Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 477/2020-T
Data da decisão: 2021-09-21  IVA  
Valor do pedido: € 132.076,33
Tema: IVA – Prestações de Serviços de Nutrição – Isenção – Art. 9.º, 1) do CIVA
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Elisabete Flora Louro Martins Cardoso e Ricardo Rodrigues Pereira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 17 de dezembro de 2020, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

A……, S.A., pessoa coletiva número ………, com sede na Rua ……., …….., ……, Piso 1, Complexo ………, 2770-….. Paço de Arcos, da área do Serviço de Finanças de Oeiras …., adiante designada por “Requerente”, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1 alínea a) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. 

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante identificada por “AT” ou Requerida.

 

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e respetivos juros compensatórios, referentes ao ano 2016, no valor total de € 132.076,33 (€ 114.367,02 de IVA e € 17.709,31 de juros compensatórios), com as consequências legais.

 

Como fundamento da sua pretensão a Requerente alega erro nos pressupostos, por errada interpretação e aplicação da lei, considerando que todos os serviços de nutrição por si prestados são enquadráveis no disposto no artigo 9.º, 1) do Código do IVA, incluindo as consultas anuais faturadas mensalmente, e, por conseguinte, tais serviços beneficiam da isenção deste imposto. Entende ainda que a posição da Requerida viola os princípios da justiça, da proporcionalidade fiscal e da prevalência da substância sobre a forma. 

 

Salienta que idêntica questão foi suscitada pela AT em relação a outros anos e que as decisões arbitrais foram todas favoráveis nos seguintes processos: 159/2019-T, 164/2019-T, 373/2018-T, 169/2019-T, 161/2019-T, 163/2019-T, 170/2019-T, 162/2019-T, 160/2019-T.

 

                A título subsidiário, a Requerente invoca que caso os serviços de nutrição fossem tributados em IVA o cálculo do imposto deveria ser feito “por dentro”, considerando-se o IVA incluído no preço final que foi praticado com os clientes, que são consumidores finais.

 

                A Requerente juntou 15 documentos e requereu o aproveitamento da prova testemunhal produzida no processo 159/2019-T , com as mesmas partes e situação igual à sub iudice, arrolando ainda quatro testemunhas.

 

Em 22 de setembro de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação da AT, em 29 de setembro de 2020.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação em 13 de novembro de 2020, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 17 de dezembro de 2020.

 

Com a aprovação da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, foi estabelecido um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia Covid-19.

 

Em 23 de março de 2021, a Requerente requereu a junção aos autos do parecer da Professora Doutora Clotilde Celorico Palma, na sequência do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no processo Frenetikexito (C-581/19), e em 26 de março juntou o parecer de posicionamento da Ordem dos Nutricionistas.

 

                Em 19 de abril de 2021, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”). Considera inaplicável a isenção de IVA por não se poder dar como provado um requisito constitutivo essencial da mesma, que respeita à finalidade terapêutica dos serviços de nutrição em apreço que, de resto, em seu entender, não pode derivar da mera disponibilização dos serviços de nutrição e nem sequer é alegada pela Requerente. Sustenta ainda que os serviços de nutrição são acessórios dos serviços de ginásio prestados em conjunto aos clientes da Requerente.

 

                A Requerida invoca o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no processo Frenetikexito, C-581/19, que versa sobre matéria análoga à que se discute nos presentes autos, delimitando de forma restrita o conceito de finalidade terapêutica e de assistência médica no sentido de apenas serem enquadráveis como tal serviços que envolvam o diagnóstico, o tratamento e, na medida do possível, a cura de uma doença, não bastando que os serviços de nutrição sejam prestados por um profissional habilitado para que se conclua que têm finalidade terapêutica na aceção do IVA. Conclui pela improcedência e consequente absolvição de todos os pedidos. 

 

                Em 23 de abril de 2021, o Tribunal Arbitral determinou o agendamento da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, para inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente. Esta reunião foi reagendada por impedimento da mandatária da Requerente, por despacho de 5 de maio de 2021.

 

                Em 16 de junho de 2021, a Requerente veio solicitar a ampliação do pedido, ao abrigo do artigo 265.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (“CPC”), por remissão do artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”). Neste âmbito, entende deverem ser anuladas as liquidações em crise, por violação do artigo 68.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), em virtude de serem contrárias ao especificamente pronunciado em sede de resposta a pedido de informação vinculativa prestado a uma empresa holding do Grupo no qual a Requerente é participada, e, pelo mesmo motivo, por violação dos princípios da boa-fé e da proteção da confiança ínsitos no artigo 266.º, n.º 2 da Constituição, e do princípio da colaboração, constante do artigo 59.º, n.ºs 2 e 3, alínea e) da LGT. Mais entende dever a Requerida ser condenada ao pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, nos termos previstos nos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT. Por fim, requer o aproveitamento e valoração integral da prova produzida no processo n.º 159/2019-T, com dispensa da reunião arbitral.

 

                A Requerida, notificada para se pronunciar, não se opôs à dispensa da reunião arbitral, pelo que, por despacho de 17 de junho de 2021, o Tribunal Arbitral dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a inquirição de testemunhas e foram apensados aos autos a gravação áudio e a ata da diligência de produção de prova testemunhal no processo arbitral n.º 159/2019-T, referente às mesmas partes e a idêntica matéria de facto e de direito, embora sobre períodos distintos: os anos 2013 e 2014.

                Em relação à ampliação do pedido, a Requerida veio considerar que a mesma, nos termos do disposto no artigo 265.º, n.º 2 do CPC, só seria possível na medida em que pudesse ser configurada como o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, ou seja, se com o segundo pedido, não fosse introduzida uma nova causa de pedir, citando para o efeito o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (1.ª Secção), de 31 de outubro de 2019, processo n.º 068/13.0BELRA-S1.

 

                Nestes termos, em relação à atuação contrária à resposta ao pedido de informação vinculativa e à violação dos princípios da boa-fé e da proteção da confiança, a Requerida preconiza que esta alegação comporta uma alteração de factos essenciais constantes do ppa (sejam nucleares, complementares ou concretizadores), consubstanciando uma nova causa de pedir, referindo-se a uma pretensão materialmente distinta, inserida num quadro normativo diferente, pelo que não é de admitir, em consonância com o disposto no artigo 265.º do CPC e com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, não desenvolve o pedido primitivo, nem é uma sua consequência. Refere ainda que o princípio pro actione não vai tão longe que permita a formulação de uma nova causa de pedir, correspondente a uma nova ação, com referência à qual, no momento em que é deduzida já se verificaria a exceção de caducidade do direito de ação.

 

                No tocante ao segundo segmento do pedido de ampliação do pedido, referente à indemnização por prestação de garantia indevida, a Requerida reconhece que tem por base os mesmos factos essenciais (o vício de erro nos pressupostos), existindo condições para o seu deferimento pelo Tribunal. 

 

Por despacho de 21 de junho de 2021, o Tribunal Arbitral notificou as partes para alegações, relegando o conhecimento da ampliação do pedido para a decisão final, fixou a data de prolação da decisão arbitral até à data limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT e advertiu a Requerente do pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

Em 30 de junho de 2021, a Requerente apresentou alegações, mantendo a posição anteriormente assumida no ppa e no requerimento de ampliação do pedido. Acrescenta ainda que a AT esgrimiu no seu articulado de Resposta argumentos que não foram levantados ou objeto de análise no Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), como o fim terapêutico das consultas do pacote, com violação do princípio do contraditório. Segundo a Requerente, a AT concluiu que as consultas avulsas de nutrição tinham finalidade terapêutica e que as consultas de nutrição do pacote (SDIET) só não o tinham por serem acessórias, sem outro critério objetivo de diferenciação, quando ambas as consultas em termos técnicos são iguais e ambas têm fins terapêuticos, ou seja, diagnosticar, prevenir e tratar doenças. As questões essenciais suscitadas pela AT foram as da efetividade e da acessoriedade e nunca a questão do fim terapêutico, pelo que esta última não pode ser objeto de discussão nestes autos.

 

Estando a AT a agir com manifesta litigância de má-fé e em violação dos princípios de um Estado de Direito ao vir alegar, ao arrepio do RIT, que a Requerente não provou que as consultas (em milhares de consultas) tinham fim terapêutico.

 

A Requerida optou por não contra-alegar. 

 

 Por despacho de 23 de agosto de 2021, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivado da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.

 

II.            SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, i.e., antes de decorridos 90 dias sobre a data-limite para pagamento dos atos tributários objeto da ação.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

A cumulação de pedidos é admissível, em conformidade com o preceituado no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, atendendo a que a está em causa a apreciação de idênticas circunstâncias de facto e o mesmo regime jurídico relativo à isenção de IVA prevista no artigo 9.º, 1) do Código deste imposto.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

1.            A AMPLIAÇÃO DO PEDIDO

 

A Requerente veio requerer a ampliação do pedido nos seguintes termos que aqui respigamos, invocando o artigo 265.º, n.º 2, do CPC:

“Deverão ainda as notas de liquidação em crise ser consideradas ilegais uma vez que contrariam a informação vinculativa prestada à empresa B….. SA, empresa holding do Grupo no qual a requerente é participada em 22 de março de 2013 (informação número 1573) (…), por a AT proceder a correções e liquidações adicionais de forma contrária ao especificamente pronunciado em sede de resposta a pedido de informação vinculativa; e por violação, pelo mesmo motivo, dos princípios da boa-fé e da proteção da confiança, ínsitos nos artigos 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do princípio da colaboração, constante do artigo 59.º, n.ºs 2 e 3, alínea e), da LGT, e, por consequência, do seu artigo 68.º (…).

Mais deverá ser a AT condenada ao pagamento de indemnização referente ao pagamento de garantia indevida nos termos do previsto no artigo 53.º da LGT, (…) (cfr. ainda art. 171.º do CPPT).

Nos presentes autos a requerente apresentou garantia, conforme contrato de penhor (…) cujo teor considera-se integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.” 

 

A Requerida pronunciou-se sobre esta pretensão da Requerente, afirmando, além do mais, o seguinte:

“(…), nos presentes autos, pretende a Requerente a anulação das liquidações em apreço (de IVA e juros), com todas as consequências legais, com fundamento em erro acerca dos pressupostos de facto e de direito, nomeadamente, no que entende ter sido uma errada interpretação da isenção do artigo 9.º do CIVA em relação aos serviços de nutrição prestados nos termos melhor descritos nos autos.

(…)

Para o STA, sendo as pretensões materialmente distintas, porquanto inseridas em quadros normativos diferentes e relativos a distintos âmbitos de tutela, não será de admitir a ampliação do pedido ao abrigo do artigo 265.º n.º 2 do CPC.

(…)

O PEDIDO DE AMPLIAÇÃO DO PEDIDO NA PARTE RELATIVA AOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA

(…), neste aspecto, a pretensão da Requerente não configura uma ampliação do pedido, mas antes um autêntico novo pedido com uma também nova causa de pedir.

(…)

Isto porque, por um lado, os factos que refere (no pedido) não constam do PPA e são os factos essenciais da causa de pedir e, por outro lado, se refere a uma diferente pretensão materialmente distinta, porquanto inserida num quadro normativo diferente e relativo a distinto âmbito de tutela.

Nenhum dos factos alegados no “novo pedido” constam do PPA ou dele decorrem.

(…)

(…), a requerida ampliação do Pedido, sem uma ampliação da causa de pedir (que a Requerente não requer), sempre determinaria a ineptidão do PPA nessa parte, por manifesta falta de causa de pedir.

(…) ainda que a Requerente tivesse requerido a ampliação da causa de pedir (que não requereu), ao abrigo do n.º 2 do artigo 265.º do CPC, sempre se mostraria a mesma inadmissível, (…).

(…), a ampliação requerida não é o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.

Assim, deve, nesta parte, a requerida ampliação ser indeferida por não ser o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo e por manifesta falta de causa de pedir, o que desde já se requer.

