DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Guilherme W. d'Oliveira Martins e Prof.ª Doutora Eva Dias Costa (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 29-01-2021, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., SA, pessoa coletiva nº ..., com sede na Rua..., ..., ..., ..., ...-... ...,(adiante apenas Requerente), veio, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação das seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios:
• Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/01;
• Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/02;
• . Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/03;
• . Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/04;
• . Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/05;
• . Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/06;
• . Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/07;
• . Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/ 08;
• . Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/ 09;
• . Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/10;
• . Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/11;
• . Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2017/02.
• . Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2017/03.
• . Liquidação nº 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2017/05.
• . Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2017/06.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 06-11-2020.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 30-12-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 29-01-2021.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente o pedido.
Em 07-06-2021, a Requerente veio ampliar o pedido, com novos documentos, e requerer a dispensa da reunião que estava agendada para produção de prova testemunhal e o aproveitamento da prova produzida no processo n.º 373/2018-T.
Em 08-06-2021, realizou-se uma reunião, em que a Requerente prescindiu da prova testemunhal.
A Autoridade Tributária e Aduaneira pronunciou-se sobe a ampliação do pedido, opondo-se, com excepção do pedido de indemnização por garantia indevida.
Por despacho de 06-07-2021, o tribunal arbitral decidiu indeferir o requerimento de ampliação do pedido com fundamento em novos vícios, admitir o pedido de indemnização por garantia indevida e o aproveitamento da prova produzida no processo n.º 373/2018-T, que correu termos entre as mesmas Partes.
Nesse mesmo despacho, foi decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.
As Partes apresentaram alegações.
Nas suas alegações, apresentadas em 15-07-2021, a Requerente imputou à Autoridade Tributária e Aduaneira litigância de má-fé, tendo foi dada a esta oportunidade de se pronunciar, nas alegações que apresentou em 09-09-2021.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
A) A Requerente integra-se no Grupo B...;
B) A Requerente tem como actividade a criação, promoção e exploração de health clubs, gestão, formação e consultoria em desporto, manutenção física e bem-estar, serviço de nutrição e outras atividades de saúde pública, incluindo tratamentos de fisioterapia;
C) A Requerente desenvolvia a sua actividade em 2016 e também actualmente, num Health Club do Grupo B... localizado na ..., no..., Rua ..., no Porto;
D) Para efeitos de IVA encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal;
E) A Requerente proporciona aos seus sócios não só a prática de ginásio similar aos seus concorrentes de mercado, mas vai bastante para além da mera prática de exercício físico, proporcionando ainda outros serviços;
F) A partir do ano 2013, em concretização da máxima “Life Well”, assente em três pilares “move well, eat well e feel well” – exercício, nutrição, repouso – a Requerente passou também a disponibilizar Serviços de Nutrição (depoimentos das testemunhas);
G) Para prestar tais serviços, a sócios e não sócios, a Requerente contratou dois técnicos especializados – nutricionistas – e apetrechou dois Gabinetes nas suas instalações dedicados em exclusivo a esta área de actividade, nos quais são realizadas as consultas de nutrição (depoimento das testemunhas e documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
H) As expressões “dietista” e “nutricionista”, “dietéticos” e “nutricionais” são utilizadas pela Requerente de forma indistinta para designar respetivamente os profissionais e os serviços relativos à nova área de atividade de nutrição, sendo que os profissionais que realizam as consultas são todos inscritos na Ordem dos Nutricionistas, com quem a Requerente celebrou um protocolo de colaboração (depoimento das testemunhas):
I) Os clientes (“sócios”) da Requerente passaram a poder subscrever um contrato denominado “Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos”, pelo valor de € 15,00 mensais (depoimentos das testemunhas e Relatório da Inspecção Tributária);
J) Também é possível aceder aos serviços de nutrição sem se ser sócio da Requerente, embora, neste caso, em condições financeiras menos vantajosas (depoimentos das testemunhas);
K) No caso de clientes/sócios, ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos, estes têm direito a duas consultas de nutrição presenciais e dois acompanhamentos telefónicos anuais; se pretenderem mais do que estas consultas, podem adquirir, mediante pagamento adicional, consultas de nutrição avulsas, quer isoladamente, quer em pacotes, sendo as consultas prestadas pelos mesmos profissionais que prestam as consultas iniciais do Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos e nas mesmas instalações (Relatório da Inspecção Tributária e depoimento das testemunhas);
L) Aos sócios que aderiram a este serviço de nutrição, subscrevendo o Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos, foi oferecido um desconto de € 15,00 na mensalidade do ginásio. Este desconto é igual à mensalidade dos serviços de nutrição, também fixada em € 15,00, como forma de incentivo à adesão aos novos serviços da Requerente (Relatório da Inspecção Tributária e depoimentos das testemunhas);
M) A subscrição dos serviços dietéticos é uma condição de obtenção do desconto comercial na mensalidade do ginásio. Assim, os clientes/sócios que subscrevem os serviços de nutrição não têm de pagar qualquer valor adicional pelos serviços de nutrição, até ao número de consultas/telefonemas anuais previstos no contrato Relatório da Inspecção Tributária e depoimentos das testemunhas);
N) A Requerente, na facturação emitida, aplicou aos serviços de nutrição previstos nos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos celebrados com os seus clientes, a isenção de IVA prevista na alínea 1), do artigo 9.º do Código do IVA (Relatório da Inspecção Tributária e depoimento das testemunhas);
O) Os clientes podem continuar a usufruir apenas da componente de ginásio, sem as consultas de nutrição (Relatório da Inspecção Tributária e depoimentos das testemunhas):
P) Foi realizada uma acção inspectiva à Requerente relativa ao ano de 2016, a coberto da Ordem de Serviço OI2017...;
Q) Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) junto pela Requerente, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
III.1-EM SEDE DE IVA
III. 1.1 - Do IVA não liquidado - (prestação de serviços dietéticos)
III.1.1.1 Dos Factos
O SP tem como objeto social a exploração de health clubs, cedência de espaços imóveis próprios ou alheios, arrendamento, compra e venda de propriedades, incluindo prédios, e a revenda dos adquiridos para esse fim, bem como a gestão, exploração e manutenção de imóveis e serviços conexos, atividades, estas, que desenvolve no ginásio que explora sob a insígnia C... na ..., no ..., Rua ...(junto à porta 4), no Porto.
Atualmente, nesse estabelecimento são colocadas à disposição dos sócios, não apenas as instalações desportivas necessárias à prática de atividade física (health club) mas também uma série de outras valências, das quais os sócios podem usufruir caso estejam interessados, ou seja, para além da atividade principal (CAE, o SP declara desenvolver mais duas atividades secundárias, a saber.
Quem pretender ser cliente daquele ginásio e usufruir dos serviços nele disponibilizados, tem de se tomar sócio do ginásio explorado pelo SP mediante a assinatura de um contrato individual de adesão - Anexo B de 12 páginas, proceder ao pagamento de uma "taxa de inscrição' e ao pagamento antecipado de uma mensalidade cujo valor é variável de acordo com o número de frequências semanais e/ou serviços utilizados.
Por outro lado, (operação iniciada no exercício de 2013), nos atos de inscrição como sócios, verificamos a existência de clientes que passaram a subscrever um "Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos" (embora também possa ser subscrito à posteriori).
Esta possibilidade é, contudo, extensível aos sócios que já se encontravam, àquela data, com contratos em vigor.
Após o início da ação de inspeção, em 13 de novembro de 2016, notificámos o SP por correio eletrónico - Anexo 4, de 04 páginas, solicitando o envio de diversos elementos e esclarecimentos, entre os quais destacamos:
(...)
Após a receção destes ficheiros, procedemos é respetiva análise:
Verificou-se conformidade entre os ficheiros auxiliares, as declarações periódicas e a contabilidade.
Por outro lado, constatamos que a natureza das vendas e das prestações de serviços (faturação) se distribui, resumidamente, por três grandes áreas de atuação, a saber:
> MSI - Faturação (anual)
> Sporstudio (SS).- Loja (anual)
> Sporstudio (GE) - Gestão Espaços (anual)
O ficheiro "HSSi - Faturação (anual)* engloba a disponibilização das instalações e equipamentos desportivos para a prática de exercício físico - Ginásio (atividade principal) - atividade sujeita a IVA e dele não isenta - e algumas outras atividades associadas, tais como a Nutrição (NUT-FIS) -consideradas pelo SP como atividades isentas de IVA.
