Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 772/2020-T
Data da decisão: 2021-09-10  IRC  
Valor do pedido: € 362.455,05
Tema: IRC. Dedução por lucros detidos e reinvestidos (artigo 29.º do CFI) Micro, pequena e média empresa (PME). Número de unidades trabalho-ano (UTA). Ónus da prova.
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Sumário:

 

I – Tendo a Administração determinado a correção à dedução à coleta no que se refere ao benefício fiscal por “dedução por lucros retidos e reinvestidos”, com base no entendimento de o sujeito passivo não poderia ser qualificado como PME em atenção ao número de pessoas empregadas, cabia-lhe o ónus da prova de que a empresa dispunha de um número de unidades trabalho-ano (UTA) superior a 250, por ser essa a condição que permitia a não atribuição do benefício fiscal;

II - O número de trabalhadores a inscrever na Informação Empresarial Simplificada (IES) é o número médio de pessoas ao serviço da empresa e não corresponde ao número de unidades trabalho-ano, tornando-se necessário demonstrar, para apurar o número de efetivos, o número de trabalhadores que tenham trabalhado na empresa durante todo o ano, considerando aqueles que trabalharam a tempo inteiro e aqueles que, tendo trabalhado a tempo parcial, puderem ser contabilizados para esse efeito através de frações de unidade trabalho-ano;

III - No contencioso de mera legalidade funciona o princípio da proibição da fundamentação a posteriori, estando o tribunal impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam da fundamentação contextual integrante do próprio ato tributário.

 

Decisão Arbitral

 

Acordam em tribunal arbitral

 

Relatório

 

1. A..., S.A., com o número único de matrícula e de pessoa colectiva ..., com a sede social em Rua ..., ..., n.º ... –..., ...-... Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade da liquidação adicional de IRC nº 2020..., relativo ao exercício de 2017, no valor total de € 362.455,05, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente foi objeto de uma ação de inspeção tributária externa, referente ao IRC dos exercícios de 2017 e 2018, em que foi determinada a correção ao montante da dedução à coleta dos lucros retidos e reinvestidos, por se ter entendido que o número de trabalhadores excedia o limite para poder ser qualificada como uma micro, pequena ou média empresa (PME), baseando-se para o efeito no número de pessoas remuneradas ao serviço da empresa constante da declaração da Informação Empresarial Simplificada (IES) referente a esse ano, na qual se havia indicado o número total de  517 e 634 trabalhadores, respetivamente.

 

A Requerente apenas pretende impugnar a liquidação adicional referente a 2017.

 

De acordo com a legislação aplicável constante da Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, e do Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, a qualificação de uma empresa como PME, para efeito do benefício fiscal de dedução dos lucros retidos  e reinvestidos, regulado nos artigos 28 º e segs. do Código Fiscal do Investimento, depende de a empresa empregar, numa base anual, menos de 250 efectivos, entendendo-se como tal, segundo o disposto nos artigos 2.º e 5.º do Anexo  ao referido Decreto-Lei, o número de unidades trabalho-ano (UTA), isto é, o número de pessoas que tenham trabalhado na empresa ou por conta dela a tempo inteiro durante todo o ano.

 

E, por outro lado, se uma empresa ultrapassar o limiar de efetivos, essa circunstância não implica a perda da qualidade de média, pequena ou micro empresa, salvo se tal se repetir durante dois exercícios consecutivos, conforme determina o artigo 4.º, n.º 2, do Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007.

 

Nas circunstâncias do caso, os serviços inspetivos, para efeito de excluir a Requerente da qualificação de PME, basearam-se no número de trabalhadores que foi declarado na IES no ano de 2017, no total de 517, quando esse número corresponde ao número médio de pessoas que estiveram ao serviço da empresa nesse ano, em que se incluem todos os que trabalharam na empresa por períodos inferiores a um ano, sendo que muitos trabalhadores mantiveram, no decurso do ano, uma relação laboral meramente parcial.

