SUMÁRIO: Atento o disposto no n.°9 do artigo 8.º do Código do IRC, que determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, e em face do disposto no n.º 1 do art. 12.º da LGT, é aplicável ao facto tributário formado em 31 de Janeiro de 2015 a taxa de 21%, tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015. [Cfr Acórdãos do STA (Pleno) Uniformizadores de Jurisprudência nos processos nºs 057/20.8BALSB, de 21-4-2021 e 117/20.5BALSB, de 30-6-2021].
DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
1. No dia 14.10.2020, a Requerente, A….., LDA, pessoa coletiva número ………., com sede na ……….., Mem Martins, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação da autoliquidação do Imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, relativa ao período de tributação de 2014, efetuada mediante a apresentação em 30 de Março de 2016 da Declaração Modelo 22 de IRC relativa àquele exercício.
A Requerente alegando ter efetuado o pagamento de imposto superior ao devido no valor de € 389.229,66, correspondente à diferença entre o valor a pagar, inicialmente computado, e aquele que considera que efetivamente é devido, peticiona, ainda, o reembolso de tal valor, acrescido de juros indemnizatórios.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente aplicáveis, foram designados árbitros os signatários, que comunicaram ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 13.01.2021.
3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, em síntese, os seguintes:
a. De acordo com o disposto no nº 1, do artigo 87º do Código do IRC, na redação dada pela Lei nº 2/2014, de 16 de janeiro, que procedeu à reforma do Código do IRC, a taxa do IRC em vigor até 31 de dezembro de 2014 era de 23%.
b. E nos termos do artigo 31º do Decreto Legislativo Regional nº 2/2014/A, de 29 de Janeiro, a taxa do IRC em vigor na Região Autónoma dos Açores até 31 de Dezembro de 2014, era de 18,4%.
c. Assim, em 1 de Dezembro de 2014, data em que se iniciou o período de tributação da Requerente, a taxa de vigor de IRC era de 23% sendo que pela aplicação da redução de 20% prevista no Orçamento de Estado da Região Autónoma dos Açores para o ano de 2014, em tal data , a taxa de IRC em vigor nesta região era de 18,4%.
d. No final do ano de 2014, em resultado da alteração ao Código do IRC introduzida pelo artigo 192º da Lei do Orçamento de Estado para 2015, a taxa de IRC prevista no nº 1, do art. 87º do Código do IRC, foi alterada para 21%, produzindo efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2015, ao abrigo do disposto no nº 1, do art. 261º, do referido diploma.
e. Por sua vez, por via da entrada em vigor da Lei de Orçamento de Estado da Região autónoma dos Açores para 2015, produzindo efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2015, a taxa de IRC de 18,4 foi alterada para 16,8 %.
f. Por referência ao período de tributação de 2014, a Requerente procedeu à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, com o código de identificação n.º ….-C……-17, em 30 de março de 2016.
g. Na sequência desta declaração, a Requerente apurou um lucro tributável no valor de Euro 19.578.956,87 (dezanove milhões, quinhentos e setenta e oito mil, novecentos e cinquenta e seis euros e oitenta e sete cêntimos) e procedeu ao pagamento do total de imposto a pagar no montante de Eu-ro 383.927,31 (trezentos e oitenta e três mil, novecentos e vinte e sete eu-ros e trinta e um cêntimos).
h. A coleta apurada na Declaração de Rendimentos Modelo 22 resultou da aplicação, por definição do sistema informático da AT, das taxas de IRC de 23%, e de 18,4% no que respeita à Região Autónoma dos Açores (as quais não eram passíveis de ser alteradas pela Requerente).
i. O legislador não estabeleceu qualquer norma transitória, pretendendo-se a aplicação das novas taxas a todos os períodos de tributação iniciados em 1 de Janeiro de 2015, após essa data, ou mesmo em curso em 1 de Janeiro de 2015.
j. Em sede de IRC prevê o nº 9 do art. 8º do respetivo Código que o facto gerador do imposto se considera verificado no último dia do período de tributação que, no caso da Requerente se verificou no dia 30 de Novembro de 2015, devendo aplicar-se as taxas em vigor nessa data, que eram de 21% e 16,8% respetivamente
k. Consequentemente, deverá a coleta de IRC apurada pela Requerente, no período de tributação de 2014, ser corrigida em conformidade, através da anulação da liquidação e da aplicação das taxas de 21% e 16,8% à matéria coletável apurada nesse exercício.
l. Pelo que, o valor anteriormente pago pela Requerente no montante de € 383.927,31 passa a ser um valor a recuperar de € 5.302,35 tendo esta efetuado o pagamento de imposto superior ao devido no valor de € 389.229,66, correspondente à diferença entre o valor a pagar inicialmente computado e aquele que efetivamente é devido, devendo tal valor ser reembolsado à Requerente, acrescido de juros indemnizatórios.
4. A Requerida, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação remetendo para os fundamentos da posição assumida em sede de decisão do pedido de revisão oficiosa, da qual consta, em síntese, o seguinte:
a. Em sede de IRC, em conformidade com o princípio da anualidade dos impostos, estabeleceu-se que o lucro tributável das empresas será determinado anualmente, correspondendo, em regra, cada período de tributação, ao ano civil.
b. No caso em apreço, uma vez que a Requerente não adotou um período de tributação coincidente com o ano civil, o período de 2014 iniciou-se a 1 de dezembro de 2014 e terminou a 30 de novembro de 2015.
c. A nova lei tem aplicação a todos os factos e situações ocorridos no período em que entra em vigor, ou seja, in casu, em 2015, que para a Requerente se iniciou em 1 de Dezembro de 2015.
d. Ao período de tributação que se inicia em 1 de Dezembro de 2014 e termina em 30 de novembro de 2015, aplicam-se as regras do CIRC em vigor no período de tributação de 2014.
e. Em suma, o princípio da anualidade e o princípio da não retroatividade implicam que no período de tributação, no caso dos autos não coincidente com o ano civil, sejam consideradas as taxas em vigor à data do seu início, como entende a Requerida, e não as que estão em vigor à data do seu termo.
f. Assim, nos termos supra expostos, deve o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente.
5. À luz do disposto nos artigos 16º-c), do RJAT e do princípio da proibição da prática de atos inúteis, foi dispensada a reunião do Tribunal com as partes, considerando que (i)se trata, no caso, de processo não passível duma definição de trâmites processuais específicos, diferentes dos comummente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais e (ii) não há exceções ou questões prévias a apreciar e decidir nesta fase processual.
Foi, ainda, determinada a realização de alegações escritas pelas partes, no prazo simultâneo de 20 (vinte) dias.
As partes apresentaram alegações, nas quais reiteraram as posições já expressas no pedido de pronuncia arbitral e na resposta.
6. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.
O processo não padece de vícios que o invalidem.
7. Cumpre solucionar as seguintes questões:
1) Ilegalidade da autoliquidação objeto do processo.
2) Direito da Requerente ao reembolso da quantia de € 389.229,66.
3) Direito da Requerente a juros indemnizatórios sobre tal montante.