(…)

DA PARTE RELATIVA AO PAGAMENTO DE INDEMNIZAÇÃO REFERENTE AO PAGAMENTO DE GARANTIA INDEVIDA

Este segmento do requerimento de ampliação do pedido, embora respeite a regime jurídico distinto do dos juros que a Requerente peticionou no PPA, refere-se ainda assim à tutela dos mesmos interesses jurídicos, que no caso são o pagamento à Requerente dos prejuízos causados com a necessidade de apresentação da impugnação e tem por base os mesmos factos essenciais, ou seja, o entendimento da Requerente de que a Requerida errou acerca dos pressupostos de facto e de direito na interpretação da norma de isenção, as liquidações daí decorrentes, etc., acrescentando apenas o facto de a Requerente ter prestado garantia para suster os processos de execução fiscal cuja extinção a Requerente inicialmente peticionara.

Pelo que, nesta parte, admite a Requerida que (…) poderá ser deferido.”         

 

Cumpre apreciar e decidir.

 

O artigo 265.º, n.º 2, do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, estatui que “[o] autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.”

 

No tangente à ampliação do pedido consubstanciada na arguição de vícios invalidantes dos atos tributários controvertidos, consubstanciados na violação do artigo 68.º da LGT, por as liquidações impugnadas contrariarem a Informação Vinculativa n.º 1573 e na violação, pela mesma razão, dos princípios da boa-fé e da proteção da confiança, consignados nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e do princípio da colaboração, consignado no artigo 59.º, n.ºs 2 e 3, alínea e), da LGT, afigura-se-nos que não estamos perante um desenvolvimento ou uma mera consequência do pedido primitivo, mas sim perante novos pedidos estribados em novas causas de pedir, ou seja, em novos vícios. Porquanto, importa ter presente que a causa de pedir “nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido” (artigo 581.º, n.º 4, do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).  

 

Como foi entendido nos processos n.ºs 519/2020-T e 599/2020-T, nos quais foi suscitada igual questão à que aqui enfrentamos, «havendo, em processo de impugnação judicial, tantos pedidos de anulação quantas as causas de pedir invocadas, a formulação de um mesmo pedido de anulação baseado em diferentes causas de pedir reconduz-se a formulação de novos pedidos, com novas causas de pedir (novos vícios ou fundamentos de anulação).

Assim, a qualificação do requerimento do Sujeito passivo não é de mera ampliação do pedido, mas de formulação de novos pedidos de anulação, cada um deles baseado em cada um dos novos vícios invocados (…).

Por isso, não se está perante o desenvolvimento do pedido inicial mas formulação de novos pedidos adicionais, que não têm cobertura no artigo 265.º, n.º 2, do CPC.

Para além disso, a alteração ou ampliação da causa de pedir que a invocação de novos vícios consubstancia, apenas é permitida pelo artigo 265.º, n.º 1, do CPC, “em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação”, o que não sucedeu neste caso.»

 

Nesta conformidade, é indeferido o requerimento de ampliação do pedido com fundamento em novos vícios.

 

Isto posto. No respeitante à ampliação do pedido na parte referente à condenação da AT ao pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, afigura-se-nos que estamos perante uma consequência do pedido primitivo e, por isso, é a mesma admitida pelo artigo 265.º, n.º 2, do CPC, como passamos a explicitar.

 

O artigo 53.º da LGT atribui ao devedor tributário que, para suspender a execução, tenha oferecido garantia bancária ou equivalente, o direito a ser indemnizado, total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação; esse direito à indemnização é em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenha como objeto a dívida garantida. A propósito desta norma legal, é dito o seguinte no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15.09.2016, proferido no processo n.º 08092/14: «Como decorrência da anulação judicial do acto tributário ilícito e do desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, surge-nos a norma que consagra a possibilidade de pagamento de uma indemnização quando se conclua que o sujeito passivo prestou uma garantia no âmbito de processo de execução fiscal, visando a sua suspensão, sendo esta indevidamente prestada (…).» (sublinhado nosso)

 

Como afirma Jorge Lopes de Sousa (Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por actos ilegais, Áreas Editora, Lisboa, 2010, p.156), «a razão que justifica a atribuição do direito a indemnização é a existência de um prejuízo para o particular provocado por uma actuação ilegal da administração tributária, ao efectuar erradamente uma liquidação, e, por isso, a atribuição de tal direito justifica-se em todos os casos em que for detectado um erro imputável aos serviços, independentemente do meio processual administrativo ou contencioso em que essa determinação é feita.»

 

O artigo 171.º do CPPT estabelece no seu n.º 1 que “[a] indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda” e no seu n.º 2 que “[a] indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência”. O processo de impugnação judicial abrange, assim, a possibilidade de condenação no pagamento de indemnização por garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação. Nessa conformidade, o pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a “legalidade da dívida exequenda”, pelo que, como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

 

Nestes termos, por configurar uma consequência do pedido primitivo, é admitida a ampliação do pedido quanto à condenação da AT ao pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.

 

*

 

Não foram identificadas quaisquer exceções ou outras questões prévias a apreciar.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

1.            MATÉRIA DE FACTO ASSENTE

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

A.           A A……, S.A., aqui Requerente, é uma sociedade de direito português, constituída em 22 de dezembro de 2003, cujo objeto social e atividade desenvolvida à data dos factos (2016) consistia na “criação, promoção e exploração de health clubs, gestão, formação e consultoria em desporto, manutenção física e bem-estar; serviço de nutrição e outras atividades de saúde pública, incluindo tratamentos de fisioterapia […]” – cf. RIT e certidão permanente ….-….-…. junta pela Requerente.

B.            A Requerente está enquadrada no regime normal de periodicidade mensal e, a partir de 2012, passou a fazer parte do Grupo empresarial denominado B……. Explora um Health Club sob a insígnia B…… localizado em Algés, na …………., no qual já exercia a sua atividade em 2016 – cf. RIT.

C.            No exercício da sua atividade, a Requerente proporciona aos seus clientes a prática de ginásio e diversos outros serviços, como fisioterapia, nutrição, estética e massagem – cf. RIT e depoimentos das testemunhas C….., D…… e E…….

D.           A partir do ano 2013, em concretização da máxima “Life well”, assente em três pilares “move well, eat well e feel well” – exercício, nutrição, repouso – a Requerente passou a proporcionar aos seus clientes serviços de nutrição, mediante a subscrição de um contrato que se decidiu denominar “Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos”, mediante o pagamento de € 15,00 mensais – cf. RIT e depoimentos das testemunhas C…… e E…….

E.            Também é possível aceder aos serviços de nutrição sem se ser sócio da Requerente e ter só esses serviços – cf. depoimento da testemunha C…...

F.            Para prestar tais serviços, a sócios e a não sócios, a Requerente contratou dois técnicos especializados – nutricionistas – e apetrechou gabinetes nas suas instalações (piso superior das suas instalações em Algés) dedicados em exclusivo a esta área de atividade, nos quais são realizadas as consultas de nutrição – cf. documentos (fotografias dos gabinetes) juntos pela Requerente e depoimentos das testemunhas C…., D…… e E…….

G.           Os locais onde são prestados os serviços de nutrição estão identificados e são distintos daqueles em que são prestados os restantes serviços – cf. depoimentos das testemunhas C…., D…… e E…….

H.           A Requerente estabeleceu desde o início (2013) um protocolo com a Ordem dos Nutricionistas, designadamente, para efeito de estagiários prestarem serviços de nutrição remunerados nas instalações da Requerente – cf. depoimento da testemunha C…...

I.             O Grupo B….. no qual se insere a Requerente criou também software específico, quer para a parte técnica, quer para a parte operacional da logística de consultas, designadamente, aparelhos de medições – cf. depoimentos das testemunhas C….., D….. e E…...

J.             Foi também feito investimento em formação e marketing relacionado com a prestação de serviços de nutrição, designadamente, newsletter, workshop e ações de divulgação – cf. depoimento da testemunha C…...

K.            A Requerente começou a propor os serviços de nutrição a todos os novos sócios na sequência da inscrição e, depois, aos que já o eram – cf. depoimento da testemunha C…...

L.            Nos serviços de ginásio são frequentes as desistências pelo que um dos desafios desta atividade é reter o maior número de sócios – cf. depoimento da testemunha C…..

M.          Prestando mais serviços do que aqueles que a generalidade das pessoas necessita (designadamente, os de nutrição), a probabilidade de os clientes desistirem era menor – cf. depoimento da testemunha C…….

N.           No caso de clientes que são sócios, ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos, aqueles têm direito a duas consultas de nutrição presenciais e dois acompanhamentos telefónicos ou através de correio eletrónico, numa base anual – cf. depoimentos das testemunhas C….., D….. e E…...

O.           Se pretenderem mais do que estas consultas, os clientes/sócios podem adquirir, mediante pagamento adicional, consultas de nutrição avulsas, quer isoladamente, quer em pacotes, sendo as consultas idênticas em termos técnicos e prestadas pelos mesmos profissionais que prestam as consultas iniciais do Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos, nas mesmas instalações e com os mesmos equipamentos – cf. depoimentos das testemunhas C…… e D…….

P.            As consultas presenciais duram cerca de 45 minutos – cf. depoimento da testemunha D…….

Q.           A aquisição de mais consultas pelos clientes era um dos objetivos que a Requerente visava com o regime do Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos – cf. depoimento da testemunha C…….

R.            Apesar de as consultas prestadas ao abrigo dos contratos de prestação de serviços dietéticos e as adquiridas de modo avulso serem idênticas, interessa à Requerente distingui-las, para efeitos de saber se há lugar a pagamentos extra na faturação, sendo essa a razão pela qual são atribuídos códigos diferentes aos dois tipos de consultas – cf. depoimento da testemunha C…… .

S.            Além das consultas de nutrição pagas, por vezes o B…… oferece consultas de aconselhamento nutricional gratuitas, com fins promocionais, que são diferentes das consultas de nutrição que são pagas (quer as incluídas no Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos, quer as adquiridas de forma avulsa), dado não incluírem elaboração de plano de nutrição – cf. depoimento da testemunha D…….

T.            Não há diferença entre serviços dietéticos e serviços de nutrição, sendo estas duas designações para o mesmo tipo de serviços, sendo tais serviços equiparados pela Ordem dos Nutricionistas – cf. depoimento da testemunha D…...

U.           Aos sócios que aderiram aos serviços de nutrição, subscrevendo o Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos, foi oferecido um desconto de € 15,00 na mensalidade do ginásio, igual à mensalidade dos serviços de nutrição (também fixada em € 15,00), como forma de incentivo à adesão aos novos serviços da Requerente – cf. RIT e depoimento da testemunha C…...

V.           Só nos contratos com fidelização anual há a possibilidade de subscrever aquele Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos – cf. depoimento da testemunha C…..

W.          Nos contratos mensais, pode haver serviços de nutrição, mas não com o plano previsto no Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos – cf. depoimento da testemunha C…….

X.            Os clientes da Requerente podem adquirir e aceder a todos os serviços ou apenas a alguns deles, designadamente, só serviços de nutrição ou só serviços de ginásio – cf. depoimentos das testemunhas C….. e E…...

Y.            A Requerente, na faturação emitida, aplicou aos serviços de nutrição previstos nos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos celebrados com os seus clientes a isenção de IVA prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA – cf. RIT.

Z.            Os serviços incluídos no "Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos" são faturados mensalmente a todos os utentes sem exceção, independentemente de usufruírem ou não desses serviços – cf. RIT e depoimento da testemunha C…….

AA.        A Autoridade Tributária e Aduaneira efetuou uma inspeção à Requerente, abrangendo o ano 2016, em que foi elaborado o Relatório da Inspeção Tributária (“RIT”) junto pela Requerente e também constante do PA cujo teor se dá como reproduzido, do qual se retiram os seguintes excertos relevantes:

“III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III.1-EM SEDE DE IVA

III. 1.1 - Do IVA não liquidado - (prestação de serviços dietéticos)

III.1.1.1-Dos Factos

O SP tem como objeto social o exercício de gestão e exploração de health clubs, atividade, essa, que desenvolve no ginásio que explora sob a insígnia B……, em Algés, na ……….