 

Para poder desconsiderar a Requerente como uma PME, o relatório de inspeção deveria ter averiguado o número de unidades trabalho-ano (UTA), nos termos da legislação mencionada, e ao ter-se baseado, exclusivamente, no número médio de trabalhadores constante da declaração IES, os serviços fiscais incorreram em erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

 

Além de que se não verifica, no caso, o requisito da ultrapassagem do limiar definido na lei por dois anos consecutivos, visto que seria necessário demonstrar, para esse efeito, que a Requerente ultrapassou aquele limite (com base em quantificação a realizar de acordo com o critério legalmente fixado, nos exercícios de 2015 e 2016, ou numa interpretação mais garantística do benefício fiscal, nos exercícios de 2016 e 2017.

 

Conclui no sentido da procedência do pedido.

 

A Autoridade Tributária, na resposta, refere que nem no decurso do procedimento inspetivo nem no âmbito do processo arbitral, a Requerente apresentou provas de cumprir os requisitos exigidos para a verificação do estatuto de PME, sendo que, no caso específico dos benefícios fiscais, o artigo 14.º, n.º 2, da LGT estabelece que «os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão, ou a cumprir outras obrigações previstas na lei ou no instrumento de reconhecimento do benefício, nomeadamente as relativas aos impostos sobre o rendimento, a despesa ou o património, ou às normas do sistema de segurança social, sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito».

 

Ou seja, o ónus da prova dos pressupostos dos benefícios fiscais recai sobre os contribuintes e concretiza-se através da revelação desses pressupostos e na falta de cumprimento desse ónus, os benefícios fiscais ficam sem efeito, como estatui a parte final dessa disposição.

 

Para além disso, a Requerente, para efeito de aferição do estatuto de PME, apenas tem considerado os dados que lhe respeitam, como se de uma empresa autónoma se tratasse, não tendo em linha de conta os dados referentes a empresas associadas que integram o mesmo grupo de sociedades.

 

Por outro lado, relativamente ao exercício de 2017, pelos elementos declarados pelo sujeito passivo nas Declarações Mensais de Remunerações (DMR), constata-se que a empresa empregou 807 funcionários, que se encontram identificados no anexo III junto ao processo administrativo. Considerando que esses trabalhadores auferiram rendimentos em 5410 meses (somatório do n.º de meses que cada pessoa auferiu rendimento em razão da prestação de trabalho) e que para proceder ao cálculo da UTA há que dividir esse número por 9684 (número dos meses do ano por cada um dos funcionários – 12 x 807), obtém-se uma percentagem de 55,87%, que corresponde a uma UTA de 450,83, superior ao limiar de 250.

 

Acresce que, além de não terem sido considerados os dados dos efetivos das empresas com quem a Requerente se encontra relacionada, do cruzamento entre a listagem de trabalhadores apresentada pela Requerente para efeitos de comprovação das UTA (239,76 em 2015 e 245,23 em 2016) e os elementos declarados pela Requerente ao longo de 2015 e 2016 nas Declarações Mensais de Remunerações, conclui-se não terem sido incluídos 256 trabalhadores, em 2015, que corresponde aproximadamente a 93,75 UTA, e 245 trabalhadores, em 2016, que corresponde aproximadamente a 132,25 UTA.

 

Daí resultando que a Requerente ultrapassou em qualquer dos anos de 2015 e 2016 o limiar de 250 UTA que se encontra legalmente previsto para efeito da qualificação como PME e não preenche o requisito constante do artigo 4.º, n.º 2, do Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007.

 

Conclui pela improcedência do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo, por despacho arbitral de 1 de julho de 2021, foi  dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas, por se entender que não existem novos elementos sobre que as partes se devam pronunciar.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 21 de maio de 2021.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades nem foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

 

Fundamentação

 

Matéria de facto

 

6. Com interesse para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)           A Requerente é uma sociedade anónima que se dedica à atividade de restauração do tipo tradicional a que corresponde o CAE 56101.

B)           A Requerente encontra-se enquadrada, em sede de IRC, no regime geral de tributação.

