SUMÁRIO:
1. Competência material para apreciação da pretensão formulada pela Requerente;
2. (In)verificação da Excepção peremptória da caducidade do direito de acção;
3. Competência para apreciação do pedido de reconhecimento do direito à dedução da totalidade do IVA incorrido na aquisição de serviços de solicitadoria objecto de refacturação aos clientes;
4. Ilegalidade parcial que está a enfermar autoliquidações de IVA, fundada em erro de direito consubstanciado na desadequada aplicação de limitações ao direito à dedução do imposto suportado em recursos utilizados exclusivamente em actividade tributada e não isenta.
I. RELATÓRIO:
1. A..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, pessoa colectiva n.º..., com sede na ..., nº..., ..., LISBOA, (doravante, Requerente), apresentou, em 30.10.2020, um pedido de pronúncia arbitral, invocando o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º e nos nºs 1 e 2 do art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, de ora em diante apenas designado por RJAT) em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
2. No pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA), a Requerente optou por não designar árbitro.
3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou árbitro singular que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. Em 24.12.2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.
5. Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 25.1.2021 para apreciar e decidir o objecto do processo.
6. A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste: i) Na declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento proferida no âmbito do processo de Reclamação Graciosa n.º ...2018... que a Requerente apresentou dirigida a actos tributários de autoliquidação de IVA, referentes ao ano de 2016, no montante de 46.224,22€; bem como na consequente declaração de ilegalidade daqueles mesmos actos de autoliquidação respeitantes aos vários períodos de tributação do ano de 2016, por errado enquadramento no exercício do direito à dedução do IVA incorrido em serviços de solicitadoria e constatado tal erro de direito, pela susceptibilidade de correcção do mesmo no prazo de 4 anos a que se reporta o n.º 2 do art.º 98º do CIVA; ii) Em consequência do eventual decretamento da ilegalidade, no reconhecimento à Requerente do direito à dedução incorrido na aquisição dos aludidos serviços de solicitadoria no montante de 46.224,22 €, com referência aos vários períodos de tributação do ano de 2016.
7. Fundamentando o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:
I.A) BREVE SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DA REQUERENTE NO PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL:
7.1. Quanto à competência do CAAD para apreciação da (i)legalidade de actos de primeiro, segundo e terceiro grau, começa a Requerente por notar, a fls. 4 do seu PPA, que “(...) é actualmente entendimento pacífico tanto na Jurisprudência como na Doutrina, que os actos de indeferimento de pretensões dos sujeitos passivos - i.e., actos de segundo grau - poderão ser arbitráveis junto do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), na condição de, eles próprios, terem apreciado a legalidade de um acto de liquidação de imposto - i.e., de um acto de primeiro grau.”
7.2 Devidamente ancorada em jurisprudência arbitral (concretamente a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 272/2014-T do CAAD que pode ser lida in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listOrder=Sorter_data&listDir=DESC&listPage=180&id=614 ) e doutrina (Jorge Lopes de Sousa que, no seu “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” e Carla Castelo Trindade, in “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”) referenciada no PPA, sustenta a Requerente que a jurisdição arbitral é competente para arbitrar pretensões relativas à declaração da legalidade de actos de liquidação/autoliquidação de tributos - actos de primeiro grau - quando, num acto de segundo grau, a AT se tenha pronunciado relativamente à legalidade de tal acto.
