DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Dr. Marcolino Pisão Pedreiro e Dra. Sofia Ricardo Borges (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 6 de outubro de 2020, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
A……., S.A., pessoa coletiva número ………, com sede na ……….., ………, … ..., doravante “Requerente”, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1 e 10.º, n.º 1, alínea a), todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante identificada por “AT” ou Requerida.
A Requerente visa a declaração de ilegalidade e anulação dos atos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e correspondentes juros compensatórios, referentes aos períodos compreendidos entre janeiro e dezembro de 2015, emitidos na sequência da ação inspetiva ao ano 2015, que resultaram no valor global a pagar de € 180.708,64, sendo € 152.498,10 de IVA e € 28.210,54 de juros compensatórios, com fundamento em vício de erro nos pressupostos por errónea quantificação e qualificação do facto tributário e vício formal de fundamentação.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 16 de julho de 2020 e, de seguida, notificado à AT.
De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas da designação, não se opuseram.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 6 de outubro de 2020.
Em 11 de novembro de 2020, a Requerida apresentou a sua Resposta, na qual se defende por impugnação, pugnando pela improcedência da ação, por não provada, e pela absolvição de todos os pedidos, com as legais consequências.
Em 21 de dezembro de 2020, foi agendada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT para inquirição das testemunhas. Contudo, a mesma foi adiada por agravamento da situação de pandemia que motivou a suspensão dos prazos para a prática de atos processuais (Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro).
Por despacho de 1 de abril de 2021, foi reagendada a reunião para 14 de maio de 2021, tendo sido prestadas declarações de parte e inquirida uma das duas testemunhas indicadas pela Requerente, que prescindiu da segunda testemunha. Foi ainda solicitada a junção de um documento (aditamento ao contrato de concessão de 2018) para melhor esclarecimento do Tribunal.
Ambas as Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas sucessivas no prazo de 10 dias. O Tribunal determinou a prorrogação do prazo, nos termos e para os efeitos do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, em virtude do período de férias judiciais, da tramitação processual definida e da situação pandémica. Foi fixado o prazo para prolação da decisão e advertida a Requerente da necessidade de, até essa data, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
Em 20 de maio de 2021, a Requerente procedeu à junção do documento solicitado pelo Tribunal, tendo de seguida apresentado, em 1 de junho de 2021, as suas alegações, nas quais reitera os vícios suscitados no pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), considerando provada a alteração contratual que conduziu a que o contrato originário não chegasse a produzir os seus efeitos, no tocante à remuneração, com a consequente inexistência de facto tributário.
A Requerida apresentou contra-alegações, em 2 de junho de 2021, sustentando que a Requerente não logrou provar que antes de ocorrer o facto tributário já tinha sido tomada a decisão de “suspender” o contrato e mantém a posição expressa na Resposta.
Por despacho de 29 de julho de 2021, o Tribunal Arbitral determinou a prorrogação, por dois meses adicionais, do prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, decorrente da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.
Suscitada pelo Tribunal a questão da requalificação jurídica, por considerar que a factualidade alegada não respeita a uma questão meramente temporal (do artigo 7.º, n.º 3 do Código do IVA), mas à própria inexistência de contraprestação (ou seja, aos pressupostos de incidência objetiva e à inexistência de valor tributável, regidos pelos artigos 1.º, n.º 1, alínea a), 4.º, n.º 1 e 16.º, n.º 1 do Código do IVA), ambas as partes foram notificadas para se pronunciarem. Requerente e Requerida declararam nada ter a opor à requalificação jurídica efetuada pelo Tribunal Arbitral.
POSIÇÃO DA REQUERENTE
A Requerente baseia a sua pretensão na inexistência do facto tributário, em virtude de o contrato de subconcessão referente à construção e à exploração de um parque de estacionamento celebrado com a B…….., S.A., adiante B…….., ter sido renegociado, por não terem sido cumpridos os respetivos pressupostos, circunstância que estava expressa nos Relatórios e Contas dos anos 2015 e seguintes.
Assim, para a Requerente, o contrato originário não chegou a produzir efeitos, pelo que não foi devida qualquer remuneração no ano 2015, nem, em consequência, o correspondente IVA, uma vez que o imposto deve ser liquidado nas condições previstas no contrato (artigo 7.º, n.º 3 do Código do IVA).
A Requerente considera ainda que, mesmo que se entendesse que existe facto tributário, ocorreria excesso de quantificação, já que não estavam reunidas as condições para se proceder à execução do contrato nas condições inicialmente fixadas, nunca lhe podendo ser exigido que liquidasse IVA superior ao lucro que a concessionária conseguia obter com a exploração dos parques.
Por outro lado, para a Requerente, o IVA corrigido sempre seria dedutível na esfera da entidade subconcedente B……, de onde retira que não se verifica falta de liquidação deste imposto.
Invoca adicionalmente vício de fundamentação por violação dos artigos 77.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), 99.º, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e 268.º, n.º 3 da Constituição, considerando que o Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) não é suficiente para se perceber como é que a AT chegou à conclusão de que a Requerente não liquidou IVA quanto ao contrato de subconcessão em causa, cuja cópia, acrescenta, nem sequer consta do RIT.
Alega também que a AT ignorou o documento junto no direito de audição relativo ao aditamento ao contrato celebrado em 2017 com efeitos retroativos (artigo 60.º, n.º 7 da LGT). Deste aditamento consta uma condição suspensiva segundo a qual só passa a ser devido algum pagamento quando cessar, quer o estacionamento selvagem, quer a concorrência dos parques municipais, condições que em 2017 ainda não se tinham verificado. Argui a este respeito a violação do princípio do inquisitório previsto no artigo 58.º da LGT.
Por fim, a Requerente salienta que a AT não lançou mão de correções em sede de relações especiais, pelo que a referência no RIT à participação de 100% da Requerente na B…… deriva de uma notória confusão de institutos.
POSIÇÃO DA REQUERIDA
Defendendo posição oposta, a Requerida invoca que a Requerente não pôs em causa que no período em questão os serviços tenham sido prestados e que exista contraprestação, mas apenas argui que esta última foi adiada, sem sequer suscitar que tenha ocorrido uma redução de preço.