II – A matéria de facto relevante
8. Consideram-se provados os seguintes factos:
a. A Requerente é uma sociedade de direito português, que se dedica à con-servação, manutenção, reparação, montagem, comércio e à importação de ascensores, escadas rolantes e quaisquer outros aparelhos de elevação e transporte, sendo ainda empreiteiro e fornecedor de obras públicas e in-dustrial de construção civil.
b. Para efeitos fiscais, a Requerente adota um período de tributação diferen-te do ano civil, o qual se inicia a 1 de dezembro e finda a 30 de novembro.
c. Por referência ao período de tributação de 2014, a Requerente procedeu à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, com o código de identificação n.º …..-C…….-17, em 30 de março de 2016.
d. Na sequência desta declaração, a Requerente apurou um lucro tributável no valor de Euro 19.578.956,87 (dezanove milhões, quinhentos e setenta e oito mil, novecentos e cinquenta e seis euros e oitenta e sete cêntimos) e procedeu ao pagamento do total de imposto a pagar no montante de Eu-ro 383.927,31 (trezentos e oitenta e três mil, novecentos e vinte e sete eu-ros e trinta e um cêntimos).
e. A coleta apurada na Declaração de Rendimentos Modelo 22 resultou da aplicação, por definição do sistema informático da AT, das taxas de IRC de 23% e de 18,4% no que respeita à Região Autónoma dos Açores.
f. Da aplicação das referidas taxas resultou uma coleta de IRC no valor de € 4.476.141,12 (quatro milhões, quatrocentos e setenta e seis mil, cento e quarenta e um euros e doze cêntimos) e um valor de derrama estadual a pagar, no montante de € 783.947,84 (setecentos e oitenta e três mil, nove-centos e quarenta e sete euros e oitenta e quatro cêntimos).
g. Após a dedução do valor total das retenções na fonte, dos pagamentos por conta e dos pagamentos adicionais por conta, bem como do acréscimo do valor devido a título de derrama municipal e tributação autónoma, foi apurado um valor a pagar de € 383.927,31 (trezentos e oitenta e três mil, novecentos e vinte e sete euros e trinta e um cêntimos).
h. A Requerente procedeu ao pagamento da Liquidação.
i. A Requerente apresentou, em 25 de março de 2020, pedido de revisão ofi-ciosa do ato Tributário por erro na autoliquidação.
j. No dia 4 de junho de 2020, a Requerente foi notificada, por via eletrónica, do projeto de decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa do Ato Tributário e para, querendo, exercer o seu direito de audição prévia, nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária.
k. A Requerente não exerceu direito de audição prévia.
l. No dia 17 de julho de 2020, a Requerente foi notificada do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do ato tributário, datado de 14 de julho de 2020, proferido pelo Senhor Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade de Grandes Contribuintes, ao abrigo de Sub-delegação de competências.
m. No dia 14 de setembro de 2020, a Requerente apresentou pedido de cons-tituição do presente Tribunal Arbitral.
Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados.
9. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, que não foram objeto de impugnação por nenhuma das partes, sendo ainda de observar que dos articulados apresentados emerge a inexistência de discordância das partes relativamente à matéria de facto, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.
III- Matéria de Direito
10. A questão fundamental a decidir nos autos é de Direito, assim: ao exercício da Requerente, que não coincide com o ano civil, e se iniciou a 1 de Dezembro de 2014, deverá aplicar-se a lei – o artigo do CIRC que determina a taxa aplicável (e o artigo equivalente no Orçamento de Estado da Região Autónoma dos Açores) - que se encontrava em vigor à data do início desse exercício ou, diferentemente, a que se encontrava em vigor no final do mesmo?
Por fim, haverá que decidir quanto a reembolso de quantias e ao pedido de condenação em juros indemnizatórios.
Como segue.
Entende a Requerente que se lhe deve aplicar a lei em vigor à data do encerramento do exercício (2015). Entendendo a Requerida, ao invés, ser de aplicar a lei em vigor à data do início do mesmo (2014). Conforme posições supra sumariadas.
Sobre esta mesma questão fundamental de Direito veio já o Douto STA pronunciar-se, muito recentemente, em sede de recursos para Uniformização de Jurisprudência. Por Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 21/04/2021, prolatado no processo 057/20.8BALSB. E, novamente, por Acórdão de 30/06/2021, no processo 117/20.5BALSB, aderindo àquele primeiro Acórdão.
Naquele referido primeiro Acórdão do Pleno do STA de Uniformização de Jurisprudência a situação sub judice reportava-se a exercício iniciado a 1 de Fevereiro de 2014 e terminado a 31 de Janeiro de 2015. Com as necessárias adaptações, por nos presentes autos estar em questão um exercício iniciado a 1 de Dezembro de 2014 e terminado a 30 de Novembro de 2015, passamos a transcrever o teor do Acórdão, no que ora mais releva:
“(…) 2.2.2.3. (…) é manifesta a contradição entre os dois arestos no que tange à mesma questão fundamental de direito consubstanciada na determinação sobre se a taxa de IRC aplicável era a taxa de 21 %, por ser a que estava em vigor no momento da verificação do facto tributário em sede de IRC (em 31 de Janeiro de 2015), dado que a Lei do Orçamento do Estado para 2015, havia revogado a anterior redacção do artigo 87.º n.º 1 do Código do IRC e, portanto, a anterior taxa de IRC de 23 %, não tendo previsto quaisquer disposições transitórias relativas à alteração da taxa de IRC e à sua aplicação temporal ou, por outro lado, a de 23 % anteriormente prevista. (…) o acórdão fundamento sustenta que a lei nova e, portanto, a taxa de IRC de 21 %, é imediatamente aplicável aos factos posteriores à sua entrada em vigor, uma vez que só no momento da verificação do facto gerador do imposto é que o facto tributário está total e integralmente completo e verificado, o que pressupõe necessariamente que a tributação seja feita de acordo com a lei que esteja em vigor nesse momento, isto é, no termo no exercício; já o acórdão arbitral recorrido, professa a posição contrária, asseverando que o artigo 14.º da Lei n.º 2/2014 deverá ser interpretado como dispondo no sentido de que as normas daquela Lei se apliquem ao período de tributação de 2014, relativamente à tributação, em IRS ou IRC, que assente naquele, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação, também em IRS ou IRC, que não assente no período de tributação, e que, aquele artigo 14.º se encontrava em vigor a 31 de Janeiro de 2015, e, como tal, deve aplicar-se ao período de tributação de 2014 da Requerente, que findou nesse ano, e que não obstará, naturalmente, à conclusão retirada o disposto no artigo 12.º da LGT, na medida em que, como se expôs, o artigo 14.º em questão deverá ser entendido como uma norma especial, e, como tal, prevalecente na matéria que regula, relativamente àquele. (…)”.
“(…) 2.2.3.
Ponderemos então em que sentido deve ser solucionado o pedido de uniformização de jurisprudência entre as duas decisões arbitrais e cuja questão de fundo se circunscreve à aplicação da taxa de IRC - ou de 23 % prevista no artigo 87.º n.º 1, na redacção dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ou de 21 % prevista no artigo 87.º n.º 1 do Código do IRC resultado da alteração introduzida pelo artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado de 2015) -atendendo ao facto de o período de tributação de 2014 da recorrente ter terminado em 31 de Janeiro de 2015, não coincidindo assim com o ano civil, estando nessa data já em vigor a nova taxa de IRC de 21 %, introduzida pela lei do Orçamento do Estado para 2015.
Na tese da recorrente, a Decisão Arbitral Fundamento considerou a lei nova e, portanto, a taxa de IRC de 21 % imediatamente aplicável aos factos posteriores à sua entrada em vigor, uma vez que só no momento da verificação do facto gerador do imposto é que o facto tributário está total e integralmente completo e verificado, o que pressupõe necessariamente que a tributação seja feita de acordo com a lei que esteja em vigor nesse momento, isto é, no termo no exercício.
É que, aduz a Recorrente, no seu caso, precisamente pelo facto de o seu exercício de 2014 não coincidir com o ano civil, iniciando-se a 01 de Fevereiro de 2014 e terminando a 31 de Janeiro de 2015, o facto gerador do imposto apesar de ter carácter continuado ou de formação sucessiva, só se completou nesta última data, como previsto no artigo 8.º n.º 9 do Código do IRC, quando já estava em vigor a nova taxa de IRC de 21 %, não existindo quaisquer disposições transitórias para a aplicação temporal desta nova taxa de IRC, particularmente para regular os casos de sujeitos passivos que, como a Recorrente, adoptaram períodos de tributação não coincidentes com o ano civil.
Mais adita a recorrente que em matéria de aplicação da lei fiscal no tempo, dado que o legislador previu no artigo 8.º n.º 9 do Código do IRC que o facto tributário (de formação sucessiva) se produz no último dia do período de tributação, tal circunstância exclui a aplicação da regra prevista no artigo 12.º n.º 2 da LGT.
Já a recorrida AT assume a posição que é, de resto, a posição do EPGA, de adoptar a solução prescrita no acórdão recorrido.
