DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1- A... Lda, sedeada na Rua ... n.º..., ...-..., ..., titular do NPC n.º...,veio, requerer a constituição de Tribunal Arbitral e consequente pronúncia, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT , sendo requerida a ATA , contra a ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa do ato tributário que correu termos sob o processo n.º...2020..., por si apresentado relativamente à liquidação de IRC com o n.º 2015...,emitida em 26 de novembro de 2015 respeitante ao período de tributação de 2014, em resultado da aplicação ilegal de uma taxa de IRC de 23% e, por via disso ser reconhecido o direito à Requerente ao reembolso do valor total de €15.523,69, nos termos e fundamentos, constantes na respetiva petição que aqui se dá como reproduzida para todos os efeitos legais.
2- O pedido foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmo Senhor Presidente do CAAD , em 06/01/2021, notificado à ATA na mesma data.
3- Nos termos e para efeitos do disposto no nº1 do artigo 6º e da alínea a) do artigo 11º, ambos do RJAT, por decisão do Exmo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, nos prazos legalmente aplicáveis, foi, em 03/05/2021, designado árbitro o licenciado Arlindo José Francisco, que comunicou a aceitação do encargo, no prazo legalmente estipulado. As partes foram notificadas dessa designação não tendo qualquer delas manifestado vontade de a recusar, vindo o Tribunal a ser constituído em 21/05/2021, de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
4- Com o seu pedido, como já se disse, visa o Requerente a revogação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa em causa apresentado contra a liquidação de IRC nº 2015..., emitida em 26 de novembro de 2015 respeitante ao período de tributação de 2014, em resultado da aplicação ilegal de uma taxa de IRC de 23% e, por via disso ser reconhecido o direito à Requerente ao reembolso do valor total de €15.523,69 acrescido de juros indemnizatórios.
5- Suporta o seu ponto de vista, em síntese, que no período de tributação de 2014, a Requerente, encontrava-se sujeita ao regime geral de tributação em sede de IRC, tendo nesse mesmo exercício passado a adotar um período de tributação não coincidente com o ano civil, com início a 1 de julho de 2014 a 30 de junho de 2015.
6- Apresentou a declaração de rendimentos modelo 22 em 15 de Novembro de 2015, em resultado da qual a ATA emitiu a liquidação de IRC n.º 2015..., em 26 de novembro de 2015, na qual foi apurada a matéria coletável, no valor de € 776.184,82, a coleta total no montante de € 178.522,50 e um valor a reembolsar de € 61.074,56 após a dedução dos montantes relativos ao Pagamento Especial por Conta, Pagamentos por Conta, Retenções na Fonte, bem como do acréscimo do valor devido a título de Derrama Municipal e Tributação Autónoma.
7 – No apuramento da coleta foi utilizada a taxa de 23%, quando por força da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2015, deu nova redação ao artigo 87º do CIRC onde ficou estipulado que a taxa de IRC seria de 21%, exceto nas situações nele previstos não aplicáveis à Requerente.
.8 - Tendo a Lei do Orçamento do Estado para 2015 entrado em vigor no dia 1 de janeiro de 2015 pelo que a tributação operada em Novembro de 2015 deveria ter utilizado a taxa de 21% e não a de 23% como erradamente sucedeu.
9 - Contrariamente ao contemplado em Leis do Orçamento do Estado de anos anteriores, como exemplifica, o certo é que na Lei do Orçamento do Estado para 2015, o legislador não estabeleceu qualquer disposição transitória relativa à alteração da taxa de IRC e à sua aplicação temporal, concluindo que a sua clara intenção foi de diminuir a taxa de imposto para os períodos de tributação que terminarem a partir da data da respetiva entrada em vigor da Lei Orçamental que foi em 01/01/2015.