Atualmente, nesse estabelecimento são colocadas à disposição dos sócios, não apenas as instalações desportivas necessárias à prática de atividade física, mas também uma série de outras valências, das quais os sócios podem usufruir caso estejam interessados, ou seja, para além da atividade principal (CAE), o SP desenvolve uma série de atividades secundárias, a saber:

Quadro n.º 7: Códigos CAE do sujeito passivo

Tipo       Código  Designação         Data de Início

CAE Principal     93192    OUTRAS ACTIVIDADES DESPORTIVAS, N.E.          06-03-2008

CAE Secundário 1             96040    ACTIVIDADES DE BEM-ESTAR FÍSICO       20-08-2019

CAE Secundário 2             85591    FORMAÇÃO PROFISSIONAL        31-10-2012

CAE Secundário 3             86906    OUTRAS ACTIVIDADES DE SAÚDE HUMANA, N.E.             31-10-2012

Quem pretender ser cliente daquele ginásio e usufruir dos serviços neles disponibilizados, tem de se tornar sócio do ginásio explorado pelo SP mediante a assinatura de um contrato individual de adesão - Anexo 3, proceder ao pagamento de uma "taxa de inscrição" e ao pagamento antecipado de uma mensalidade cujo valor é variável de acordo com o número de frequências semanais e/ou serviços utilizados.

Por outro lado, nos atos de inscrição como sócios, verificamos a existência de clientes que passaram a subscrever um "Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos" (embora também possa ser subscrito à posteriori).

Esta possibilidade é, contudo, extensível aos sócios que já se encontravam, àquela data, com contratos em vigor.

Logo após o início da ação de inspeção, notificou-se o sujeito passivo por mail enviado em 25-10-2019 – Anexo 4, solicitando o envio de diversos elementos e esclarecimentos, entre os quais:

I.             Relatório e Contas e respetivos anexos bem como certificação legal de contas dos exercícios de 2015, 2016 e 2017;

II.            Balancete Analítico antes e após encerramento, em ficheiro Excel, relativo aos exercícios 2015, 2016 e 2017;

III.          Ficheiro Normalizado de Exportação de Dados - SAF-T (PT) integrado (contabilidade e faturação) para os exercícios de 2015, 2016 e 2017, previsto na Portaria n.º 321-A/2007 de 26 de março, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 274/2013, de 21 de agosto;

IV.          Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA):

a)            Descrição pormenorizada das atividades económicas desenvolvidas pela sociedade com a discriminação do volume de negócios de cada uma dessas atividades;

b)           Relativamente a cada uma das atividades descritas segundo o ponto anterior, indicar justificadamente o enquadramento fiscal observado pela sociedade;

c)            Caso a sociedade tenha atividades económicas as quais esteja a aplicar o enquadramento previsto no artigo 9.º do Código Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) (i.e., atividades isentas de imposto), detalhar os inputs que estão diretamente relacionados com essa atividade;

d)           No caso de existirem inputs cujos destinos tanto sejam as atividades sujeitas a imposto e não isentas e sujeitas a imposto e isentas do mesmo, indicar justificadamente o critério adotado pela sociedade para a dedução do imposto suportado tendo em consideração o disposto no artigo 23.º do CIVA;

e)           Remeter mapa discriminativo dos documentos de suporte ao IVA suportado e deduzido, com indicação dos centros de resultados, n.º lançamento interno, fornecedor, n.º documento externo, data documento, valor base, IVA suportado e IVA deduzido.

f)            Mapas auxiliares do preenchimento das declarações periódicas de IVA (em Excel), onde se possa identificar a faturação mensal relacionada com as seguintes prestações de serviços:

1.            “Utilização de instalações desportivas”;

2.            “Prestação serviços dietéticos”.

g)            Por exercício, cópia de seis (6) contratos de adesão, nos quais, em três (3) deles esteja associado contrato de prestação de serviços dietéticos. Solicitando-se igualmente o envio de duas faturas, referentes a tais contratos.

h)           Documentação comprovativa do cumprimento dos requisitos legais para o exercício da atividade de nutrição e/ou dietética e fisioterapia, conforme o Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho e o Decreto-Lei n.º 320/99 de 11 de agosto;

i)             Envio de cópia de um (1) contrato de trabalho/prestação de serviços referentes aos colaboradores na área da nutrição/dietética e fisioterapia;

Em resposta a esta notificação, o sujeito passivo enviou, em 25 de novembro de 2019 – Anexo 5, os primeiros elementos de entre os solicitados, a saber:

             Relatório e Contas e respetivos anexos bem como certificação legal de contas do exercício de 2016;

             Balancete analítico antes e após encerramento, em ficheiro Excel, relativo ao exercício de 2016;

             Ficheiro SAFT-T da contabilidade do ano de 2016;

             Ficheiros SAFT-T dos sistemas de faturação - anual de 2016:

- MSI - Faturação (anual)

- Sporstudio (SS) - Loja (anual)

- Sporstudio (GE) - Gestão Espaços (anual)

             Mapa discriminativo dos documentos de suporte ao IVA suportado e deduzido, com indicação dos centros de resultados, nº de lançamento interno, fornecedor, nº documentos externos, data documento, valor base, IVA suportado e IVA deduzido;

             Mapas auxiliares do preenchimento das declarações periódicas de IVA (em Excel), onde se possa identificar a faturação mensal relacionada com as seguintes prestações de serviços:

- Utilização de instalações desportivas;

- Prestação de serviços dietéticos.

             Cópia de seis contratos de adesão, nos quais, em três deles esteja associado contrato de prestação de serviços dietéticos e de duas faturas, referentes a tais contratos.

             Documentação comprovativa do cumprimento dos requisitos legais para o exercício da atividade de nutrição e/ou dietética e fisioterapia, conforme o Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho e o Decreto-Lei n.º 320/99 de 11 de agosto;

             Cópia de um (1) contrato de trabalho/prestação de serviços referentes aos colaboradores na área da nutrição/dietética e fisioterapia

Após a receção destes elementos procedemos à respetiva análise.

Verificou-se conformidade entre os ficheiros, as declarações periódicas e a contabilidade.

Por outro lado, constatamos que a natureza das vendas e das prestações de serviços (faturação) se distribui, resumidamente, por três grandes áreas de atuação, a saber

> MSI - Faturação (anual)

> Sporstudio (SS) - Loja (anual)

> Sporstudio (GE) - Gestão Espaços (anual)

O ficheiro "MSI - Faturação (anual)" engloba a disponibilização das instalações e equipamentos desportivos para a prática de exercício físico - Ginásio (atividade principal) - atividade sujeita a IVA e dele não isenta - e algumas outras atividades associadas, tal como a Nutrição (NUT) - atividade isenta de IVA.

A título de exemplo, solicitámos algumas das faturas referentes às mensalidades (Anexo 6) e verificámos que um caso paradigmático é o das faturas emitidas aos clientes, que subscreveram o contrato de prestação de serviços dietéticos. Nelas, para além da rubrica "Utilização das instalações desportivas" (atividade sujeita e não isenta), surge sempre associada a rubrica "Prestação de Serviços Dietéticos", à qual correspondem códigos tais como "SDIET" e "SDIET1", consideradas pelo sujeito passivo como isentas de IVA nos termos da alínea 1), do artigo 9.º do CIVA.

Acontece que nas referidas faturas (as das mensalidades de quem subscreveu o contrato de prestação de serviços dietéticos), para além das duas rubricas - a referente à utilização das instalações desportivas e a referente à prestação de serviços dietéticos - surge, ainda, uma terceira rubrica. Trata-se de um desconto por subscrição deste serviço, ou seja:

             "Utilização das instalações desportivas" (sujeita a IVA à taxa normal - 23%);

             "Prestação de serviços dietéticos" (isenta de IVA nos termos da alínea 1) do Art." 9º do CIVA)

Uma terceira rubrica:

             "Desconto por subscrição de acompanhamento dietético" (sujeito a IVA à taxa normal - 23%)

Note-se que o SP sujeita o desconto à taxa normal, quando o faz depender da subscrição de um serviço que considera isento e quando ambos os valores são exatamente iguais o que, na prática, transforma este serviço num serviço gratuito.

Ora, como se constata, o valor da prestação de serviços dietéticos, incluído na faturação, é considerado isento pelo sujeito passivo, nos termos da alínea 1) do art.º 9º do CIVA, enquanto o desconto, de montante igual ao do serviço dietético, é objeto de regularização de IVA a favor do sujeito passivo à taxa de 23%, donde decorre que o valor de imposto a ser entregue ao Estado, proveniente da faturação ao cliente da atividade principal desenvolvida (utilização de instalações desportivas), sofre uma diminuição por via da regularização na fatura a favor da A….., no valor de 23% aplicado ao montante faturado com isenção: "Prestação de serviços dietéticos".

Através da respetiva faturação, constata-se que o SP entende que todos os serviços que presta na área da nutrição se encontram isentos de IVA. Não é esse, contudo, o entendimento da AT. Efetivamente, na área da nutrição, o sujeito passivo desenvolve a sua atividade em duas vertentes:

-              Prestação de Serviços Dietéticos (SDIET);

-              Consultas de Nutrição, isoladas, ou em packs que podem ir até 6 consultas (vários códigos NUT).

Se o próprio SP faz esta distinção (SDIET e NUT) é porque esses dois códigos encerram conteúdos diversos e, de facto, de toda a análise efetuada, apurámos que o código NUT se refere a consultas de nutrição, enquanto o código SDIET se refere, unicamente, a "Prestação de Serviços Dietéticos". Esta "Prestação de Serviços Dietéticos" surge sempre associada à "Utilização das instalações desportivas", constituindo, assim, uma atividade acessória a esta.

A prová-lo, estão os "Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos" (Anexo 3) de cujas cláusulas, respetivamente, primeira e terceira, se retira o caráter "acessório" desta vertente dos serviços dietéticos, relativamente ao ginásio, já que o acesso à mesma só é "permitido" enquanto durar o "Contrato de Adesão" (contrato para "Utilização das instalações desportivas" - Ginásio) - (Anexo 3).

Clausulas 1ª e 3ª:

Caráter acessório:

"Pelo presente a primeira obriga-se a prestar serviços de aconselhamento dietético e nutricional, composto por duas sessões presenciais e dois acompanhamentos telefónicos anuais (...) - (In Cláusula 1ª);

"O termino do contrato de adesão referente à utilização de atividades desportivas implica automaticamente a cessação do presente contrato (...) – (In Cláusula 3ª - ponto 3.3)

Note-se que é exatamente no caráter acessório destas prestações de serviços, que focamos a nossa posição e não na falta de cumprimento dos requisitos para a prática das mesmas, uma vez que, nessa no Decreto matéria, solicitamos elementos e pudemos assim comprovar a conformidade com os requisitos exigidos -Lei n.º 261/93, de 24 de julho.

Assim, é sobre a demonstração deste carácter acessório da "Prestação de serviços dietéticos" (por contraponto com as consultas de nutrição) e sobre os respetivos enquadramentos em sede de IVA, que nos iremos debruçar no ponto que se segue.

III.1.1.2. Dos fundamentos das correções meramente aritméticas

III.1.1.2.1 Enquadramento fiscal

III.1.1.2.1.1 Direito comunitário

> A Diretiva do IVA estabelece, no nº 1 do seu artigo 132º, a isenção de determinadas prestações de serviços na área da saúde.

> Beneficiam de isenção, nos termos da alínea b), "a hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos".

> Por seu turno, a alínea c) isenta "as prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado Membro em causa".

> A este respeito, o TJUE (Tribunal de Justiça da União Europeia) declarou que o conceito de prestações de serviços de assistência médica que figura na alínea c), do nº 1, do artigo 132º da Sexta Diretiva 2006/112/CE, do Conselho de 28 de novembro de 2006, visa as prestações que tenham por finalidade "diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde" (acórdão de 06-11-2006, Dornier, Processo C-45/01).

> A aceção de que a isenção prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 132º da diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006 opera independentemente da forma jurídica do sujeito passivo que fornece as prestações médicas ou paramédicas, isto é, tanto é aplicável às pessoas singulares como às pessoas coletivas, decorre necessariamente da interpretação desta disposição imposta pelo TJUE.

> No acórdão de 10 de Setembro de 2002, proferido no processo C-141/00 (caso Kugler, Colet. P. 1-6833, n.º 26) é afirmado, a respeito dessa disposição comunitária, que a mesma tem um carácter objetivo, definindo as operações isentas em função da natureza dos serviços prestados, sem mencionar a forma jurídica do prestador, pelo que basta tratarem-se de prestações de serviços médicos ou paramédicos e que sejam fornecidas por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.

