º 43º do CIRS, só assim entendendo que, por essa via, se colocava cobro à efectiva e vedada discriminação na tributação dos rendimentos obtidos por residentes e não residentes.
48. A questão que a Requerente traz à colação é a de saber se ao tributar-se a totalidade das mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis por sujeitos passivos não residentes em Portugal, mas que são residentes noutro Estado-membro da UE ou residentes no EEE, interpretando-se e aplicando-se, assim, o preceituado no nº 2 do artigo 43.º do Código do IRS unicamente a sujeitos passivos residentes em Portugal, se está em desconformidade com o direito comunitário, particularmente, com a liberdade de circulação de capitais e até com a proibição de discriminação, previstas, respectivamente, nos art.ºs 63.º e 18.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, constituindo uma situação de discriminação entre residentes em Portugal e residentes noutro Estado-membro da União Europeia, ou seja, se com o aditamento ao art.º 72º do CIRS dos nºs 9 e 10 (na sua redacção à data dos factos), concretizado pela entrada em vigor da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, se afastou a incompatibilidade da norma interna com o direito comunitário, sobejamente explicitada pelo TJUE com a prolação do “Acórdão Hollmann”, com o estabelecimento de um regime opcional de equiparação dos não residentes aos residentes, desde que aqueles sejam residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu.
49. O Tribunal Arbitral Singular entende que a existência do aludido regime optativo não afasta a invalidade daquele regime (discriminatório), ou seja, a intervenção legislativa acima referida não logrou afastar a aventada incompatibilidade do direito interno com o direito comunitário, continuando o ordenamento jurídico português a violar frontalmente o direito comunitário, nomeadamente, o princípio da liberdade de circulação de capitais e a proibição de discriminação.
50. E dizemo-lo louvados na jurisprudência do Tribunal Arbitral, prolatada no Processo n.º 590/2018, de 8 de Julho de 2019, que pode ser consultada in
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAxOTA4MDUxNjA0MzYwLlA1OTBfMjAxOC1UIC0gMjAxOS0wNy0wOCAtIEpVUklTUFJVREVOQ0lBLnBkZg%3D%3D que a dado passo diz: “Na verdade, a alteração legislativa operada assenta em pressupostos inquinados pela intenção de manter uma tributação mais onerosa sobre os sujeitos passivos não residentes, mesmo que estes residam no espaço da EU ou do EEE (tendo em consideração a complexidade de funcionamento do imposto, agravado pela “opção pelo englobamento” de todos os rendimentos obtidos no outro país, para além de outras questões relevantes associadas ao principio da territorialidade previsto artigo 15º do Código do IRS, às condições de pessoalização e à progressividade do imposto, dificilmente compatível com uma adequada consideração dos valores auferidos noutro Estado-membro, no estado actual do direito comunitário), o que se afigura inaceitável aos olhos da acima referida jurisprudência do TJUE.
51. Sendo que, esta concreta questão de saber se com a referida intervenção legislativa (que equiparou o regime fiscal aplicável aos residentes aos não residentes domiciliados na UE ou no EEE) logrou ou não afastar-se a aventada incompatibilidade do direito interno com o direito comunitário, já foi sobejamente tratada pela jurisprudência arbitral e até pela jurisprudência do STA , tal como adiante se demonstrará.
52. Desde logo e para além da já acima identificada, traga-se aqui a jurisprudência arbitral firmada no Processo n.º 45/2012-T, de 5.7.2012 e que pode ser consultada in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAxODA3MDYxNTI1MTMwLlA0NV8yMDEyVCAtIDIwMTItMDctMDUgLSBKVVJJU1BSVURFTkNJQSBEZWNpc2FvIEFyYml0cmFsRi5wZGY%3D e que a dado passo diz: “Para além de, como bem assinalam os Requerentes, a previsão deste regime facultativo fazer impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, a opção de equiparação não é, segundo entendemos, susceptível de excluir a discriminação em causa 14 . Neste sentido, se pronunciou o TJUE, no Acórdão, de 18 de Março de 2010, proferido no processo C-440/08 (Acórdão Gielen) numa situação que apresenta manifesto paralelismo, somente com a diferença de que neste processo estava em causa a violação do artigo 49.º e não a do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Salienta aquele órgão jurisdicional que “a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (…) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório”, frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais 15 . E continua aquele tribunal revelando o paradoxo: “o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (…) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.° TFUE em razão do seu carácter discriminatório” 16 . Conclui o TJUE que o Tratado “se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (…) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes.”