7.3. Quanto à competência do CAAD para a arbitrabilidade de pretensões relativas à legalidade de actos de autoliquidação de tributos, precedidos da apresentação de Reclamação Graciosa, aduz a Requerente com a alínea a) do n.º 1 do art.º 2º do RJAT, dizendo que a competência dos tribunais arbitrais compreende “A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; (...).” Traz ainda à colação o disposto no n.º 1 do art.º 4º do RJAT dizendo que “(...) a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pelos termos em que a AT se vinculou à jurisdição deste tribunal.” Sem se deter traz ainda à discussão a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (Portaria que regulamenta a vinculação da AT à jurisdição arbitral) aduzindo que ela estatui no sentido de que “os serviços e organismos referidos no artigo anterior [a AT] vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes: a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”
7.4. Inferindo de tudo quanto vem sendo explicitado que o CAAD “(...) tem competência para apreciar pretensões atinentes à legalidade de actos de autoliquidação de tributos, (mesmo) quando tais pretensões tenham sido precedidas da apresentação de Reclamação Graciosa.” Ressalvando ainda como segue: “(...) Tal competência se encontra restringida à apreciação de pretensões relativas à legalidade de actos de autoliquidação de tributos, precedidos da apresentação de Reclamação Graciosa, quando a decisão de indeferimento da referida Reclamação tenha comportado a apreciação do acto de autoliquidação acima referido.” Sendo que, no sentido de demonstrar que o indeferimento da Reclamação comportou a apreciação da legalidade do acto de autoliquidação objecto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral, aduz a Requerente no artigo 24º do PPA que a AT entendeu “(...) ser de indeferir a Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente com referência aos actos tributários de autoliquidação de IVA do ano 2016, uma vez que, de acordo com o seu entendimento, não existe qualquer erro nos referidos actos tributários.”
7.5. Sustentou a AT, na decisão em apreço, que “[a] Reclamante dispunha de todas as informações, sendo que nenhuma alteração legislativa ocorreu quanto a este tipo de encargos, não se vislumbrando qualquer razão que motivasse o alegado erro. Do não exercício da faculdade que lhe é concedida, não pode resultar a ilegalidade da autoliquidação por ocorrência de erro.”
7.6. Concluindo no sentido de que o Tribunal Arbitral é competente “(...) para a apreciação da pretensão da (...) Requerente, em virtude de esta respeitar à apreciação da legalidade da decisão de indeferimento proferida no âmbito do procedimento administrativo de Reclamação Graciosa n.º ...2018... despoletado pela Requerente, com referência aos actos tributários de autoliquidação de IVA do ano 2016, tendo a AT, nessa mesma decisão de indeferimento, apreciado a legalidade daqueles actos de autoliquidação de imposto.”
7.7. E estando em causa a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento proferida no âmbito do processo de Reclamação Graciosa n.º ...2018... que a Requerente apresentou e dirigida a actos tributários de autoliquidação de IVA, referentes ao ano de 2016, no montante de 46.224,22€; bem como na consequente declaração de ilegalidade daqueles mesmos actos de autoliquidação respeitantes aos vários períodos de tributação do ano de 2016, por errado enquadramento no exercício do direito à dedução do IVA incorrido em serviços de solicitadoria e constatado tal erro de direito, pela susceptibilidade de correcção do mesmo no prazo de 4 anos a que se reporta o n.º 2 do art.º 98º do CIVA, afirma aquela que o prazo para apresentação do PPA se deve contar do despacho de indeferimento da aludida reclamação graciosa que foi proferido em 23.7.2020, pelo que, nos termos do n.º 10 do art.º 39º do CPPT a requerente foi notificada da decisão de indeferimento acima referida no dia 7.8.2020, data a partir da qual se conta o prazo para a constituição do tribunal arbitral nos termos do n.º 1 do art.º 10º do RJAT, pelo que, o mesmo se revelou efectivamente tempestivo, na medida em que foi apresentado em 30.10.2020.