10 – Contra o procedimento da ATA apresentou, no dia 20 de novembro de 2019, um Pedido de Revisão Oficiosa, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º da Lei LGT e na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do CPPT , que foi indeferido, conforme despacho de 6 de outubro de 2020, suportado na informação nº. 1725/2016 da DSIRC sobre esta matéria e sancionada por despacho de 04-05-2017 da Subdiretora Geral, onde conclui que a alteração da taxa de IRC, nos termos acima referidos, apenas se aplica aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 01-01-2015 pelo que a taxa aplicar seria 23%.
11 – Conclui que a aplicação da taxa de IRC de 23% ao caso em apreço é ilegal, devendo ser reconhecido o direito ao reembolso do valor total de €15.523,69, por referência ao período de tributação de 2014, acrescido de juros indemnizatórios devidos até ao pagamento integral do montante ilegalmente liquidado, por vício de violação de lei, nos termos legais.
12 – Por sua vez a ATA entende que o ato de liquidação impugnado não enferma de qualquer vício, devendo ser mantido na ordem jurídica.
13 - Suporta o seu ponto de vista, também em síntese, de que a fundamentação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa não é insuficiente, na verdade, sem ser exaustiva, contém um mínimo de fundamentação, com indicação, ainda que sucinta das razões que conduziram ao indeferimento da sua pretensão, na linha do Acórdão do TCAS n.º 04268/08 de 12.07.2012, sendo prova disso, a apresentação da presente petição, perfeitamente reveladora que a Requerente compreendeu os motivos do indeferimento, embora com eles não concorde.
14 - A Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro de 2014 (Orçamento de Estado para 2015), alterou o n.º 1 do art.º 87.º do CIRC, passando a taxa geral de IRC em vigor, para o período de tributação de 2015, a ser de 21%, com entrada em vigor em 01 de Janeiro de 2015, mas com aplicação apenas aos períodos de tributação com início em ou após 1 janeiro de 2015.
15 - A taxa de IRC para o período de 2014 é de 23 %, nos termos da redação em vigor para os períodos de tributação que se iniciassem em ou após 1 de janeiro de 2014, conforme artigo 14º da Lei n.º 2/2014, de 16 janeiro, que implementou a Reforma do IRC.
16 – Assim, no caso concreto em que Requerente tem um período de tributação diferente do ano civil e que se iniciou em 01 de Julho de 2014 e terminou em 30 de Junho de 2015, aplicam-se as regras do CIRC, em vigor no período de tributação de 2014.
17 – Há, deste modo uma harmonização entre Sujeitos Passivos, todos eles, quer iniciem o período de tributação a 01/01, quer em data posterior, sabem de antemão com o que contar nesse mesmo período tributário e como gerir as suas expetativas, caso assim não se entendesse haveria uma violação do direito de igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP , uma vez que no mesmo período tributário, coexistiriam 2 taxas de imposto.
18 – O artigo 8º do CIRC remete para o princípio da anualidade que assume especial relevância no que respeita aos impostos sobre o rendimento, na medida em que segmenta, em termos anuais, o respetivo regime, construindo períodos tributários temporalmente delimitados.
19 – Concluindo que não se verifica qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade do ato de liquidação nem fundamento legal que sustente a pretensão da Requerente, improcedendo em consequência, o pedido de reembolso das quantias pagas, bem como o pagamento de juros indemnizatórios.
II - SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído, é competente, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2º nº 1 alínea a) e artigo 5º nº 1 e 2, ambos do RJAT e após a junção da resposta da ATA, proferiu, em 01/06/2021 o seguinte despacho: ”Após a junção da resposta da ATA e análise dos autos, verifica-se:
Que não há exceções a apreciar não foram arroladas testemunhas e não havendo complexidade na tramitação processual, deste modo, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais (artigos 19º nº.2 e 29º nº.2 do RJAT) fica dispensada a reunião prevista no artigo 18º do RJAT.
Assim os autos prosseguem com alegações escritas, facultativas, por um período de 10 dias, iniciando-se, com a notificação do presente despacho, o prazo para alegações da Requerente e com a notificação da apresentação das alegações da Requerente, o prazo para alegações da Requerida.