A título de exemplo, solicitámos algumas das faturas referentes às mensalidades (Anexo 3) e verificamos que as faturas emitidas sós clientes que subscreveram o contrato de prestação de serviços dietéticos, para além da rubrica "Utilização das instalações desportivas" (atividade sujeita e não isenta), podem surgir outras rubricas, tais como "Personal Training (também atividade sujeita e não isenta). Contudo, a esta ou estas, surge sempre associada a rubrica "Prestação de Serviços Dietéticos ou Nutrição", à qual correspondem códigos tais como "SDIET" consideradas pelo sujeito passivo como isentas de IVA nos termos da alínea 1), do artigo 9.º do CIVA.
Acontece que nas referidas faturas (as das mensalidades de quem subscreveu o contrato de prestação de serviços dietéticos), para além das duas rubricas - a referente à utilização das instalações desportivas e a referente à prestação de serviços dietéticos - surge, ainda, uma terceira rubrica. Trata-se de um desconto por subscrição deste serviço, ou seja:
• "Utilização das instalações desportivas" (sujeita a IVA à taxa normal - 23%);
• "Prestação de serviços dietéticos ou nutrição' (isenta de IVA nos termos da alínea 1) do Art" 9º do CIVA)
Uma terceira rubrica:
• "Desconto por subscrição de acompanhamento dietético ou nutrição" (sujeito a IVA à taxa normal-23%)
Note-se que o SP sujeita o desconto é taxa normal, quando o faz depender da subscrição de um serviço que considera isento e quando ambos os valores são exatamente iguais o que, na prática, transforma este serviço num serviço gratuito.
Ora, como se constata, o valor da prestação de serviços dietéticos, incluído na faturação, é considerado isento pelo sujeito passivo, nos termos da alínea 1) do art.º 9º do CIVA, enquanto o desconto, de montante igual ao do serviço dietético, é objeto de regularização de IVA a favor do sujeito passivo à taxa de 23%, donde decorre que o valor de imposto a ser entregue ao Estado, proveniente da faturação ao cliente da atividade principal desenvolvida (utilização de instalações desportivas), sofre uma diminuição por via da regularização na fatura a favor do SP, no valor de 23% aplicado ao montante faturado com isenção: "Prestação de serviços dietéticos".
Através da respetiva faturação, constata-se que o SP entende que todos os serviços que presta na área da nutrição se encontram isentos de IVA, Não é esse, contudo, o entendimento da AT. Efetivamente, na área da nutrição, o sujeito passivo desenvolve a sua atividade em duas vertentes:
• Prestação de Serviços Dietéticos (SDIET);
• Consultas de Nutrição, isoladas, ou em pacote que podem ir até 6 consultas (vários códigos NUT).
Verificamos na contabilidade do SP a evidência dos dois serviços (SDIET e NUT), não existindo dúvidas que os mesmos dois códigos se referem efetivamente a conteúdos diferentes, e, de facto, de toda a análise efetuada, apurámos que o código NUT se refere a consultas de nutrição, enquanto o código SDIET se refere, unicamente, a "Prestação de Serviços Dietéticos ou Nutrição. Esta "Prestação de Serviços Dietéticos" surge sempre associada à "Utilização das Instalações desportivas'', constituindo, assim, uma atividade acessória a esta.
A prová-lo, estão os "Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos" (Anexo 3) de cujas cláusulas, respetivamente, primeira e terceira, se retira o caráter "acessório" desta vertente dos serviços dietéticos, relativamente ao ginásio, já que o acesso à mesma só é "permitido" enquanto durar o "Contrato de Adesão" (contrato para "Utilização das Instalações desportivas" - Ginásio) - (Anexo 3):
Clausulas 1ª e 3ª:
Caráter acessório:
"Pelo presente a primeira obriga-se a prestar serviços de aconselhamento dietético e nutricional, composto por duas sessões presenciais e dois acompanhamentos telefónicos anuais (...)- (in Clausula 1);
"O término do contrato de adesão referente à utilização de atividades desportivas implica automaticamente a cessação do presente contrato (...) - (in Cláusula 3ª - ponto 3.3)
Note-se que é, exatamente, no caráter acessório destas prestações de serviços que focamos a nossa posição e não na falta de cumprimento dos requisitos para a respetiva prática, uma vez que, nessa matéria, solicitamos elementos e pudemos assim comprovar a conformidade com os requisitos exigidos no Decreto-lei 261/93, de 24 de julho.
Assim, é sobre a demonstração deste caráter acessório da "Prestação de serviços dietéticos" (por contraponto com as consultas de nutrição) e sobre os respetivos enquadramentos em sede de IVA, que nos iremos debruçar no ponto que se segue.
III.1.1.2. Dos fundamentos das correções meramente aritméticas
III.1.1.2.1 Enquadramento fiscal
III.1.1.2.1.1 Direito comunitário
> A Diretiva do IVA estabelece, no nº 1 do seu artigo 132º, a isenção de determinadas prestações de serviços na área da saúde.
> Beneficiam de isenção, nos termos da alínea b), "a hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos".
> Por seu turno, a alínea c) isenta "as prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado Membro em causa".
> A este respeito, o TJUE (Tribunal de Justiça da União Europeia) declarou que o conceito de prestações de serviços de assistência médica que figura na alínea c), do nº 1, do artigo 132º da Sexta Diretiva 2006/112/CE, do Conselho de 28 de novembro de 2006, visa as prestações que tenham por finalidade "diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde" (acórdão de 00-11 -2006, Dornier, Processo C-45/01).
> A aceção de que a isenção prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 132º da diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006 opera independentemente tia forma jurídica do sujeito passivo que fornece as prestações médicas ou paramédicas, isto é, tanto é aplicável às pessoas singulares como às pessoas coletivas, decorre necessariamente da interpretação desta disposição imposta pelo TJUE.
> No acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no processo C-141/00 (caso Kugler, Colet. P. I-6833, n.º 26) é afirmado, a respeito dessa disposição comunitária, que a mesma tem um carácter objetivo, definindo as operações isentas em função da natureza dos serviços prestados, sem mencionar a forma jurídica do prestador, pelo que basta tratarem-se de prestações de serviços médicos ou paramédicos e que sejam fornecidas por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.
> Segundo a jurisprudência do TJUE, nomeadamente o referido Acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no processo c-141/00, referente ao caso Kugler, as alíneas b) e c), do n.º 1, do artigo 132.º, da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2005, embora visem regular a totalidade das isenções aplicáveis às prestações médicas em sentido estrito, têm âmbitos muito distintos.
> Assim, a alínea b), do nº 1, do artigo 132 da Diretiva isenta todas as prestações efetuadas em meio hospitalar.
> Já a alínea c), cio nº 1, do artigo 132º da Diretiva, destina-se a isentar as prestações médicas fornecidas fora desse âmbito, tanto no domicílio privado do prestador como no domicílio do doente, ou em qualquer outro lugar, ou seja, aplica-se a prestações efetuadas fora de organismos hospitalares e no quadro de uma relação de confiança entre o paciente e o prestador de serviços, relação que normalmente tem lugar no consultório deste último.
III.1.1.2.1.2 Direito Interno
> Aquelas isenções previstas nas alíneas c) e b), do nº 1, do artigo 132º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, foram transpostas para o Direito interno:
o Para a alínea 1). do artigo 9.º do CIVA (tendo por base a alínea c), do nº 1, do artigo 132º da Diretiva 2006/112/CE - FORA DE MEIO HOSPITALAR
o Para a alínea 2), do artigo 9.º do CIVA (tendo por base a alínea b), do nº 1, do artigo 132º da mesma Diretiva 2006/112/CE). - EM MEIO HOSPITALAR ;
> Na sequência dessa transposição, a alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, isenta do imposto, "As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas."- FORA DE MEIO HOSPITALAR
> A alínea 2), do mesmo artigo prevê ainda estarem isentas de imposto, "As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efeituadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas,-dispensários e similares.