Fazendo apelo à fundamentação desse aresto, dela brota claramente que foi adoptado o entendimento, contrariando até a fundamentação de outro acórdão arbitral proferido em primeira linha, de que não está em causa determinar se a taxa de IRC genericamente em vigor a 31 de Janeiro de 2015 era ou não 21 %, nem aferir se o facto tributário sujeito a imposto pela liquidação impugnada se verificou naquela data, pois isso é inquestionável, mas, sim, aquilatar se, e em que termos, o aludido artigo 14.º estava, ou não, em vigor, no dia 31 de Janeiro de 2015.
Ora, no tangente a essa questão, expõem-se na decisão recorrida as razões porque considerou que «o artigo 14.º da Lei n.º 2/2014 deverá ser interpretado como dispondo no sentido de que as normas daquela Lei se apliquem ao período de tributação de 2014, relativamente à tributação, em IRS ou IRC, que assente naquele, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação, também em IRS ou IRC, que não assente no período de tributação», extraindo a conclusão de que, «aquele artigo 14.º se encontrava em vigor a 31 de Janeiro de 2015, e, como tal, deve aplicar-se ao período de tributação de 2014 da Requerente, que findou nesse ano.», e, ainda, que «não obstará, naturalmente, à conclusão retirada o disposto no artigo 12.º da LGT, na medida em que, como se expôs, o artigo 14.º em questão deverá ser entendido como uma norma especial, e, como tal, prevalecente na matéria que regula, relativamente àquele».
Coerentemente, ampara a decisão recorrida que «à luz da interpretação da norma do artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, atrás exposto, incluindo a configuração daquele como uma norma especial em relação ao artigo 12.º da LGT, não será possível concluir que o artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, tenha tido por propósito a revogação daquele artigo 14.º, pelo menos na parte em que se referia à aplicação das normas da Lei que o mesmo integra ao período de tributação de 2014, no caso da tributação em IRS e IRC que tenha por base, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação naqueles impostos que não assente no período de tributação.
Deste modo, concluindo-se, nos termos expostos, que o artigo 14.º da Lei n.º 2/2014 se encontrava vigente a 31/01/2015, na parte em que impõe a aplicação do disposto naquela Lei à tributação em IRS e IRC que assente no período de tributação de 2014, haverá que concluir pela legalidade da atuação da AT, e pela consequente improcedência do pedido arbitral, incluindo os pedidos acessórios».
Entende-se, pois, na decisão recorrida, que a considerar-se que aquela norma vigorava a 31 de Janeiro de 2015, por força da mesma, ter-se-á de considerar que a taxa de imposto aplicável era, ainda, a instituída na Lei que a consagra pelo que importará, numa primeira plana, começar por definir o sentido e alcance do questionado artigo 14.º
Aqui chegados, é altura de procurar classificar a norma para a sua correcta interpretação.
Ora, tradicionalmente, para além de outras delimitações irrelevantes para o caso em apreço, as normas jurídicas classificam-se em gerais, excepcionais e especiais.
As normas gerais são as "que correspondem a princípios fundamentais do sistema jurídico e por isso constituem o regime-regra do tipo de relações que disciplinam" - cf. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Noções Fundamentais de Direito Civil, Coimbra Editora, 1973, 6.ª edição revista e ampliada, volume I, página 76.
"Excepcionais são, pelo contrário, as normas que, regulando um sector restrito de relações com uma configuração particular, consagram para o efeito uma disciplina oposta à que vigora para o comum das relações do mesmo tipo, fundadas em razões especiais, privativas daquele sector de relações." Ibidem.
Finalmente, as normas especiais são as que "representam, dentro dessa classificação tripartida, os preceitos que, regulando um sector relativamente restrito de casos, consagram uma disciplina nova, mas que não está em directa oposição com a disciplina geral". Ibidem, página 79.
Assim, a doutrina considera disposições, normas ou mesmo leis excepcionais, aquelas que regulam, por modo contrário ao estabelecido na lei geral, certos factos ou relações jurídicas que, por sua natureza, estariam compreendidos nela; aquelas que precisamente se desviam dos princípios gerais, contrariando as últimas consequências que de tais princípios deveriam logicamente derivar, referindo-se a certas relações sociais que, por sua vez, também se desviam do tipo comum, assumindo uma índole especial ou seja, o direito comum é o direito de um género de relações jurídicas e o excepcional ou anómalo o de uma espécie dentro do género (CABRAL DE MONCADA); aquelas que consagram para certos casos, soluções contrárias às dos princípios gerais de direito admitidos em determinado sistema, revelando-se o carácter excepcional da norma algumas vezes do seu próprio contexto, outras resultando do comando que a contém (RODRIGUES BASTOS); ou aquelas que regulando um sector restrito de relações com uma configuração particular, consagram uma disciplina oposta à que vigora para o comum das relações do mesmo tipo, fundada em razões especiais, privativas daquele sector de relações (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA).
"Há um certo parentesco entre as normas (ou leis) excepcionais e as normas (ou leis) especiais, mas também existem diferenças profundas. "O que distingue a norma geral da especial é que esta regula matérias ou assuntos diversos das reguladas por aquela, podendo deixar de ser opostas e incompatíveis as respectivas disposições. Pelo contrário, o objecto da lei excepcional é o mesmo da lei geral; simplesmente esta deixa de ser aplicada em certos e determinados casos que, sem a lei excepcional, seriam regulados pela lei geral; de modo que o preceito da lei excepcional é o oposto ou contrário ao da lei geral" (JOSÉ TAVARES).
"Adentro de todos os grupos mais ou menos vastos de relações jurídicas, há outros institutos ou grupos dessas relações cujas normas especiais se afastam das normas do tipo comum em que entram sem constituírem por isso um direito excepcional. Para achar o conceito de direito excepcional, devemos sempre atender, não às particularidades técnicas da regulamentação de cada instituto, ou figura jurídica, dentro de um grupo mais vasto de relações jurídicas, mas à índole especial dos grandes grupos de relações sociais que por razões de utilidade pública exigem uma regulamentação e um direito também excepcionais (CABRAL DE MONCADA)
"Enfim, as normas especiais representam, dentro da classificação tripartida (gerais, excepcionais, especiais) "os preceitos, que regulando um sector relativamente restrito de casos, consagram uma disciplina nova, mas que não está em directa oposição com a disciplina geral" (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA)".
As concepções antes ditas encontram-se nas seguintes obras e pela ordem indicada: Os Princípios Fundamentais de Direito Civil, vol. I, 1.ª parte (Teoria Geral do Direito Civil), Coimbra, 1929, págs. 150 e segs.; Lições de Direito Civil (Parte Geral), vol. I, Coimbra, 1959, págs. 42 e segs.; Das Leis, sua interpretação e aplicação (segundo o Código Civil de 1966), 1967, pág. 45; e Noções Fundamentais de Direito Civil, vol. I, Coimbra, 1965, págs. 76 e segs.
Adita-se ainda que, evocando o ensinamento de DIAS MARQUES, Introdução ao Estudo do Direito, volume I, 2.ª edição, páginas 315 a 321. "(.) o conceito de lei é um conceito relacional, ou seja, não há normas em si mesmas gerais ou especiais, mas antes relações de espécie e género, ou de especialidade e generalidade, entre determinadas normas ou, determinadas matérias normativamente reguladas".
O conceito de que se parte para a distinção das normas em gerais e especiais refere-se, pois, ao seu domínio de aplicação, devendo assim considerar-se especiais aquelas cujo domínio de aplicação se traduz por um conceito que é espécie em relação ao conceito mais extenso que define o campo de aplicação da norma geral e que figura como seu género.
Nisto consiste a relação lógico-jurídica de especialidade, aditando o mesmo doutrinador que:
"As normas especiais podem configurar-se como desenvolvimentos destinados quer a concretizar princípios gerais ou como complementos deles, quer a integrar os aspectos específicos não contemplados naqueles mesmos princípios, mas também podem apresentar-se, em um ou outro ponto, como desvio ou derrogação aos princípios gerais.