Indica-se o dia 23/09/2021 para prolação da decisão arbitral. Até essa data, a Requerente deverá fazer prova, junto do CAAD, do pagamento da taxa de justiça subsequente.
Notifique.”
As partes não produzir alegações.
Assim, tendo em conta que as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4º e 10º nº.2, ambos do RJAT, não enfermando o processo de nulidades e não havendo questões prévias a decidir, consideram-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.
III- FUNDAMENTAÇÃO
1 – As questões a dirimir, com interesse para os autos, são as seguintes:
a) Se os atos de decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado, contra a liquidação de IRC n.º 2015... objeto do presente pedido é ou não ilegal, bem como a aludida liquidação, nos termos aduzidos pela Requerente, ou se pelo contrário, como pretende a Requerida, os mesmos não sofrem de qualquer ilegalidade e deverão ser mantidos na ordem jurídica.
b) Em caso de procedência do pedido e a consequente anulação da aludida liquidação no montante de € 15.523,69, a sua devolução deverá ou não ser acompanhada de juros indemnizatórios, nos termos e fundamentos requeridos.
2- Matéria de Facto
a) A Requerente é uma sociedade de direito português, cujo objeto social principal consiste na indústria e comércio, confeções, importação e exportação, CAE 14140 tributada pelo serviço de finanças da Trofa em sede de IRC no regime geral de tributação, e para efeitos de IVA no regime normal mensal.
b) Adotou para o exercício de 2014 um período de tributação em IRC não coincidente com ano civil, com início em 01 de Julho de 2014 e términus em 30/06/2015.
c) Apresentou a declaração de rendimentos respeitante ao aludido período de tributação em 20/11/2015, em resultado da qual foi emitida a liquidação de IRC n.º 2015..., em 26 de novembro de 2015, na qual foi apurada matéria coletável, no valor de € 776.184,82 e a coleta total no montante de €178.522,50 que após a dedução dos montantes relativos ao Pagamento Especial por Conta, Pagamentos por Conta e Retenções na Fonte, bem como o acréscimo do valor devido a título de Derrama Municipal e Tributação Autónoma, foi, então, apurado um valor a reembolsar de € 61.074,56.
d) O valor da coleta foi apurado pela aplicação da taxa de 23% à matéria coletável apurada, procedimento que a Requerente não concorda e contra o mesmo apresentou no dia 20 de novembro de 2019 um Pedido de Revisão Oficiosa, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT e na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do CPPT, por entender que a taxa a aplicar seria de 21%, conforme sustentou na petição que aqui se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais
e) Analisado o Pedido de Revisão Oficiosa, a ATA, em 13 de agosto de 2020, notificou a Requerente para o exercício do direito de participação na decisão na modalidade de audição prévia, previsto no artigo 60.º da LGT, relativamente ao projeto de indeferimento do pedido, tendo a Requerente optado por não exercer o correspondente direito de audição, veio a ser notificada do despacho de indeferimento proferido em 6 de outubro de 2020, conforme ofício da mesma data.
Esta é a matéria de facto que o Tribunal selecionou, considerou provada e pertinente para a decisão da causa que foi escolhida e recortada em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito, conforme artigo 596 do CPC , aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes.
O Tribunal não considerou a existência de outros factos relevantes para a decisão que não tenham sido dados como provados.
3- Matéria de direito
Questões semelhantes às suscitadas no presente pedido de pronúncia, já foram apreciadas e decididas por diversos Tribunais, constituídos no âmbito do CAAD, diga-se sem unanimidade, umas decidiram que a taxa a aplicar é de 23% outras 21%.