> Segundo a jurisprudência do TJUE, nomeadamente o referido Acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no processo c-141/00, referente ao caso Kugler, as alíneas b) e c), do n.º 1, do artigo 132.º, da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006, embora visem regular a totalidade das isenções aplicáveis às prestações médicas em sentido estrito, têm âmbitos muito distintos.

> Assim, a alínea b), do nº 1, do artigo 132 da Diretiva isenta todas as prestações efetuadas em meio hospitalar.

> Já a alínea c), do nº 1, do artigo 132º da Diretiva, destina-se a isentar as prestações médicas fornecidas fora desse âmbito, tanto no domicílio privado do prestador como no domicílio do doente, ou em qualquer outro lugar, ou seja, aplica-se a prestações efetuadas fora de organismos hospitalares e no quadro de uma relação de confiança entre o paciente e o prestador de serviços, relação que normalmente tem lugar no consultório deste último.

III.1.1.2.1.2 Direito interno

> Aquelas isenções previstas nas alíneas c) e b), do nº 1, do artigo 132º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, foram transpostas para o Direito Interno:

o Para a alínea 1), do artigo 9.º do CIVA (tendo por base a alínea c), do nº 1, do artigo 132º da Diretiva 2006/112/CE) - FORA DE MEIO HOSPITALAR 

o Para a alínea 2), do artigo 9.º do CIVA (tendo por base a alínea b), do nº 1, do artigo 132º da mesma Diretiva 2006/112/CE). - EM MEIO HOSPITALAR

> Na sequência dessa transposição, a alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, isenta do imposto, "As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas." - FORA DE MEIO HOSPITALAR

> A alínea 2), do mesmo artigo prevê ainda estarem isentas de imposto, "As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efeituadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares".

> Daqui se retira que as isenções previstas nas alíneas 1) e 2), do artigo 9.º do CIVA, respeitam a "atividades que tenham por objeto diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde".

> Ambas se aplicam independentemente de os serviços serem prestados por uma pessoa singular ou coletiva, assim como da finalidade lucrativa ou não do exercício dessas atividades.

> A alínea 2), do artigo 9.º do CIVA, destina-se a isentar os serviços de assistência efetuados no meio hospitalar.

> A  A….. isenta as suas atividades de prestação de serviços dietéticos com base na alínea 1) do artigo 9º do CIVA (fora do meio hospitalar), conforme se pode verificar pela inscrição em rodapé nas respetivas faturas (Anexo 4), pelo que nos vamos abster de dissecar aqui o conceito de estabelecimento hospitalar, dado não se aplicar a esta situação.

> Assim sendo, passamos a analisar a isenção aplicada pela A….. à prestação de serviços de nutrição, com base na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA.

> Ora estabelece a alínea 1) do artigo 9º do CIVA que "estão isentas as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas".

> Uma vez que não existe no CIVA um conceito que defina o que são atividades paramédicas, teremos que nos socorrer de legislação avulsa para proceder ao seu enquadramento:

- Decreto-lei 261/93, de 24 de julho, que, basicamente, define os requisitos académicos exigidos para o desempenho da função e

- Decreto-lei 320/99, de 11 de agosto, mais especificamente o nº 1 do seu artigo 3º, que refere o conteúdo funcional que terá de, necessariamente, compreender a "realização das atividades constantes do anexo ao já referido decreto-lei 261/93, de 24 de julho, tendo como matriz a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação." (dessa lista consta, designadamente, a atividade de "dietista").

> Ainda a propósito do conceito de prestação de serviços médicos, previsto na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, importa relembrar que o Acórdão do TJUE, de 14 de setembro de 2000, Processo 384/98, considera como tais as que consistam em "prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando uma doença ou qualquer outra anomalia de saúde" (Processo nº 3251, despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Diretor-Geral, em 2012-06-28).

> E continua: "Tal significa que as prestações de serviços que não tenham este objetivo terapêutico (diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde) ficam excluídas do âmbito de aplicação da isenção, sendo sujeitas a imposto e dele não isentas." (sublinhado nosso).

> Ora a isenção aqui aplicada à Prestação de Serviços Dietéticos, com base na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, não é correta por não se tratar, efetivamente, de consultas de nutrição, procuradas pelo utente em razão de alguma necessidade que sinta nessa matéria, mas tão-só a "disponibilização" de um serviço com características de aconselhamento ao utente o qual apenas ocorre no caso de o utente "procurar" esse serviço. Caso não o procure, por dele não sentir necessidade, é-lhe igualmente faturado, nos termos em que já analisámos.

> Tal significa que as prestações de serviços que não tenham tal objetivo terapêutico, mesmo que efetuadas por paramédicos devidamente habilitados para o efeito, encontram-se excluídas do âmbito de aplicação da isenção. Enquadram-se aqui as atividades de mera elaboração de dietas integradas em planos alimentares. (Lembramos que o contrato prevê apenas "duas sessões presenciais" (e não consultas) e "dois acompanhamentos telefónicos anuais", os quais surgem designados por "aconselhamento dietético”).

> De facto, se alguém necessitar de uma intervenção terapêutica ao nível nutricional, procurará um profissional nessa área, não se inscreverá num ginásio, isto é, o propósito da frequência de um ginásio (ou health club) não será, certamente, o de ser consultado por um nutricionista.

> A prová-lo está o facto de esse serviço ser faturado mensalmente a todos os utentes, sem exceção, independentemente de usufruírem ou não da referida consulta, significando isso que todos os utentes veem uma parte da mensalidade que pagam pela frequência do ginásio estar sujeita a IVA à taxa normal e outra parte dessa mensalidade estar isenta de IVA, quando a generalidade desses utentes, durante o mês a que essa fatura respeita, não tem qualquer contacto com o nutricionista (embora lhe tenha sido informado que existe um ao seu dispor).

> Assim, a faturação da prestação de serviços de nutrição não beneficia da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, estando sujeita a tributação nos termos gerais do CIVA, uma vez que os serviços de aconselhamento nutricional, disponibilizados em complemento da atividade física, não se enquadram no conceito de prestações de serviços médicos nem visam a assistência médica, diagnóstico, tratamento de doenças ou quaisquer anomalias de saúde.

> Ora não sendo aplicável a isenção prevista na alínea 1) do art.º 9º do CIVA, daqui resulta que não pode ser separado na fatura a prestação de serviços de ginásio, da prestação de serviços de nutrição, uma vez que estes últimos fazem parte da prestação de serviços do ginásio, devendo-lhe ser aplicada a liquidação do imposto à taxa normal.

> Efetivamente, o serviço de nutrição é um serviço acessório da prestação de serviço principal que constitui o serviço de ginásio, nos termos a seguir desenvolvidos.

Prestação principal vs acessória

> Decorre do espírito da redação do artigo 2º, n.º 1, c) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente e de que a prestação constituída por um único serviço, no plano económico, não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do IVA.

> Na esteira deste entendimento vem a jurisprudência comunitária confirmar que uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si. mas um meio de beneficiar de melhores condições do serviço principal prestado. Assim, quando existem prestações de serviços que visam melhorar as finalidades prosseguidas pelos ginásios, tornam-se suscetíveis de constituir operações "puramente acessórias" ou "estreitamente conexas".

Este conceito resulta da jurisprudência comunitária nos seguintes acórdãos:

• Acórdão de 22 de outubro de 1998 "T.P.Madgett, R.M. Baldwin e The Howden Court Hotel", Processos apensos C-308/96 e C-94/97, onde o Tribunal considerou que poderia haver prestações que, embora relacionadas com a prestação principal, "não constituem (...) um fim em si, mais um meio de beneficiar das melhores condições do serviço principal.", concluindo nesse contexto que se trata de "prestações (...) puramente acessórias relativamente às prestações [efetuadas a título principal.".

• Acórdão de 25 de fevereiro de 1999, "Card Protection Plan Ltd", Processo C-349/96, através do qual o TJCE firmou o entendimento de que "uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador".

• Acórdão de 27 de setembro de 2012, "Field Fisher Waterhouse LLP", processo C-392/11, o Tribunal de Justiça declarou que se está em presença de uma prestação única quando uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e a outra ou as outras prestações constituem uma ou várias prestações acessórias, a que se aplica o tratamento fiscal da prestação principal. Em particular, uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador. Neste sentido, t/ide os seguintes acórdãos: a) CPP - Processo n.º C-349/96, Colet., p. I-973, n.º 30, de 25 de fevereiro de 1999; b) Part Service, C-425/06, Colet., p. I-897, n.º 52 de 21 de fevereiro de 2008; c) Bog e outros, Processos n.ºs C-497/09, C-499/09, C-501/09 e C-502/09, Colet., p. I-1457, n.º 54, de 10 de março de 2011).

• Acórdão de 17 de Janeiro de 2013, "BGZ Leasing Sp.z o.o.", Processo C-224/11, onde se refere que está "em causa uma operação única, nomeadamente, quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria um caráter artificial" e que "a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA". Continua, ainda, referindo que "para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa", designadamente, "uma determinada conexão entre si".

Ainda segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, designadamente no nº 30 deste acórdão que se vem referindo (processo C-224/11), "uma prestação é considerada acessória em relação a uma prestação principal, nomeadamente, quando não constitua para a clientela um fim em si, mas sim um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador".

Este acórdão é particularmente relevante, na medida em que reforça a ideia de que, para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa.

III.1.1.3 Da análise dos factos

No âmbito da presente Ordem de Serviço, e como já foi referido, verificou-se que, nas faturas emitidas pelo sujeito passivo aos seus clientes (os quais efetuam contratos de adesão e, acessoriamente, contratos de prestação de serviços dietéticos), para além da rubrica "Utilização das instalações desportivas" (atividade sujeita), podem surgir outras rubricas, tais como "Personal Training" (atividade também sujeita), mas surgindo sempre associada a rubrica "Prestação de Serviços Dietéticos", à qual correspondem códigos tais como "SDIET", "SDIET1", consideradas pelo sujeito passivo como isentas de IVA nos termos da alínea 1), do artigo 9.º do CIVA. Surge, ainda, uma terceira rubrica: "Desconto por subscrição de acompanhamento dietético" (sujeito a IVA à taxa normal - 23%).

Ainda tendo em conta o enquadramento fiscal dos serviços de dietética e nutrição (Ponto III.1.1.2.1. – Comunitário e Interno), é de salientar que a atividade de "Dietética", não obstante estar prevista no ponto 5 da lista anexa ao D.L. n." 261/93 de 24.07, esse facto determina, tão só, que se trata de uma atividade paramédica cuja isenção está prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, desde que o seu exercício tenha como objetivo terapêutico diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar (génese da alínea c) do artigo 132º da diretiva do IVA que, por transposição, deu origem à alínea 1) do artigo 9º do CIVA, esta sim, determinante das condições de aplicabilidade de isenção de IVA em matéria de prestação de serviços de saúde).

Assim sendo, é determinante para a aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, que estejam em causa serviços que se consubstanciem na administração direta dos cuidados de saúde ao utente, pressupondo que os mesmos sejam efetivamente realizados. Caso os serviços não se insiram no conceito de prestações de serviços médicos definido na jurisprudência comunitária, ou seja, se tais serviços não tiverem em vista a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento das doenças ou de qualquer anomalia de saúde, mas apenas a disponibilização do direito de usufruir de um conjunto de serviços (nos quais se podem inserir os serviços médicos ou paramédicos), os mesmos ficam afastados do campo de aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, configurando operações sujeitas a imposto e dele não isentas, passíveis de tributação à taxa normal prevista no artigo 18º do CIVA.

Ora, de facto, a referência, na fatura, à prestação de serviços médicos ou paramédicos como fazendo parte do valor de uma mensalidade previamente contratualizada, independentemente de os mesmos serem prestados, ou não, demonstra que não estamos perante serviços prestados no âmbito da assistência médica.

Da análise a diversos "Contratos de Adesão" e "Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos" (Anexo 2) se retira, designadamente a partir das suas cláusulas primeira, terceira e quinta, que o acesso aos serviços dietéticos só é possível enquanto existir o contrato de adesão para a utilização das instalações desportivas. De facto, e não obstante a cláusula quinta estabelecer que a extinção do contrato de prestação de serviços dietéticos não implica a anulação do contrato de adesão para a utilização das instalações desportivas, nem qualquer alteração às condições subscritas pelo utente, já o inverso, ou seja, o fim do contrato de adesão referente à utilização de atividades desportivas implica automaticamente a cessação de contrato de prestação de serviços dietéticos, o que confere um caráter acessório à prestação de serviços em causa, uma vez que a mesma nunca está dissociada do contrato de adesão que tem em vista a utilização das instalações desportivas (ginásio).