Uma vez que a Requerente não logrou provar que antes de ocorrer o facto tributário tomara a decisão de “suspender” o contrato e que a adenda ao contrato só foi concretizada em 2017, muito após a verificação do facto tributário, reportado a 2015, deve concluir-se como no RIT, pelo preenchimento dos pressupostos de incidência subjetiva e objetiva do IVA (artigos 4.º, n.º 1, 7.º, n.º 3 e 16.º do Código deste imposto), verificando-se a exigibilidade do imposto no prazo para a emissão das respetivas faturas (artigo 8.º do Código do IVA). A decisão de adiamento da cobrança do preço não retira o caráter oneroso aos serviços, que não foi posto em causa, e sendo posterior ao facto tributário só poderia influenciar a liquidação do IVA por via de uma regularização de imposto a favor da Requerente, que dependeria de uma redução do preço, circunstância que, de igual modo, não foi suscitada por aquela.
Relativamente ao erro na quantificação da matéria tributável, não se alcança a relação entre o lucro do destinatário dos serviços e a liquidação do IVA sobre o preço dos serviços prestados pela Requerente a esse destinatário.
Aduz não ter sustentação a tese da falta de fundamentação dos atos impugnados, dado que a Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance do ato, como resulta do exercício jurídico-argumentativo do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”). Todavia, ainda que tal se verificasse, a Requerente podia ter lançado mão do mecanismo previsto no artigo 37.º do CPPT.
II. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos atos de liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A ação é tempestiva, considerando que a data-limite para pagamento das liquidações foi fixada em 18 de maio de 2020 e que o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 15 de julho de 2020, i.e., dentro do prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), aplicando-se, in casu, a respetiva alínea a).
Não foram identificadas questões prévias a apreciar. O processo não enferma de nulidades.
III. QUESTÕES DECIDENDAS
São submetidas à apreciação deste Tribunal Arbitral os seguintes vícios, de índole material e formal:
a Erro nos pressupostos por inexistência de facto tributário, para efeitos de IVA, ao abrigo do preceituado no artigo 7.º, n.º 3 do respetivo Código;
b Erro nos pressupostos por excesso de quantificação;
c Violação do disposto nos artigos 60.º, n.º 7 e 58.º da LGT, derivada da não ponderação do direito de audição e da violação do princípio do inquisitório; e
d Falta de fundamentação.
Considerando a tutela mais estável e eficaz dos interesses em presença no âmbito deste processo e a ordem dos vícios indicada pela Requerente, importa apreciar, em primeiro lugar, o invocado vício de erro nos pressupostos, de facto e de direito, por inexistência de facto tributário (artigo 124.º do CPPT, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A A aqui Requerente, A……, S.A., tem a atividade principal de gestão de instalações desportivas, sob o CAE 93110, e é a entidade concessionária da exploração, em regime de serviço público regular e contínuo, da C….., compreendendo as instalações de apoio à navegação e abrigo portuário de embarcações de recreio e as instalações e serviços de natureza comercial e industrial, operacionais, complementares e acessórias daquelas – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), junto pela Requerente como documento 51.
B A Requerente foi (e está) enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade mensal – cf. RIT.
C Em 21 de junho de 2007, a Requerente celebrou um contrato de subconcessão, referente à construção e à exploração de parques de estacionamento na C….., com a sociedade B……., entidade cujo capital social é integralmente detido por aquela – cf. RIT.
D O Anexo B ao contrato de subconcessão continha a “Fórmula de Determinação da Retribuição Fixa e Variável”, prevendo, a título de “Retribuição Fixa”, o valor anual de € 600.000,00 para os anos 2012 a 2016. Esta importância era incrementada nos anos subsequentes para € 1.000.000,00 - 2017 a 2021 -, para € 1.300.000,00 - 2022 a 2026 -, para € 1.700.000,00 - 2027 e 2028 -, sendo atualizada por aplicação de índice de inflação nos anos 2029 e seguintes. O Anexo B contemplava também uma “Retribuição Variável” correspondente a 33% do volume de negócios da B…… – cf. Anexo 1 do RIT.
E O estacionamento selvagem nas imediações dos parques de estacionamento da Requerente objeto da subconcessão e a existência de parques municipais concorrentes daqueles, constituíram fatores negativos da exploração dos parques, gerando uma receita muito inferior à inicialmente estimada na esfera da B……, pelo que a Requerente considerou, com referência a 2015, não estarem reunidas as condições para a cobrança da remuneração prevista no contrato de subconcessão à B…….. Refere a este respeito o Relatório de Gestão da Requerente relativo ao período de 2015:
“por não terem sido cumpridos os pressupostos de exploração deste parque [Parque D……], foi adiada a cobrança de retribuições fixas e variáveis à B……, estabelecidas no anexo B do contrato de subconcessão” pois “a operacionalidade do Parque continua a ser afetada por estacionamento selvagem e concorrência agressiva por parte de concessionários municipais” – cf. Relatório de Gestão do Exercício de 2015 constante do RIT Anexo 2 e depoimento da testemunha inquirida.
F O volume de negócios que o parque de estacionamento faturava na esfera da B….. era insuficiente para remunerar a subconcessão – cf. Relatório de Gestão do Exercício de 2015 constante do RIT Anexo 2, junto pela Requerente com o exercício do direito de audição, e depoimento da testemunha inquirida.
G Em fevereiro de 2017, na sequência da nomeação da nova administração da Requerente, foi feito um aditamento expresso ao contrato de subconcessão celebrado com a B…….., em linha com o teor dos relatórios de gestão anteriores, nos seguintes termos:
“É CELEBRADO O PRESENTE ADITAMENTO AO CONTRATO DE SUBCONCESSÃO REFERENTE À CONSTRUÇÃO E À EXPLORAÇÃO DE UM PARQUE DE ESTACIONAMENTO E OUTRAS ÁREAS
O que fazem nos termos e nas circunstâncias seguintes:
CONSIDERANDO
A QUE AS PARTES CELEBRARAM UM CONTRATO DE SUBCONCESSÃO EM 21/06/2007.