53. Mas também a jurisprudência arbitral firmada no Processo n.º 127/2012-T, de 14.5.2013 e que pode ser consultada in
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAxODA3MTAxNzIyMDcwLlAxMjcgVCAyMDEyIC0gMjAxMy0wNS0xNCAtIEpVUklTUFJVREVOQ0lBIERlY2lzYW8gQXJiaXRyYWwucGRm e que a fls. 14 daquela douta decisão dispõe: “Assim, a opção que é dada a um sujeito passivo residente na União Europeia ou espaço económico europeu entre um regime que continua a ser discriminatório, por violação do disposto art.º 63.º da TFUE e um outro alegadamente não discriminatório, equiparando-os com os residentes no território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes. E, consequentemente, ao se reconhecer que os referidos efeitos não são eliminados, estar-se-á a admitir que a referida opção valida um regime fiscal que continua em si mesmo a violar o artigo 63.º do TFUE, pelos motivos acima enunciados, o que não se coaduna com o direito comunitário.”
54. E quanto à enunciação de jurisprudência arbitral, importa ainda trazer à colação a vertida na decisão arbitral, proferida no processo nº 74/2019-T, de 22 de Maio de 2019, que pode ser lida in
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAxOTA2MjUxNjUxMzUwLlA3NF8yMDE5LVQgLSAyMDE5LTA1LTIyIC0gSlVSSVNQUlVERU5DSUEucGRm e na qual se refere: “(…) atualmente, em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal, por não residentes neste território, mas residentes noutro Estado membro da União Europeia ou Espaço Económico Europeu (…), coexistem dois regimes fiscais: 1. O regime que sujeita os rendimentos a uma taxa especial de 28% e 2. O regime equiparado ao que vigora para os sujeitos passivos residentes em território português, segundo o qual, os mesmos rendimentos são sujeitos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do nº 2 do citado artigo 43.º do Código do IRS. Porém, a previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não sendo a opção de equiparação suscetível de excluir a discriminação em causa. Na realidade, o regime de equiparação atualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o caráter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal. Neste sentido, o TJUE considerou, no Acórdão Gielen, de 18/03/2010 (Processo C-440/08), num caso de evidente paralelismo (ainda que naquele acórdão estivesse em causa a violação do artigo 49.º), o seguinte: 1. «a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (…) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório», frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.». 2. «o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (…) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49° TFUE em razão do seu carácter discriminatório». 3. O Tratado «se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (…) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes» (…)”, concluindo que “(…) a existência deste regime, meramente opcional, para além de criar um ónus adicional nos contribuintes não residentes face aos residentes – o qual consiste na necessidade do exercício dessa opção não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda vigor (…)” (sublinhado nosso). Ainda no mesmo sentido se pronunciou o TJUE no Acórdão de 08-06-2016, processo C479/14 ao referir que “relativamente ao caráter facultativo do referido mecanismo de tributação, há que sublinhar que, mesmo admitindo que esse mecanismo seja compatível com o direito da União, é jurisprudência constante que um regime nacional restritivo das liberdades de circulação pode continuar a ser incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. A existência de uma opção que permitisse eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem por efeito sanar, por si só, o caráter ilegal de um sistema, como o que está em causa, que continua a comportar um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso de, como no processo em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União ser aquele que é automaticamente aplicado na falta de escolha efetuada pelo contribuinte (v., neste sentido, acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Beker, C-168/11, EU:C:2013:117, n.º 62 e jurisprudência referida).”