Ora, uma prestação é considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua, para a clientela, um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador.

Assim, considerando a análise efetuada à atividade efetivamente exercida pela entidade, nomeadamente por via da análise dos contratos, da faturação e face aos critérios enunciados no presente relatório sobre o enquadramento fiscal das operações praticadas, considera-se que as consultas de nutrição "avulso", faturadas diretamente ao utente, deverão ser consideradas isentas de IVA, nos termos da alínea 1) do artigo 9º do CIVA, enquanto os serviços dietéticos disponibilizadas aos utentes, faturados enquanto uma rubrica da fatura referente à mensalidade do ginásio não merecem acolhimento na isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, por se tratar de uma prestação de serviços acessória da prestação de serviços de ginásio, sendo de lhes aplicar o tratamento fiscal da prestação principal.

Fica assim demonstrado o caráter acessório da "Prestação de serviços dietéticos" (identificada pelo sujeito passivo por diversos códigos "SDIET") enquanto atividade de aconselhamento nutricional disponibilizada aos utentes que subscrevem um contrato de adesão ao ginásio, em oposição às consultas de nutrição, efetivamente prestadas por profissionais especializados. Estas consultas são adquiridas pelos utentes, isoladamente ou em pacotes que podem ir até 6 consultas, sendo que, nestes casos, estamos perante situações que visam, claramente, "diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde" daqueles sócios da A…. que sentem fragilidades ou mesmo problemas ao nível físico que podem estar relacionados com questões nutricionais e de alimentação e que recorrem à compra deste serviço que lhes é faturado através do código "NUT" ou variantes do mesmo, conforme o número de consultas adquiridas.

Assim, o sujeito passivo deveria ter procedido à liquidação de IVA sobre a "Prestação de Serviços Dietéticos" (códigos "SDIET" e "SDIET1"), uma vez que, relativamente às mesmas - e tão só a essas - não se mostram reunidas as condições para beneficiar da isenção prevista na alínea 1), do art.º 9.º do CIVA.

III.1.1.4 Das propostas de correção (ao IVA não liquidado) -Ano de 2016

Como já referido ao longo deste relatório, a nossa análise baseou-se nos elementos e esclarecimentos que nos foram facultados.

Para determinação do valor a corrigir, em sede de IVA, resultante da não consideração da "Prestação de serviços dietéticos" como atividade isenta nos termos da alínea 1) do artigo 9º do CIVA, foram trabalhados, respetivamente, os ficheiros "ALG_IV f)_Prest Sev_2016", evidenciando-se os códigos dos artigos relativos àquela prestação de serviços (códigos "SDIET"). Estes ficheiros incluem as mensalidades pagas pelos utentes pela utilização das instalações desportivas e serviços secundários relacionados.

Assim, destes ficheiros, foram extraídas, pelo sujeito passivo, por cada fatura, as linhas que indicam, cumulativamente:

Quadro n.º 8: Linhas faturas com código SDIET

Artigo   Descrição            Subfam.              Gr.Fact

SDIET    Prestação de Serviços Dietéticos              NUTS    Subs

 

Relembramos que, por vezes, ao invés do Artigo: "SDIET" surgem designações tais como: "SDIET1", ou outras, todas elas significando "Prestação de Serviços Dietéticos".

De tudo o exposto, elaboramos os quadros que se seguem, os quais servem de base às correções propostas para o ano de 2016:

Quadro n.º 9: Correção proposta ao IVA não Liquidado – ano 2016

[Ano - 2016         Base tributável  Correção Proposta

Período IVA       Faturação – Artigos

SDIET/SDIET1

(1)          IVA

(2)

jan-16   48.344,78 €        11.119,30 €

fev-16   48.317,13 €        11.112,94 €

mar-16 50.765,40 €        11.676,04 €

abr-16   49.498,22 €        11.384,59 €

mai-16  50.303,15 €        11.569,72 €

jun-16   49.935,08 €        11.485,07 €

jul-16    47.921,81 €        11.022,02 €

ago-16  44.260,71 €        10.184,56 €

set-16   46.644,15 €        10.728,15 €

out-16  45.147,25 €        10.383,87 €

nov-16  45.971,51 €        10.573,45 €

dez-16  46.047,94 €        10.591,03 €

Total Geral         573.177,13 €      131.830,74 €

 

[…]

III. 1.3 Resumo Correção IVA (Total) -Ano 2016

Em virtude de o sujeito passivo ter usufruído, de forma indevida, de uma isenção de IVA que originou falta de liquidação de imposto, à taxa de 23%, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 18º do CIVA, sobre as intituladas "Prestações de Serviços Dietéticos", decorrente da não aplicabilidade, a estas operações, da isenção constante da alínea 1) do artigo 9º do CIVA e tendo em conta o direito à dedução regulado nos artigos 19.º a 26º do CIVA, quer o IVA liquidado, quer o IVA dedutível relacionados com esta atividade, vão ser alvo de correção no ano de 2016 […]

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO

Foi notificado o sujeito passivo pelo ofício nº …. datado de 04/06/2020, para, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição sobre o Projeto de Correções do Relatório de Inspeção, nos termos do artigo 60º da LGT e artigo 60º do RCPITA, o qual não o exerceu.

Nestes termos, mantêm-se as correções propostas no capítulo III […]

Atentas as correções expostas no capítulo III e conforme demonstrado, tendo sido, por razões imputáveis ao contribuinte, retardada a liquidação do imposto, verifica-se que, ao abrigo do disposto no artigo 35.º, da Lei Geral Tributária, do artigo 96.º do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado, todos conjugados com o preceituado no artigo 559.º do Código Civil subsidiariamente aplicável às obrigações tributárias ex vi do artigo 2.º da LGT, se demonstra devida, a título de juros compensatórios, a quantia correspondente à aplicação da taxa consignada na Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, ao montante de imposto em falta. […]”

 

BB.         Na sequência desta ação inspetiva, foram emitidas as liquidações de IVA e de juros compensatórios referentes ao ano 2016, a seguir identificadas, no valor global a pagar de € 132.076,33 (€ 114.367,02 de IVA e € 17.709,31 de juros compensatórios) que constam do Documento 1 junto pela Requerente com as correspondentes demonstrações de liquidação e de acerto de contas, cuja data limite de pagamento foi fixada em 31 de agosto de 2020:

             Liquidação de IVA n.º 2020 ………, no valor de € 10.489,55, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, de € 1.801,32, referente ao período 2016/01;

             Liquidação de IVA n.º 2020 ………, no valor de € 10.403,12, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, de € 1.750,00, referente ao período 2016/02;

             Liquidação de IVA n.º 2020 ………, no valor de € 10.419,42, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, de € 1.719,63, referente ao período 2016/03;

             Liquidação de IVA n.º 2020 ……., no valor de € 10.741,21, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, de € 1.732,71, referente ao período 2016/04;

             Liquidação de IVA n.º 2020 ……., no valor de € 10.995,57, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, de € 1.740,00, referente ao período 2016/05;

             Liquidação de IVA n.º 2020 ……., no valor de € 10.337,23, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, de € 1.601,84, referente ao período 2016/06;

             Liquidação de IVA n.º 2020 ………, no valor de € 9.667,82, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, de € 1.463,15, referentes ao período 2016/07;

             Liquidação de IVA n.º 2020 …….., no valor de € 9.965,50, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, de € 1.477,62, referentes ao período 2016/08;

             Liquidação de IVA n.º 2020 ……., no valor de € 10.025,05, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, de € 1.452,39, referentes ao período 2016/09;

             Liquidação de IVA n.º 2020 ………, no valor de € 9.612,51, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, de € 1.358,91, referentes ao período 2016/10;

             Liquidação de IVA n.º 2020 ………., no valor de € 9.800,37, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, de € 1.354,33, referentes ao período 2016/11;

             Liquidação de IVA n.º 2020 ………, no valor de € 1.909,68, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, de € 257,41, referentes ao período 2016/12.

CC.         A Requerente constituiu, em 4 de dezembro de 2020, um penhor sobre bens do seu ativo tangível, no valor de € 268.000,00, para garantia, entre outros, do cumprimento do processo de execução fiscal com origem nas liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, relativas a 2016, objeto da presente ação, pelo qual foi liquidado e pago Imposto do Selo, no valor de € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros) – cf. documentos juntos pela Requerente com o requerimento de ampliação do pedido.

DD.        Em discordância com as liquidações de IVA e de juros compensatórios, acima identificadas relativas ao ano 2016, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 21 de setembro de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) no SGP do CAAD.

 

2.            FACTOS NÃO PROVADOS E FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e, sempre que aplicável, nos depoimentos das testemunhas C……, D…… e E……., colaboradores da Requerente, que foram inquiridas em audiência contraditória no processo arbitral n.º 159/2019-T, atenta a admissibilidade do valor extraprocessual dessa prova, conforme requerido pela Requerente, nos termos previstos no artigo 421.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

 

Os depoimentos prestados foram objetivos e revelaram conhecimento dos factos relatados, sendo consensuais no sentido da criação, em 2013, de uma área de negócio autónoma, de nutrição, a somar a outras existentes, como SPA, Personal Training e Fisioterapia, bem como da equivalência das expressões dietista e nutricionista. As testemunhas descreveram os procedimentos de prestação dos serviços de nutrição, realizados com o apoio de um software específico que, para além de repositório dos dados clínicos dos clientes, permite o registo das consultas e iterações realizadas e gera alertas que visam o acompanhamento sistemático dos clientes por parte dos nutricionistas.

 

 

IV.          DO DIREITO

 

1.            DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO PROCESSO

 

                Como ficou consignado na decisão arbitral proferida no processo n.º 395/2020-T, “[o] processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por atos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele], pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos, designadamente invocados no âmbito da impugnação contenciosa.»

 

No caso dos autos, como resulta dos factos dados como provados, a Requerente presta consultas de nutrição nas suas instalações, em que também presta serviços de ginásio, além de outros serviços, designadamente serviços de nutrição.

 

A Requerente disponibiliza consultas de nutrição que são contratadas isoladamente ou em “pacote” de consultas e faturadas autonomamente, a clientes/sócios que procuram especificamente estes serviços. Paralelamente a Requerente proporciona aos sócios serviços de nutrição, mediante a subscrição de um contrato denominado “Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos”, pelos sócios que pretendem os serviços de ginásio, sendo tais consultas faturadas em conjunto com estes serviços.

               

                Como resultou provado, “(…) os clientes/sócios podem adquirir, mediante pagamento adicional, consultas de nutrição avulsas, quer isoladamente, quer em pacotes, sendo as consultas idênticas em termos técnicos e prestadas pelos mesmos profissionais que prestam as consultas iniciais do Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos, nas mesmas instalações e com os mesmos equipamentos” (cf. facto provado O)); resulta igualmente dos factos dados como provados, que “[o]s clientes da Requerente podem adquirir e aceder a todos os serviços ou apenas a alguns deles, designadamente, só serviços de nutrição ou só serviços de ginásio” (cf. facto provado X)).

 

A Requerente aplicou isenção de IVA a todas as consultas de nutrição, com base na alínea 1) do art. 9.º do CIVA.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira aceitou que as consultas de nutrição contratadas isoladamente beneficiavam da isenção referida, não efetuando qualquer correção.

 

Porém, quanto aos serviços de nutrição disponibilizados conjuntamente com os serviços de ginásio, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que não beneficiavam da referida isenção por deverem ser considerados acessórios dos serviços de ginásio.

               

Do Relatório da Inspeção Tributária, depois de longa dissertação sobre o sentido e alcance das normas envolvidas, conclui-se, no essencial, o seguinte:

“Assim, considerando a análise efetuada à atividade efetivamente exercida pela entidade, nomeadamente por via da análise dos contratos, da faturação e face aos critérios enunciados no presente relatório sobre o enquadramento fiscal das operações praticadas, considera-se que as consultas de nutrição "avulso", faturadas diretamente ao utente, deverão ser consideradas isentas de IVA, nos termos da alínea 1) do artigo 9º do CIVA, enquanto os serviços dietéticos disponibilizadas aos utentes, faturados enquanto uma rubrica da fatura referente à mensalidade do ginásio não merecem acolhimento na isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, por se tratar de uma prestação de serviços acessória da prestação de serviços de ginásio, sendo de lhes aplicar o tratamento fiscal da prestação principal.