> Daqui se retira que as isenções previstas nas alíneas 1) e 2), do artigo 9.º do CIVA, respeitam a "atividades que tenham por objeto diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde".
y Ambas se aplicam independentemente de os serviços serem prestados por uma pessoa singular ou coletiva, assim como da finalidade lucrativa ou não do exercício dessas atividades.
> A alínea 2), do artigo 9.º do CIVA, destina-se a isentar os serviços de assistência efetuados no meio hospitalar.
> O SP isenta as suas atividades de prestação de serviços dietéticos com base na alínea 1) do artigo 9º do CIVA (fora do meio hospitalar), conforme se pode verificar pela inscrição em rodapé nas respetivas faturas (Anexo 3V pelo que nos vamos abster de dissecar aqui o conceito de estabelecimento hospitalar, dado não se aplicar a esta situação.
> Assim sendo, passamos, a analisar a isenção aplicada pelo SP à prestação de serviços de nutrição, com base na alínea 1) do artigo 9º do CIVA.
> Ora estabelece a alínea 1) do artigo 9.º do CIVA que "estão isentas as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas".
> Uma vez que não existe no CIVA um conceito que defina o que são atividades paramédicas, teremos que nos socorrer de legislação avulsa para proceder ao seu enquadramento:
- Decreto-lei 261/93, de 24 de Julho, que, basicamente, define os requisitos académicos exigidos para o desempenho da função, e;
- Decreto-lei 320/99, de 11 de agosto, mais especificamente o nº 1 do seu artigo 3º, que refere O conteúdo funcional que terá de, necessariamente, compreender a "realização das atividades constantes do anexo ao já referido decreto-lei 261/93, de 24 de julho, tendo como matriz a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnostico e tratamento da doença, ou de reabilitação." (dessa lista consta, designadamente, à atividade de "dietista").
> Ainda a propósito do conceito de prestação de serviços médicos, previsto na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, importa relembrar que o Acórdão do TJUE, de 14 de setembro de 2000, Processo 384/98, considera como tais as que consistam em "prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando uma doença ou qualquer outra anomalia de saúde" (Processo nº 3251, despacho do SDS dos Impostos, substituto legal do Diretor-Geral, em 2012-06-28).
> E continua: "Tal significa que as prestações de serviços que não tenham este objetivo terapêutico (diagnosticar, tratar e na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde) ficam excluídas do âmbito de aplicação da isenção, sendo sujeitas a imposto e dele não isentas." (sublinhado nosso).
> Ora a isenção aqui aplicada à Prestação de Serviços Dietéticos, com base na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, não é licita por não se tratar, efetivamente, de consultas de nutrição, procuradas pelo utente em razão de alguma necessidade que sinta nessa matéria, mas tão-só a "disponibilização" de um serviço com características de aconselhamento ao utente o qual apenas ocorre no caso de o utente "procurar" esse serviço. Caso não o procure, por dele não sentir necessidade, é-lhe igualmente faturado, nos termos em que já analisamos.
> Tal significa que as prestações de serviços que não tenham objetivo terapêutico, mesmo que efetuadas por paramédicos devidamente habilitados para o efeito, encontram-se excluídas do âmbito de aplicação da Isenção. Enquadram-se aqui as atividades de mera elaboração de dietas integradas em planos alimentares. (Lembramos que o contrato prevê apenas "duas sessões presenciais"(e não consultas) e "dois acompanhamentos telefónicos anuais", os quais surgem designados por 'aconselhamento dietético').
> De facto, se alguém necessitar de uma Intervenção terapêutica ao nível nutricional, procurará um profissional nessa área, não se inscreverá num ginásio, isto é, o propósito da frequência de um ginásio (ou health club) não será, certamente, o de ser consultado por um nutricionista.
> A prová-lo está o facto de esse serviço ser faturado mensalmente a todos os utentes, sem exceção, independentemente de usufruírem ou não da referida consulta, significando isso que .todos os utentes vêem uma parte da mensalidade que pagam pela frequência do ginásio estar sujeita a IVA à taxa normal e outra parte dessa mensalidade estar isenta de IVA, quando a generalidade desses utentes, durante o mês a que essa fatura respeita, não tem qualquer contacto com o nutricionista (embora lhe tenha sido informado que existe um ao seu dispor),
> Assim, a faturação da prestação de serviços de nutrição não beneficia da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, estando sujeita e tributação nos termos gerais do IVA, uma vez que os serviços de aconselhamento nutricional. disponibilizados em complemento da atividade física, não se enquadram no conceito de prestações de serviços médicos nem visam a assistência médica, diagnóstico, tratamento de doenças ou quaisquer anomalias de saúde.
> Ora não sendo aplicável a isenção prevista na alínea 1) do art.º 9º do CIVA, daqui resulta que não pode ser separado na fatura a prestação de serviços de ginásio, da prestação de serviços de nutrição, uma vez que estes últimos fazem parte da prestação de serviços do ginásio, devendo-lhe ser aplicada a liquidação do imposto à taxa norma).
> Efetivamente, o serviço de nutrição é um serviço acessório da prestação de serviço principal que constitui o serviço de ginásio, nos termos s seguir desenvolvidos.
Prestação principal vs acessória
> Decorre do espírito da redação do artigo 2º, n.º 1, c) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente e de que a prestação constituída por um único serviço, no plano económico, não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do IVA.
> Na esteira deste entendimento vem a jurisprudência comunitária confirmar que uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar de melhores condições do serviço principal prestado. Assim, quando existem prestações de serviços que visam melhorar as finalidades prosseguidas pelos ginásios, tomam-se suscetíveis de constituir operações "puramente acessórias" ou "estreitamente conexas".
Este conceito resulta da jurisprudência comunitária nos seguintes acórdãos:
(...)
Acórdão de 17 de Janeiro de 2013, "BQZ Leasing Sp.z o. o.", Processo C-224/11, onde se refere que está "em causa uma operação única, nomeadamente, quando dois ou vários elementos ou aios fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria um caráter artificiar e que *a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA". Continua, ainda, referindo que 'para determinar se as prestações fornecidas constituem verias prestações independentes ou uma prestação única, Importa averiguar os elementos característicos da operação em causa", designadamente, "uma determinada conexão entre si".
Ainda segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, designadamente no nº 30 deste acórdão que se vem referindo (processo C-224/11), "uma prestação é considerada acessória em relação a uma prestação principal, nomeadamente, quando não constitua para a clientela um fim em si. mas sim um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestado".
Este acórdão é particularmente relevante, na medida em que reforça a ideia de que, para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa.
III.1.1.3 Da Análise dos factos
No âmbito da presente Ordem de Serviço, e como já foi referido, verificou-se que as faturas emitidas pelo sujeito passivo aos seus clientes (os quais efetuam contratos de adesão e. acessoriamente, contratos de prestação de serviços dietéticos), para além da rubrica "Utilização das instalações desportivas" (atividade sujeita), podem surgir outras rubricas, tais como "Personal Training" (atividade também sujeita), contudo, surge sempre associada a rubrica "Prestação de Serviços Dietéticos:', à qual correspondem códigos tais como "SDIET", consideradas pelo sujeito passivo como isentas de ÍVA nos termos da alínea 1), do artigo 9.º do CIVA. Surge, ainda, uma terceira rubrica: * Desconto por subscrição de acompanhamento dietético" (sujeito & IVÂ à taxa normal-23%) -veja-se título exemplificativo cópia de faturas no Anexo 3.
Ainda tendo em conta o enquadramento fiscal dos serviços de dietética e nutrição (Ponto III.1.1,2.1/2. -Comunitário e interno), é de salientar que a atividade de "Dietética", não obstante estar prevista no ponto 6 da lista anexa ao D.L, n.º 261/93 de 24.07, esse facto determina, tão só, que se trata de uma atividade paramédica cuja isenção está prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, desde que o seu exercido tenha como objetivo terapêutico diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar (génese da alínea c) do artigo 132º da diretiva do IVA que, por transposição, deu origem é alínea'1) do artigo 9º do CIVA, esta sim, determinante das condições de aplicabilidade de isenção de IVA em matéria de prestação de serviços de saúde).