C)           No período de tributação de 2017, a Requerente deduziu à coleta de IRC, no Anexo D da declaração de rendimentos modelo 22, o montante de € 337.501,00 a título de benefícios fiscais por dedução de lucros retidos e reinvestidos.

D)           A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva interna efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo das ordens de

serviço n.º OI2019..., com referência ao período de tributação de 2017, e n.º OI2019..., com referência ao período de tributação de 2018, tendo como finalidade avaliar a situação tributária do sujeito passivo quanto aos benefícios fiscais deduzidos em sede de IRC.

E)            No âmbito da ação inspetiva, os serviços determinaram a correção à dedução à coleta, no que se refere ao benefício fiscal denominado “dedução por lucros retidos e reinvestidos”, no ano de 2017, no valor de € 337.501,00, e no ano de 2018, no valor de € 230.000,00 por considerarem que a Requerente não preenchia o requisito de micro, pequena ou média empresa (PME) de que depende a atribuição do benefício fiscal.

F) Com o mesmo fundamento, os serviços desaplicaram a redução da taxa do imposto para 17% relativamente aos primeiros € 15.000,00, nos termos do disposto no artigo 87.º, n.º 2, do CIRC, daí resultando uma liquidação adicional de € 600.000,00, para cada um dos anos em consideração.

G)           No Relatório de Inspeção Tributária, que aqui se dá como reproduzido, os serviços inspetivos justificam as correções nos seguintes termos:

 

III.1.1.1 REGIME DA DEDUÇÃO POR LUCROS RETIDOS E REINVESTIDOS (DLRR)

   III.1.1.1.1 ENQUADRAMENTO

 

Este regime está previsto nos artigos 27.º a 34.º do Código Fiscal do Investimento (CFI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014 de 31.10.2014.

Segundo o artigo 28.º deste regime, "podem beneficiar da DLRR os sujeitos passivos de IRC residentes em território português, bem como os sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável neste território, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, que preencham, cumulativamente, as seguintes condições.

a)            Sejam micro, pequenas e médias empresas, tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003;

b)           Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade;

c)            O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos;

d)           Tenham a situação fiscal e contributiva regularizada.

 

Ora, segundo a Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, para caberem no conceito de micro, pequenas e médias empresas, as mesmas têm que possuir os seguintes requisitos (artigo  2.º da Recomendação):

                                                        «Artigo 2.º

                    Efetivos e limiares financeiros que definem as categorias de empresas

1. A categoria das micro, pequenas e médias empresas (PME) é constituída por empresas que empregam menos de 250 pessoas e cujo volume de negócios anual não excede 50 milhões de euros ou cujo balanço total anual não excede 43 milhões de euros.

2. Na categoria das PME, uma pequena empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 10 milhões de euros.

3. Na categoria das PME, uma microempresa é definida como urna empresa que emprega menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anua/ ou balanço total anual não excede 2 milhões de euros».

Em síntese, nos termos do regime fiscal da DLRR, só as empresas que tiverem menos de 250 pessoas e  com um volume de negócios inferior a 50 milhões de euros ou valor de balanço inferior a 43 milhões de  euros é que podem ser consideradas como uma PME e estes fatores têm de ser cumulativos, ou seja, basta não se verificar um dos critérios (n.º funcionários inferior a 250 pessoas e volume de negócios não superior  a 50 M euros balanço total anual não superior a 50 M euros) para a empresa sair da categoria de PME.

 

III.1.1.1.2 FACTOS VERIFICADOS

Conforme mencionado no quadro anterior, a A... SA deduziu respetivamente à coleta de IRC os montantes de € 337.501,00 e de € 230.000,00 nos exercícios de 2017 e 2018.