A Requerente sustenta a ilegalidade da liquidação no facto de que a partir de 1 de Janeiro de 2015 a taxa de IRC, por força da entrada em vigor da Lei 82-B/2014 de 31 de dezembro, Lei do Orçamento, passou a ser de 21%, logo, como o seu período de tributação terminou em 30 de Junho de 2015 e o nº 9 do artigo 8º do CIRC determina que o facto gerador do imposto verifica-se no último dia do referido período, a taxa a aplicar só poderá ser de 21%. Nas anteriores Leis de Orçamento, o legislador, vinha estabelecendo um regime transitório de forma a excluir a aplicação da nova taxa de IRC aos períodos de tributação iniciados antes da entrada em vigor da nova lei, mas com um termo posterior à alteração. Mas na Lei 82-B/2014, já referida, não estabeleceu qualquer norma transitória, o que, no entender da Requerente, por pretender a aplicação da nova taxa de IRC de 21% a todos os períodos de tributação iniciados em 1 de janeiro de 2015 e também para os que terminem após essa data, como é o caso concreto do seu. Para sustentar o seu ponto de vista, louva-se em duas decisões proferidas por Tribunais Arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, no reconhecimento da ATA, na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do ato tributário apresentado pela Requerente, da falta de norma transitória na Lei do Orçamento para 2015 e ainda invocando Acórdão Tribunal Constitucional n.º 382/2012, de 12 de julho de 2012 proferido no âmbito da análise à retroatividade da lei fiscal que alterou as taxas de tributação autónoma no ano de 2008.
Por sua vez a ATA, considera que a decisão de indeferimento do pedido de revisão está suficientemente fundamentado e tanto assim é que a Requerente o impugnou de forma racional.
Quanto à questão da alteração da taxa de IRC, entende que para os períodos de tributação de 2014 ou nele iniciados a taxa é de 23%, uma vez que o nº 1 do artigo 87º do CIRC, com a redação da Lei 2/2014 de 16 de janeiro assim determina. A alteração introduzida no mesmo normativo pela Lei nº 82-B/2014, Orçamento de Estado, que reduziu a taxa de IRC para 21% a mesma só entrou em vigor em 01 de janeiro de 2015, e só tem aplicação aos períodos de tributação iniciados a partir de então, conforme artigo 261º da referida Lei de Orçamento, uma vez que os rendimentos de IRC têm um princípio de anualidade, por força do artigo 8º do CIRC, período que em regra coincide com o ano civil, isto apesar de no caso concreto o período de tributação ser diferente e o nº 9 do mesmo normativo disponha que o facto gerador do imposto se considera verificado no último dia do período de tributação, certo é que também não se poderá subsumir a um facto de natureza instantânea, não sendo por este facto, que o sujeito passivo, em virtude de ter um período de tributação diferente do ano civil, aplica as regras de um ano para a parte do período de tributação que decorre em determinado ano e as regras de outro ano para o período do ano seguinte.
Os sujeitos passivos que adotam um período de tributação diferente do ano civil, sabem de antemão que a taxa a aplicar é a correspondente à que estava em vigor no início do período, se assim não fosse haveria uma violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da CRP, concluindo que a taxa de IRC a aplicar é de 23%.
Analisada a posição das partes, verificado que a jurisprudência arbitral diverge e o respeito, que é muito, por todas as posições defendidas nas decisões tomadas, este Tribunal entende que, tendo em conta a coerência e segurança jurídica da tributação em IRC no exercício de 2014, a que se coaduna a este desiderato é a proferida no processo 411/2019-T do CAAD que vem sendo seguida por outros Tribunais constituídos no mesmo âmbito e que também acolhemos.