Assim sendo, é determinante para a aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9ºdo CIVA, que estejam em causa serviços que se consubstanciem na administração direta dos cuidados de saúde ao utente, pressupondo que os mesmos sejam efetivamente realizados, Caso. os serviços não se insiram no conceito de prestações de serviços médicos definido na jurisprudência comunitária, ou seja, se tais serviços não tiverem em vista a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento das doenças ou de qualquer anomalia de saúde, mas apenas a disponibilização do direito de usufruir de um conjunto de serviços (nos quais se podem inserir os serviços médicos ou paramédicos), os mesmos ficam afastados do campo de aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, configurando operações sujeitas a imposto e dele não isentas, passíveis de tributação à taxa normal prevista no artigo 18º do CIVA.
Ora, de facto, a referência, na fatura, à prestação de serviços médicos ou paramédicos como fazendo parte do valor de uma mensalidade previamente contratualizada, independentemente de os mesmos serem prestados, ou não, demonstra que não estamos perante serviços prestados no âmbito da assistência médica.
Da análise a diversos "Contratos de Adesão' e "Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos" (Anexo 3) se retira, designadamente a partir das suas cláusulas primeira, terceira e quinta, que o acesso aos serviços dietéticos só é possível enquanto existir o contrato de adesão para a utilização das instalações desportivas. De facto, e não obstante a cláusula quinta estabelecer que a extinção do contrato de prestação de serviços dietéticos não implica a anulação do contrato de adesão para a utilização das instalações desportivas, nem qualquer alteração és condições subscritas pelo utente, já o inverso, ou seja, o fim do contrato de adesão referente à utilização de atividades desportivas implica automaticamente a cessação de contrato de prestação de serviços dietéticos, o que confere um caráter acessório à prestação de serviços em causa, uma vez que a mesma nunca está dissociada do contrato de adesão que tem em vista a utilização das instalações desportivas (ginásio).
Ora, uma prestação é considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua, para a clientela, um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador.
Assim, considerando a análise efetuada à atividade efetivamente exercida pela entidade, nomeadamente por via da análise dos contratos, da faturação e face aos critérios enunciados no presente relatório sobre o enquadramento fiscal das operações praticadas, considera-se que as consultas de nutrição "avulso", faturadas diretamente ao utente, deverão ser consideradas isentas de IVA, nos termos da alínea 1) do artigo 9º do CIVA, enquanto os serviços dietéticos disponibilizadas aos utentes, faturados enquanto uma rubrica da fatura referente à mensalidade do ginásio não merecem acolhimento na isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, por se tratar de uma prestação de serviços acessória da prestação de serviços de ginásio, sendo de lhes aplicar o tratamento fiscal da prestação principal.
Fica assim demonstrado o caráter acessório da 'Prestação de serviços dietéticos" (identificada pelo sujeito passivo por diversos códigos como "SDIET") enquanto atividade de aconselhamento nutricional disponibilizada aos utentes quê subscrevem um contrato de adesão ao ginásio, em oposição as consultas de nutrição, efetivamente prestadas por profissionais especializados. Estas consultas são adquiridas pelos utentes, isoladamente ou em pacotes que podem ir até 6 consultas, sendo que, nestes casos, estamos perante situações que visam, claramente, "diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde" daqueles sócios do SP que sentem fragilidades ou mesmo problemas ao nível físico que podem estar relacionados com questões nutricionais e de alimentação e que recorrem à compra deste serviço que lhes é faturado através do código "NUT ou variantes do mesmo, conforme o número de consultas adquiridas.
Assim, o sujeito passivo deveria ter procedido à liquidação de IVA sobre a "Prestação de Serviços Dietéticos" (códigos "SDIET)1, uma vez que, relativamente às mesmas - e tão só a essas - não se mostram reunidas as condições para beneficiar da isenção prevista na alínea 1). do art.º 9.º do CIVA.
III.1.1.4 Das propostas de correção (ao IVA não liquidado) -Ano 2016
Como já referido ao longo deste relatório, a nossa análise baseou-se nos elementos e esclarecimentos que nos foram facultados.
Para determinação do valor a corrigir, em sede de IVA, resultante da não consideração da "Prestação de serviços dietéticos" como atividade isenta nos termos da alínea 1) do artigo.9º do CIVA, foi trabalhados, o ficheiro "BOA_Vf)_Prest Serv 2016" - Anexo 6, evidenciando-se os códigos dos artigos relativos àquela prestação de serviços (códigos "SDIET"). Estes ficheiros incluem as mensalidades pagas pelos utentes pela utilização das instalações desportivas s serviços secundários relacionados.
Assim, destes ficheiros, foram extraídas, por cada fatura, as linhas que indicam, cumulativamente:
Relembramos que, por vezes, ao invés do artigo "SDIET" surge a designação "SDIET1", ou outras, todas elas significando "Prestação de Serviços Dietéticos".
R) Na sequência da inspecção, aplicando as correcções efectuadas, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios:
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/01;
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/02;
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/03;
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/04;
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/05;
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/06;
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/07;
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/ 08;
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/ 09;
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/10;
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/11;
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2017/02.
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2017/03.
Liquidação nº 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2017/05.
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2017/06;
S) Foram disponibilizadas consultas de nutricionismo aos sócios/cliente da Requerente conjuntamente com serviços de ginásio, mas apenas uma parte destas foi efectivamente realizada;
T) Por despacho de 19-08-2015, do Subdiretor-Geral do IVA, foi emitida a Informação Vinculativa n.º 9215, publicitada em
https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informações_vinculativas/despesa/civa/Documents/INFORMA%C3%87%C3%83O.9215.pdf;
U) Nessa Informação Vinculativa, relativa a «Isenções - Serviços de aconselhamento de nutrição, prestados em Health clubs, clubes de fitness e ginásios, faturados aos seus clientes, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável», cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais, que
15.A atividade de nutricionista enquadra-se na descrição prevista para o exercício da atividade de "dietética" prevista nos Decretos-Lei anteriormente citados, pelo que, tem sido entendimento da AT que as prestações de serviços efetuadas por nutricionistas podem ser abrangidas pela isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que estejam cumpridas as condições enumeradas nos referidos diplomas e se refiram a operações abrangidas pelo item 5 do Anexo ao Decreto-Lei n.º 261/93. 16.Nesse pressuposto, os serviços prestados por dietistas, bem como, por nutricionistas, quer sejam prestados diretamente ao utente quer sejam prestados a uma qualquer entidade com quem contratualizem os seus serviços, são abrangidos pela isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA. 17.Esta isenção refere-se ao exercício objetivo das atividades e não à forma jurídica que o caracteriza, encontrando-se, assim, as atividades descritas, isentas ainda que desenvolvidas no âmbito das sociedades. Tal entendimento decorre da interpretação desta disposição legal pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nomeadamente no Acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no âmbito do processo C-141/00 (caso Kugler, Colect. P. I6833, n.º 26), que resume o caráter objetivo da isenção no preenchimento de duas condições: se trate de serviços médicos ou paramédicos e que estes sejam fornecidos por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas».
(...)
CONCLUSÃO 23.Face a todo o exposto, conclui-se que os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (Decretos-Lei n.ºs 261/93 de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto)»;
V) Pelo menos parte das consultas de nutrição realizadas tem fins terapêuticos, visando tratar, prevenir ou diagnosticar doenças;
W) Em 04-12-2020, a Requerente constitui penhor a favor da Fazenda Nacional par garantia de pagamento das quantias liquidadas (documentos n.ºs 3, 4 e 5 juntos com a ampliação do pedido, cujos teores se dão como reproduzidos);
X) As liquidações referentes a períodos de 2017 que se indicaram, referem-se a acertos de contas de IVA de 2016, em virtude de ter havido reembolso de IVA (documentos n.ºs 6 a 15 juntos com o requerimento de ampliação do pedido e ponto do 3 deste requerimento, não contestado);
Y) Em 05-11-2020, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nas gravações dos depoimentos prestados no processo arbitral n.º 373/2018-T, bem como nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e com a ampliação do pedido, para além dos que constam do processo administrativo.
Provou-se que foram disponibilizadas consultas de nutricionismo aos sócios/clientes da Requerente, que foram facturadas, mas apenas uma parte destas foi efectivamente realizada.