7.8. Quanto ao erro de enquadramento concretizado no exercício do direito à dedução do IVA incorrido nos serviços jurídicos em causa nos presentes autos e materializado nos vários actos declarativos cumpridos para os vários períodos de tributação reportados ao ano de 2016 (Tal como está na nota de rodapé n.º 1 do PPA, “Tendo em consideração o trânsito em julgado da decisão proferida pelo CAAD, no âmbito do processo n.º 354/2019-T, pela qual foi considerado procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação parcial da autoliquidação de IVA respeitante ao mês de Dezembro de 2016, assente na alteração da percentagem de dedução do IVA incorrido com os recursos de utilização mista de 8% para 18%, o valor reclamado no procedimento administrativo de reclamação graciosa foi rectificado, comportando a referida alteração, passando o mesmo a ascender a € 46.224,22” – Cfr. fls. 4 do Doc. n.º 1 anexo ao PPA), entende a Requerente, no art.º 71º da petição que consubstanciou o PPA, que ele é incontornável e que é “(...) susceptível de ser rectificado pela via escolhida, i.e. a Reclamação Graciosa.”
7.9. Tendo em vista a demonstração da efectiva ocorrência do erro de direito, começa a Requerente por aduzir no sentido de que “No âmbito da sua actividade, enquanto instituição financeira, (...), a Requerente concede aos seus clientes créditos de natureza automóvel, habitacional e pessoal. Uma vez que os créditos são, em regra, requeridos tendo por finalidade a aquisição de um determinado bem, com destaque para o crédito habitação, é frequente a transmissão de bens acompanhar a atribuição do crédito, sendo necessário o cumprimento de certas formalidades. Considerando a necessidade de cumprir estas exigências formais, as instituições de crédito tem vindo a oferecer serviços jurídicos, recorrendo, para tal, à contratação externa de entidades especializadas na matéria.”
7.10. E isto dito, diz a Requerente que “(...) as Sociedades de Advogados, de Solicitadores e de Agentes de Execução debitam à Requerente o valor correspondente aos serviços prestados, liquidando IVA à taxa normal.”
7.11. E não se detendo aduz a Requerente como segue: “No que concerne às operações activas, realizadas a jusante, a Requerente refactura esses custos aos seus clientes, liquidando, igualmente, o IVA correspondente à taxa normal.” A este respeito e tendo em vista provar o redébito das despesas ao respectivo cliente final junta aquela o Doc. n.º 3 ao PPA.
7.12. Trazendo a Requerente à colação a letra do n.º 4 do art.º 4º do CIVA que diz: “[q]uando a prestação de serviços for efectuada por intervenção de um mandatário agindo em nome próprio, este é, sucessivamente, adquirente e prestador do serviço” e ainda o Acórdão do TJUE de 14 de Julho de 2011 (processo C-464/10), caso Henfling and Others, que interpretando a norma vertida no n.° 4 do artigo 6.° da Sexta Directiva do Conselho (77/388/CEE), de 17 de Maio de 1977 (entretanto revogada pela Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 [doravante DIVA], relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, sendo que àquela norma da 6ª Directiva passou a corresponder o art.º 28º da DIVA que diz: “Quando um sujeito passivo participe numa prestação de serviços agindo em seu nome mas por conta de outrem, considera-se que recebeu e forneceu pessoalmente os serviços em questão.”), entendeu que tal norma “[c]ria uma ficção jurídica de duas prestações de serviços idênticas fornecidas consecutivamente. Por força dessa ficção, considera-se que o operador, que intervém na prestação de serviços e é o comissário, recebeu, num primeiro tempo, os serviços em causa do operador por conta do qual actua, que é o comitente, antes de, num segundo momento, prestar pessoalmente esses serviços ao cliente.”
7.13. Inferindo dali a Requerente que: “(...) de acordo com a ficção legal ínsita no n.º 4 do artigo 4.º do Código do IVA, na esteira da interpretação levada a cabo pelo TJUE, dever-se-á concluir que: 1. uma entidade que intervém numa prestação de serviços, em nome próprio, mas por conta de outrem, é, simultaneamente, adquirente e prestadora do referido serviço; 2. o redébito de uma prestação de serviços é igualmente uma prestação de serviços, para efeitos de IVA, sujeita ao mesmo enquadramento do serviço objecto do redébito.”