Com a devida vénia transcrevemos a parte do referido acordão que consideramos aqui aplicável, com as necessárias adaptações que incluiremos em local próprio:
“…Efectivamente, julga-se, o ponto de partida da determinação do critério decisório a aplicar deverá situar-se, não na alteração da taxa de IRC pela Lei do Orçamento de Estado para 2015, no momento da sua entrada em vigor, e na determinação do momento da verificação do facto tributário sujeito a imposto pela liquidação sub iudice, mas no teor normativo do art.º 14.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao dispor que “Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014”, norma esta em que a Requerida estriba, essencialmente, o entendimento pelo qual pugna. Efectivamente, não estará, em primeira linha, em questão apurar se a taxa de IRC genericamente em vigor a 31 de Janeiro de 2015( em 30 de Junho de 2015, no nosso caso) era ou não 21% -que era… nem apurar se o facto tributário sujeito a imposto pela liquidação ora em crise se deu naquela data –que se deu…mas, antes, apurar se, e em que medida, a norma do supra-referido art.º 14.º estava, ou não em vigor, no dia 31 de Janeiro de 2015 (em 30 de Junho de 2015, no nosso caso) .É que, se se considerar que aquela norma vigorava a 31 de Janeiro de 2015, (em 30 de Junho de 2015, no nosso caso) por força da mesma, ter-se-á de considerar que a taxa de imposto aplicável era, ainda, a instituída na Lei que a consagra. Deste modo, dever-se-á começar por definir o sentido e alcance do art.º 14.º em questão. Antes de mais, e a este respeito, convirá notar que a redacção do mesmo não é a mais feliz.Com efeito, situando-nos apenas na letra da norma em causa, verifica-se, desde logo, que a mesma comportaria a interpretação de que, por exemplo, no caso de entidades como a Requerente, que tivessem um período de tributação em IRC não coincidente com o ano civil, se aplicariam as normas da Lei 2/2014, relativamente aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 2014, mesmo que relativos ao exercício de 2013.Por outro lado, e situando-nos ainda no plano da letra da lei, também se poderia concluir que da mesma resultaria que as normas da Lei 2/2014, por força do seu art.º 14.º, se aplicariam aos exercícios e factos tributários, ocorridos nos exercícios e anos de 2015 e seguintes, e portanto, abrangendo o facto tributário em causa no presente processo arbitral, a menos que se concluísse que aquele artigo 14.º tivesse sido revogado, o que, sem prejuízo do quanto adiante se dirá, não ocorreu, pelo menos expressamente. Do exposto resulta que, em ordem a apreender devidamente o sentido do enunciado normativo do art.º 14.º da Lei 2/2014, o intérprete tem de recorrer a outros elementos que não a letra da lei. Assim, a referência, no art.º 14.º em análise, “aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram”, não deverá, sob o ponto de vista lógico, ser visto como um, passe a expressão “pleonasmo” jurídico, devendo antes ser indagada a intencionalidade e o sentido (ou seja a teleologia) de tal expressão. Sob este ponto de vista, deverá atender-se a que a Lei 2/2014 procede a alterações profundas em sede de IRC e, também, em sede de IRS, impostos estes cuja tributação assenta, por norma, em períodos de tributação, mas que, incidentalmente, podem impor tributação de factos tributários isolados (como seja no caso das tributações autónomas).Daí que a referência a “períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram” se não deva ter por alternativa, mas como tendo uma relação de subsidiariedade entre si. Ou seja, interpretado desta forma, o que o art.º 14.º da Lei 2/2014 pretende dizer é que o disposto nesta lei se aplica aos períodos de tributação, quando esta assente naqueles, e aos factos tributários, quando a tributação não tenha por base aqueles. Já no contexto sistemático, aquela norma deve ser compreendida como uma norma especial em relação ao art.º 12.º da LGT, que dispõe, no que para o caso interessa, que: “1 -As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos.2 -Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.”Efectivamente, aquele art.º 14.º, veio dispor sobre o âmbito da vigência temporal das disposições da Lei que integra, e apenas se pode explicar como tendo subjacente o propósito de dispor na matéria de modo distinto do que resultaria da aplicação da referida norma da LGT. Sob este ponto de vista, a abrangência, que o elemento literal da interpretação acolhe, pelo art.