55. Adequado se mostrando ainda trazer à colação a recentíssima decisão arbitral tirada no processo n.º 238/2020-T que pode ser vista in
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAyMDExMjYxNzE3NDEwLlAyMzhfMjAyMC1UIC0gMjAyMC0xMC0xNiAtIEpVUklTUFJVREVOQ0lBLnBkZg%3D%3D e que vai exactamente naquele mesmo sentido.
56. E ainda a firmada no Acórdão do STA, de 20.2.2019, prolatado no processo 0901/11.0BEALM 0692/17, in
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/45c0e711bf83a53c802583bc005bb3ac?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1 e cujo sumário diz: “I - Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art.º 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático». II - Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU. III - O acto impugnado, que aplicou o referido art.º 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art.º 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (art.º 135.º do Código de Procedimento Administrativo).
57. O Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se sobre a matéria num recurso de uniformização de jurisprudência (Acórdão do STA, de 09.12.2020, processo no 075/20.6BALSB), tendo confirmado o entendimento de que a norma da alínea b) do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, continua a ser incompatível com o normativo comunitário vigente.
58. Diz-se, a dado passo, no referido Acórdão: “Os ganhos obtidos por pessoas singulares com a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, quando não constituam rendimentos empresariais e profissionais, são tributados, em sede de IRS, no âmbito da categoria G (incrementos patrimoniais), como mais-valias, nos termos do disposto nos arts. 9.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS.
Esses rendimentos, desde que resultantes da transmissão de direitos reais relativos a imóveis situados em território português consideram-se aqui obtidos [art. 18.º, n.º 1, alínea h), do CIRS], pelo que ficam abrangidos pela incidência de IRS quando auferidos por titulares não residentes (cf. arts.13.º, n.º 1 e 15.º, n.º 2, do CIRS).
O valor desses rendimentos que seja qualificado como mais-valias, quando obtidos por sujeitos passivos residentes é sujeito a englobamento e a tributação é efectuada às taxas gerais progressivas estabelecidas no art.º 68.º do CIRS, mas apenas é considerado em 50%, como resulta do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, na redacção aplicável.
Quanto aos sujeitos passivos não residentes, a tributação desse valor faz-se à taxa fixa especial de 28%, nos termos do art.º 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, ou, se forem residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu (EEE), neste caso por opção, às taxas gerais progressivas do art.º 68.º do CIRS, considerando-se então todos os seus rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, mas sobre 100% da mais-valia imobiliária realizada (cf. arts. 72.º, n.ºs 9 e 10, na redacção aplicável).
A questão que se coloca é a de saber se, como alega a Recorrente, este regime opcional, que foi introduzido pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2008), então sob os n.ºs 7 e 8 (actuais n.ºs 13 e 14 e n.ºs 9 e 10, na redacção aplicável), aditados ao art.º 72.º do CIRS, veio pôr termo à discriminação negativa dos não residentes, que o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) tinha já considerado verificar-se relativamente ao n.º 2 do art.º 43.º do CIRS.
Na verdade, o TJCE – em acórdão (Hollmann) proferido em 11 de Outubro 2007, no processo n.º C-443/06 (...) em resposta ao reenvio prejudicial efectuado pelo Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do processo n.º 493/06 (Vide os acórdãos proferidos nesse processo n.º 439/06, o primeiro fazendo o reenvio prejudicial e, o segundo, já referido na nota 3 supra, decidindo o recurso, após a pronúncia do TJCE de 28 de Setembro de 2006 (...) julgou «incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE».
É certo que o legislador nacional, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2008), procurou obviar a esse tratamento discriminatório dos residentes comunitários e do EEE, facultando-lhes, em termos opcionais, a possibilidade de tributação das mais-valias imobiliárias em condições similares às aplicáveis aos residentes em território português, aditando ao art.º 72.o do CIRS os n.ºs 7 e 8 (actuais n.ºs 13 e 14). Ou seja, após a referida alteração legislativa ficaram a vigorar, na área da tributação das mais-valias imobiliárias, dois regimes distintos, aplicáveis a não residentes: um regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, traduzido na tributação desses rendimentos à taxa especial de 28% incidente sobre a totalidade do rendimento e um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do EEE, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes.