A fixação da matéria de facto, quando não há provas dos tipos previstos na lei, deve basear-se na convicção dos Árbitros, baseada nas regras da experiência, nos termos do artigo 16.º, alínea e), do RJAT.
A matéria relativa à saúde individual integra-se na reserva da intimidade da vida privada, constitucionalmente garantida (artigo 26.º, n.º 1, da CRP), pelo que a obtenção de informações sobre o estado de saúde dos utentes das consultas de nutrição só seria permitida, sem consentimento dos interessados, com observância do princípio da proporcionalidade ( ).
Afigura-se que não se compagina com o princípio da proporcionalidade a devassa da intimidade da vida provada de cada um dos utentes das consultas de nutrição o hipotético interesse público de detectar situações em que poderá haver cobrança de € 3,15 euros de IVA em facturas de € 15,00, valor aquele cerca de oito vezes inferior à isenção técnica prevista no artigo 94.º, n.º 4, do CIVA, na redacção da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, actual n.º 5, na redacção da Lei 47/2020, de 24 de Agosto.
Por outro lado, os nutricionistas estão sujeitos a sigilo profissional [artigo 77.º, alínea f), do Estatuto da Ordem dos Nutricionistas, aprovado pela Lei n.º 51/2010, de 14 de Dezembro, e artigo 4.º, alínea i), do Código Deontológico da Ordem dos Nutricionistas, aprovado pelo Regulamento n. 587/2016, de 02-06-2016, publicado no Diário da República, 2.ª série - N.º 112 - 14 de Junho de 2016), pelo que não pode ser obtida, através de quem prestou as consultas de nutrição, informação individualizada sobre os objectivos de cada uma das consultas.
Neste contexto, só é viável a prova das finalidades das consultas com base em presunções, baseadas nas regras da experiência dos árbitros, como se prevê na citada alínea e) do artigo 16.º do RJAT.
E as regras da experiência, inclusivamente baseadas na experiência arbitral, apontam no sentido de haver consultas de nutrição contratadas e efectuadas com objectivos terapêuticos, de prevenir ou curar problemas de saúde , designadamente em casos de obesidade, que são uma preocupação manifesta de saúde pública ( ), havendo outras que visam primacialmente objectivos de outros tipos, com estéticos ou melhoramento de capacidades desportivas.
Assim, é de presumir à face das regras de experiência que parte das consultas contratadas e efectuadas tinham objectivos terapêuticos.
3. Matéria de direito
3.1. Questões que são objecto do processo. Âmbito do contencioso arbitral
Como já se decidiu no despacho de 06-07-2021, não é admissível a ampliação do pedido com invocação de novos vícios, pelo que o pedido de pronúncia arbitral tem de ser apreciado apenas tendo em conta os que foram arguidos no pedido de pronúncia arbitral, não sendo objecto do presente processo os vícios invocados no requerimento de ampliação do pedido e nas alegações da Requerente que não foram inicialmente invocados.
Por outro lado, o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º, n.º 1, do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele], pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos, designadamente invocados no âmbito da impugnação contenciosa, o que se reconduziria a substituir os actos impugnados por outros, com diferente fundamentação. ( )
Estando os tribunais arbitrais sujeitos à lei e obrigados a decidir de acordo com o direito constituído (artigos 203.º da CRP e 2.º, n.º 2, do RJAT) não podem perante a constatação da ilegalidade de um acto liquidação deixar de a declarar, pela hipotética existência de um outro acto legal que poderia ter sido praticado, mas não o foi.
No nosso sistema de administração executiva é à Autoridade Tributária e Aduaneira e não aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que é conferida competência para a prossecução do interesse público da cobrança de impostos, tendo estes apenas competências de controle da legalidade dos actos que a Autoridade Tributária e Aduaneira praticar no exercício dessa competência, nos termos limitados em que está prevista no RJAT.
Por isso, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não podem, constatada a ilegalidade de um acto de liquidação, deixar de a declarar e substituírem-se à Administração Tributária substituindo o acto ilegal que ela praticou por um acto diferente com a fundamentação e conteúdo que ele próprio adoptaria se fosse a ele, Tribunal Arbitral, e não à Autoridade Tributária e Aduaneira que a lei atribuísse o poder de prosseguir o interesse público da cobrança de impostos.
Na verdade, com resulta do teor expresso do artigo 24.º, n.º 1 do RJAT, em sintonia com o artigo 100.º da LGT, é à Autoridade Tributária e Aduaneira e não ao tribunal arbitral que a lei impõe o dever de «praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral».
É uma opção legislativa que se justifica porque a admissão, na pendência do processo jurisdicional, de uma alteração a posteriori da fundamentação em que assentam os actos impugnados, afectaria o direito da Requerente à tutela judicial efectiva, constitucionalmente reconhecido nos artigos 20.º, n.º 1, e 268,º, n.º 4, da CRP, pois prejudicaria a possibilidade de os contribuintes em relação à nova fundamentação utilizarem a globalidade dos meios de defesa administrativos e jurisdicionais previstos na lei para defesa dos seus direitos contra actos de liquidação (reclamação graciosa, recurso hierárquico, revisão do acto tributário e opção pela jurisdição arbitral ou por impugnação judicial perante os tribunais tributários).
Na verdade, se a fundamentação das liquidações tivesse sido a falta de prova da finalidade terapêutica das consultas de nutrição, em vez da acessoriedade em relação aos serviços de ginásio, a defesa da Requerente e a prova que a produzir poderiam ser diferentes.
Assim, a fundamentação a posteriori, não contemporânea do acto impugnado, só pode ser fundamento de um novo acto, eventualmente praticado em execução de decisão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT e 100.º da LGT.
Como lapidarmente esclareceu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 31-01-2018, processo n.º 01157/17, por força do princípio da separação de poderes enunciado nos artigo 2.º da CRP, não sendo o Tribunal um órgão com competências primárias para definir a tributação, «não pode recorrer a outros filtros para aferir a legalidade do acto impugnado (já que os seu poderes de cognição não podem ir além dos fundamentos de que o acto explicitamente partiu), nem pode substituir-se à Administração na determinação de outra matéria tributável (sob pena de estar a invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária)».
A Requerente presta consultas de nutrição nas suas instalações, em que também presta serviços de ginásio, além de outros serviços.
Parte das consultas de nutrição são contratadas isoladamente ou em «pacote» de consultas e facturadas autonomamente, a clientes/sócios da Requerente que as pretendem especificamente.
Mas, a Requerente disponibiliza também consultas de nutrição a clientes/sócios que pretendem os serviços de ginásio, facturando-as em conjunto com os serviços de ginásio.
Dessas consultas incluídas em «pack» com os serviços de ginásio, apenas uma parte, não quantificada, é efectivamente prestada.
As consultas adquiridas isoladamente ou em «pack» são prestadas nos mesmos termos, pelos mesmos nutricionistas e nos mesmos locais a isso destinados.
A Requerente aplicou isenção de IVA a todas as consultas de nutrição, com base na da alínea 1) do art.º 9º do CIVA, independentemente de terem ou não sido realizadas.
Algumas consultas foram facturadas como «Consultas de Nutrição», isoladamente de outros serviços, individualmente ou em pacote que podem ir até 6 consultas (consultas com vários códigos NUT).
Outras consultas foram faturadas como «Prestação de serviços dietéticos» (código SDIET), estando sempre associada à «Utilização de instalações desportivas».
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu no Relatório da Inspecção Tributária «que as prestações de serviços que não tenham objetivo terapêutico, mesmo que efetuadas por paramédicos devidamente habilitados para o efeito, encontram-se excluídas do âmbito de aplicação da Isenção. Enquadram-se aqui as atividades de mera elaboração de dietas integradas em planos alimentares».
A Autoridade Tributária e Aduaneira aceitou que as consultas de nutrição contratadas isoladamente beneficiavam da isenção referida, não efectuando qualquer correcção.
Mas, quanto às consultas disponibilizadas em «pack» com serviços de ginásio e em parte efectivamente prestadas a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que não beneficiavam da referida isenção porque «não se enquadram no conceito médicos nem visam a assistência médica, diagnóstico, tratamento de doenças ou quaisquer anomalias de saúde» e deverem ser consideradas acessórias dos serviços de ginásio.