Nestes exercícios, registou conforme se pode ver nos mapas da demonstração de resultados e do balanço os seguintes valores com referência à segunda parte dos requisitos para se considerar como PME:

 

IES – Anexo A    2017       2018

Vendas e Serviços Prestados      27.894.734,64    36.103.051,22

Valor do Ativo Total        13.732.912,29    18.518.069,03

 

Em termos de Pessoal, analisadas as declarações do sujeito passivo, nomeadamente a informação constante da IES, no quadro 05291-A verificamos que nos exercícios de 2017 e 2018 tiveram o seguinte número de pessoas ao serviço da empresa:

                     IES – Anexo A                              2017   2018

      Linha A6012 do quadro 05291-A       

Pessoas Remuneradas ao serviço da empresa         517     634

              III.1.1.1.3 CONCLUSÃO

Face ao exposto, podemos concluir que o sujeito passivo ao empregar mais de 250 trabalhadores não possui os requisitos para ser considerada uma PME nos termos da Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003 e, como tal, não pode beneficiar do Regime de Dedução dos Lucros Retidos.

Desta forma, será corrigido o imposto deduzido nos montantes respetivos de € 337.501,00 e € 230.000,00 para os exercícios de 2017 e 2018 por utilização indevida daquele Regime.

 

III.1.1.2 TAXA REDUZIDA DE IRC

Por via da não consideração da sociedade como PME, a mesma não pode beneficiar nos termos do art.º 87.º, n.º 2 do CIRC da redução da taxa de imposto para 17% nos primeiros € 15.000,00 de matéria coletável.

Assim, estes € 15.000,00 que foram sujeitos a imposto de 17% pelo sujeito passivo, serão sujeitos à taxa normal de imposto previsto no art.º 87.º n. º1 (21 %), resultando para os dois a nos uma liquidação adicional de € 600,00 em cada exercício, fruto da diferença entre o imposto à taxa normal e a que foi calculada pelo sujeito passivo nas declarações de rendimentos dos exercícios de 2017 e 2018 nomeadamente o valor inscrito no campo 347-A do quadro 10 da declaração Modelo 22.

No quadro infra temos a demonstração dos valores a liquidar conforme parágrafo anterior:

 

Apuramento do Imposto             Cálculos               2017      2018

Matéria Coletável           (1)          6.431.452,65      6.705.393,17

Imposto à taxa normal (art.º 87.º, n.º 2; 1.ºs) x 17%        (2) = 15.000x17%              2.550,00               2.550,00

Imposto à taxa normal (art.º 87.º, n.º 1) x 21%   (3) = [(1)-15.000]x21%   1.347.455,06      1.404.982,57

Total do Imposto calculado pelo Sujeito Passivo 84) = (2) + (3)     1.350.005,06      1.407.532,57

Importo à taxa Normal (art.º 87.º, n.º 1) x 21% Corrigido              (5) = (1)x21%     1.350.605,06      1.408.132,57

Diferença            (6) = (5) – (4)      600,00   600,00

 

III.1.1.3. RESUMO CORREÇÕES EM SEDE DE IRC

Em resultado das irregularidades descritas anteriormente, os valores dos benefícios fiscais dedutíveis no quadro 10 da declaração de rendimentos Modelo 22, bem como do lucro tributável, nos termos do artigo  17.º do CIRC, deverão ser os seguintes:

               

IRC – Apuramento das Correções             2017      2018

Ponto III.1.1.1.3.              BF deduzidos ao Imposto Declarados     (1)          517.713,33          334.575,43

                Valor da Correção Campo 355    (2)          337,501,00          230.000,00

                BF Corrigidos     (3)=(1)-(2)          180.212,33          1.407.532,57

Ponto III.1.2.      Imposto Calculado SP    (1)          1.350.005,06       1.407.532,57

                Correção             (2)          600,00   600,00

                Imposto Calculado IT      (3)=(1)+(2)         1.350.605,06       1.408.132,57

 

G) Na Informação Empresarial Simplificada relativa a 2017, a Requerente inscreveu o número de 517 trabalhadores e na Informação Empresarial Simplificada relativa a 2018, inscreveu 634 trabalhadores.

H) Em 8 de outubro de 2020, a Requerente procedeu ao pagamento do imposto devido.

I)  Em 18 de dezembro de 2020, a Requerente apresentou o pedido arbitral.