Mas esse regime específico de opção, não só constitui um ónus suplementar comparativamente aos residentes, como não afastou a referida discriminação negativa. Como bem concluiu a decisão recorrida, «o regime de equiparação actualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o carácter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal».
Como também salientou a decisão recorrida, o acórdão (Gielen) do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), de 18 de Março de 2010, proferido no processo n.º C-440/08 (...) após salientar que «a opção de equiparação [que] permite a um contribuinte não residente, (...) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório» não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais, concluiu que «o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (...) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.º TFUE em razão do seu carácter discriminatório» e que o Tratado «se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um beneficio fiscal (...) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes». Ou seja, o regime opcional introduzido no art.º 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, não veio sanar a discriminação negativa resultante da norma do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS para os não residentes e a violação do art.º 63.o do TFUE que dela resulta.
Assim, bem andou a decisão recorrida quando julgou incompatível com o Direito da União Europeia a norma do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art.º 63.o do TFUE e, em consequência, quando anulou os actos de liquidação em causa (de IRS e de juros compensatórios) na parte em que desconsideraram aquela limitação.”
59. Concluía como segue o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: “2.2.3 Em face de tudo quanto deixámos dito, uniformizamos jurisprudência no seguinte sentido: o n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, na redacção aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art.º 63.º do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art.º 72.º do CIRS pela Lei n.º 67- A/2007, de 31 de Dezembro, previsto, aliás, apenas para os residentes noutro Estado- membro da UE ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.”
60. Isto dito, aderindo à jurisprudência aqui amplamente referenciada mas mais especificamente à que uniformiza jurisprudência sobre a matéria em discussão, conclui o Tribunal Arbitral Singular no sentido de que o regime de tributação incidente sobre a totalidade das mais-valias imobiliárias obtidas por sujeitos passivos não residentes em Portugal (residentes noutro Estado-membro da UE ou residentes no EEE), interpretando-se o preceituado no nº 2 do artigo 43.º do Código do IRS como sendo unicamente aplicável a sujeitos passivos residentes em Portugal, está em desconformidade com o direito comunitário, maxime, com a liberdade de circulação de capitais e até com a proibição de discriminação previstas, respectivamente, nos art.ºs 18.º e 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, constituindo uma situação de manifesta discriminação entre residentes em Portugal e residentes noutro Estado- membro da EU ou do EEE, donde e porque implicitamente fundada a liquidação sindicada na interpretação de que tal discriminação deixou de existir com a intervenção legislativa que aditou os nºs 9 e 10 ao art.º 73º do CIRS, está aquele acto de liquidação, em parte, enfermado de ilegalidade que aqui se declara.
61. O Tribunal Arbitral Singular sintetiza a sua posição como segue: i) É diretamente aplicável na determinação do rendimento tributável das mais-valias realizadas por não residentes o n.º 2 do art.º 43.º do Código do IRS, mesmo que o sujeito passivo não tenha exercido o direito de opção previsto no art.º 72º do CIRS, sob pena de violação do art.º 63.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE); ii) Não é de considerar sanada a incompatibilidade da legislação interna com o normativo comunitário concretizada pelo aditamento ao art.º 72.º do Código do IRS de disposição que confere a possibilidade de opção pela equiparação ao regime aplicável aos residentes, porquanto persiste uma situação de discriminação no tratamento de residentes e não residentes domiciliados na U.E. ou no EEE, com prejuízo para estes últimos.
IV.D2) DA RESTITUIÇÃO DO IMPOSTO INDEVIDAMENTE PAGO E DOS OS JUROS INDEMNIZATÓRIOS:
62. Estatui o art.º 43º da LGT, sob a epígrafe “Pagamento indevido da prestação tributária”, como segue: “1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas. 3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos; b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito; c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária. d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. 4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios. 5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.”