Foi essencialmente isto que a Autoridade Tributária e Aduaneira sintetizou no Relatório da Inspecção Tributária da seguinte forma:
Assim, considerando a análise efetuada à atividade efetivamente exercida pela entidade, nomeadamente por via da análise dos contratos, da faturação e face aos critérios enunciados no presente relatório sobre o enquadramento fiscal das operações praticadas, considera-se que as consultas de nutrição "avulso", faturadas diretamente ao utente, deverão ser consideradas isentas de IVA, nos termos da alínea 1) do artigo 9º do CIVA, enquanto os serviços dietéticos disponibilizadas aos utentes, faturados enquanto uma rubrica da fatura referente à mensalidade do ginásio não merecem acolhimento na isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, por se tratar de uma prestação de serviços acessória da prestação de serviços de ginásio, sendo de lhes aplicar o tratamento fiscal da prestação principal.
Assim, interpretando o Relatório da Inspecção Tributária, é de concluir que
– a Administração Tributária entendeu que apenas parte das consultas de nutrição facturadas aos sócios/clientes da Requerente não podia beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, designadamente as que foram facturadas conjuntamente com serviços de ginásio;
– a razão pela qual entendeu que essa parte das consultas, com os códigos SDIET, não podia beneficiar da isenção não foi o hipotético entendimento de que elas não tenham finalidade terapêutica ou não terem sido prestadas;
– a não aceitação da aplicação da isenção relativamente às consultas com códigos SDIET foi justificada exclusivamente pelo entendimento de que são «uma prestação de serviços acessória da prestação de serviços de ginásio», o que entendeu impor a aplicação do regime fiscal dos serviços de ginásio.
Assim, por um lado, a Administração Tributária, no RIT, não questionou que os serviços prestados de nutricionismo, pela sua natureza, não sejam susceptíveis de beneficiarem da isenção prevista no artigo 9.º, n.º 1, do CIVA, designadamente não invocando que não tenham natureza terapêutica, nem afastando a isenção se as consultas foram facturadas fora do âmbito de pacotes em que se incluem serviços gímnicos.
De resto, está-se perante uma situação enquadrável na Informação Vinculativa n.º 9215, com despacho de 19-08-2015, do Senhor Director-Geral do IVA, por delegação do Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, em que se entendeu que «os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (Decretos-Lei n.ºs 261/93 de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto)». ( )
Por outro lado, a Autoridade Tributária e Aduaneira também não baseou a correcção no facto de parte das consultas facturadas em conjunto com os serviços de ginásio terem sido disponibilizadas, mas não terem sido efectivamente realizadas.
Assim, a questão que se coloca neste meio contencioso que tem apenas por objecto «a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos» (artigo 2.º do RJAT) é apenas a de saber se está ou não em sintonia com a lei o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de que as consultas facturadas em conjunto com serviços de ginásio são prestações acessórias destes.
3.2. Questão da natureza acessória ou não das consultas de nutrição facturadas em «pack» com serviços de ginásio
Como se disse, não foi fundamento das correcções efectuadas a não utilização das consultas adquiridas por grande parte dos clientes /sócios da Requerente, mas apenas a invocada natureza acessória em relação aos serviços de ginásio.
Afigura-se que esta questão está proficientemente tratada no acórdão arbitral proferido no processo n.º 373/2018-T, que tem subjacente uma situação fáctica essencialmente idêntica, pelo que se reitera aqui o entendimento aí adoptado, tendo em mente o artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil que estabelece que «nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito».
Este «tratamento análogo» justifica-se acentuadamente em situações como a presente em que as situações fácticas e o enquadramento jurídico são idênticos e as questões a apreciar são as mesmas.
Refere-se nesse acórdão o seguinte:
«O princípio geral que constitui o ponto de partida é o de que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente, como, a título de exemplo, assinalam os Acórdãos Levob Verzekeringen, C-41/04, de 27 de outubro de 2005, e CPP, C-349/96, de 25 de fevereiro de 1999.
O regime-regra pode, porém, ser afastado e uma prestação ser considerada acessória em relação a uma prestação principal e partilhar do regime (de IVA) desta, “quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador” – Acórdãos CPP, C-349/96, e Madgett e Baldwin, C-308/96 e C-94/97, de 22 de outubro de 1998. Em determinadas circunstâncias, “várias prestações formalmente distintas, suscetíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes” – Acórdão Part Service, C-425/06, de 21 de fevereiro de 2008. (realce nosso)
Para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa.
Contudo, não existe uma regra absoluta para determinar o alcance de uma prestação para efeitos de IVA, sendo, para tal, necessário tomar em consideração todas as circunstâncias em que a operação em questão se desenrola – Acórdãos BGŻ Leasing, C-224/11, de 17 de janeiro de 2013, Field Fisher Waterhouse, C-392/11, de 27 de setembro de 2012, e demais jurisprudência acima citada.
O Tribunal de Justiça apela ao padrão do “consumidor médio” como ponto de vista a partir do qual se pode concluir estarmos perante uma prestação única.
Segundo este Tribunal atenta a “dupla circunstância de que, por um lado, do artigo 2.º, n.º 1, da Sexta Diretiva [artigo 2.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva IVA] decorre que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente e que, por outro, a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA, importa assim, em primeiro lugar, procurar encontrar os elementos característicos da operação em causa para determinar se o sujeito passivo fornece ao consumidor, entendido como um consumidor médio, diversas prestações principais distintas ou uma prestação única […]. O mesmo se passa quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao consumidor, entendido como consumidor médio, estão tão estreitamente conexionados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial – Levob Verzekeringen, C-41/94. No mesmo sentido, veja-se o caso Aktiebolaget NN, C-111/05, de 29 de março de 2007 . (realce nosso)
A realização, a título oneroso, de uma prestação que não é indispensável para atingir o objetivo visado pela prestação “principal”, se bem que possa ser considerada muito útil para essa prestação, não será considerada uma prestação estreitamente conexa, conforme preconiza o Tribunal de Justiça no caso Ygeia, C-394/04, de 1 de dezembro de 2005.
Acresce que se o cliente tiver a faculdade de escolher os seus prestadores e/ou as modalidades de utilização dos bens ou serviços em causa, as prestações relacionadas com estes bens ou serviços podem, em princípio, ser consideradas distintas da operação dita “principal” – Acórdão Wojskowa Agencja Mieszkaniowa, C-42/14, de 16 de abril de 2015.
Retomando a análise concreta, a Requerente presta nas suas instalações múltiplos serviços, todos relacionados com a manutenção de um estilo de vida saudável e bem-estar, como a atividade física, a estética, a nutrição ou o SPA. Apesar de todos estes serviços se orientarem a um denominador comum, numa abordagem multidisciplinar, a conjugação dos diversos serviços apresenta-se complementar e não acessória.
Com efeito, as prestações de serviços das diversas áreas são perfeitamente autonomizáveis e existem independentemente umas das outras. Os clientes mantêm a faculdade de escolha dos prestadores e das modalidades de utilização dos serviços em causa. O facto de a Requerente, por razões comerciais, ter estabelecido condições vantajosas que fomentam e promovem a adesão aos novos serviços de nutrição, tendo em vista o arranque dessa nova área de atividade e assegurar uma oferta mais vasta de serviços, com o intuito de fidelização dos clientes, não conduz à consideração destes como meramente acessórios à utilização do ginásio.
A prática de exercício físico é independente da adoção ou não determinado regime alimentar, pelo que devem ser consideradas prestações de serviços distintas.
Não se verifica, pois, a indissociabilidade das consultas de nutrição relativamente à prática de exercício físico e de utilização das instalações desportivas da Requerente, nem aquelas consultas são condição indispensável para atingir o objetivo visado pela utilização do ginásio, pelo que não devem ser consideradas estreitamente conexas, sem prejuízo de poderem, em ambos os casos, potenciar uma melhor condição física.