Fica assim demonstrado o caráter acessório da "Prestação de serviços dietéticos" (identificada pelo sujeito passivo por diversos códigos "SDIET") enquanto atividade de aconselhamento nutricional disponibilizada aos utentes que subscrevem um contrato de adesão ao ginásio, em oposição às consultas de nutrição, efetivamente prestadas por profissionais especializados. Estas consultas são adquiridas pelos utentes, isoladamente ou em pacotes que podem ir até 6 consultas, sendo que, nestes casos, estamos perante situações que visam, claramente, "diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde" daqueles sócios da A….. que sentem fragilidades ou mesmo problemas ao nível físico que podem estar relacionados com questões nutricionais e de alimentação e que recorrem à compra deste serviço que lhes é faturado através do código "NUT" ou variantes do mesmo, conforme o número de consultas adquiridas.

Assim, o sujeito passivo deveria ter procedido à liquidação de IVA sobre a "Prestação de Serviços Dietéticos" (códigos "SDIET" e "SDIET1"), uma vez que, relativamente às mesmas - e tão só a essas - não se mostram reunidas as condições para beneficiar da isenção prevista na alínea 1), do art.º 9.º do CIVA.”

 

Nesta conformidade, é de concluir que a razão pela qual a Requerida entendeu que as consultas de nutrição faturadas aos sócios/clientes da Requerente conjuntamente com os serviços de ginásio não podiam beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, não foi nem o entendimento de que elas não tenham finalidade terapêutica, nem por não terem sido parcialmente prestadas. A não aceitação da aplicação da isenção, nesta situação, foi justificada exclusivamente pelo entendimento de que os ditos serviços de nutrição consubstanciam “uma prestação de serviços acessória da prestação de serviços de ginásio”, pelo que a AT entendeu impor a aplicação do regime fiscal dos serviços de ginásio.

 

Com efeito, a AT, no RIT, não questionou que os serviços prestados de nutricionismo, pela sua natureza, não sejam suscetíveis de beneficiarem da isenção prevista no artigo 9.º, n.º 1, do CIVA, nem afastou a isenção se as consultas foram faturadas fora do âmbito de pacotes em que se incluem serviços gímnicos.

 

Como é dito na decisão arbitral proferida no processo n.º 395/2020-T, “[d]e resto, está-se perante uma situação enquadrável na Informação Vinculativa n.º 9215, com despacho de 19-08-2015, do Senhor Director-Geral do IVA, por delegação do Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, em que se entendeu que «os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (Decretos-Lei n.ºs 261/93 de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto)»”.

 

Por outro lado, a Autoridade Tributária e Aduaneira também não baseou as correções em apreço no facto de parte das consultas faturadas em conjunto com os serviços de ginásio terem sido disponibilizadas, mas não terem sido efetivamente realizadas.

 

Nesta sequência, a questão que se coloca neste meio contencioso que tem apenas por objeto “a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos” (artigo 2.º do RJAT) é apenas e tão só a de saber se está ou não em sintonia com a lei o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de que as consultas faturadas em conjunto com serviços de ginásio são prestações acessórias destes. 

 

2.            A ILEGALIDADE DAS LIQUIDAÇÕES

 

2.1.        A QUESTÃO DA NATUREZA ACESSÓRIA OU NÃO DOS SERVIÇOS DE NUTRIÇÃO FATURADOS COM SERVIÇOS DE GINÁSIO

 

Uma vez recortada a questão jurídico-tributária a dilucidar neste processo, verifica-se que a mesma se encontra proficientemente tratada no acórdão arbitral proferido no processo n.º 395/2020-T, o qual por sua vez, seguiu a decisão arbitral proferida no processo n.º 373/2018-T, que tem subjacente uma situação fáctica essencialmente idêntica, pelo que se reitera aqui o entendimento aí adotado, tendo em vista “obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”, como estatui o artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil.

 

Refere-se neste último acórdão arbitral o seguinte:

“O princípio geral que constitui o ponto de partida é o de que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente, como, a título de exemplo, assinalam os Acórdãos Levob Verzekeringen, C-41/04, de 27 de outubro de 2005, e CPP, C-349/96, de 25 de fevereiro de 1999.

 O regime-regra pode, porém, ser afastado e uma prestação ser considerada acessória em relação a uma prestação principal e partilhar do regime (de IVA) desta, “quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador” – Acórdãos CPP, C-349/96, e Madgett e Baldwin, C-308/96 e C-94/97, de 22 de outubro de 1998. Em determinadas circunstâncias, “várias prestações formalmente distintas, suscetíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes” – Acórdão Part Service, C-425/06, de 21 de fevereiro de 2008. (realce nosso)

Para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa.

Contudo, não existe uma regra absoluta para determinar o alcance de uma prestação para efeitos de IVA, sendo, para tal, necessário tomar em consideração todas as circunstâncias em que a operação em questão se desenrola – Acórdãos BGŻ Leasing, C-224/11, de 17 de janeiro de 2013, Field Fisher Waterhouse, C-392/11, de 27 de setembro de 2012, e demais jurisprudência acima citada.

 O Tribunal de Justiça apela ao padrão do “consumidor médio” como ponto de vista a partir do qual se pode concluir estarmos perante uma prestação única.

Segundo este Tribunal atenta a “dupla circunstância de que, por um lado, do artigo 2.º, n.º 1, da Sexta Diretiva [artigo 2.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva IVA] decorre que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente e que, por outro, a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA, importa assim, em primeiro lugar, procurar encontrar os elementos característicos da operação em causa para determinar se o sujeito passivo fornece ao consumidor, entendido como um consumidor médio, diversas prestações principais distintas ou uma prestação única […]. O mesmo se passa quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao consumidor, entendido como consumidor médio, estão tão estreitamente conexionados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial – Levob Verzekeringen, C-41/94. No mesmo sentido, veja-se o caso Aktiebolaget NN, C-111/05, de 29 de março de 2007. (realce nosso)

A realização, a título oneroso, de uma prestação que não é indispensável para atingir o objetivo visado pela prestação “principal”, se bem que possa ser considerada muito útil para essa prestação, não será considerada uma prestação estreitamente conexa, conforme preconiza o Tribunal de Justiça no caso Ygeia, C-394/04, de 1 de dezembro de 2005.

Acresce que se o cliente tiver a faculdade de escolher os seus prestadores e/ou as modalidades de utilização dos bens ou serviços em causa, as prestações relacionadas com estes bens ou serviços podem, em princípio, ser consideradas distintas da operação dita “principal” – Acórdão Wojskowa Agencja Mieszkaniowa, C-42/14, de 16 de abril de 2015.

Retomando a análise concreta, a Requerente presta nas suas instalações múltiplos serviços, todos relacionados com a manutenção de um estilo de vida saudável e bem-estar, como a atividade física, a estética, a nutrição ou o SPA. Apesar de todos estes serviços se orientarem a um denominador comum, numa abordagem multidisciplinar, a conjugação dos diversos serviços apresenta-se complementar e não acessória.

Com efeito, as prestações de serviços das diversas áreas são perfeitamente autonomizáveis e existem independentemente umas das outras. Os clientes mantêm a faculdade de escolha dos prestadores e das modalidades de utilização dos serviços em causa. O facto de a Requerente, por razões comerciais, ter estabelecido condições vantajosas que fomentam e promovem a adesão aos novos serviços de nutrição, tendo em vista o arranque dessa nova área de atividade e assegurar uma oferta mais vasta de serviços, com o intuito de fidelização dos clientes, não conduz à consideração destes como meramente acessórios à utilização do ginásio.

A prática de exercício físico é independente da adoção ou não determinado regime alimentar, pelo que devem ser consideradas prestações de serviços distintas.

Não se verifica, pois, a indissociabilidade das consultas de nutrição relativamente à prática de exercício físico e de utilização das instalações desportivas da Requerente, nem aquelas consultas são condição indispensável para atingir o objetivo visado pela utilização do ginásio, pelo que não devem ser consideradas estreitamente conexas, sem prejuízo de poderem, em ambos os casos, potenciar uma melhor condição física.

As referidas consultas valem por si, têm objetivos próprios e o seu sentido não advém estritamente da melhoria dos serviços de ginásio. Aliás, existem sócios que não aderiram aos referidos serviços de nutrição e, por outro lado, a Requerente presta serviços de nutrição a não sócios, que não utilizam o ginásio. Refira-se que a esta conclusão chega, de igual modo, a Decisão Arbitral, de 2 de abril de 2018, proferida no processo do CAAD n.º 454/2017-T, que versa sobre situação análoga.

No que se refere à forma de faturação, a concessão de um desconto equivalente ao preço dos serviços de nutrição na mensalidade do ginásio é uma opção comercial que não pode ser sindicada pela AT, por se inserir na liberdade de gestão da Requerente, que pode determinar o preço dos seus serviços. De salientar que os referidos preços não são dirigidos a entidades relacionadas, sendo aplicados à generalidade dos seus clientes e ao público em geral.

 Por outro lado, a diferente codificação “SDIET” e “NUT” aplicável às consultas de nutrição abrangidas pelo Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos e às consultas de nutrição adquiridas avulso não afetam a natureza exatamente idêntica dos serviços prestados.

 Trata-se de uma codificação que visa facilitar a análise/comparabilidade das consultas geradoras de receita incremental (up-selling), representando uma forma de tratamento da informação de gestão da Requerente que não patenteia ou indicia realidades diferenciadas, sendo inidónea a suportar uma re-caracterização das operações. Ficou demonstrado que as consultas, independentemente da forma como são remuneradas – na mensalidade ou de forma avulsa – são prestadas exatamente da mesma forma, com os mesmos objetivos, pelos mesmos profissionais e nas mesmas instalações.

À face do exposto, conclui-se pela não acessoriedade das consultas de nutrição prestadas pela Requerente relativamente aos serviços de utilização de instalações desportivas e, em consequência pela aplicabilidade da isenção prevista no artigo 9.º, 1) do Código do IVA, enfermando os atos tributários impugnados de erro de direito, pelo que devem ser anulados.”

 

Como é afirmado na decisão arbitral prolatada no processo n.º 395/2020-T, “[n]a mesma linha, é de salientar ainda, que para efeitos da regra de que «cada prestação deve normalmente ser considerada distinta e independente», quanto às prestações de serviços de nutricionismo há «fortes indícios a favor da sua individualidade e consequente tratamento distinto em sede de IVA (aplicação da taxa normal às prestações de serviços de actividades físicas e da isenção às prestações de serviços de nutricionismo): (i) A contratação de nutricionistas inscritos na respectiva Ordem legalmente habilitados a exercer tal profissão; (ii) A existência de instalações adequadas à prática da actividade de nutricionismo, nomeadamente de gabinetes devidamente apetrechados para as consultas; (iii) A prática de facturação separada, individualizando especificamente as prestações de serviços de nutricionismo das prestações de serviços relativas à prática de actividades físicas». ( )

Neste contexto, a consideração separada nas facturas das prestações relativas à utilização das instalações gímnicas e à prestação de serviços dietéticos não pode constituir, em si mesma, uma decomposição artificial de uma operação económica única, suscetível de alterar a funcionalidade do sistema do IVA.

Por isso, o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de que as consultas de nutrição facturadas em «pack» com os serviços de ginásio devem ser consideradas prestações acessórias é ilegal por contrariar o Direito da União Europeia.”

 

Considerando que a situação factual e jurídica é idêntica à deste processo, a citada argumentação jurídica e respetivas conclusões são perfeitamente transponíveis para o caso sub judice, pelo que também aqui se considera que o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de que as consultas de nutrição faturadas conjuntamente com os serviços de ginásio devem ser consideradas prestações acessórias é ilegal por contrariar o Direito da União Europeia.

 

2.2.        A JURISPRUDÊNCIA DO ACÓRDÃO DO TJUE INVOCADO PELA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira invoca nas suas alegações, como fundamento da ilegalidade das liquidações, o acórdão do TJUE Frenetikexito, de 04-03-2021, processo n.º C-581/19, em que se decidiu que “a Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva”.