º 14.º em questão, de períodos de tributação subsequentes a 2014, não assumirá qualquer relevância, na medida em que se sobrepõe ao que já resultaria do art.º 12.ºda LGT. Daí que, ponderado o quanto previamente se expôs, o art.º 14.º da Lei 2/2014 deverá ser interpretado como dispondo no sentido de que as normas daquela Lei se apliquem ao período de tributação de 2014, relativamente à tributação, em IRS ou IRC, que assente naquele, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação, também em IRS ou IRC, que não assente no período de tributação. Delimitado assim o sentido normativo do art.º 14.º da Lei 2/2014, cumpre, então, apurar se, a 31 de Janeiro de 2015, (30 de Junho de 2015, no nosso caso) o mesmo se encontrava em vigor. Ora, como se adiantou atrás, não existe qualquer norma que tenha revogado expressamente aquele art.º 14.º, sendo que, seguramente, a Lei n.º 82-B/2014 não o faz. Daí que a conclusão a retirar deva ser a de que aquele art.º 14.º se encontrava em vigor a 31 de Janeiro de 2015, (30 de Junho de 2015, no nosso caso) e, como tal, deve aplicar-se ao período de tributação de 2014 da Requerente, que findou nesse ano. Não obstará, naturalmente, à conclusão retirada o disposto no art.º 12.º da LGT, na medida em que, como se expôs, o art.º 14.º em questão deverá ser entendido como uma norma especial, e, como tal, prevalecente na matéria que regula, relativamente àquele. Sem prejuízo do que vem de se dizer, sempre se chegaria à mesma conclusão por uma outra via. Efectivamente, e como se indicou já, a questão verdadeiramente fulcral para o sentido da decisão a proferir no caso sub judice será a de saber se a o art.º 14.º da Lei 2/2014 estava, ou não vigente a 31 de Janeiro de 2015 (em 30 de Junho de 2015, no nosso caso).E, como também se apontou antes, a Lei do Orçamento para 2015, não contém nenhuma norma que revogue, expressamente, o disposto naquele art.º 14.º, sendo que, ausência de norma transitória, invocada pela Requerente… não deverá, de per si, ter-se como evidenciadora de uma intenção revogatória. Acresce que o art.º 14.º em questão, não se reporta exclusivamente, à alteração da taxa de IRC operada pelo art.º 2.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, abrangendo todas as alterações em matéria tributária, consagradas pela mesma Lei, a maioria das quais continua em vigor, pelo que qualquer revogação que se possa equacionar daquela norma seria, meramente parcial. Daí que, o único entendimento possível que se concebe neste domínio, seria o de que art.º 14.º em causa foi parcialmente revogado, na parte em que impunha a aplicação da alteração ao art.º 87.º/1 do CIRC, operada pelo art.º 2.º da Lei n.º 2/2014, e que tal revogação não se poderá retirar senão da entrada em vigor do art.º 192.º da Lei n.º82-B/2014, que alterou, novamente, aquele mesmo art.º 87.º/1 do CIRC Estaríamos, portanto, perante um caso de revogação tácita parcial da supra referida norma do art.º 14.º da Lei n.º 2/2014, na parte em impunha a aplicação da alteração ao art.º 87.º/1 do CIRC, operada pelo art.º 2.º daquela mesma Lei. Assim, como ensinava o insigne Mestre João Baptista Machado, “A revogação pode ser expressa ou tácita, total (ab-rogação) ou parcial (derrogação). É (...) tácita quando resulta de incompatibilidade entre as disposições novas e as antigas”. Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-05-2007, proferido no processo 4117/2007-7:“A revogação, que ora nos ocupa, pressupõe a entrada em vigor de uma nova lei, e pode ser expressa ou tácita, total ou parcial. Da revogação que ora tratamos, a tácita, é resultante da incompatibilidade entre as disposições novas e as anteriores, ou ainda, quando a nova lei regula toda a matéria (substituição global). Todavia, este juízo de incompatibilização decorrente da abrogação tácita entre a lei antiga e a nova lei não surge sempre em segurança para o intérprete. Se a nova lei geral sucede a uma especial, a regra é da coexistência, mas o inverso é duvidoso. No nosso sistema jurídico vigora a presunção da subsistência do regime especial perante alteração de norma geral-artº 7, nº 3 do CCivil – só cederá perante uma interpretação segura, inequívoca da intenção revogatória do legislador. Como proceder então perante esta aparente coexistência de normas reguladoras da mesma situação? A solução dependerá caso por caso de identificar qual a ligação entre as normas em questão e sobretudo no fundamento, da razão de ser da nova lei.”Efectivamente, julga-se ser este o critério a seguir na delimitação do âmbito de uma revogação tácita, ou seja, dever-se-á identificar qual a ligação entre as normas em questão e sobretudo no fundamento, da razão de ser da nova lei. Ora, vistas as coisas assim, e à luz da interpretação da norma do art.