Estas observações respeitantes à diversidade das funções das normas especiais (complemento, integração, derrogação) mostram como podem ser distintas, segundo tais funções, relações lógico-jurídicas intercorrentes entre as normas gerais e as especiais. Tais relações serão de cumulação quando se trate de normas especiais complementares ou integrativas, mas já serão de conflito quando se trata das normas especiais derrogatórias".
Na sua forma pura, o relacionamento entre lex specialis e lex generalis pressupõe uma antinomia ou contradição normativa, isto é, a imputação, por duas normas, de soluções diferentes (embora referíveis a um mesmo princípio geral) para um mesmo caso (vide SÉRVULO CORREIA, A arbitragem voluntária no Domínio dos Contratos Administrativos, Estudos em Memória do professor Doutor JOÃO CASTRO MENDES, sem data (1995), pp. 240-241, citando BYDLNSKI, Juristische Methodenlehe und Rhtsbegriff, Viena-Nova Iorque, 1982, p. 465, OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 1987, p. 486, e SANTIAGO NINO, Introduccion al Análisis del Derecho, Barcelona, pp. 272-278."
Volvendo ao caso controvertido e tendo em conta tais princípios e a sua doutrinação, seguindo a tese da recorrida, temos que da mera literalidade do normativo decorreria que, no caso de entidades como a Requerente, que tivessem um período de tributação em IRC não coincidente com o ano civil, se aplicariam as normas da Lei n.º 2/2014, relativamente aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 2014, mesmo que relativos ao exercício de 2013. E ainda se extrairia que as normas da Lei n.º 2/2014, por força do seu artigo 14.º, se aplicariam aos exercícios e factos tributários, ocorridos nos exercícios e anos de 2014 e seguintes, e portanto, abrangendo o facto tributário em causa no presente processo arbitral, a menos que se concluísse que aquele artigo 14.º havia sido revogado.
Nesse conspecto, o tribunal arbitral recorrido exteriorizou a necessidade de, em vista da correcta exegese do artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, de o intérprete recorrer a outros elementos que não a letra da lei, mormente à logicidade e teleologia normativa do preceito no segmento que apresenta o seguinte teor, "aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram".
Nesse sentido, revela-se para nós coerente - o que não significa assertivo - o juízo formulado pelo decisor de que deverá atender-se a que a Lei n.º 2/2014 procede a alterações profundas em sede de IRC e, também, em sede de IRS, impostos estes cuja tributação assenta, por norma, em períodos de tributação, mas que, incidentalmente, podem impor tributação de factos tributários isolados (como seja no caso das tributações autónomas), o que inculca que a referência a "períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram" se não deva ter por alternativa, mas como tendo uma relação de subsidiariedade entre si.
Dito de outro modo: para a decisão sob escrutínio, o que o artigo 14.º da Lei n.º 2/2014pretenderá dizer é que o disposto nesta lei se aplica aos períodos de tributação, quando esta assente naqueles, e aos factos tributários, quando a tributação não tenha por base aqueles.
Cabe também destacar o raciocínio da decisão recorrida no tocante à compulsação do elemento sistemático da hermenêutica do inciso legal, no sentido de que deve ser qualificado como uma norma especial em relação ao artigo 12.º da LGT, que, o que ao caso releva, textua:
"1 - As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos.
2 - Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor."
Daí que para a decisão recorrida e para a recorrida AT e a EPGA, o discutido artigo 14.º veio dispor sobre o âmbito da vigência temporal das disposições da Lei que integra, e apenas se pode explicar como tendo subjacente o propósito de dispor na matéria de modo distinto do que resultaria da aplicação da referida norma da LGT.
A ser assim, conclui a decisão recorrida apoiada pela AT e pelo Ministério Público, que o artigo 14.º da Lei n.º 2/2014 deverá ser interpretado como dispondo no sentido de que as normas daquela Lei se aplicam ao período de tributação de 2014, relativamente à tributação, em IRS ou IRC, que assente naquele, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação, também em IRS ou IRC, que não assente no período de tributação.
Tal entendimento seria potenciado pelo facto de que inexiste qualquer norma que tenha revogado expressamente aquele artigo 14.º, mormente a Lei n.º 82-B/2014, força a conclusão de que o artigo 14.º da Lei n.º 2/2014 se encontrava em vigor a 31 de Janeiro de 2015, pelo que é aplicável ao período de tributação de 2014 da Requerente, apesar deste somente ter findado na citada data de 31/01/2015.
Isso fundamentalmente porque, in casu, não regeria o disposto no artigo 12.º da LGT, dada a natureza de norma especial que o dito artigo 14.º assume perante os subsídios doutrinários supra citados, sendo, por isso, prevalecente na matéria que regula, não cedendo perante qualquer conclusão que se possa retirar do art. 12.º da LGT.
Com efeito à guisa de sinopse breve, como veio de demonstrar-se, são amplamente conhecidos dois dos principais princípios da hierarquização das normas: o princípio de que a lei especial derroga a lei geral e de que a lei posterior derroga a lei anterior.
Estabelecem estes princípios, respectivamente, que:
(i) em tudo quanto uma lei geral se encontre em contradição com uma lei especial, valerá a lei especial;
(ii) em tudo quanto uma lei anterior se encontre em contradição com uma lei posterior, valerá a lei posterior.
Mas será que o polemizado artigo 14.º terá de ser classificado como norma especial, a qual, seguindo a lição de DIAS MARQUES DIAS MARQUES, Introdução ao Estudo do Direito, volume I, 2.ª edição, páginas 315 a 321, mais não configura do que um desvio aos princípios gerais, complementando-os nos casos especiais que abarca, já que não se mostra oposto nem incompatível no confronto com esses mesmos princípios gerais? (Vide JOSÉ TAVARES, Os Princípios Fundamentais de Direito Civil, vol. I, 1.ª parte (Teoria Geral do Direito Civil), Coimbra, 1929, págs. 150 e segs).
Noutra vertente, há ainda que atentar no expendido na decisão recorrida no sentido de que a Lei do Orçamento para 2015 não inclui nenhuma norma que revogue, expressamente, o disposto no referido artigo 14.º, sendo que, a ausência de norma transitória, invocada pela Requerente, e notada na decisão arbitral supracitada, não deverá, de per si, ter-se como patenteando uma intenção revogatória.
É que, a existência de intenção inequívoca do legislador deve assentar em referência expressa na própria lei ou, pelo menos, em um conjunto de vectores tão incisivos que a ela equivalham (cf. Menezes Cordeiro, Da Aplicação da lei no tempo e das disposições transitórias in Cadernos de Ciência e Legislação n.º 7, 1993, págs. 17 e ss).
Acresce ainda segundo a decisão recorrida sufragada pela AT e pela EPGA, que o artigo 14.º em questão, não se reportará exclusivamente, à alteração da taxa de IRC operada pelo artigo 2.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, abrangendo todas as alterações em matéria tributária, consagradas pela mesma Lei, a maioria das quais continua em vigor, pelo que qualquer revogação que se possa equacionar daquela norma seria, meramente parcial.
Assentando em tal ângulo, sustenta-se no discurso da decisão sob escrutínio que "..., o único entendimento possível que se concebe neste domínio, seria o de que artigo 14.º em causa foi parcialmente revogado, na parte em que impunha a aplicação da alteração ao artigo 87.º/1 do CIRC, operada pelo artigo 2.º da Lei n.º 2/2014, e que tal revogação não se poderá retirar senão da entrada em vigor do artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, que alterou, novamente, aquele mesmo artigo 87.º/1 do CIRC.
Estaríamos, portanto, perante um caso de revogação tácita parcial da supra referida norma do artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, na parte em impunha a aplicação da alteração ao artigo 87.º/1 do CIRC, operada pelo artigo 2.º daquela mesma Lei.
Assim, como ensinava o insigne Mestre João Baptista Machado, "A revogação pode ser expressa ou tácita, total (ab-rogação) ou parcial (derrogação). É (.) tácita quando resulta de incompatibilidade entre as disposições novas e as antigas".
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-05-2007, proferido no processo 4117/2007-7:
"A revogação, que ora nos ocupa, pressupõe a entrada em vigor de uma nova lei, e pode ser expressa ou tácita, total ou parcial."