B. QUE DITO CONTRATO PREVÊ EXPRESSAMENTE A NECESSIDADE DE ADITAMENTO PARA RED[E]FINIÇÃO DAS CONTRAPARTIDAS A PAGAR PELA SEGUNDA (CL.5ª) E A REVISÃO DO ANEXO B.
C. QUE NÃO SE VERIFICARAM ATÉ AO MOMENTO OS PRESSUPOSTOS EM QUE ASSENTOU O CONTRATO INICIAL.
D. QUE SUBSISTE ESTACIONAMENTO SELVAGEM NAS IMEDIAÇÕES DO PARQUE D……
E. QUE A E………. AINDA NÃO ENCERROU OS PARQUES MUNICIPAIS QUE FAZEM CONCORRÊNCIA DIRETA AO PARQUE D…….
F. QUE TUDO ISSO TORNA IMPOSSÍVEL A EXECUÇÃO DO CONTRATO NOS TERMOS INICIALMENTE PROGRAMADOS
Acordam as partes [a Requerente e a B…….] na introdução de uma CONDIÇÃO SUSPENSIVA no presente contrato:
Clausula décima terceira
1 Os valores previstos no anexo B do ponto (ii) do contrato só começarão a ser devidos quando as duas situações supra-referidas fiquem ultrapassadas, o que se prevê que ocorra em 2020.
2 Nessa altura os montantes a pagar serão os previstos no contrato inicial, a dividir da seguinte forma:
ii) RETRIBUIÇÃO FIXA:
- Anos 2020 a 2021- € 1.000.000,00;
- Anos 2022 a 2026- € 1.300.000,00;
- Anos 2027 a 2028- € 1.700.000,00;
- Anos 2029 e seguintes - valor igual ao ano anterior, actualizável por aplicação de índice de inflação com base em 2007 ou por acordo.
iii) RETRIBUIÇÃO VARIÁVEL
O correspondente a trinta e três por centro do volume de negócios da B…….., a liquidar mensalmente até ao dia 22 de cada mês por referência ao mês anterior. A esse valor acresce IVA à taxa aplicável” – cf. Aditamento constante do RIT Anexo 2, junto pela Requerente com o exercício do direito de audição.
H Em 3 de setembro de 2018, foi celebrado um segundo aditamento ao contrato de subconcessão, com a alteração do anexo B que contém a fórmula de determinação da retribuição do contrato, em virtude da redução substancial da área da concessão, concretizada por protocolo com o E……… em 26 de junho de 2018, e consequente redução da subconcessão e da respetiva remuneração. Acresce que neste aditamento as Partes (Requerente e B……..) continuam a considerar não estarem verificados os pressupostos em que assentou o contrato de subconcessão inicial, impossibilitando a sua execução nos moldes programados, nomeadamente pela subsistência de estacionamento selvagem nas imediações do Parque D…… e pelo não encerramento de parques concorrentes da E……. – cf. Aditamento junto pela Requerente a pedido do Tribunal Arbitral.
I Este segundo aditamento altera a Cláusula décima terceira do contrato de subconcessão, determinando que os valores previstos no contrato apenas começarão a ser devidos a partir do ano de 2022, com a retribuição fixa de € 100.000,00 de 2022 a 2026, de € 120.000,00 de 2027 a 2031, e, para os anos 2032 e seguintes, atualizada pelo coeficiente de atualização do arrendamento comercial. A retribuição variável, devida também só a partir de 2022, é fixada em 35% do volume de negócios da B……….. – cf. Aditamento junto pela Requerente a pedido do Tribunal Arbitral.
J Em 2019, a Requerente foi objeto de uma ação de inspeção tributária externa ao ano de 2015, a coberto da Ordem de Serviço OI2018….., com o objetivo de avaliar a respetiva situação tributária em IVA, tendo os atos inspetivos sido iniciados em 27 de setembro de 2019 e concluídos em 18 de março de 2020. O procedimento culminou com a proposta de correções ao IVA no valor de € 154.504,80 – cf. RIT.
K A Requerente foi notificada do Projeto de correções e exerceu o direito de audição com argumentos idênticos aos do pedido de pronúncia arbitral, tendo juntado o Relatório de Gestão de 2015 e o (primeiro) aditamento ao contrato de subconcessão, outorgado em 17 de fevereiro de 2017 – cf. RIT.
L O Projeto foi convolado em Relatório definitivo, mantendo-se as correções preconizadas, com os fundamentos que, de seguida, se transcrevem do Relatório de Inspeção Tributária, na parte relevante:
“III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
DA MATÉRIA DE FACTO
Entre: A……, S.A. doravante A……., NIPC - ………, com sede na ……….., na …………, e B…….., S.A. doravante B…….., NIPC - ………., com sede na ……., ………………., celebraram um contrato de subconcessão referente à construção e à exploração de um parque de estacionamento e outras áreas.
A A……… tem por objetivo, tal como foi anteriormente referido, a construção e ex-ploração, em ..., em regime de serviço publico regular e contínuo, de uma marina para o apoio à navegação e abrigo portuário de embarcações de recreio em ..., bem como as instalações e serviços de natureza comercial e industrial, operacio-nais, complementares e acessórias que possam contribuir para a melhor prossecu-ção desse objeto («concessão»).
A A……… participa em 100% na B…….. desde a sua constituição em 04-02-1998, existindo portanto, uma relação de domínio total e de dependência da B…….. rela-tivamente à A……… e segundo a certidão permanente, esta sociedade tem como objeto a construção, administração, gestão, promoção e exploração de portos, ma-rinas, serviços e infraestruturas complementares, incluindo zonas comerciais, de hotelaria e de parqueamento, prestação de serviços complementares, e de apoio e a comercialização de produtos.
Acresce, que a A……… está dispensada de consolidação de contas por não atingir dois dos três limites exigidos pelo artigo 7º do Decreto-Lei nº 158/2009 de 13 de ju-lho de 2009.