               

Realce-se, desde logo, que este acórdão do TJUE confirma, afinal, que as liquidações efetuadas enfermam da ilegalidade que lhes foi imputada por erro sobre os pressupostos de facto e de direito ao entender que as referidas consultas deveriam ser consideradas acessórias dos serviços de ginásio.

 

No caso em apreço, o facto de haver sócios/clientes da Requerente que apenas utilizam os serviços de nutrição, demonstra bem que estes devem ser considerados como uma prestação distinta e independente dos serviços de ginásio, não sendo uma forma de aqueles usufruírem melhor destes serviços. Por isso, no que releva para a presente decisão, a jurisprudência do TJUE confirma o erro de que enferma a posição assumida no RIT pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao entender que as consultas de nutrição deveriam ser consideradas prestações acessórias dos serviços de ginásio e não “prestação de serviços distinta e independente”, como ficou demonstrado.

 

Mas a Requerida vai mais longe e transpõe para o caso dos autos outra fundamentação constante do referido acórdão designadamente, na parte em que se refere que o serviço referido “não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva”, porque “na interpretação que o TJUE faz da Directiva, o fim terapêutico, apenas se verifica quando o serviço seja prestado para fins de prevenção, diagnóstico, ou tratamento de uma doença e regeneração da saúde.

Afirmando explicitamente que, na falta de indicação de que o serviço é prestado para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde, não se verifica a finalidade terapêutica. (…)

                O TJUE, afirma explicitamente que, serviços de nutrição como os em apreço nos presentes autos, “apresenta, portanto, em princípio, uma finalidade sanitária, mas não, ou não necessariamente, uma finalidade terapêutica.””

 

Acontece que esta doutrina do TJUE poderia justificar a sua aplicação ao caso dos autos se a Requerida em vez das correções efetuadas, com os fundamentos que utilizou, tivesse efetuado as mesmas correções, mas com distintos fundamentos, concretamente em consonância com os constantes do mencionado acórdão.

 

A invocação inovadora da jurisprudência do TJUE, no momento e nos termos em que a Requerida o fez, não é admissível como passamos a demonstrar.

 

Em primeiro lugar, a supremacia da jurisprudência do TJUE não pode ser entendida no sentido de colocar em causa o sistema de contencioso de mera anulação adotado, que não é, como sabemos, um contencioso de plena jurisdição. Com efeito, o processo arbitral é um meio contencioso de mera legalidade, em que aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD foram atribuídos meros poderes de declaração de ilegalidade e consequente anulação de atos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT.

 

Estando os tribunais arbitrais sujeitos à lei e obrigados a decidir de acordo com o direito constituído (cf. artigo 203.º da CRP e artigo 2.º, n.º 2, do RJAT) não podem perante a constatação da ilegalidade de um ato liquidação deixar de a declarar, pela hipotética existência de um outro ato legal que poderia ter sido praticado, mas não o foi.

 

Como ficou consignado na decisão arbitral proferida no processo n.º 395/2020-T, “[n]o nosso sistema de administração executiva é à Autoridade Tributária e Aduaneira e não aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que é conferida competência para a prossecução do interesse público da cobrança de impostos, tendo estes apenas competências de controle da legalidade dos actos que a Autoridade Tributária e Aduaneira praticar no exercício dessa competência, nos termos limitados em que está prevista no RJAT.

Por isso, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não podem, constatada a ilegalidade de um acto de liquidação, deixar de a declarar e substituírem-se à Administração Tributária substituindo o acto ilegal que ela praticou por um acto diferente com a fundamentação e conteúdo que ele próprio adoptaria se fosse a ele, Tribunal Arbitral, e não à Autoridade Tributária e Aduaneira que a lei atribuísse o poder de prosseguir o interesse público da cobrança de impostos.

Na verdade, com resulta do teor expresso do artigo 24.º, n.º 1 do RJAT, em sintonia com o artigo 100.º da LGT, é à Autoridade Tributária e Aduaneira e não ao tribunal arbitral que a lei impõe o dever de «praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral».

Nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), a competência do TJUE, em sede de reenvio prejudicial, limita-se à "interpretação dos Tratados", e à "validade e a interpretação dos actos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União", pelo que não se estende à interpretação das normas nacionais sobre o âmbito dos processos jurisdicionais e sobre a repartição de competências entre os Tribunais e a Administração, na densificação do princípio da separação de poderes.

É apenas quanto às matérias que se inserem nas competências do TJUE que as decisões proferidas em reenvio prejudicial podem ser consideradas obrigatórias (pelo menos, quando não são contraditórias).

De resto nem existe qualquer norma do direito da União Europeia sobre as competências dos tribunais arbitrais em matéria tributária e tipo de poderes que lhes são atribuídos, sendo matéria que se insere plenamente na discricionariedade do legislador nacional.

Por isso, não havendo qualquer competência do TJUE em matéria de repartição de competências entre Tribunais e Administração Tributária, nem tendo sido proferida qualquer decisão sobre a forma processual adequada à implementação do Direito da União em matéria de isenções de IVA, não há qualquer fundamento para colocar, nesta matéria de definição do âmbito do contencioso arbitral tributário, qualquer questão de violação do artigo 8.º, n.º 4, da CRP ou de consequente inconstitucionalidade.”

 

Em segundo lugar, enquanto corolário do contencioso de mera legalidade, constitui jurisprudência assente que é em face da fundamentação que acompanha os atos tributários consubstanciados nas notas de liquidação adicionais impugnadas que se há de apreciar a legalidade daqueles atos, o que torna irrelevante, para este efeito, a fundamentação a posteriori que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio aduzir já em sede de processo arbitral.

 

E nem se argumente em contrário, como faz a Requerida, que assim é com base na alegada eficácia ou efeito ex tunc (e não ex nunc) das decisões do TJUE em sede de reenvio, “pelo que a interpretação veiculada é obrigatoriamente aplicável com efeitos retroativos, isto é, desde que a(s) norma(s) interpretada(s) vigora(m) no ordenamento jurídico. (…)

Assim, adoptar o entendimento da Requerente, violaria o Primado do Direito da União, e, nessa medida, seria inconstitucional, inconstitucionalidade essa que desde já se argui para todos os efeitos legais.”

 

A Requerida confunde força vinculativa superior do Direito da União, que encontra guarida constitucional no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, com a eficácia (ex tunc) das decisões proferidas pelo TJUE. A força vinculativa é comum a todas as decisões do TJUE, por se tratar de um tribunal. Agora, quanto à extensão dos efeitos, ou seja, quanto à questão de saber em que medida as decisões do TJUE podem ter eficácia retroativa, a resposta não pode deixar de ser diferente, uma vez que a produção de efeitos retroativos (ex tunc) estão associados a uma decisão anulatória ou mesmo condenatória.

 

Ora, não se põe em causa que o TJUE tenha competência para proferir decisões anulatórias e condenatórias com eficácia retroativa, mas não é o caso das suas decisões proferidas em sede de reenvio prejudicial. 

 

A natureza das decisões proferidas pelo TJUE em sede de reenvio foi analisada, entre outras, na decisão arbitral proferida no processo n.º 170/2019-T, na qual se pode ler, entre o mais, que “[o] TJUE nos processos de reenvio prejudicial não é uma instância de recurso, pois, desde logo, a sua decisão é anterior à decisão final do processo nacional e nenhuma das partes no processo tem a possibilidade de apelar para o TJUE. Por outro lado, o reenvio prejudicial é facultativo e depende de decisão do órgão julgador português.

 Nos termos do artigo 104.º do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a interpretação das decisões prejudiciais refere-se que não cabe ao TJUE interpretar as decisões que profere neste particular do reenvio prejudicial (n.º 1) e que compete aos órgãos jurisdicionais nacionais apreciar se estão suficientemente esclarecidos por uma decisão prejudicial, ou se entendem que é necessário dirigirem-se de novo ao Tribunal (n.º 2).

Finalmente, é o próprio acórdão junto pela recorrente que, ao afirmar a sua interpretação, declara que a mesma é "sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio", pois, além de ter de ser no caso considerada a factualidade relevante, os Estados membros podem isentar nas leis nacionais outras atividades não previstas nos regulamentos europeus.

Este entendimento, para além de ser evidente, é pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que as intervenções do TJUE em processo de reenvio não são assumidas na veste de instância de recurso, mas sim de colaboração entre juízes, como tem afirmado, inclusivamente, o próprio TJUE, e ficou consignado na decisão arbitral de indeferimento proferida no processo n.º 159/2019-T:

“(…)

– Com efeito, o reenvio prejudicial assenta num diálogo de juiz a juiz, cujo início depende inteiramente da apreciação que o órgão jurisdicional nacional faça da pertinência e da necessidade do referido reenvio (  );

 – “The relationship between national courts and the CJEU is reference-based. It is not an appeal system. No individual has a right of appeal to the CJEU. It is for the national court to make the decision to refer. The CJEU will rule on the issues referred to it, and the case will then be sent back to the national courts, which will apply the Union law to the case at hand” ( );

– «De acordo com o número 3 do artigo 4.º do mesmo Tratado, cabe aos Estados-Membros assegurar a execução das obrigações decorrentes dos Tratados e facilitar o cumprimento da missão da União Europeia. Desta dicotomia resulta uma necessidade de diálogo entre os órgãos jurisdicionais nacionais e europeus, razão pela qual se viria a prever o instituto jurídico do reenvio prejudicial, não como uma via de recurso, mas sim como um processo especial de cooperação direta, capaz de garantir a uniformidade dos efeitos jurídicos das normas de direito da UE através de todo o seu território» ( );

– «Importa começar por referir que um pedido de reenvio prejudicial não serve para impugnar uma decisão judicial e que a decisão a proferir pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito de tal pedido não tem por finalidade revogar decisões judiciais proferidas por Tribunais nacionais.

                Na sua arquitectura específica, não é também destinada a afrontar qualquer interpretação de normas internas alegadamente errónea ou aferir da violação de preceitos constitucionais dos diversos Estados-Membros.

                Uma questão prejudicial antes corresponde a uma pergunta/pedido de resposta que um órgão jurisdicional nacional de um Estado da União repute necessária para estear a solução de um litígio que lhe cumpra avaliar.

                O seu objecto exclusivo é o Direito da União e o esforço de avaliação solicitado ao Tribunal de Justiça da União Europeia corresponde ao de interpretação ou formulação de juízo de validade incidente sobre esse Direito» ( )”.”

 

Nesta sequência, se a decisão a proferir pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, no âmbito de um pedido de reenvio prejudicial, não tem por finalidade sequer revogar decisões judiciais proferidas por Tribunais nacionais, uma vez que “o reenvio prejudicial assenta num diálogo de juiz a juiz, cujo início depende inteiramente da apreciação que o órgão jurisdicional nacional faça da pertinência e da necessidade do referido reenvio”, tais decisões não podem ter eficácia retroativa. São dotadas de força vinculativa, como quaisquer decisões do TJUE, mas com eficácia ex nunc, ou seja, para o futuro.

 

É o que decorre da própria natureza e caraterísticas do pedido de reenvio prejudicial.

 

Da articulação desta eficácia ex nunc com a natureza do nosso contencioso tributário, do qual decorre, como vimos, a proibição da fundamentação a posteriori, não assiste qualquer razão à Requerida.

 

A interpretação ora sufragada é a que resulta de uma interpretação conforme ao Tratado da União Europeia e às normas constitucionais, permitindo a articulação entre si de forma teleológica e racional, de preceitos aparentemente em contradição, tais como o artigo 8.º, n.º 4, 203.º, 20.º, n.º 1, 268.º, n.º 4, todos da CRP e, bem assim do artigo 4.º, n.º 3, do Tratado.

 

Nesta conformidade, ao terem subjacente o entendimento de que nenhuma das consultas de nutrição faturadas em conjunto com os serviços de ginásio beneficia da isenção prevista no artigo 9.º, 1), do Código do IVA, por serem acessórias dos serviços de ginásio, as liquidações adicionais de IVA controvertidas enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justifica a sua anulação, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CPA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT.