Da revogação que ora tratamos, a tácita, é resultante da incompatibilidade entre as disposições novas e as anteriores, ou ainda, quando a nova lei regula toda a matéria (substituição global).
Todavia, este juízo de incompatibilização decorrente da obrigação tácita entre a lei antiga e a nova lei não surge sempre em segurança para o intérprete. Se a nova lei geral sucede a uma especial, a regra é da coexistência, mas o inverso é duvidoso.
No nosso sistema jurídico vigora a presunção da subsistência do regime especial perante alteração de norma geral - artigo 7.º, n.º 3 do CCivil - só cederá perante uma interpretação segura, inequívoca da intenção revogatória do legislador.
Como proceder então perante esta aparente coexistência de normas reguladoras da mesma situação? A solução dependerá caso por caso de identificar qual a ligação entre as normas em questão e sobretudo no fundamento, da razão de ser da nova lei.".
Efectivamente, julga-se ser este o critério a seguir na delimitação do âmbito de uma revogação tácita, ou seja, dever-se-á identificar qual a ligação entre as normas em questão e sobretudo no fundamento, da razão de ser da nova lei.
Ora, vistas as coisas assim, e à luz da interpretação da norma do artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, atrás exposto, incluindo a configuração daquele como uma norma especial em relação ao artigo 12.º da LGT, não será possível concluir que o artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, tenha tido por propósito a revogação daquele artigo 14.º, pelo menos na parte em que se referia à aplicação das normas da Lei que o mesmo integra ao período de tributação de 2014, no caso da tributação em IRS e IRC que tenha por base, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação naqueles impostos que não assente no período de tributação."
Na decisão recorrida também é afirmado e é perfilhado pela AT e pela EPGA - diga-se que, em abstracto, assertivamente - que em direito fiscal vigora o princípio da anualidade que se reveste de extrema importância no tangente aos impostos sobre o rendimento, porquanto segmenta em termos anuais o respectivo regime, construindo períodos tributários temporalmente delimitados (Artigo 8.º do CIRC).
Vejamos, então, de que lado está a razão nas vertentes assinaladas.
A regra geral em IRC, por força do referido princípio da anualidade dos impostos, é a de que o lucro tributável das empresas será determinado anualmente, correspondendo, em regra, cada período de tributação, ao ano civil, sendo o IRC devido por cada período económico (cf. artigo 8.º, n.º 1 do CIRC).
Como sobejamente visto a Recorrente adoptou um período de tributação não coincidente com o ano civil, tendo-se iniciado o período de 2014 a 1 de Fevereiro de 2014 e terminado a 31 de Janeiro de 2015.
Significa que a lei nova tem aplicação a todos os factos e situações ocorridos no período em que entra em vigor, no caso concreto, em 2015, que para a Recorrente teve início em 1 de Fevereiro de 2015?
Como é sabido, no final de cada ano civil, com a publicação do Orçamento do Estado, são introduzidas alterações ao CIRC, cujas normas, regra geral, se vão aplicar ao período de tributação do ano seguinte.
No caso sub judice o litígio acaba por circunscrever-se à determinação da taxa de tributação aplicável, em sede de IRC à ora Recorrente que adoptou um período de tributação não coincidente com o ano civil estando em vigor, no momento em que esse período de iniciou, uma taxa de 23 % e, no momento do seu termo, uma taxa de 21 %. Dito de modo mais singelo: cumpre aferir se a taxa aplicável é a que vigora no momento em que se inicia o período de tributação ou aquela que está em vigor no seu termo.
Na estrutura do IRC, estatui o artigo 1.º do respectivo Código que este imposto incide sobre os rendimentos obtidos no período de tributação, pelos respectivos sujeitos passivos, explicitando o artigo 3.º, n.º 1, alínea a), que o rendimento tributável, no caso de sociedades comerciais, é constituído pelo lucro que o n.º 2 do mesmo preceito legal define como a "diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código."
E o lucro tributável das pessoas colectivas, determinado a partir do resultado líquido do exercício, "é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código." (cf. artigo 17.º, n.º 1, do CIRC).
O período de tributação segue a regra da anualidade, sendo, em princípio, coincidente com o ano civil, conforme estabelece o n.º 1 do artigo 8.º do mesmo Código, salvo nos casos expressamente elencados no artigo 8.º, n.os 4 e 8 - anos do início e cessação de atividade, mudança de período de tributação, sujeição e cessação das condições de sujeição a imposto num mesmo ano, liquidação de pessoa colectiva.
Não obstante, consoante o disposto no n.º 2 do mesmo inciso legal, é facultado às pessoas colectivas com sede ou direcção efectiva em território português, bem como as pessoas colectivas ou outras entidades sujeitas a IRC que não tenham sede nem direcção efectiva neste território e nele disponham de estabelecimento estável, a possibilidade de adoptarem um período anual de imposto não coincidente com o ano civil, na condição de o mesmo coincidir com o período social de prestação de contas e de dever ser mantido durante, pelo menos, os cinco períodos de tributação imediatos.
Salvo tratando-se de rendimentos obtidos por entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português, catalogados no artigo 8.º, n.º 10, estabelece o n.º 9 do mesmo preceito que "O facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação."
E, por injunção normativa do artigo 36.º, n.º 1, da LGT, é o facto gerador, normalmente designado por facto tributário, quer seja instantâneo, quer seja referido a um determinado período temporal, que determina a constituição da relação tributária.
No que para o caso releva, por força do prescrito no n.º 9 do artigo 8.º do CIRC, a relação jurídica tributária, constitui-se no último dia do período de tributação, o que corresponde a dizer que o facto tributário só se completa no último dia do período de tributação.
Por assim ser, adversamente ao sustentado pela recorrente o apuramento da base tributável e da taxa aplicável são as definidas no âmbito da legislação em vigor no momento em que ocorre o facto gerador que, no caso do regime geral do IRC se considera verificado no último dia do período de tributação.
Na verdade, ao prescrever-se no já referido artigo 8.º, n.º 9 do Código do IRC, que "O facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação" procurou o legislador impedir a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 12.º da LGT que, como já visto, firmava uma regra para a aplicação da lei no tempo em caso de impostos periódicos (como são, por natureza, os impostos sobre o rendimento): "Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.".
Sincronicamente, a fixação do facto de tributário no último dia do período de tributação, vai colocar o problema da sucessão da lei mais favorável no tempo no âmbito do n.º 1 daquele artigo da LGT, o qual, salvo na existência de norma que o afaste, fixa que: "As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos."
Ora, o que tal significa é que, para um período de tributação (como sucede com o da Recorrente) iniciado em 1 de Fevereiro de 2014 e que termina a 31 de Janeiro de 2015, o facto tributário só se pode considerar verificado nesta última data.
A frase latina pro rata temporis, em particular em direito e economia, refere-se à distribuição de um valor monetário em segmentos de tempo correspondentes à duração desses segmentos de tempo. Pro rata também significa por proporção pelo que é uma divisão de um valor de acordo com a proporção determinada, é o rateamento do valor, usando como referência a proporcionalidade.
E, pelo acima exposto, nem sequer uma repartição do lucro tributável pro rata temporis (tal como enunciada pelo artigo 12.º, n.º 2 da LGT) é aqui aplicável.
Por esse prisma, é forçoso concluir que a lei aplicável é precisamente aquela que se encontrava plenamente em vigor à data da verificação do facto tributário, propendendo nós a considerar que era a Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que estabelecia como taxa de IRC aplicável a taxa de 21 %, soçobrando a tese da decisão recorrida quanto à especialidade normativa acima escalpelizada.
Na verdade, a Lei n.º 2/2014, de 16/01, modificou a redacção do artigo 87.º, n.º 1 do CIRC, aí passando a constar que "A taxa do IRC é de 23 %, excepto nos casos previstos nos números seguintes."
E no tangente à sua aplicação no tempo, concilia o artigo 14.º da aludida Lei que: "Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014."
Resulta cristalino que a norma em exame, na sequência, aliás, de legislação anterior sobre a aplicação temporal de taxas de IRC em caso de alteração destas, se aplica aos períodos de tributação iniciados em 1/01/2014.