É de realçar, que a A……… subconcessionou à B……….. o espaço, entenda-se ter-reno, que a A………. detinha enquanto concessionária, para que B………. construís-se e explorasse um parque de estacionamento, tendo toda a obra de construção do parque de estacionamento decorrido a expensas de B………..
Por outro lado, consta da cláusula sétima (tarifas e contrapartidas) do contrato de «Subconcessão referente à construção e à exploração de um parque de estaciona-mento e outras áreas», que 1 «A B…….. terá o direito de cobrar tarifas pelos serviços que prestar no âmbito da Subconcessão, designadamente pela utilização do parque de estacionamento e das outras áreas pelos respetivos utentes»
Refere-se ainda, que esta subconcessão foi efetuada nas condições constantes do contrato de subconcessão atrás referido e que fica a constar em arquivo no proces-so, o qual contempla as condições, nomeadamente o prazo e as contrapartidas pa-ra a concedente.
A cláusula oitava do contrato atrás identificado, refere que, 1. «A B……. deverá pagar à A…….. pela exploração das construções integrantes da Fase Preliminar e da Fase UM ao abrigo da Subconcessão, e pelo uso do Terreno Três ao abrigo da cedência temporária do uso aqui contratada, o valor fixo e o valor variável a determinar por aplicação da fórmula constante do Anexo B ao presente Contra-to. Sobre esses valores acrescerá IVA à taxa legal em vigor.»
No que diz respeito ao valor fixo e o valor variável a determinar por aplicação da fórmula, consta do Anexo B ao contrato anteriormente referido, as retribuições fixa e variável a atribuir ao longo dos anos, a saber:
1 Retribuição Fixa
«Ano 2007 – € 25.000,00 por mês inteiro a contar da data de início de exploração ou fração deste;
Anos 2008 a 2011 - € 300.000,00;
Anos 2012 a 2016 - € 600.000,00;
Anos 2017 a 2021 - € 1.000.000,00;
Anos 2022 a 2026 - € 1.300.000,00;
Anos 2027 a 2028 - € 1.700.000,00;
Anos 2029 e seguintes – valor igual ao ano anterior, atualizável por aplicação de ín-dice de inflação com base em 2007 ou por acordo.
Aos valores anuais indicados acresce IVA à taxa aplicável, sendo liquidáveis em prestações mensais de igual valor até ao dia 22 de cada mês por referência ao mês anterior.»
2 Retribuição Variável
Consta do Anexo B ao Contrato de Subconcessão referente à construção e à explo-ração de um parque de estacionamento e outras áreas, que a retribuição variável é «O valor correspondente a trinta e três por cento do volume de negócios de B……, a liquidar mensalmente até ao dia 22 de cada mês por referência ao mês anterior. A esse valor acresce IVA à taxa aplicável».
No prosseguimento da ação inspetiva, constatou-se que o sujeito passivo não pro-cedeu à liquidação do imposto nos termos do contrato celebrado entre ambas as sociedades e de acordo com o Código de IVA, pelo que será liquidado IVA nos ter-mos da al a) do nº1 e nº 3 do artº 7º e artº 8º do CIVA às prestações de serviço não faturadas pela A………… - Sociedade Concessionária da C………, S.A. utilizando a taxa prevista na alínea c) do nº1 do artº 18º do Código de IVA.
Assim, relativamente à retribuição fixa no valor de 600.000,00 € referente ao ano de 2015, iremos reparti-lo por períodos mensais de imposto, e a taxa a aplicar no caso em apreço está prevista no artigo 18º, nº1, alínea c) do CIVA, a qual perma-neceu fixada em 23% durante o exercício em análise, conforme consta do quadro a seguir elaborado:
Período
Base Tributável declarada à taxa de 23% (1)
Acréscimo (2)
Base Tributável corrigida à taxa de 23% (3)
Taxa de Iva
(4)
Imposto em falta (5)=(2)*(4)
2015-01 163.149,24 50.000,00 213.149,24 23% 11.500,00
2015-02 131.106,37 50.000,00 181.106,37 23% 11.500,00
2015-03 113.508,82 50.000,00 163.508,82 23% 11.500,00
2015-04 209.566,01 50.000,00 259.566,01 23% 11.500,00
2015-05 224.959,85 50.000,00 274.959,85 23% 11.500,00
2015-06 183.083,71 50.000,00 233.083,71 23% 11.500,00
2015-07 271.562,45 50.000,00 321.562,45 23% 11.500,00
2015-08 182.941,09 50.000,00 232.941,09 23% 11.500,00
2015-09 226.556,23 50.000,00 276.556,23 23% 11.500,00
2019-10 361.740,37 50.000,00 411.740,37 23% 11.500,00
2015-11 135.569,31 50.000,00 185.569,31 23% 11.500,00
2015-12 122.852,11 50.000,00 172.852,11 23% 11.500,00
Total 2.326.595,56 600.000,00 2.926.595,56 138.000,00
No que se refere Retribuição Variável, e atendendo que, em 2015, o volume de ne-gócios declarado pela B…….. foi de 217.454,65 €, o valor correspondente a trinta e três por cento do volume de negócios declarado, é no montante de 71.760,00 €, assim, iremos reparti-lo por períodos mensais de imposto a taxa a aplicar no caso em apreço está prevista no artigo 18º, nº 1, alínea c) do CIVA, a qual permaneceu fixada em 23% durante o exercício em análise, conforme consta do quadro a seguir elaborado:
Período
Base Tributável declarada à taxa de 23% (1)
Acréscimo (2)
Base Tributável corrigida taxa de 23%
(3)
Taxa de Iva
(4)
Imposto em falta (5)=(2)*(4)
2015-01 163.149,24 5.980,00 169.129,24 23% 1.375,40
2015-02 131.106,37 5.980,00 137.086,37 23% 1.375,40
2015-03 113.508,82 5.980,00 119.488,82 23% 1.375,40
2015-04 209.566,01 5.980,00 215.546,01 23% 1.375,40
2015-05 224.959,85 5.980,00 230.939,85 23% 1.375,40
2015-06 183.083,71 5.980,00 189.063,71 23% 1.375,40
2015-07 271.562,45 5.980,00 277.542,45 23% 1.375,40
2015-08 182.941,09 5.980,00 188.921,09 23% 1.375,40