 

Factos não provados

 

Não se encontra provado o número de unidades trabalhador-ano que tenham trabalhado na Requerente no ano de 2017. Com relevância para a causa não existem outros factos que se tenham considerado não provados.

 

Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos dados como provados baseiam-se nos documentos juntos com o pedido arbitral, no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e em factos não questionados pelas partes. Em especial, não foi controvertido o alegado nos artigos 16. e 17. do pedido arbitral, em que se afirma que o número de trabalhadores declarado na IES no ano de 2017, no total de 517, corresponde ao número médio de pessoas que estiveram ao serviço da empresa nesse ano, em que se incluem todos os que trabalharam na empresa por períodos inferiores a um ano.

 

Matéria de direito

 

5.  Na sequência do procedimento inspetivo, a Autoridade Tributária determinou a  correção à dedução à coleta no que se refere ao benefício fiscal denominado “dedução por lucros retidos e reinvestidos” (DLRR), no ano de 2016, baseando-se no entendimento de que a Requerente não poderia ser qualificada como micro, pequena ou média empresa (PME), de acordo com a Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de Maio, por ter excedido o limiar de 250 pessoas empregadas, na aceção do artigo 2.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 2 de novembro, baseando-se, para assim concluir, na declaração prestada na Informação Empresarial Simplificada (IES) em que é reportado como pessoas remuneradas ao serviço da empresa, relativamente àquele ano, o número de 391.

 

A Requerente sustenta que o número de trabalhadores inscrito na IES corresponde ao número médio do total de pessoas que estiveram ao serviço da empresa, em que se incluem trabalhadores que prestaram serviço por períodos inferiores a um ano, e que, nos termos do artigo 5.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, o número de efectivos a considerar para o aludido efeito é o número de unidades trabalho-ano (UTA), isto é, o número de pessoas que tenham trabalhado na empresa ou por conta dela a tempo inteiro durante todo o ano.

 

Como se depreende da própria posição das partes, a questão está em saber qual é o âmbito de aplicação subjetivo do referido benefício fiscal, interessando começar por ter presente, o disposto no artigo 28.º do CFI, que prevê o seguinte:

 

Artigo 28.º

Âmbito de aplicação subjetivo

Podem beneficiar da DLRR os sujeitos passivos de IRC residentes em território português, bem como os sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável neste território, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, que preencham, cumulativamente, as seguintes condições:

a) Sejam micro, pequenas e médias empresas, tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003;

b) Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade;

c) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos;

d) Tenham a situação fiscal e contributiva regularizada.

 

Como resulta ainda do disposto no precedente artigo 27.º do mesmo diploma, a DLRR constitui um regime de incentivos fiscais ao investimento em favor de micro, pequenas e médias empresas nos termos do RGIC.

 O diploma que pretendeu dar concretização ao conceito de PME, bem como aos critérios a utilizar para esse efeito, foi o Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, que, segundo estipula o seu artigo 2.º, passam a constar do  seu Anexo, que dele faz parte integrante, e correspondem aos previstos na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão Europeia, de 6 de Maio.

O artigo 2.º do Anexo, para que é feita a remissão, estabelece que “a categoria das micro, pequenas e médias empresas (PME) é constituída por empresas que empregam menos de 250 pessoas e cujo volume de negócios anual não excede 50 milhões de euros ou cujo balanço total anual não excede 43 milhões de euros”.

O que se entende por pessoas empregadas, para o efeito da definição de PME, é explicitado no artigo 6.º, que, sob a epígrafe “Efetivos e limiares financeiros que definem as categorias de empresas”, tem a seguinte redação:

Os efetivos correspondem ao número de unidades trabalho-ano (UTA), isto é, ao número de pessoas que tenham trabalhado na empresa em questão ou por conta dela a tempo inteiro durante todo o ano considerado. O trabalho das pessoas que não tenham trabalhado todo o ano, ou que tenham trabalhado a tempo parcial, independentemente da sua duração, ou o trabalho sazonal, é contabilizado em frações de UTA. Os efetivos são compostos:

              a) Pelos assalariados;

b) Pelas pessoas que trabalham para essa empresa, com

um nexo de subordinação com ela e equiparados a assalariados à luz do direito nacional;

c) Pelos proprietários -gestores;

d) Pelos sócios que exerçam uma atividade regular na empresa e beneficiem das vantagens financeiras da mesma.