Aliás, mais diremos que, ao invés da posição sufragada na decisão recorrida, é nosso entendimento que a referência aí feita aos efeitos do disposto no artigo 14.º da Lei n.º 2/2014 (que procedeu à Reforma do IRC) não abona em favor da aplicação da taxa de 23 % que passou a vigorar por força de tal Lei.
É que tal disposição especial de aplicação da lei fiscal no tempo tem óbvias semelhanças com dispositivos similares que, ao longo do tempo, foram sendo introduzidos no ordenamento fiscal para regular as alterações de taxas de IRC.
Foi o que sucedeu com (i) - o artigo 41.º, n.º 1, da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, alterou o artigo 69.º, n.º 1, do Código do IRC, passando este a estatuir que a taxa do IRC é de 36,5 %, sendo que o n.º 3 do mesmo artigo 41.º determinava: "O disposto no n.º 1 do artigo 69.º do Código do IRC, com a redação dada pela presente lei, é aplicável aos rendimentos obtidos em períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de janeiro de 2000."; (ii) - o artigo 32.º, n.º 1, da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, alterou o então artigo 80.º, n.º 1, do Código do IRC, tendo este passado a estatuir que a taxa de IRC é de 30 %, sendo que o n.º 7 do mesmo artigo 32.º estipulava o seguinte: "O disposto no n.º 1 do artigo 80.º aplica-se aos rendimentos obtidos nos períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de Janeiro de 2002."; (iii) - o artigo 30.º, n.º 1, da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, alterou o artigo 80.º, n.º 1, do Código do IRC, passando este a estatuir que a taxa de IRC é de 25 %, estipulando o n.º 2 do mesmo artigo 30.º o seguinte: "O disposto no n.º 1 do artigo 80.º aplica-se aos rendimentos obtidos nos períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de Janeiro de 2004."; (iv) - o artigo 2.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, alterou o então artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC, passando este a estatuir que a taxa de IRC é de 23 %, determinando o artigo 14.º do mesmo diploma legislativo, na parte que aqui importa considerar, que "a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014.".
Ora, é precisamente pelo facto de a Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, não dispor de semelhante disposição que se levanta toda a presente questão: com a entrada em vigor da nova lei, a sua aplicação vale para os novos factos tributários (como aqueles que ocorrem em 31 de Janeiro de 2015).
Enfatiza-se que a norma em causa contém um segmento que não pode descurar-se e que é decisivo: "Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º." o qual, no atinente à evolução das taxas de IRC, no sentido da sua progressiva redução, prescreve:
"1 - Tendo em conta os resultados alcançados pela reforma da tributação do rendimento das pessoas colectivas operada pela presente lei e em função da avaliação da evolução da situação económica e financeira do país, a taxa prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC deve ser reduzida nos próximos anos, ponderando, simultaneamente, a reformulação dos regimes do IVA e do IRS, especialmente no que diz respeito à redução das taxas destes impostos.
2 - A redução da taxa de IRC prevista no número anterior para 21 % em 2015, bem como a sua fixação num intervalo entre 17 % e 19 % em 2016, será objeto de análise e ponderação por uma comissão de monitorização da reforma a constituir para o efeito."
Assim, nesse preceito a dita Lei previa já uma redução geral da taxa normal de IRC ao longo dos próximos anos e, ainda que dependente de determinadas condições, uma possível redução de taxa de IRC para 21 % já em 2015.
Ou seja, e em reforço do que já antes se disse, a norma ínsita no artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, que rege sobre a sua aplicação no tempo, ao antecipar expressamente que a alteração de taxa aplicável aos exercícios iniciados em 2014 se faz "sem prejuízo" do disposto no artigo 8.º albergará a possibilidade de concretização da prevista redução de taxa para os próximos anos e, particularmente, da redução para 21 % em 2015.
Nesse sentido, pontifica o facto de a prevista redução da taxa de IRC para 21 % ter sido concretizada pelo artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31/12, que alterou a redacção do artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC.
Sendo embora certo que a lei é omissa quanto à sua aplicação temporal, haverá que concluir que a nova taxa é aplicável nos termos gerais, isto é, a todos os factos tributários que ocorram em ou após o seu início de vigência, conforme decorre do regime geral da aplicação no tempo da lei tributária, consagrado no artigo 12.º da LGT.
Assim, em consonância com o artigo 103.º, n.º 3, da CRP que estabelece o princípio da proibição da retroactividade em matéria tributária e com o princípio consagrada no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil, prevê no seu n.º 1: "As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos."
Tal interpretação é consentânea com os princípios gerais de aplicação da lei no tempo, com o da aplicação imediata mas com respeito pela validade dos actos já praticados, com a letra da lei e com os princípios gerais de aplicação temporal das normas de direito substantivo consagrados no artigo 12.º do Ccivil.
Na parte final do n.º 1 deste preceito consigna-se que «ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular».
Preocupado com a tutela da confiança, segurança e estabilidade dos efeitos jurídicos já produzidos pelos factos, apenas os considera dignos de protecção à luz da lei sob a qual foram produzidos quando deliberadamente seja outra a vontade do legislador expressa na lei nova e conquanto ela não ofenda qualquer princípio constitucional (cf. artºs 277.º e 207.º da Constituição da República).
Seguindo essa linha de raciocínio a Lei Nova só seria aplicável aos actos constituídos antes da sua entrada em vigor se fosse essa a vontade expressa do legislador.
Essa vontade está inequivocamente afirmada como se viu, devendo resolver-se a dúvida, se a houvesse - e não há - com a ressalva de retroactividade constante do n.º 1 do artigo 12.º do Ccivil.
Coloca-se aqui a questão de saber quando é que se entendem produzidos pelos factos que a lei visa regular os efeitos jurídicos, a que o Prof. J. Baptista Machado dá resposta na sua obra «Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil», pág. 125:
«Um efeito de direito produziu-se sob o domínio da LA quando na vigência desta lei se verificaram o facto ou os factos que, de acordo com a respectiva hipótese legal da LA, o desencadeiam».
Assim e ainda de acordo com Baptista Machado, in ob. cit., págs. 99, 100 e Introdução. pág. 234, a lei nova respeita integralmente as situações jurídicas constituídas «ex lege», por força da verificação de certos factos. Por tal razão, além de acobertada dentro da ressalva da parte final do n.º 1, também se acha englobada na previsão do n.º 2, primeira parte, do referido artigo 12.º do C. Civil.
Deve por isso concluir-se que a Lei Nova ao dispor sobre os efeitos dos factos, apenas visa os factos novos e que, assim, é inaplicável às situações por ele previstas cujos pressupostos, segundo a lei antiga, ocorreram sob o domínio desta lei, só se aplicando aquele às situações que se tenham constituído pela ocorrência dos factos integradores da respectiva previsão legal a partir do início da sua vigência.
Estamos, no entanto, perante um imposto periódico, em que o facto tributário é de formação sucessiva e o n.º 2 do artigo 12.º da LGT consagra um critério de "pro rata temporis" prevendo:
"Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor."
O critério do pro rata temporis já foi por nós afastado mas, em reforço argumentativo, diga-se ainda que no campo da tributação do rendimento das pessoas colectivas, que é aquele em que nos encontramos, deparamo-nos com um imposto de periodicidade anual em que não se tributa cada rendimento isoladamente mas o englobamento de todos os rendimentos auferidos no período de tributação, deduzidos dos gastos inerentes, obtendo-se um resultado líquido apurado em conformidade com as normas contabilísticas e sujeito a correcções expressamente previstas no respectivo Código.
Todavia e como já se demonstrou, a regra geral compreendida na norma do n.º 2 do artigo 12.º da LGT soçobra face à determinação consagrada no artigo 8.º, n.º 9 do Código do IRC.
É que, no que concerne à aplicação da lei no tempo e em acatamento do princípio constitucional da proibição de retroactividade da lei fiscal, deve entender-se que a aludida norma do CIRC consagra, uma solução específica prevendo que o facto gerador da obrigação de imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação o que vale por dizer que a lei nova, dada a inexistência de disposição legal em sentido diverso, será aplicável aos factos geradores que ocorram a partir do momento em que a mesma entra em vigor.