2015-09 226.556,23 5.980,00 232.536,23 23% 1.375,40
2015-10 361.740,37 5.980,00 367.720,37 23% 1.375,40
2015-11 135.569,31 5.980,00 141.549,31 23% 1.375,40
2015-12 122.852,11 5.980,00 128.832,11 23% 1.375,40
Total 2.326.595,56 71.760,00 2.398.355,56 16.504,80
Assim sendo, é o seguinte, o total de Imposto em falta no exercício em análise:
Período Base Tributável declarada (1) Acréscimo Retribuição (fixa+variável)
(2) Base Tributável corrigida
(3)
Taxa de Iva
(4)
Imposto em falta (5)=(2)*(4)
2015-01 163.149,24 55.980,00 219.129,24 23% 12.875,40
2015-02 131.106,37 55.980,00 187.086,37 23% 12.875,40
2015-03 113.508,82 55.980,00 169.488,82 23% 12.875,40
2015-04 209.566,01 55.980,00 265.546,01 23% 12.875,40
2015-05 224.959,85 55.980,00 280.939,85 23% 12.875,40
2015-06 183.083,71 55.980,00 239.063,71 23% 12.875,40
2015-07 271.562,45 55.980,00 327.542,45 23% 12.875,40
2015-08 182.941,09 55.980,00 238.921,09 23% 12.875,40
2015-09 226.556,23 55.980,00 282.536,23 23% 12.875,40
2015-10 361.740,37 55.980,00 417.720,37 23% 12.875,40
2015-11 135.569,31 55.980,00 191.549,31 23% 12.875,40
2015-12 122.852,11 55.980,00 178.832,11 23% 12.875,40
Total 2.326.595,56 671.760,00 2.998.355,56 154.504,80
[…]
IX DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO
Depois de notificado para, nos termos do artigo 60º da LGT e do artigo 60º do RCPIT, exercer o direito de audição (escrito ou oral) sobre o projeto de conclusões do relatório de Inspeção Tributária que lhe foi remetido, o contribuinte pronunciou-se por escrito, conforme documento constante do anexo 2 […] de 18 de março de 2020.
Analisada a exposição apresentada pelo sujeito passivo, (que não concorda com as correções propostas, nomeadamente em sede de IVA) oferece-nos tecer as seguintes considerações:
1. No direito de audição, o SP começa por tecer algumas considerações gerais relativamente ao contrato de subconcessão referente à constituição e à exploração de um parque de estacionamento e outras áreas e ao anexo B (fórmula de determinação de retribuição fixa e variável) celebrado entre A…….. – Sociedade Concessionária da C………., SA e B……….. –, S.A.
2. De seguida, o SP refere à concorrência agressiva feita pelos parques municipais e pela manutenção de estacionamento selvagem nas imediações dos parques de estacionamento cedidos, bem como a uma passagem do relatório de gestão da A………, SA, de 2015: «por não terem sido cumpridos os pressupostos de exploração deste parque, foi adiada a cobrança de retribuição fixas e variáveis à B………, estabelecidas no anexo B do contrato de subconcessão»
Ora, a verdade é que, em 2015, o contrato de subconcessão, bem como o anexo B (fórmula de determinação de retribuição fixa e variável) mantinham-se em vigor e inalteráveis, assim sendo, e de acordo com os valores constantes do Anexo B, a obrigatoriedade da emissão e a entrega do original da fatura ao cliente (B……., SA) são obrigações de natureza fiscal da entidade A……., SA, independentemente de ter sido adiada ou não, a cobrança de retribuição fixas e variáveis.
3. No ponto 11 do Direito da Audição, refere-se que «Em 2017, quando a nova administração tomou posse, não conseguindo localizar o documento onde se incorporavam as alterações ao contrato em vigor, fez aditamento expresso com efeitos retroativos (…)»
No que concerne a efeitos retroativos, a revisão da Constituição da República Portuguesa em 1997 veio introduzir no n.º 3 do art.º 103.º (que substituiu o anterior art.º 106.º), a seguinte norma:
«Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei»
Assim, com a introdução do n.º 3 do art.º 103.º da Constituição da República Portuguesa a regra passou a ser a de proibição da aplicação retroativa das leis fiscais.
4. Refere ainda, o sujeito passivo no ponto 12 da exposição: «Além disso, caso a Requerente tivesse faturado os valores previstos pela AT e face à rentabilidade que o parque cedido veio a ter, condicionada pelas circunstâncias já explicadas, estaria agora a braços com acusações de negócios simulados ou negócios por valores que se afastavam do valor de mercado» (negrito nosso)
Antes de mais convém realçar que os valores apurados e não previstos pela AT, conforme afirma o SP, foram obtidos com base na informação disponibilizada pelo SP, e no que toca à argumentação, basta dizer que as regras relevantes do CIVA legitimam que a Administração Fiscal proceda a correção às declarações dos contribuintes quando haja factos que permitam concluir que tais declarações são falsas ou inexatas.
Relativamente à aplicação ao caso concreto do nº3 do artigo 7º do CIVA, foi precisamente um dos fundamentos legais referidos no projeto de relatório, para justificar ser devido IVA por cada período previsto para os pagamentos.
5. No exercício do seu direito de audição, o SP refere no ponto 18: «Nos termos da condição aposta no aditamento, só é devido pagamento quando se verificar a condição suspensiva – isto é, quando cessar quer o estacionamento selvagem quer a concorrência dos parques municipais»
Ora, para o caso em apreço é irrelevante, porquanto convém relembrar que a presente ação inspetiva é relativa ao exercício de 2015, e o aditamento ao contrato de subconcessão referente à construção e à exploração de um parque de estacionamento e outras áreas foi elaborado e assinado pelo Administrador em ..., aos 17 de fevereiro de 2017.