7.14. E afastando a aplicabilidade de qualquer uma das normas de isenção previstas no n.º 27 do art.º 9.º do CIVA, diz a Requerente que as prestações de serviços de solicitadoria aqui em causa são tributadas à taxa normal de tributação em sede de IVA e uma vez que tais serviços são redebitados, deverão, como visto, beneficiar do mesmo enquadramento em sede de IVA conferido aos serviços objecto de redébito, ou seja, a refacturação dos serviços de solicitadoria está sujeita a imposto e dele não isenta.
7.15. Aduzindo a Requerente no sentido de que sendo tais serviços tributados em IVA, conferem direito à dedução, “(...) verificando-se uma ligação directa e imediata entre os encargos suportados e os serviços prestados, o n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA determina a dedutibilidade integral do imposto incorrido. Assiste, pois, à Requerente o direito subjectivo a deduzir a totalidade do IVA incorrido nestas circunstâncias e não apenas uma percentagem (pro rata), dado que este imposto não respeita a “custos comuns” ou “recursos de utilização mista”, mas sim a custos exclusivamente afectos a operações tributadas.”
7.16. E partindo do exposto, peticionou a Requerente o reconhecimento do direito à dedução da totalidade do IVA incorrido, durante todo o ano de 2016, na aquisição de serviços jurídicos objecto de refacturacão aos seus clientes. E, uma vez que incorreu no montante de € 56.371,00 de imposto, deduzindo, por força da aplicação do coeficiente de imputação específico de 18%, somente € 10.146,78, peticionou o reconhecimento do direito à dedução do montante remanescente — i.e., € 46.224,22 (montante este actualizado face ao pedido na Reclamação Graciosa, tendo em conta a decisão proferida pelo CAAD, no âmbito do processo n.º 354/2019-T), aduzindo em termos de tempestividade para a efecticação do pedido com o prazo geral supletivo previsto no n.º 2 do art.º 98.º do Código de IVA para o exercício do direito à dedução do imposto que, por motivo de erro, não deduziu, peticionando-se o reconhecimento do seu direito à dedução.
7.17. Nos pontos 91º e seguintes do PPA discorre demoradamente a Requerente sobre a tipologia de erro praticado (erro de direito) e ainda sobre a susceptibilidade de correcção do mesmo dentro do prazo de quatro anos previsto no aludido n.º 2 do art.º 98º do CIVA, trazendo à colação contributos doutrinários muito relevantes a tal propósito e ainda jurisprudência nacional e comunitária sobre a matéria que aqui se deve considerar reiterada.
7.18. Concluindo a Requerente, louvada nos elementos interpretativos acima referidos, como segue: “(...) para efeitos do direito à dedução, o sujeito passivo pode fazer-se valer do prazo de caducidade (de quatro anos) definido no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA, contanto que apresente uma declaração de substituição (se ainda estiver a tempo de o fazer) ou um pedido de revisão oficiosa relativos ao respectivo período.”
7.19. E transpondo aquele entendimento para a situação concreta aqui em apreço, defende a Requerente que “(...) tratando-se o pedido de revisão oficiosa de um meio administrativo que o contribuinte dispõe para suscitar/provocar a revisão de actos tributários junto da AT, tal como a reclamação graciosa também o é, entende [...] ter cumprido tudo quanto lhe incumbia legalmente para rectificar o erro de direito que viciou as suas declarações de imposto ora em crise.”