Destarte e em vista do caso concreto, uma vez que o facto constitutivo da obrigação tributária ocorreu em 31/01/2015, termo do período anual de tributação por que optou a Recorrente e que nesse momento já estava em vigor a taxa de 21 % prevista no artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC, na redacção que lhe foi outorgada pela Lei n.º 87-B/2014, de 31/12, em vigor a partir de 01-01-2015, é esta a taxa aplicável para determinação do montante de imposto relativo ao exercício de 2014.
Daí que seja de seguir a doutrina do acórdão fundamento e validar a tese da recorrente apoiada nas seguintes asserções:
- pelo facto de o seu exercício de 2014 não coincidir com o ano civil, iniciando-se a 01 de Fevereiro de 2014 e terminando a 31 de Janeiro de 2015, o facto gerador do imposto apesar de ser carácter continuado ou de formação sucessiva, só se completou nesta última data, como previsto no artigo 8.º n.º 9 do Código do IRC, quando já estava em vigor a nova taxa de IRC de 21 %, não existindo quaisquer disposições transitórias para a aplicação temporal desta nova taxa de IRC, particularmente para regular os casos de sujeitos passivos que adoptaram períodos de tributação não coincidentes com o ano civil;
- em matéria de aplicação da lei fiscal no tempo, dado que o legislador previu no artigo 8.º n.º 9 do Código do IRC que o facto tributário (de formação sucessiva) se produz no último dia do período de tributação, tal circunstância exclui a aplicação da regra prevista no artigo 12.º n.º 2 da LGT;
- assim, atento o disposto no n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, é de excluir a aplicação da regra pro rata temporis constante do n.º 2 do artigo 12.º da LGT o que traz implicado que a lei nova tem aplicação a todos os factos e situações ocorridos no período de tributação em que entra em vigor, uma vez que só no seu termo é que esses factos e situações adquirem a sua configuração integral, pelo que a sua tributação deve ser efetuada em consonância com a lei em vigor no termo do período de tributação;
- no domínio da tributação do rendimento das pessoas colectivas, por força do conceito, da configuração e do âmbito do facto gerador do imposto, o legislador consagrou uma regra especial quanto à aplicação da lei fiscal no tempo e à retroactividade. E esta regra especial resolve directamente os problemas de sucessão de normas fiscais no tempo em matéria de tributação (como o do presente caso) e afasta a regra geral constante do artigo 12.º n.º 2 da LGT;
- destarte, como o período de tributação de 2014 da recorrente terminou em 31 de Janeiro de 2015, não coincidindo assim com o ano civil, e nessa data já estava em vigor a nova taxa de IRC de 21 %, introduzida pela lei do Orçamento do Estado para 2015, era essa a taxa aplicável;
- nesse sentido pontificam as considerações doutrinais do Professor Doutor Rui Duarte Morais no sentido de que "[...] O que resulta coerente com a anualidade dos impostos (desde logo, com a alterações que são introduzidas na lei fiscal por força da Lei do Orçamento, também ele referido a um ano civil). Significa isto que aos sujeitos passivos cujo exercício não coincida com o ano civil serão aplicáveis, no cálculo do lucro tributável e do imposto a pagar relativamente a cada período de doze meses, regras diferentes daquelas a que está sujeita a generalidade dos sujeitos passivos. [...].". (cf. Apontamentos ao IRC, Reimpressão da edição de Novembro 2007, Almedina, 2009, págs. 47 e 48);
Por isso, e em conclusão, considera-se aplicável ao facto tributário formado em 31 de Janeiro de 2015 a taxa de 21 %, tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015.
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Termos em que o recurso será provido, uniformizando-se jurisprudência no seguinte sentido: "Atento o disposto no n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, que determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, e em face do disposto no n.º 1 do art. 12.º da LGT, considera-se aplicável ao facto tributário formado em 31 de Janeiro de 2015 a taxa de 21 %, tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015."
A final, no segmento decisório do mesmo Acórdão de Uniformização, lê-se assim: “(…) face ao exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e anular a decisão arbitral recorrida fixando-se a seguinte jurisprudência: "Atento o disposto no n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, que determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, e em face do disposto no n.º 1 do art. 12.º da LGT, é aplicável ao facto tributário formado em 31 de Janeiro de 2015 a taxa de 21 %, tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015."
A Jurisprudência fixada nos termos que antecedem é de natureza especialmente persuasiva e tendencialmente obrigatória. E a mesma foi já confirmada, como ficou dito, em dois recentes Acórdãos de Uniformização. Em face do que entende este Tribunal que será a mesma de seguir.
Em consequência, antecipando a decisão, é aplicável ao caso dos autos a lei em vigor à data do encerramento do exercício, ou seja, à data em que – cfr. art.º 8.º, n.º 9 do CIRC – se considera verificado o facto gerador. Conforme pugnado pela Requerente. E contrariamente ao sucedido na Liquidação em crise.
11. Quanto à peticionada devolução das quantias pagas acrescidas do valor de € 5.302,35
Sendo o contencioso tributário, essencialmente, um contencioso de mera anulação, cabe ao presente Tribunal apreciar e decidir sobre a anulação do acto de Liquidação em crise. Por seu turno, caberá à Requerida, em execução de julgado, dar cumprimento ao que decorre do que o Tribunal decidir. Cfr., entre o mais, art.º 24.º do RJAT.
Segundo a Requerente o valor que será devido liquidar, por aplicação das taxas devidas aplicar em consequência do que aqui se decide (21% e 16,8% respectivamente reportados a Continente e Região Autónoma dos Açores na medida aplicável), será um valor inferior em € 389.229,66 àquele que resulta da Liquidação em crise.
Na Liquidação em crise foi apurado um valor a pagar de € 383.927,31. Valor esse que a Requerente pagou. Alegando a Requerente que ao virem a ser aplicadas as taxas decorrentes da lei que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2015 será de lhe reconhecer um reembolso no montante de € 5.302,35. Ou seja, que deverá o valor pago, no montante de € 383.927,31, ser corrigido para um valor a recuperar de € 5.302,35 e, assim, deve ser reembolsada pelo valor total de € 389.229,66.
Cabendo ao Tribunal, apenas, decidir sobre a anulação, ou não, do acto de Liquidação em crise, bem como sobre a restituição de quantias pagas em resultado da liquidação, e juros indemnizatórios, não pode proceder o pedido neste ponto, sem prejuízo dos deveres impostos à Administração Tributária pelo artigo 24º, nº 1, do RJAT.
12. Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios
Sem prejuízo do que antecede, solicita a Requerente o reembolso das quantias pagas – de € 383.927,31.
A liquidação deve ser anulada, por ilegal, como se viu, por erro na aplicação das taxas de 23% e 18,4%, sendo de aplicar as taxas de 21% e 16.8%, devendo as quantias pagas em montante superior ao devido ser devolvidas.
No que respeita aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária.
Dispõe o nº 1 daquele artigo que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Pode ler-se nos acórdãos de 29 de Janeiro de 2020 e de 30.09.2020 do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo (proc. 2005/18.6BALSB e 2008/18.9BALSB, respetivamente) o seguinte:
“(…) há muito que o STA sufraga o entendimento, formulado com base na letra do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, de que os juros indemnizatórios apenas podem ser atribuídos ao sujeito passivo que tenha satisfeito uma obrigação tributária que venha a ser anulada com fundamento em “erro imputável aos serviços”, designadamente, por erro na aplicação do direito.”
Referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa :
“O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte.”.
Dispõe o nº 2 do mencionado art. 43º da LGT que:
“Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.”
Consta da matéria de facto provada que:
“A coleta apurada na Declaração de Rendimentos Modelo 22 resultou da aplica-ção, por definição do sistema informático da AT, das taxas de IRC de 23% e de 18,4% no que respeita à Região Autónoma dos Açores.” (facto e) do probatório).