Em conclusão, diremos que no direito de audição, a par da escassa argumentação do sujeito passivo, não foram trazidas provas que levem a Administração Tributária a alterar a sua decisão, mas tão só, foram feitos comentários por parte do sujeito passivo, que traduzem a não concordância perante as correções propostas, pelo que se mantêm as correções constantes do Projeto de Relatório agora no Relatório Final de Inspeção Tributária. […] – cf. RIT.
M Consta do RIT o Anexo B do Contrato de subconcessão celebrado entre a Requerente e a B……., mas não o Clausulado do Contrato de subconcessão – cf. RIT.
N Subsequentemente, a Requerente foi notificada das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, bem como das demonstrações de acerto de contas discriminadas na tabela infra – cf. documentos 1 a 50 juntos pela Requerente.
O Inconformada com os atos tributários de liquidação de IVA e de juros compensatórios antes referidos, a Requerente apresentou no CAAD, em 15 de julho de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do ppa no SGP do CAAD.
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.
Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em meros juízos conclusivos, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros teve em conta a posição assumida pelas Partes e fundou-se, essencialmente, na análise crítica da prova documental junta aos autos.
Em relação às declarações de parte prestadas pelo Presidente do Conselho de Administração da Requerente, F……….., as mesmas não foram determinantes uma vez que este manifestou não ter conhecimento direto de factos anteriores à sua tomada de posse, em fevereiro de 2017, estando em causa nos autos o período de 2015.
Relativamente à prova testemunhal, a testemunha G……., assistente de contabilidade da Requerente à data dos factos, relatou os factos com isenção e objetividade, referenciando algumas limitações, dado não ter tido até 2017 acesso ao contrato de subconcessão. No entanto, no exercício das suas funções de apoio à contabilidade, envolvendo o contacto diário com a atividade da Requerente e da B………, teve conhecimento direto das operações que geravam movimentos financeiros relativos aos parques de estacionamento e que eram apenas as relativas a empréstimos à B…….., ao débito de juros associados e à faturação pontual a esta de algum material cedido, não dispondo a B……… de rendimentos suficientes para fazer os pagamentos à Requerente o que motivava a necessidade de empréstimos da sociedade-mãe [a Requerente]. Referiu ainda a deslocação do pavilhão de eventos Dramático de ... para outro local como um elemento que pode ter contribuído para a menor utilização dos parques da Requerente, pois aquele espaço passou a ser ocupado por estacionamento selvagem.
FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevo para a decisão, não se identificaram factos alegados que devam considerar-se não provados.
V. DO MÉRITO
1 INEXISTÊNCIA DE FACTO TRIBUTÁRIO POR EXTINÇÃO DO DIREITO À CONTRAPRESTAÇÃO PELA SUBCONCESSÃO
Resulta do quadro factual firmado nos autos que o contrato de subconcessão celebrado em 2007 entre a Requerente e a sua subsidiária B……. tinha subjacente uma sobrevalorização substancial das receitas projetadas provenientes da exploração dos parques de estacionamento da C…….., que alicerçavam uma contraprestação fixada no ano 2015 em € 600.000,00 a título de retribuição fixa, adicionada de 33% do volume de negócios da B…….., valores que subiam de forma expressiva nos anos subsequentes, a partir de 2017, para quantias ainda mais expressivas, de € 1.000.000,00, € 1.300.000,00 e € 1.700.000,00, mantendo-se a percentagem de remuneração variável.
Estes valores revelaram-se manifestamente desfasados da realidade, sendo o nível de utilização dos parques e das receitas muito inferior, evidenciando uma estimativa e pressupostos iniciais incorretos. Com efeito, a faturação (volume de negócios) da B……. em 2015 foi de € 217.454,65. Acresce notar que diversos fatores terão contribuído para a menor procura dos parques subconcessionados pela Requerente, nomeadamente a possibilidade de estacionamento alternativo gratuito na proximidade da C…… (“estacionamento selvagem”) e os parques concorrentes da E………..
Tais vicissitudes ditaram a não cobrança, em 2015, da retribuição, fixa e variável, prevista no contrato de subconcessão, atento o não preenchimento dos pressupostos da exploração dos parques, conforme expresso no relatório de gestão da Requerente relativo a esse período de tributação. Esta posição foi mantida de forma consistente nos anos subsequentes, dada a manutenção de circunstâncias idênticas às verificadas em 2015.
A Requerida entende que a referência no relatório de gestão de 2015 ao adiamento da cobrança das retribuições fixas e variáveis à B…….. significa que se produziu apenas um mero efeito de dilação do prazo de pagamento, com a manutenção da exigibilidade das prestações previstas no contrato de subconcessão para o ano 2015, de € 600.000,00 adicionada da componente variável, sobre as quais não incidiu qualquer redução ou extinção.
No entanto, extrai-se da factualidade provada a conclusão oposta. Apesar de a expressão empregue no relatório de gestão – “por não terem sido cumpridos os pressupostos de exploração deste parque, foi adiada a cobrança de retribuições” (realce nosso) – pecar por imprecisão, constata-se que operou uma efetiva extinção do direito à contraprestação pela subconcessão, não se tratando de mera postergação ou moratória de pagamento, mas da efetiva supressão do direito à prestação, reportando-se a cobrança “adiada” às prestações dos anos subsequentes. Este entendimento, resulta reforçado pelo teor do aditamento ao contrato de subconcessão celebrado, em fevereiro de 2017, entre a Requerente e a B……...
Na verdade, a redação da cláusula décima terceira do contrato de concessão passa a estabelecer que, quer a retribuição fixa, quer a retribuição variável, só são devidas a partir de 2020, e ainda assim sob condição suspensiva até que sejam eliminados os constrangimentos do estacionamento selvagem e da concorrência dos parques geridos pelo E………, mencionando-se de forma expressa os valores devidos que correspondem aos anos em questão (na exata importância constante da versão inicial do contrato de subconcessão para os ditos anos de 2020 e seguintes), e não pelo acumulado de valores pretéritos, nomeadamente do ano 2015.