8. Em 5.5.2021, a Requerida apresentou resposta, o que fez por remissão para a bondade do teor constante do despacho final de indeferimento da reclamação graciosa que foi junto aos autos pela entidade demandada nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, fls. 49 a 61 do Processo Administrativo, no qual, em escorço, alega:
I.B) BREVE SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DA REQUERIDA POR REMISSÃO NA RESPOSTA PARA DESPACHO FINAL DE INDEFERIMENTO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA, DATADO DE 21.7.2020, DO CHEFE DE DIVISÃO DA UNIDADE DOS GRANDES CONTRIBUINTES (UGC), DA DIVISÃO DE JUSTIÇA TRIBUTÁRIA (DJT), QUE, POR SUA VEZ, VOLTA A REMETER PARA A INFORMAÇÃO N.º 65-ADP/2020, DE 14.7.2020:
8.1. Como ponto prévio começa a Requerida (por remissão para o ponto 34 da Informação n.º 65-ADP/2020, de 14.7.2020) por suscitar a questão da susceptibilidade e tempestividade do recurso ao procedimento de reclamação graciosa como adequado para lograr obter as suas pretensões.
8.2. Fazendo notar que “[F]ace à realidade dos factos descrita pela Reclamante, pode concluir-se que estamos perante uma situação de alteração retroativa dos critérios que presidiram à escolha do método de dedução relativamente às despesas em causa, tendo as mesmas sido consideradas à data da entrega da declaração periódica em análise, como recursos promíscuos/de utilização mista.”
8.3. A Requerida passa a discorrer abundantemente (nos pontos 36 a 44 da Informação n.º 65-ADP/2020, de 14.7.2020 junta à pi como Doc. n.º 1 e junta igualmente ao Processo Administrativo Tributário apresentado pela entidade demandada nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, fls. 49 a 61), sobre o direito à dedução em sede de IVA, o que aqui se deve para os devidos efeitos considerar reiterado.
8.4. A dado passo da hermenêutica que sustenta diz a Requerida que “[a] dedução do imposto pressupõe o registo contabilístico do documento de suporte das operações realizadas, em geral, a factura, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 48.º do CIVA, após a sua receção, até à data da apresentação da declaração periódica respetiva ou até ao termo do prazo de apresentação”. Prosseguindo ao dizer que “[a] dedução do imposto considera-se concretizada com a apresentação da declaração do período, tendo então por base, o registo contabilístico dos documentos que lhe serviram de suporte, independentemente do encargo ter sido considerado no sua totalidade, parcialmente ou mesmo desconsiderado na autoliquidação entregue.” Rematando no ponto 44 da aludida Informação n.º 65-ADP/2020, de 14.7.2020, como segue: “[D]e facto, o direito à dedução tem reflexos no apuramento e pagamento do imposto a que se refere a declaração periódica, tendo por base, o registo contabilístico dos documentos que lhe serviram de suporte. A partir desse momento, qualquer correção à dedução (seja decorrente dos registos contabilísticos, declaração periódica, faturas, etc.) que venha a realizar-se, constituirá uma regularização do imposto.”
8.5. Porquanto invocado pela Requerente na petição que consubstanciou o exercício do direito à reclamação, a Requerida traz à colação o disposto no n.º 2 do art.º 98º do CIVA, aproveitando para transcrever os ensinamentos de João Canelhas Duro desenvolvidos in “Dedução de IVA, Regularizações e Revisão da Autoliquidação”, Cadernos IVA 2015, Almedina, pp 327 e ss.. Traz ainda à discussão o Ofício-Circulado n.º 30082/2005, de 17 de Novembro, emanado da Direcção de Serviços do IVA, bem como a decisão do STA de 18.5.2011, tirada no âmbito do Processo n.º 0966/10.
8.6. Partindo de tais elementos auxiliares à interpretação parece querer sustentar a Requerida que n.º 2 do art.º 98.º do Código do IVA tem um âmbito de aplicação absolutamente residual, mostrando-se adequado a suportar a efectivação de deduções de IVA num prazo alongado de 4 anos apenas para situações em que, por exemplo, por facto imputável ao prestador, vendedor ou terceiro, os documentos de suporte da dedução, as facturas, não são atempadamente disponibilizados ao sujeito passivo.
8.7. Isto dito, retira a Requerida a asserção de que não é aplicável o referido prazo de 4 anos às pretensões de regularização de imposto enunciadas na referida reclamação graciosa.