As referidas consultas valem por si, têm objetivos próprios e o seu sentido não advém estritamente da melhoria dos serviços de ginásio. Aliás, existem sócios que não aderiram aos referidos serviços de nutrição e, por outro lado, a Requerente presta serviços de nutrição a não sócios, que não utilizam o ginásio. Refira-se que a esta conclusão chega, de igual modo, a Decisão Arbitral, de 2 de abril de 2018, proferida no processo do CAAD n.º 454/2017-T, que versa sobre situação análoga.
No que se refere à forma de faturação, a concessão de um desconto equivalente ao preço dos serviços de nutrição na mensalidade do ginásio é uma opção comercial que não pode ser sindicada pela AT, por se inserir na liberdade de gestão da Requerente, que pode determinar o preço dos seus serviços. De salientar que os referidos preços não são dirigidos a entidades relacionadas, sendo aplicados à generalidade dos seus clientes e ao público em geral.
Por outro lado, a diferente codificação “SDIET” e “NUT” aplicável às consultas de nutrição abrangidas pelo Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos e às consultas de nutrição adquiridas avulso não afetam a natureza exatamente idêntica dos serviços prestados.
Trata-se de uma codificação que visa facilitar a análise/comparabilidade das consultas geradoras de receita incremental (up-selling), representando uma forma de tratamento da informação de gestão da Requerente que não patenteia ou indicia realidades diferenciadas, sendo inidónea a suportar uma re-caracterização das operações. Ficou demonstrado que as consultas, independentemente da forma como são remuneradas – na mensalidade ou de forma avulsa – são prestadas exatamente da mesma forma, com os mesmos objetivos, pelos mesmos profissionais e nas mesmas instalações.
À face do exposto, conclui-se pela não acessoriedade das consultas de nutrição prestadas pela Requerente relativamente aos serviços de utilização de instalações desportivas e, em consequência pela aplicabilidade da isenção prevista no artigo 9.º, 1) do Código do IVA, enfermando os atos tributários impugnados de erro de direito, pelo que devem ser anulados».
Na mesma linha, é de salientar ainda, que para efeitos da regra de que «cada prestação deve normalmente ser considerada distinta e independente», quanto às prestações de serviços de nutricionismo há «fortes indícios a favor da sua individualidade e consequente tratamento distinto em sede de IVA (aplicação da taxa normal às prestações de serviços de actividades físicas e da isenção às prestações de serviços de nutricionismo): (i) A contratação de nutricionistas inscritos na respectiva Ordem legalmente habilitados a exercer tal profissão; (ii) A existência de instalações adequadas à prática da actividade de nutricionismo, nomeadamente de gabinetes devidamente apetrechados para as consultas; (iii) A prática de facturação separada, individualizando especificamente as prestações de serviços de nutricionismo das prestações de serviços relativas à prática de actividades físicas». ( )
Neste contexto, a consideração separada nas facturas das prestações relativas à utilização das instalações gímnicas e à prestação de serviços dietéticos não pode constituir, em si mesma, uma decomposição artificial de uma operação económica única, suscetível de alterar a funcionalidade do sistema do IVA.
Além disso, o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de que as consultas com os códigos SDIET eram diferentes das consultas com códigos NUT e que só estas tinham fins terapêuticos enferma de erro sobre os pressupostos de facto, pois resulta da prova produzida que eram prestadas em termos idênticos e que parte das consultas com códigos SDIET também tinha finalidades terapêuticas.
Por isso, o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de que as consultas de nutrição facturadas em «pack» com os serviços de ginásio, com códigos SDIET, devem ser consideradas prestações acessórias é ilegal por contrariar o Direito da União Europeia, para além de enfermar de vício de erro sobre os pressupostos de facto.
3.3. O acórdão do TJUE invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira e a repartição nacional de competências entre Tribunais e Administração Tributária
A Autoridade Tributária e Aduaneira invoca o acórdão do TJUE Frenetikexito, de 04-03-2021, processo n.º C-581/19, em que se decidiu que «a Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva».
Como se vê esta decisão do TJUE, confirma a sua jurisprudência anterior e a verificação e conclusão a que se chegou no transcrito acórdão arbitral n.º 378/2018-T, sobre a natureza não acessória das consultas de nutrição em relação aos serviços de ginásio.
No caso em apreço, o facto de haver sócios/clientes da Requerente que apenas utilizam os serviços de nutrição, demonstra bem que estes devem ser considerados como uma prestação distinta e independente dos serviços de ginásio, não sendo uma forma de aqueles usufruírem melhor destes serviços.
Por isso, no que releva para a presente decisão, a jurisprudência do TJUE confirma o erro de que enferma a posição assumida no RIT pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao entender que as consultas de nutrição deveriam ser consideradas prestações acessórias dos serviços de ginásio e não «prestação de serviços distinta e independente».
Isto é, este acórdão do TJUE confirma que as liquidações efetuadas enfermam da ilegalidade que lhes foi imputada por erro sobre os pressupostos de direito ao entender as referidas consultas deveriam ser consideradas acessórias dos serviços de ginásio.
É certo que, na parte em que se refere que o serviço referido «não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva» a doutrina do TJUE poderia justificar que, em vez das correcções que fez, com os fundamentos que utilizou, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuasse diferentes correcções, com distintos fundamentos.
Mas, como já se referiu, o processo arbitral é um meio contencioso de mera legalidade, em que aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD foram atribuídos meros poderes de declaração de ilegalidade e consequente anulação de actos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT.
Estando os tribunais arbitrais sujeitos à lei e obrigados a decidir de acordo com o direito constituído (artigos 203.º da CRP e 2.º, n.º 2, do RJAT) não podem perante a constatação da ilegalidade de um acto liquidação deixar de a declarar, pela hipotética existência de um outro acto legal que poderia ter sido praticado, mas não o foi.
No nosso sistema de administração executiva é à Autoridade Tributária e Aduaneira e não aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que é conferida competência para a prossecução do interesse público da cobrança de impostos, tendo estes apenas competências de controle da legalidade dos actos que a Autoridade Tributária e Aduaneira praticar no exercício dessa competência, nos termos limitados em que está prevista no RJAT.
Por isso, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não podem, constatada a ilegalidade de um acto de liquidação, deixar de a declarar e substituírem-se à Administração Tributária substituindo o acto ilegal que ela praticou por um acto diferente com a fundamentação e conteúdo que ele próprio adoptaria se fosse a ele, Tribunal Arbitral, e não à Autoridade Tributária e Aduaneira que a lei atribuísse o poder de prosseguir o interesse público da cobrança de impostos.
Na verdade, com resulta do teor expresso do artigo 24.º, n.º 1 do RJAT, em sintonia com o artigo 100.º da LGT, é à Autoridade Tributária e Aduaneira e não ao tribunal arbitral que a lei impõe o dever de «praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral».
É uma opção legislativa que se justifica porque a admissão, na pendência do processo jurisdicional, de uma alteração a posteriori da fundamentação em que assentam os actos impugnados, afectaria o direito da Requerente à tutela judicial efectiva, constitucionalmente reconhecido nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP, pois prejudicaria a possibilidade de os contribuintes em relação à nova fundamentação utilizarem a globalidade dos meios de defesa administrativos e jurisdicionais previstos na lei para defesa dos seus direitos contra actos de liquidação (reclamação graciosa, recurso hierárquico, revisão do acto tributário e opção pela jurisdição arbitral ou por impugnação judicial perante os tribunais tributários).
Na verdade, se a fundamentação das liquidações tivesse sido a falta de prova da finalidade terapêutica das consultas de nutrição, em vez da acessoriedade em relação aos serviços de ginásio, a defesa da Requerente e a prova que a produzir poderiam ser diferentes.
Assim, a fundamentação a posteriori, não contemporânea do acto impugnado, só pode ser fundamento de um novo acto, eventualmente praticado em execução de decisão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT e 100.º da LGT.
Como lapidarmente esclareceu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 31-01-2018, processo n.º 01157/17, por força do princípio da separação de poderes enunciado nos artigo 2.º da CRP, não sendo o Tribunal um órgão com competências primárias para definir a tributação, «não pode recorrer a outros filtros para aferir a legalidade do acto impugnado (já que os seu poderes de cognição não podem ir além dos fundamentos de que o acto explicitamente partiu), nem pode substituir-se à Administração na determinação de outra matéria tributável (sob pena de estar a invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária)».