Assim, a prestação fixa e variável relativa ao ano 2015 não foi cobrada pela Requerente, nem mais poderá ser por esta cobrada, por ter sido juridicamente extinto, em definitivo, o respetivo direito, com fundamento no incumprimento/alteração significativa dos pressupostos com base nos quais a Requerente e a B……. determinaram o valor das prestações, que se demonstraram totalmente erróneos e desajustados à realidade, tendo em vista a reposição do equilíbrio financeiro do contrato, cujos efeitos se produzem, de acordo com o regime-regra supletivamente aplicável, desde a data da verificação dos factos que alteraram os mencionados pressupostos .
E mesmo quanto ao ano 2020 e subsequentes, a correspetiva remuneração foi sujeita à condição de eliminação dos constrangimentos atrás referidos. Desta forma, a produção de efeitos da cláusula de retribuição da subconcessão a partir de 2020 ficou subordinada à satisfação da condição suspensiva aposta .
Assim, não foi somente com referência ao ano 2015 que foi extinta a prestação contratual, mas, de igual modo, nos anos subsequentes, até 2020, com os mesmos fundamentos.
Com o segundo aditamento à subconcessão, datado de setembro de 2018, determinou-se que a primeira contraprestação somente seria devida a partir do ano 2022, adiando-se o início da onerosidade por mais dois anos, e reduziu-se em 90% a remuneração fixa para os anos 2022 a 2026 de € 1.000.000,00 para € 100.000,00, e após 2026 para € 120.000,00 na sequência da redução do espaço subconcessionado.
O quadro fáctico descrito e alegado pela Requerente evidencia não uma redução de preço, no sentido de desconto ou abatimento parcial, mas a total supressão da retribuição inicialmente prevista na cláusula décima terceira e no Anexo B do contrato de subconcessão para o ano em causa nos autos [2015] e anos subsequentes, até 2020 com o primeiro aditamento, depois, prorrogado para 2022 com o segundo aditamento.
Assinala a Requerida que a Requerente não argui uma redução de preço, porém, na verdade, não teria de o fazer, pois, no período em causa, estamos perante a eliminação pura e simples do caráter oneroso e não uma redução de preço.
Confirmado o pressuposto da ausência de contraprestação para o período em causa, não cabe proceder a qualquer regularização de IVA, mormente nos termos do disposto no artigo 78.º, n.º 2 do Código do IVA, porque não existe imposto que devesse ter sido liquidado em 2015 e que houvesse que regularizar a favor do sujeito passivo por “redução de preço”.
Quanto ao momento em que a extinção do direito à prestação se efetivou, o destaque no relatório de gestão de 2015 (reportado aos factos) ao incumprimento dos pressupostos da subconcessão e à consequente não cobrança da mesma é elucidativo. E se dúvidas existissem, estas foram em definitivo arredadas com o primeiro aditamento de fevereiro de 2017, que formaliza a alteração da cláusula décima terceira do contrato de subconcessão, e que estatui com clareza que as prestações apenas começariam a ser devidas em 2020 (que depois foi estendido para 2022 com o segundo aditamento de 2018 ). Esta modificação contratual projetou os seus efeitos a todos os anos, incluindo 2015, em que deixou de ser cobrada e de estar prevista uma prestação contratualmente devida pela B………. à Requerente pela subconcessão, em virtude do incumprimento dos pressupostos subjacentes à mesma, tendo, nessa medida, efeitos retroativos. No entanto, salienta-se que a não cobrança não foi determinada em 2017 constando já do relatório de gestão de 2015.
Em síntese, a B…….. não tinha a obrigação jurídica de remunerar a Requerente, que sobre aquela não detinha um direito de crédito ou a uma prestação, fixa e/ou variável, pela subconcessão dos parques da C……, no ano 2015 e subsequentes, até hoje.
Importa a este respeito assinalar que os elementos documentais posteriores a 2015, em concreto os aditamentos à subconcessão, permitem confirmar o caráter definitivo da modificação contratual operada ratificando-a, devendo ser atendidos pelo Tribunal, mesmo que tivessem sido produzidos posteriormente à propositura da ação arbitral (que não foram), atento o disposto no artigo 611.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (“CPC”) sobre a atendibilidade de factos jurídicos supervenientes, aplicável ao processo arbitral tributário ao abrigo do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT .
Inexistindo contraprestação associada ao contrato de subconcessão para o ano 2015 (e subsequentes), nos termos e pelas razões acima descritas, a questão que se coloca é a de saber se, nestas circunstâncias, se verificam os pressupostos legais de incidência objetiva do IVA, como defende a Requerida, uma vez que os serviços foram prestados tendo-se mantido a subconcessão e a exploração dos parques de estacionamento pela B……, ou se a não onerosidade implica a não incidência do imposto.
A Requerente vem alegar que a inexistência de facto tributário se funda no artigo 7.º, n.º 3 do Código do IVA, segundo o qual: “Nas transmissões de bens e prestações de serviços de carácter continuado, resultantes de contratos que deem lugar a pagamentos sucessivos, considera-se que os bens são postos à disposição e as prestações de serviços são realizadas no termo do período a que se refere cada pagamento, sendo o imposto devido e exigível pelo respetivo montante.”
No entanto, esta norma respeita à temporalidade do facto tributário, ao momento em que o mesmo se deve ter por verificado, e não à própria existência do facto e aos respetivos requisitos de incidência objetiva. Tal preceito seria convocável se estivéssemos perante uma situação de mero diferimento da contraprestação, ou seja, se a importância de € 600.000,00 inicialmente fixada como contraprestação do ano 2015 (e bem assim a retribuição variável de 33% do volume de negócios desse ano), se mantivesse devida, apesar de postecipada. E ainda assim, com a limitação do n.º 9 desse artigo que determina que, se a periodicidade do pagamento não for fixada ou for superior a 12 meses, o IVA é devido e torna-se exigível no final de cada período de 12 meses, pelo montante correspondente, restringindo qualquer prorrogação ao período máximo de 12 meses para efeitos de exigibilidade do IVA.