63. Por outro lado, o n.º 4 do art.º 61.º do CPPT dispõe no sentido de que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
64. O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende, aliás, do acima transcrito n.º 1 do art.º 43.º, da LGT.
65. De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».
66. Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários.
67. O n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
68. O pagamento de juros indemnizatórios depende da existência de quantia a reembolsar e, em face da aventada decisão de anulação parcial do acto de liquidação de IRS de 2019, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.
69. Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.
70. Na sequência da anulação parcial da liquidação sindicada, a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias indevidamente pagas, ou seja, concretamente do montante de 3.486,73 €, ou seja, 6.973,47 € x 50%.
71. O direito a juros indemnizatórios, é regulado, como visto, no acima transcrito art.º 43.º da LGT.
72. Diz o n.º 3 do art.º 43.º da LGT que: “São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) (...)
b) (...)
c) (...)
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.”
73. Ora, tendo o Tribunal Arbitral Singular julgado no sentido de que a alínea b) do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, se mostra incompatível com os art.ºs 18.º e 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, ficou, assim, inequivocamente patenteada a legitimidade do aludido pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente por subsunção na referida alínea d) do n.º 3 do art.º 43.º da LGT, já que a liquidação sub judice se mostra em parte enfermada de ilegalidade, sendo, por isso, devidos juros desde o dia seguinte ao do pagamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito, em conformidade com o estatuído no art.º 43º da LGT e art.º 61º do CPPT.
74. É, por isso, a Requerente credora da AT do montante correspondente ao IRS de 2019 indevidamente pago, de 3.486,73 €, acrescida dos respectivos juros indemnizatórios vencidos e vincendos a calcular até à emissão da respectiva nota de crédito.
V. DECISÃO:
FACE AO EXPOSTO, O TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR DECIDE:
A) JULGAR IN TOTUM PROCEDENTE O PRESENTE PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL, POR PROVADO E COM FUNDAMENTO EM ILEGALIDADE PARCIAL DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DE IRS DE 2009, ANULANDO-SE O MONTANTE DE 3.486,73 €;
B) JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO DE CONDENAÇÃO DA REQUERIDA À RESTITUIÇÃO À REQUERENTE DO VALOR CORRESPONDENTE À PARTE ANULADA DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO POR O MESMO HAVER SIDO INDEVIDAMENTE PAGO;
C) JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO DE CONDENAÇÃO DA REQUERIDA AO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS A DETERMINAR NOS TERMOS DO ART.º 43º DA LGT E 61º DO CPPT.
TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.
VI. VALOR DO PROCESSO:
FIXO O VALOR DO PROCESSO EM 6.973,47 € EM CONFORMIDADE COM O DISPOSTO NO ART.º 97.º-A DO CPPT, APLICÁVEL POR REMISSÃO DO ART.º 3º DO REGULAMENTO DAS CUSTAS NOS PROCESSOS DE ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA (RCPAT).
VII. CUSTAS:
FIXO O VALOR DAS CUSTAS EM 612,00 €, CALCULADAS EM CONFORMIDADE COM A TABELA I DO REGULAMENTO DE CUSTAS DOS PROCESSOS DE ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA EM FUNÇÃO DO VALOR DO PEDIDO E NÃO CONTRADITADO PELA AT, A CARGO DA REQUERIDA POR DECAIMENTO, NOS TERMOS DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 12.º, N.º 2 E 22.º, N.º 4 DO RJAT E AINDA ART.º 4.º, N.º 5 DO RCPAT E ART.º 527, NºS 1 E 2 DO CPC, EX VI DO ART.º 29.º, N.º 1, ALÍNEA E) DO RJAT.
NOTIFIQUE-SE.
Lisboa, 29 de Setembro de 2021.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
O árbitro,
(Fernando Marques Simões)