 

2.3.        AS LIQUIDAÇÕES DE JUROS COMPENSATÓRIOS

 

O artigo 35.º, n.º 1, da LGT estatui que “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

 

Na situação sub judice, concluímos que as liquidações adicionais de IVA controvertidas são inválidas por vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, gerador de anulabilidade. Tendo sido aquelas o pressuposto subjacente às liquidações de juros compensatórios controvertidas, estas enfermam de idêntico vício invalidante e, por consequência, devem ser anuladas.

 

*

Atenta a procedência da peticionada declaração de ilegalidade dos atos tributários controvertidos, por vício que impede a renovação desses mesmos atos, nos termos em que foram praticados, fica prejudicado, por inútil o conhecimento dos restantes vícios invocados pela Requerente (cf. artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

3.            A INDEMNIZAÇÃO POR PRESTAÇÃO DE GARANTIA INDEVIDA

 

                Como resulta do probatório, “[a] Requerente constituiu, em 4 de dezembro de 2020, um penhor sobre bens do seu ativo tangível, no valor de € 268.000,00, para garantia, entre outros, do cumprimento do processo de execução fiscal com origem nas liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, relativas a 2016, objeto da presente ação, pelo qual foi liquidado e pago Imposto do Selo, no valor de € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros)” (cf. facto provado CC)).

 

Nessa sequência, a Requerente propugna que “deverá ser a AT condenada ao pagamento de indemnização referente ao pagamento de garantia indevida nos termos do previsto no artigo 53.º da LGT, (…) (cfr. ainda art. 171.º do CPPT).”

 

Apreciando e decidindo.

 

Em conformidade com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos atos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

 

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (cf. artigos 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

 

Com efeito, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem vindo pacificamente a entender-se nos tribunais tributários que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por o direito a juros indemnizatórios surgir quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu artigo 24.º que “haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços”, a seguir, na LGT, em cujo artigo 43.º, n.º 1, se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e, finalmente, no CPPT em que se estabelece, no n.º 4 do artigo 61.º que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

 

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT estabelece que “a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda” e que “a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência”.

 

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a “legalidade da dívida exequenda”, pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

 

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

“Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3 - A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”

 

No caso em apreço, os atos tributários controvertidos padecem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 9.º, 1), do Código do IVA, pelo que os mesmos são totalmente inválidos e, por isso, devem ser anulados.

 

Ademais, os atos de liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios controvertidos foram da exclusiva iniciativa da Administração Tributária, sendo que a Requerente em nada contribuiu para que eles fossem realizados e, muito menos, nos termos em que o foram.

 

Acontece, porém, que quer o artigo 53.º, n.º 1, da LGT, quer o artigo 171.º, n.º 1, do CPPT ao aludirem a “garantia bancária ou equivalente” estão a excluir o penhor do seu campo de aplicação.

 

Com efeito, como refere Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume III, 6ª Edição, Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 242), “equivalente à garantia bancária”, para efeitos do artigo 171.º do CPPT, “serão todas as formas de garantia que impliquem para o interessado suportar uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual aquela é mantida”, apontando, como exemplo, o “seguro- caução”; neste mesmo sentido, tendo por referência a fiança, decidiu recentemente o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão, de 04.11.2020, proferido no processo n.º 018/20.7BALSB, assim sumariado: “Para os efeitos indemnizatórios previstos no artigo 53.º da L.G.T., não é de considerar a fiança entre as garantias (“bancária ou equivalente”) de que depende a sua aplicação.”.

 

Nesta conformidade, tendo a Requerente prestado garantia sob a forma de penhor, tal significa a improcedência do pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada, pois, como decorre do citado aresto do STA, a garantia assim prestada “não se encontr[a] abrangida por estes preceitos legais que atribuem e fixam um direito indemnizatório de forma praticamente automática num procedimento simplificado”.

 

No entanto, como é salientado no mesmo aresto do STA, tal “não significa que o lesado nos seus direitos patrimoniais pela prestação desta garantia (ou de outras, como a hipoteca e penhor), não possa exigir a reparação dos prejuízos que efectivamente sofreu, por se tratar de direito que lhe é assegurado não só pelo art. 22.º da Constituição como pela Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (Lei n.º 67/2007, de 31.12). Terá, porém, de intentar para o efeito acção judicial para efectivar essa responsabilidade civil da administração tributária, onde terá de invocar e provar todos os danos que sofreu”. 

 

4.            A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DA REQUERIDA

 

A Requerente propugna que deve “AT ser condenada como litigante de má fé ao vir nos presentes autos e já na pendência dos mesmos invocar fatos novos que não foram sequer objeto de contraditório tentando à revelia de todos os princípios norteadores de um Estado de direito tributar o sujeito passivo, quando o próprio sujeito passivo solicitou parecer vinculativo sobre a questão da isenção de IVA tudo nos termos do artigo 104.º da LGT (…) para além de fazer do processo um uso reprovável ao vir alegar fatos contrários aos constantes do RI e que serviram de base às notas de liquidação ora impugnadas.” 

 

Apreciando e decidindo.

 

O n.º 1 do artigo 104.º da LGT estatui que “a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre a litigância de má fé em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas”.  

 

A propósito desta norma, António Lima Guerreiro afirma que a «sanção por litigância de má fé depende de uma violação dolosa ou gravemente negligente do princípio da boa fé, por desrespeito de informação vinculativa anteriormente prestada, ou violação do princípio da igualdade tributária, que ocorre quando a administração tributária trate conscientemente de modo desigual contribuintes em idênticas circunstâncias. Os requisitos do dolo ou negligência grave resultam de o presente preceito remeter para a lei geral que é o artigo (…) [542.º, n.º 2] do CPC, que declara expressamente a dependência da litigância de má fé desse tipo de pressupostos.»

 

Pronunciando-se sobre a questão da litigância de má-fé por parte da AT, constitui entendimento do STA que «[a] condenação como litigante de má fé da Fazenda Pública só pode ocorrer desde que se verifiquem os circunstancialismos constantes do artigo 104.º, n.º 1 da LGT» (cf. acórdão de 08.07.2015, proferido no processo n.º 0781/15).  No mesmo sentido, também tem sido entendimento do TCAS que «[a] condenação da Fazenda Pública como litigante de má fé só pode ocorrer desde que se verifiquem os circunstancialismos constantes do artigo 104/1 da LGT» (cf. acórdão de 08.07.2021, proferido no processo n.º 1284/14.2BEALM).

Volvendo ao caso concreto, não se descortina que se verifiquem os necessários pressupostos legais para efeitos de condenação da AT por litigância de má-fé, dado não se mostrar evidente que a conduta da AT no âmbito do presente processo foi violadora dos princípios da igualdade e da boa-fé. Com efeito, poder-se-á não concordar com a atuação da AT, enquanto entidade administrativa e enquanto parte neste processo arbitral, mas não se vislumbra que se mostrem violadas as suas obrigações de forma a poder ser, nos estritos termos legalmente estatuídos, condenada como litigante de má-fé; efetivamente, atendendo à forma como o presente processo se desenvolveu, bem como às posições nele assumidas, entendemos que a conduta da AT não se enquadra em nenhum dos enunciados pressupostos legais para que possa ser condenada como litigante de má-fé.

 

Improcede, assim, a peticionada condenação da AT como litigante de má-fé.   

*

A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras.

 

V.           DECISÃO

 

Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade e anulação dos atos tributários de liquidação de IVA e de juros compensatórios supra identificados, referentes ao ano 2016, com as legais consequências;

b)           Julgar improcedente o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, com a consequente absolvição da Autoridade Tributária e Aduaneira;

c)            Julgar improcedente o pedido de condenação por litigância de má-fé, com a consequente absolvição da Autoridade Tributária e Aduaneira; 

d)           Condenar ambas as partes no pagamento das custas do processo, na proporção dos respetivos decaimentos.  

VI.          VALOR DO PROCESSO

 

                Fixa-se ao processo o valor de € 132.076,33 (cento e trinta e dois mil e setenta e seis euros e trinta e três cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

VII.         CUSTAS

               

Em conformidade com o acima decidido e nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), a cargo da Requerente e da Requerida, na proporção de 1% e de 99%, respetivamente.

 

                Notifique.

 

Lisboa, 21 de setembro de 2021.

 

Os Árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins

(vencida, conforme declaração de voto junta)

 

Elisabete Flora Louro Martins Cardoso

Ricardo Rodrigues Pereira

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Divirjo da decisão que julga procedente o pedido de anulação dos atos tributários de liquidação de IVA e de juros compensatórios, porque considero que o Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) subjacente às liquidações impugnadas suscita as questões, de facto e de direito, essenciais para concluir pela validade dos atos tributários com fundamento no não preenchimento da condição da isenção prevista no artigo 9.º, 1) do Código do IVA, na interpretação estrita preconizada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Frenetikexito, processo C-581/19, de 4 de março de 2021, no sentido de que o exercício das profissões de médico e paramédicas reclama a verificação da finalidade terapêutica dos serviços prestados.

 

Os fundamentos do RIT têm, assim, em meu entender, latitude para permitir a aplicação da interpretação do Tribunal de Justiça e considerar válidas as liquidações de IVA, em virtude de a Requerente não ter provado a finalidade terapêutica dos serviços de nutrição prestados em conjunto com os serviços de ginásio, ónus que sobre si impedia nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT (noto que defendi uma maior abrangência da isenção na decisão arbitral n.º 373/2018-T, anterior à prolação do acórdão acórdão Frenetikexito).

 

Em relação aos serviços de nutrição serem considerados acessórios aos serviços de ginásio, quando disponibilizados conjuntamente com estes, ainda que seja uma questão central no RIT, é de qualificação e os fundamentos não se circunscrevem a essa asserção, perpassando ao longo do texto que está em causa a falta de preenchimento dos pressupostos da isenção, desde logo, por serem faturados serviços apenas com base na sua disponibilização, o que, no entender da Autoridade Tributária não cumpre a finalidade terapêutica.

 

Neste âmbito, v. alguns excertos ilustrativos do RIT, constantes da matéria de facto:

 

“> Ainda a propósito do conceito de prestação de serviços médicos, previsto na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, importa relembrar que o Acórdão do TJUE, de 14 de setembro de 2000, Processo 384/98, considera como tais as que consistam em "prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando uma doença ou qualquer outra anomalia de saúde" (Processo nº 3251, despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Diretor-Geral, em 2012-06-28).

> E continua: "Tal significa que as prestações de serviços que não tenham este objetivo terapêutico (diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde) ficam excluídas do âmbito de aplicação da isenção, sendo sujeitas a imposto e dele não isentas." (sublinhado nosso).

[…]

 

> Ora a isenção aqui aplicada à Prestação de Serviços Dietéticos, com base na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, não é correta por não se tratar, efetivamente, de consultas de nutrição, procuradas pelo utente em razão de alguma necessidade que sinta nessa matéria, mas tão-só a "disponibilização" de um serviço com características de aconselhamento ao utente o qual apenas ocorre no caso de o utente "procurar" esse serviço. Caso não o procure, por dele não sentir necessidade, é-lhe igualmente faturado, nos termos em que já analisámos.

> Tal significa que as prestações de serviços que não tenham tal objetivo terapêutico, mesmo que efetuadas por paramédicos devidamente habilitados para o efeito, encontram-se excluídas do âmbito de aplicação da isenção. Enquadram-se aqui as atividades de mera elaboração de dietas integradas em planos alimentares. (Lembramos que o contrato prevê apenas "duas sessões presenciais" (e não consultas) e "dois acompanhamentos telefónicos anuais", os quais surgem designados por "aconselhamento dietético”).

> De facto, se alguém necessitar de uma intervenção terapêutica ao nível nutricional, procurará um profissional nessa área, não se inscreverá num ginásio, isto é, o propósito da frequência de um ginásio (ou health club) não será, certamente, o de ser consultado por um nutricionista.

> A prová-lo está o facto de esse serviço ser faturado mensalmente a todos os utentes, sem exceção, independentemente de usufruírem ou não da referida consulta […]”.

 

Por fim, o facto de não terem sido corrigidas as consultas avulsas não se afigura relevante, pois a ação arbitral tem natureza meramente cassatória (i.e., sobre as liquidações efetivamente emitidas) e não abrange outro tipo pronúncias relativas à atuação da Autoridade Tributária.

 

Lisboa, 21 de setembro de 2021

Alexandra Coelho Martins