Os aprendizes ou estudantes em formação profissional titulares de um contrato de aprendizagem ou de formação profissional não são contabilizados nos efetivos. A duração das licenças de maternidade ou parentais não é contabilizada.

 

Por fim, quanto aos dados a considerar para o cálculo dos efetivos e dos montantes financeiros e período de referência, importa considerar o artigo 4.º do mesmo Anexo, que, no que releva, é do seguinte teor:

 

1- Os dados considerados para o cálculo dos efetivos e dos montantes financeiros são os do último exercício contabilístico encerrado, calculados numa base anual. Os dados são tidos em conta a partir da data de encerramento das contas. O montante do volume de negócios considerado é calculado com exclusão do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e de outros impostos indiretos.

2 - Se uma empresa verificar, na data de encerramento das contas, que superou ou ficou aquém, numa base anual, do limiar de efetivos ou dos limiares financeiros indicados no artigo 2.º, esta circunstância não a faz adquirir ou perder a qualidade de média, pequena ou micro empresa, salvo se tal se repetir durante dois exercícios consecutivos.

[…].

 

Cabe ainda assinalar que as referidas disposições do Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007 limitam-se a reproduzir o que consta dos artigos 2.º, 4.º e 5.º da Recomendação n.º 2003/361/CE, pelo que em relação a todos os aspetos aí regulados encontram-se em plena sintonia com o direito europeu.

 

6. Como resulta do Relatório de Inspeção Tributária, o argumento determinante para a desconsideração do benefício fiscal assenta na circunstância de a Requerente ter declarado, na Informação Empresarial Simplificada (IES), com base nos dados referentes a 2017, um total de 517 pessoas remuneradas ao serviço da empresa, e em nenhum momento se efetua, nesse Relatório, a transposição desse número para os efetivos em unidades trabalho-ano (UTA) ou se faz sequer qualquer referência ao critério que se encontra definido no artigo 5.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007 para efeito da qualificação da empresa como PME.

 

A Requerente alega, no entanto, que o número de trabalhadores declarado na IES no ano de 2017, no total de 517, corresponde ao número médio de pessoas que estiveram ao serviço da empresa nesse ano, aí se incluindo todos os que trabalharam na empresa por períodos inferiores a um ano, e essa afirmação não é questionada pela Autoridade Tributária na sua resposta.

 

Por outro lado, se tivermos em consideração as instruções de preenchimento da IES, no quadro 05291-A, o sujeito passivo deve indicar o número médio de pessoas ao serviço da empresa e respetivo número de horas trabalhadas no período em que a entidade esteve em atividade, entendendo-se que o número médio de pessoas corresponde aos valores médios do período e devem ser obtidos dividindo o somatório do número de pessoas ao serviço, em determinada categoria, no último dia útil de cada mês de atividade no período, pelo número de meses de atividade nesse período.

 

O número de trabalhadores a inscrever na IES não corresponde, por conseguinte, ao número de unidades trabalho-ano, tornando-se necessário demonstrar, face à declaração constante da IES, o número de trabalhadores que tenham trabalhado na empresa durante todo o ano, considerando aqueles que trabalharam a tempo inteiro e aqueles que, tendo trabalhado a tempo parcial, puderem ser contabilizados para esse efeito através de frações de unidade trabalho-ano.

 

A Autoridade Tributária não efetuou essa demonstração no procedimento de inspeção tributária e, de resto, não pôs sequer em causa, no presente processo arbitral, a alegação da Requerente segundo a qual o número inscrito na IES é o número médio de trabalhadores ao serviço da empresa durante o ano, que não pode entender-se como sendo o correspondente ao número de unidades trabalho-ano.