8.8. Prosseguindo as suas alegações ao dizer : “[N]a verdade, o mencionado preceito não tem o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento para efectuar a dedução dentro desse período, mas sim fixar um limite máximo a partir do qual o direito à dedução já não pode ser exercido, acautelando situações excepcionais que poderiam impedir a dedução do imposto nos termos dos artigos 20.º e 23.º do CIVA.”
8.9. No ponto 51 da Informação n.º 65-ADP/2020, de 14.7.2020, aduz (por remissão) a Requerida no sentido de que o que a ali reclamante (e aqui Requerente) pretende “(...) é a regularização do imposto anteriormente deduzido, e não a sua dedução ab initio.” Dizendo ainda que: “[A]cresce que, no caso concreto, a reclamante vem alegar a ocorrência de erro na segregação dos custos suportados com a aquisição de serviços jurídicos, tendo considerado que os mesmos eram de utilização comum em actividades tributadas e não tributadas, quando na realidade, apurou que deveriam ser considerados afetos apenas a sectores de actividade tributada e como tal integralmente dedutíveis.”
8.10. A Requerida alinha subsequentemente as seguintes asserções: i) que a dedução se configura como um direito e não como um dever; ii) que o exercício do direito à dedução está na disponibilidade dos sujeitos passivos; iii) não pode admitir-se a existência de qualquer erro susceptível de ser objecto de correcção. Fá-lo louvada no estatuído nos artºs 19.º e seguintes do CIVA e artºs 167.º e seguintes de Directiva IVA; Acórdão do STA de 10.11.2010, prolatado no âmbito do processo n.º 0436/10; no Acórdão do STA de 9.2.2005, proferido no âmbito do Processo n.º 0860/04; no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 20.12.2012, proferido no âmbito do Processo 04855/11; no Acórdão do CAAD de 15.11.2016, proferido no âmbito do Processo n.º 143/2016-T; e ainda do Acórdão do TJUE de 8.5.2008, caso Ecotrade SPA, Processos Apensos 95/07 e 96/07, de 12.7.2012, Caso SEM-Bulgária, e Transport OOD, Processo n.º C-284/11.
8.11. Concluindo, nos pontos 65 e 66 da Informação n.º 65-ADP/2020, de 14.7.2020, a sua apreciação sobre a legalidade da autoliquidação de IVA sub judice no sentido de que “[N]este pressuposto, inexistindo um erro na autoliquidação, não existe fundamento para a apresentação da Reclamação Graciosa nos termos do disposto no artigo 131.º do CPPT, que se mostra desta forma inviável. Face ao exposto, concluindo-se que a pretensão da Reclamante não tem viabilidade jurídica, fica precludida a apreciação do mérito do pedido formulado, e da legalidade do ato de autoliquidação, designadamente, quanto à correspondência à realidade dos valores indicados pela Reclamante.”
8.12. Na sequência do exercício do direito de audição subsequentemente à notificação à Requerida do projecto de decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada e feita a necessária apreciação sobre o argumentário ali esgrimido por aquela, aduz a requerida (por remissão) como segue: “(...) não obstante a factualidade subjacente ao acórdão citado [do STA, de 18.5.2011, Processo n.º 0966/10] não “merecer paralelismo”, a verdade é que a invocação do mesmo teve por base não a situação fáctica em si, mas a matéria de direito nele analisada e que se mostra relevante para a apreciação do presente caso concreto. Ou seja, como ficou dito em sede de projeto de decisão, o n.º 2 do artigo 98.º do CIVA não tem alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento para efetuar a dedução, dentro do período de 4 anos nele estabelecido, mas sim de fixar um limite máximo a partir do qual o direito à dedução já não pode ser exercido, acautelando situações excepcionais que poderiam impedir a dedução do imposto nos termos do artigo 20.º e 23.º do CIVA.”