Verifica-se, pois, que apesar da liquidação ter sido efetuada com base na declaração do sujeito passivo, a taxa resultou da aplicação, por definição, do sistema informático da Requerida, não podendo o erro de direito em causa ser imputado à Requerente mas, exclusivamente, à Requerida.
Acresce que tal solução decorre do nº 2 do art. 43º da LGT, acima referido, que imputa aos serviços o erro cometido na liquidação com base na declaração do contribuinte se este tiver seguido, no seu preenchimento, “as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.” Por maioria de razão, num caso como o presente em que o contribuinte ao apresentar a declaração tem, para o efeito, que se submeter à taxa aplicável pelo sistema informático da Requerida, sem possibilidade de aplicar taxa de imposto que considere correta, não pode a solução deixar de ser, também, a de imputar aos serviços, o erro de direito cometido.
Assim, não pode deixar de se concluir que o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos, nos termos do artigo 61º, nº 5, do Código de Procedimento e Processo Tributário.
IV- Decisão
Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o Pedido, e assim:
a) Declarar ilegal e consequentemente anular a liquidação de IRC melhor identificada nos autos por erro nas taxas aplicadas, e condenar a Requerida na devolução das quantias pagas que - mediante a aplicação das taxas de 21% (Continente) e 16,8% (RA dos Açores) - se apurar terem sido pagas em excesso;
b) Declarar ilegal e anular o despacho de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa;
c) Condenar a Requerida a pagar juros indemnizatórios a calcular sobre a importância paga em excesso, contados desde a data do pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito;
d) Condenar a Requerida no pagamento de custas.
Valor da ação: € 389.229,66 (trezentos e oitenta e nove mil duzentos e vinte e nove euros e sessenta e seis cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Custas: Nos termos dos artigos 12º, nº 2, 22º nº 4 do RJAT e 2º e 4º, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 6.426,00, a suportar pela Requerida conforme decidido supra.
• Notifique-se.
Lisboa, 16 de setembro de 2021
Os Árbitros,
José Poças Falcão
Marcolino Pisão Pedreiro
Sofia Ricardo Borges (com a declaração de voto que segue)
Declaração de Voto
Não acompanhamos a Decisão no que a juros indemnizatórios se refere (seja na fundamentação, seja no decisório). Com o devido respeito e como segue.
A Requerida AT encontra-se vinculada, na sua actuação, ao Princípio da legalidade – cfr. art.º 266.º, n.º 2 da CRP e art.º 55.º da LGT.
Antes disso, e a enquadrá-lo também, temos que o Princípio da legalidade tributária se desdobra, como bem se sabe, nas vertentes de princípio de reserva de lei formal e princípio de reserva material de lei. Sendo que, nesta última vertente, e em conjugação também com a primeira, encontramos o comando, que é igualmente Constitucional, no sentido de que os elementos essenciais dos impostos deverão ser determinados por lei. Elementos essenciais entre os quais se inclui a taxa - cfr. art.ºs 103.º, n.º 2 da CRP e 8.º, n.º 1, da LGT (e v., também, art.º 165.º, n.º1, al. i) da CRP).
A concreta repartição dos encargos tributários pelos contribuintes encontra-se, pois, reservada ao poder legislativo. Cabendo ao poder executivo, sim, interpretando-a, aplicar a lei. Executar - actuando cfr. art.º 266.º, n.º 2 da CRP - o comando legislativo.
Ora, tendo o legislador determinado a aplicação de uma determinada taxa, em IRC, ao exercício de 2014 dos contribuintes , não vemos como entender-se que devesse a Requerida, no estrito cumprimento do princípio da legalidade a que se encontra vinculada na sua actuação, interpretar e aplicar a lei, que é geral e abstracta, senão de molde a que essa taxa se aplicasse a todos os contribuintes. Quando o legislador nada em contrário, de forma directa e clara, ressalvou.
Em matéria de juros indemnizatórios, estabelece o art.º 43.º, n.º 1 da LGT que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” (sublinhado nosso)
E é entendimento pacífico, na Doutrina e na Jurisprudência, que, em regra, há-de entender-se haver erro imputável aos serviços independentemente da efectiva verificação da culpa por parte dos mesmos. Independentemente, por um lado, de ser provada essa culpa: nas situações em que “não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas” pode justificar-se que se dê como assente a existência de culpa. E independentemente, também, do seu grau, bastando-se o legislador com que a actuação dos serviços seja enquadrável em mera negligência.
Não se exige, portanto, para a imputabilidade do erro à AT, a prova da existência da culpa. Que se presume, como acabado de referir.
Sucede porém que, sendo a verificação desta culpa à partida de presumir, também não deixará de ser possível, quando assim se revelar devido, afastá-la. Assim, se por hipótese o erro tiver sido incorrido por efeito de informações incorrectas fornecidas pelo contribuinte, a culpa da AT não se poderá dar por verificada (“nesses casos, não poderá imputar-se à Administração Tributária a responsabilidade pelo erro que afecte a liquidação” ). E assim também, parece-nos, se o erro tiver sido incorrido por efeito de uma menos clara actuação por parte do Estado legislador. Como entendemos não poder deixar de enquadrar-se, para este efeito, o caso.
Com interesse para o que vimos concluindo, v. como escreve Jorge Lopes de Sousa: “A Administração Tributária tem deveres genéricos de actuação em conformidade com a lei (…), pelo que, independentemente da prova de culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo ou de terceiro será imputável a culpa dos próprios serviços. (…) quando uma determinada conduta constitui um facto que à face da lei é qualificável como ilegal, deve fazer-se decorrer da constatação da ilegalidade a existência de culpa, por ser algo que em regra se liga ao próprio carácter ilícito do facto, só sendo de a afastar se se demonstrar que ela, no caso, não ocorre.” (sublinhados e negritos nossos)
Demonstrativo de que a lei em questão (indirectamente aplicada pela AT, já que as taxas que pelo sistema informático eram aplicadas, na autoliquidação pelo SP, eram as taxas conforme interpretação e aplicação pela AT da lei em vigor) não era suficientemente clara no sentido de as taxas a aplicar aos SPs com um período de tributação distinto do ano civil serem potencialmente distintas das taxas a aplicar aos demais SPs é, a nosso ver, o próprio Acórdão de Uniformização do STA (a que se adere ao decidir-se). No sentido em que, como ao longo da fundamentação ali desenvolvida se pode apreender, a questão é de notória delicadeza e, assim, ali tratada com um desenvolvimento com isso mesmo coerente. Voltamos ao início, não decorria de forma directa e clara da lei o seu sentido, quando de situações de SPs como o dos autos (período de tributação não coincidente com o ano civil) se tratasse. Tendo vindo o sentido, por isso mesmo, a ser esclarecido pelo STA em sede de Uniformização de Jurisprudência (como também constante da Decisão).
Num paralelo, a exigir as necessárias adaptações, refira-se que é Jurisprudência do STA – em matéria de juros indemnizatórios – que quando se trate de uma anulação de acto administrativo por este ter sido praticado em aplicação de norma que posteriormente vem a ser declarada Inconstitucional, o erro ali contido não é imputável à AT em termos que justifiquem a sua condenação em juros indemnizatórios.
Quanto a nós, não poderá na interpretação/aplicação da lei como feita pela AT (que subjaz ao acto em crise) detectar-se uma ilegalidade que permita justificar a condenação da mesma em juros indemnizatórios ao abrigo do art.º 43.º da LGT. Desde logo, tendo ocorrido num momento em que não havia nem uma constância de Decisões Judiciais em determinado sentido interpretativo, nem, menos ainda, Uniformização de Jurisprudência.
Não cremos, no quadro que fica exposto e que era o dos autos, poder ser outra a solução equilibrada, sendo de entender a Requerida ter, então, actuado também com o objectivo do cumprimento do princípio da legalidade. É de afastar a existência de culpa. Não se verificava, quanto a nós, erro qualificável como sendo imputável aos serviços nos termos e para os efeitos do art.º 43.º da LGT.
Assim, e pelas razões expostas, teríamos decidido pela absolvição da Requerida do pedido de condenação em juros indemnizatórios.
Sofia Ricardo Borges