Os poderes que são atribuídos aos tribunais tributários limitam-se à declaração de ilegalidade de actos (artigo 2.º, n.º 1, do RJAT), eliminando-os da ordem jurídica, não se incluindo entre nesses poderes o de substituir os actos praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), a competência do TJUE em sede de reenvio prejudicial, limita-se à "interpretação dos Tratados", e à "validade e a interpretação dos actos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União", pelo que não se estende à interpretação das normas nacionais sobre a o âmbito dos processos jurisdicionais e sobre a repartição de competências entre os Tribunais e a Administração, na densificação do princípio da separação de poderes.
É apenas quanto às matérias que se inserem nas competências do TJUE que as decisões proferida em reenvio prejudicial podem ser consideradas obrigatórias (pelo menos, quando não são contraditórias).
De resto nem existe qualquer norma do direito da União Europeia sobre as competências dos tribunais arbitrais em matéria tributária e tipo de poderes que lhes são atribuídos, sendo matéria que se insere plenamente na discricionariedade do legislador nacional.
Por isso, não havendo qualquer competência do TJUE em matéria de repartição de competências entre Tribunais e Administração Tributária, nem tendo sido proferida qualquer decisão sobre a forma processual adequada à implementação do Direito da União em matéria de isenções de IVA, não há qualquer fundamento para colocar, nesta matéria de definição do âmbito do contencioso arbitral tributário, qualquer questão de violação do artigo 8.º, n.º 4, da CRP ou de consequente inconstitucionalidade.
Para além disso, a decisão do TJUE é proferida «sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio», pelo que deixa aos Tribunais Nacionais a tarefa de averiguar se as consultas de nutrição têm ou não finalidades terapêuticas e, no caso em apreço, este Tribunal Arbitral considerou provado que parte das consultas com os códigos SDIET tinham essa finalidade.
Por isso, a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira no sentido de que nenhuma dessas consultas com Código SDIET tinha finalidades terapêuticas enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto, que, por si só, justifica a anulação das liquidações impugnada, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
Não está em causa, assim, quanto à finalidade das consultas, o primado do Direito da União, afirmada no n.º 4 do artigo 8.º da CRP (em qualquer das interpretações contraditórias que o TJUE tem vindo a fazer sobre o alcance da isenção), mas sim a sua aplicação ao caso em apreço, a «verificação» por um órgão jurisdicional nacional, que é exclusivamente competente para aplicar o direito os factos.
3.4. Litigância de má-fé
A Requerente nas suas alegações formula o seguinte pedido:
« Devendo a AT ser condenada como litigante de má fé ao vir nos presentes autos e já na pendência dos mesmos invocar fatos novos que não foram sequer objeto de contraditório tentando a revelia de todos os princípios norteadores de um Estado de direito tributar o sujeito passivo , quando o próprio sujeito passivo solicitou parecer vinculativo sobre a questão da isenção de IVA tudo nos termos do artigo 104.º da LGT que estabelece que «sem prejuízo da isenção de custas, a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre litigando de má fé em caso de atuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adotado em situações idênticas» para alem de fazer do processo um uso reprovável ao vir alegar fatos contrários aos constates do RI e que serviram de base as notas de liquidação ora impugnadas».
(...)
A litigância de má-fé abrangerá indemnização nomeadamente o pagamento e todos os custos que a requerente suportou com os processos executivos instaurados na sequência das notas de liquidação e honorários de advogado».
Embora este pedido tenha sido formulado nas alegações, a Autoridade Tributária e Aduaneira teve oportunidade de se pronunciar sobre ele nas suas alegações ou autonomamente no prazo de 10 dias, que é o prazo supletivo para a prática de actos processuais, nos termos dos artigos 23.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 29.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicáveis aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
No artigo 104.º, n.º 1, da LGT estabelece-se que «a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre litigância de má fé em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas».
Sendo uma das poucas normas processuais incluídas na LGT, ela está vocacionada para aplicação generalizada em processos tributários, sendo essa aplicação generalizada que pode justificar que ela não esteja incluída no CPPT, que regula a tramitação dos processos nos tribunais tributários estaduais.
À arbitragem tributária, por força da lei, são aplicáveis subsidiariamente as normas aplicáveis nos tribunais tributários estaduais, arroladas no n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por isso, não há obstáculo à aplicação nos tribunais tributários de condenações da Autoridade Tributária e Aduaneira por litigância de má-fé, nos termos em que está prevista no artigo 104.º, n.º 1, da LGT.
Como resulta do exposto, os termos em que é permitida a condenação por litigância de má-fé nos tribunais arbitrais são os definidos no n.º 1 do artigo 104.º da LGT.
No regime do processo civil a condenação por litigância de má-fé abrange multa e indemnização à parte contrária, se ela a pedir (artigo 542.º, n.º 1. do CPC).
Mas, no artigo 104.º, n.º 1, da LGT, prevê-se apenas a aplicação de sanção pecuniária e não também indemnização à parte contrária.
Assim, desde logo, não há fundamento legal para condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira em «indemnização e honorários de advogado», como é requerido.
Por outro lado, o fundamento invocado pela Requerente para o pedido de condenação por litigância de má-fé, que é a invocação de «fatos novos que não foram sequer objecto de contraditório tentando a revelia de todos os princípios norteadores de um Estado de direito», não se enquadra em nenhuma das duas únicas situações em que o artigo 104.º, n.º 1, da LGT prevê a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira por litigância de má-fé, designadamente, «actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas».
Na verdade, a Informação vinculativa junta pela Requerente como documento n.º 1 com o seu requerimento de ampliação do pedido não foi prestada à Requerente, mas sim ao sujeito passivo D..., SA., NIF ....
Pelo exposto, por falta de fundamento legal, é de indeferir o requerimento de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira por litigância de má-fé.
3.5. Indemnização por prestação de garantia através de penhor
A Requerente constituiu penhor a favor da Fazenda Nacional, para garanta do pagamento das quantias liquidadas e formulou no requerimento de ampliação pedido de indemnização, ampliação esta que foi admitida no despacho de 06-07-2021.
O art. 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».
Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.
O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.
Como resulta do teor expresso do n.º 1 deste artigo 53.º, apenas de prevê indemnização, com este regime simplificado a que alude o artigo 171.º do CPPT, nos casos de prestação de garantia bancária ou equivalente e não nos de prestação de garantia da dívida por outros meios, designadamente penhor ou hipoteca. ( )
Assim, improcede o pedido de indemnização por garantia indevida, sem prejuízo de o eventual direito a indemnização poder ser exercido em processo autónomo. ( )
3.6. Conclusão
3.6.1. Pelo que se referiu, ao terem subjacente o entendimento de que nenhuma das consultas de nutrição facturadas no ano de 2016 em conjunto com os serviços de ginásio beneficia de isenção por serem acessórias dos serviços de ginásio, as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justifica a sua anulação, nos termos artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.6.2. As liquidações de juros compensatórios relativas às liquidações referentes ao ano de 2016 e 2017 que são impugnadas têm como pressupostos as respectivas liquidações de IVA pelo que enfermam dos mesmos vícios.
3.6.3. Resultando do exposto que as liquidações enfermam de vício de violação de lei que justifica a sua anulação, fica prejudicado, por ser inútil o conhecimento das restantes questões colocadas [artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].
3.6.4. Não se verificam os requisitos da condenação por litigância de má-fé prevista noa artigo 104.º, n.º 1, da LGT.
3.6.5. Não se verificam os pressupostos de indemnização por garantia indevida.
4. Decisão
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
A. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto a anulação das liquidações de IVA e juros compensatórios;
B. Anular as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios:
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/01;
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/02;
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/03;
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/04;
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/05;
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/06;
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/07;
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/ 08;
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/ 09;
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/10;
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/11;
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2017/02.
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2017/03.
Liquidação nº 2020... e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2017/05.
Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2017/06.
C. Julgar improcedente o pedido de indemnização por garantia indevida e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido;
D. Indeferir o requerimento de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira por litigância de má-fé.
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 104.556,31.
6. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 16-09-2021
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Guilherme W. d'Oliveira Martins)
(Eva Dias Costa)