Porém, como se viu, extinguiu-se por modificação objetiva do contrato de subconcessão, derivada do incumprimento e/ou da não verificação dos pressupostos subjacentes, no âmbito do reequilíbrio financeiro do contrato, o direito da Requerente ao recebimento de qualquer montante referente à subconcessão, em relação ao ano 2015 (e bem assim aos anos subsequentes).
Deste modo, não existe qualquer contraprestação associada à subconcessão no ano em causa, suscitando-se, a nosso ver, uma qualificação jurídico-tributária distinta daquela preconizada pela Requerente, pois o artigo 7.º, n.º 3 do Código do IVA não constitui suporte da invocada inexistência de facto tributário, antes os artigos 1.º, n.º 1, alínea a), 4.º, n.º 1 e 16.º, n.º 1, todos do referido Código.
Neste âmbito, o Tribunal é livre na qualificação jurídica dos factos alegados, contanto não altere a causa de pedir que, na presente ação, corresponde ao pretendido efeito anulatório com fundamento na inexistência de facto tributário. Este princípio tanto é aplicável no domínio do processo civil, com formulação expressa no artigo 5.º n.º 3 do CPC , como é reconhecido nos Tribunais Administrativos.
Neste âmbito, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, confirmam, em comentário ao artigo 95.º do CPTA [sobre o objeto e limites da decisão], que o Tribunal pode sempre fazer uma qualificação jurídica diversa dos factos que foram alegados nos termos gerais do artigo 664.º do CPC (agora 5.º, n.º 3) , segundo o qual “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” .
O entendimento descrito é, de igual modo, aplicável ao processo arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT.
Retomando a análise concreta, a subconcessão da exploração de parques de estacionamento enquadra-se no conceito de prestação de serviços na aceção do IVA, definido de forma residual e abrangente, sem prejuízo da sua delimitação pela noção de atividade económica, como qualquer operação efetuada a título oneroso que não consubstancie uma transmissão, aquisição intracomunitária ou importação de bens – v. artigos 1.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1 do Código do IVA.
Neste ponto, não subsistem dúvidas de que ocorreu uma efetiva prestação de serviços, corporizada na cedência de exploração dos parques da C…….. Contudo, a tributação desta operação está subordinada à verificação de uma condição, a do seu caráter oneroso, o que relativamente ao ano 2015 e subsequentes (até 2022) não sucedeu, porquanto, contrariamente à regra de cômputo do valor tributável, para efeitos de IVA, não se constata a existência de uma “contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro” (v. artigo 16.º, n.º 1 do respetivo Código).
Com efeito, a existência de uma contraprestação com tradução pecuniária constitui um requisito essencial da tributação em IVA, caracterizada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, como uma prestação obtida ou a obter, no âmbito do intercâmbio real de prestações recíprocas fundado num sinalagma contratual.
O conceito de contraprestação relevante para efeitos de IVA postula ainda um nexo direto (“direct link”) entre a contraprestação acordada e o que é recebido em troca, não reclamando, em qualquer caso, o “lucro” da operação, ou que esta seja realizada com margem, podendo ser inferior ao preço de custo (i.e., com prejuízo), pelo que não é pelo facto de a subconcessão ser deficitária que se conclui pela não incidência de IVA, mas pela inexistência de contraprestação efetiva, em virtude da extinção do direito da Requerente ao pagamento . É, de igual modo, irrelevante o preço de mercado dos bens e serviços transacionados (valor objetivo), prevalecendo a contraprestação real resultante do acordo das partes .
No IVA, o paradigma de quantificação da obrigação tributária é a contraprestação efetiva. Este princípio consta do artigo 73.º da Diretiva IVA (transposto pelo artigo 16.º, n.º 1 do Código do IVA) e é função direta da medida da contrapartida que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva vir a receber em relação a essas operações. De onde sobressai o princípio estruturante de que o IVA deve ser proporcional ao preço efetivamente auferido pelas operações praticadas . Por esse motivo, a AT não deve cobrar um montante de IVA superior ao que foi recebido pelo prestador, nem o sujeito passivo considerar um montante inferior ao recebido, ou ao que ainda espera receber, de molde a salvaguardar a neutralidade do imposto.
Daqui deriva a necessidade, ou dito de outro modo, a obrigação de correção da matéria tributável (e do próprio imposto), quando, depois de efetuada uma transação, se constate que a contraprestação não vai ser recebida, no todo ou em parte, seja porque foi reduzida ou anulada, seja porque se conclui que não vai ser paga pelo adquirente. É neste sentido que dispõe o artigo 90.º, n.º 1 da Diretiva IVA, que obriga os Estados-Membros a reduzir o valor tributável em conformidade, nas condições que sejam por si fixadas, por forma a que as autoridades tributárias não cobrem um montante de IVA superior ao recebido pelo sujeito passivo .
Na situação em apreço a necessidade de correção do IVA não chegou a verificar-se, pois a obrigação de contraprestação foi extinta em 2015, não tendo a Requerente chegado a liquidar o imposto. Tendo ficado assente que à Requerente não assiste o direito a receber qualquer contraprestação relativa à subconcessão no período de tributação de 2015, conclui-se que a mesma não tem que liquidar IVA, devendo ser anulados os atos tributários de liquidação de IVA e de juros compensatórios , por procedência do vício substantivo de violação de lei, em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do novo CPA, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.
2 QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO
Sendo os atos impugnados anulados com fundamento em vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por inexistência do facto tributário, que assegura eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicada, por ser inútil, a apreciação das restantes questões colocadas por aquela, relativamente à legalidade dos atos tributários controvertidos (v. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
VI. DECISÃO
À face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar a ação procedente e anular as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios impugnadas, relativas a 2015, com as legais consequências.
VII. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se ao processo o valor de € 182.708,65 relativo às liquidações de IVA e juros compensatórios cuja anulação é peticionada pela Requerente e não contestado pela Requerida – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VIII. CUSTAS
Custas no montante de € 3.672,00, a cargo da Requerida, por decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT; 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 20 de setembro de 2021
Os árbitros,
Alexandra Coelho Martins
Marcolino Pisão Pedreiro
Sofia Ricardo Borges