 

Cabe ainda esclarecer que, incumbindo à Administração, nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos que se arroga, e tendo sido os serviços inspetivos que tomaram a iniciativa de proceder à correção tributária, é sobre ela própria que recai a consequência desvantajosa, no plano probatório, da não demonstração de que o contribuinte dispunha de um número de efetivos superior a 250 e não poderia ser qualificada como PME.

 

Por outro lado, não é a circunstância de a lei geral (artigo 14.º, n.º 2, da LGT) impor aos titulares de benefícios fiscais um dever de revelação ou de autorização de revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão que implica a inversão do ónus da prova. O sujeito passivo cumpriu todas as suas obrigações declarativas, mediante a entrega da   declaração de rendimentos modelo 22 e da Informação Empresarial Simplificada, e não resulta do Relatório de Inspeção Tributária que o contribuinte se tenha esquivado a fornecer quaisquer outros dados de informação que se tornassem necessários para determinar se se verificava o requisito do número de unidades trabalho-ano de que depende a atribuição do benefício fiscal.

 

O que sucede é que os serviços inspetivos, erroneamente, e sem necessidade de qualquer outra diligência instrutória complementar, interpretaram o número de trabalhadores inscrito na IES como correspondendo ao número de unidades trabalho-ano, quando, como se deixou esclarecido, esse é número médio de pessoas que estiveram ao serviço da empresa durante o ano, que não tem necessariamente de corresponder ao número tido como relevante para efeito da atribuição do benefício fiscal.

 

7. A Autoridade Tributária alega, na sua resposta, que a Requerente apenas considerou os dados referentes ao pessoal que lhe dizem respeito e não os de outras empresas parceiras ou associadas que integram o mesmo grupo de sociedades, e, por outro lado, com base nos elementos declarados pelo sujeito passivo nas Declarações Mensais de Remunerações (DMR), quanto ao número de pessoas ao serviço da empresa e ao número de horas trabalhadas, chega-se aproximadamente a um número de unidades trabalho-ano (UTA) de 450,83, superior ao limiar legalmente previsto.

 

O certo é que, independentemente da validade dos argumentos utilizados, o Relatório de Inspeção Tributária não teve em linha de conta, para efeito de proceder à correção tributária, quaisquer considerações sobre a não inclusão de dados de pessoal de empresas associadas nem quaisquer elementos de informação complementares que proviessem das Declarações Mensais de Remunerações, tendo-se limitado a atender, sem qualquer apreciação crítica, ao número de trabalhadores declarado na IES para o ano de 2017, que, como se deixou dito, não corresponde ao número de unidades trabalho-ano, mas ao número médio de trabalhadores que prestaram serviço durante o ano.

 

Ora, no contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial, funciona o princípio da proibição da fundamentação a posteriori. Isto é, o tribunal tem de limitar-se à formulação do juízo sobre a legalidade do ato sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respetiva legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio ato, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, seja por iniciativa oficiosa do tribunal, seja por meio de novos argumentos que tenham sido invocados pelas partes na pendência do processo impugnatório (cfr. acórdão do STA de 27 de Junho de 2016, Processo n.º 043/16).

 

                Não cabe, por isso, ao tribunal analisar a legalidade da liquidação impugnada com base em considerações que não lhe serviram de fundamento.

 

Sendo ilegal a desconsideração da Requerente como PME, para efeito da dedução à coleta do benefício fiscal, verifica-se a ilegalidade consequente da correção que teve por base a não aplicação da taxa reduzida de IRC, nos termos do disposto no artigo 87.º, n.º 2, do CIRC, visto que essa correção é mera decorrência de se ter entendido que a empresa se não integrava no conceito de PME.

 

Por todo o exposto, o pedido arbitral mostra-se ser procedente.

 

 Juros indemnizatórios

 

8. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IRC, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

III – Decisão

Termos em que se decide:

 

a)            Julgar procedente o pedido arbitral e anular a liquidação adicional de IRC impugnada;

b)           Condenar a Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 362.455,05, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 6.120,00 que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 10 de setembro de 2021,                                                                 

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

O árbitro vogal

André Festas da Silva

 

O árbitro vogal

Fernando Miranda Ferreira