º 14.º da Lei n.º 2/2014, atrás exposto, incluindo a configuração daquele como uma norma especial em relação ao art.º 12.º da LGT, não será possível concluir que o art.º 192.º da Lei n.º 82-B/2014, tenha tido por propósito a revogação daquele art.º 14.º, pelo menos na parte em que se referia à aplicação das normas da Lei que o mesmo integra ao período de tributação de 2014, no caso da tributação em IRS e IRC que tenha por base, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação naqueles impostos que não assente no período de tributação. Deste modo, concluindo-se, nos termos expostos, que o art.º 14.º da Lei n.º 2/2014 se encontrava vigente a 31/01/2015 (e também em 30 de Junho de 2015, no nosso caso) na parte em que impõe a aplicação do disposto naquela Lei à tributação em IRS e IRC que assente no período de tributação de 2014, haverá que concluir pela legalidade da actuação da AT…”
O facto do legislador do Orçamento de Estado para 2015 não estabelecer qualquer disposição transitória relativa à alteração da taxa de IRC e à sua aplicação temporal como vinha fazendo nas Leis de Orçamento anteriores, não foi por esquecimento nem por pretender que a taxa de 21% fosse desde logo aplicada, mesmo para os rendimentos respeitantes ao exercício de 2014 que tivessem o seu términus em 2015, a única razão, prende-se com o facto de já haver uma norma que regulava essa situação que era o artigo 14º da Lei 2/2014 de 16 de janeiro, esta sim respeita não só o princípio da anualidade do imposto bem como o tratamento igual à tributação de rendimentos de 2014 cujo período de tributação coincide com o ano civil. Imagine-se que o legislador em vez de reduzir a taxa para 21% a aumentava para 25%, onde estava a segurança jurídica dos sujeitos passivos no início do período de tributação sem a disposição do artigo 14º da referida Lei 2/2014? É claro que não existiria, mas atendendo ao princípio da anualidade do imposto é de rejeitar a aplicação da nova taxa.
Conclui este Tribunal que o artigo 14.º da Lei n.º 2/2014 estava em vigor aquando da verificação do facto tributário,30 de junho de 2015, estabelecendo que “Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014”, o que significa que pretendeu com esta disposição sujeitar à mesma taxa de tributação os ciclos tributários iniciados em 2014 e com términus em 2015, como é o caso em apreço, evitando desigualdades de tributação entre os ciclos tributários iniciados em 2014 sendo o procedimento da ATA conforme com a Lei, pelo que o presente pedido de pronúncia deverá improceder.
4- Juros indemnizatórios
Face à conclusão a que se chegou fica prejudicado o conhecimento deste pedido.
IV – DECISÃO
Face ao exposto o Tribunal decide:
a) Declarar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e manter na ordem jurídica o ato de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa n.º...2020... apresentado, contra a liquidação de IRC n.º 2015... emitida em 26 de novembro de 2015, respeitante ao período de tributação de 2014 que se deve manter também na ordem jurídica por não sofrer de qualquer ilegalidade.
b) Fixar o valor do processo em €15.523,69 (quinze mil quinhentos e vinte e três euros e sessenta e nove cêntimos), considerando as disposições contidas nos artigos 299º nºs 1 e 4do CPC, 97-A, nº 1 alínea b) do CPPT e 3º, nº 2 do RCPAT .
c) Fixar as custas no montante de € 918.00 (novecentos e dezoito euros) de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT, que ficam a cargo da Requerente, ao abrigo do nº 4 do artigo 22º do RJAT.
Notifique
Lisboa, 23 de setembro de 2021
Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º, nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º,nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.
O Árbitro singular,
Arlindo José Francisco