8.13. Termina a Requerida dizendo que “Nesse sentido, não se concebe que este venha invocar a ocorrência de um erro, quando não deduziu aquilo que poderia deduzir”.
8.14. Em face do aduzido, peticiona a Requerida seja julgado totalmente improcedente o Pedido de Pronúncia Arbitral sub judice, com as devidas e legais consequências, ou seja, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de autoliquidação de IVA, reportados aos vários períodos de tributação de 2016, absolvendo-se, em conformidade, a requerida do pedido.
II. THEMA DECIDENDUM:
9. Entende o Tribunal Arbitral Singular que as questões de natureza exceptiva que, por poderem obstar ao conhecimento do pedido e ao julgamento de mérito do objecto do processo, é necessário apreciar e decidir no presente processo arbitral, são: i) a da competência material do Tribunal Arbitral; ii) a da (in)competência do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de reconhecimento do direito à dedução da totalidade do IVA incorrido na aquisição dos serviços de solicitadoria objecto de refacturação aos seus clientes; e iii) a da caducidade do direito de acção e que, não obstante não suscitadas pela Requerida, foram aventadas pela Requerente.
10. Não procedendo as excepções, empreender-se-á julgamento de mérito sobre o objecto do pedido de pronúncia arbitral, ou seja, resolver-se-á a questão de saber se a decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada pela Requerente (n.º ...2018...), nos termos e em conformidade com o disposto no art.º 131º do CPPT e art.º 97º do CIVA, com vista à contestação dos actos tributários de autoliquidação de IVA, reportados aos vários períodos de tributação do ano de 2016, está eivada de ilegalidade e ainda se as autoliquidações de IVA, referentes aos vários períodos de tributação de 2016, no montante de 46.224,22 €, enfermam igualmente de ilegalidade, com fundamento em erro de direito incorrido na aquisição de serviços de solicitadoria com IVA incluído de 56.371,00 € e que só em parte foi deduzido, ou seja, por aplicação do prorata de dedução de 18%, a Requerente deduziu efectivamente 10.146,78 €, sobrando 46.224,22 €, que em erro não deduziu, o que não pode deixar de se comunicar aos actos de autoliquidação dos vários períodos de tributação de 2016.
11. Cumpre, então, agora, proferir decisão.
III. DECISÃO:
III.A) FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS:
12. Antes de entrarmos na apreciação das questões acima elencadas, cumpre fixar a matéria factual que é relevante para a respectiva decisão:
A) A Requerente é uma instituição de crédito, cujo objecto social consiste na realização das operações descritas no n.º 1 do artigo 4.º do Regime Geral das instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro) e no artigo 1.° do Decreto lei n.º 186/2002, de 21 de Agosto. (Cfr. acordo das partes);
B) No âmbito da sua actividade, a Requerente realiza operações bancárias e financeiras enquadráveis na isenção constante do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, como sejam, v.g., as operações de financiamento ou concessão de crédito ou as relativas a pagamentos que não conferem o direito a dedução deste imposto. (Cfr. acordo das partes);
C) A Requerente realiza também operações que conferem o direito a dedução deste imposto (cf. a alínea b) do n.° 1 do artigo 20.° do Código do IVA). Em concreto, operações de locação financeira mobiliária, locação de cofres e custódia de títulos. (Cfr. acordo das partes);
D) Atendendo a que a aqui Requerente realiza, concomitantemente, operações que conferem o direito a dedução e operacöes que não conferem tal direito, é sujeito passivo misto subordinado à disciplina do art.º 23º do CIVA, ou seja, aplicando um regime de dedução parcial de IVA (Cfr. acordo das partes);
E) Na sequência de uma revisão dos procedimentos de dedução de IVA adoptados pela Requerente, esta detectou uma desconformidade quanto à dedução do IVA incorrido na aquisição dos serviços de solicitadoria, já que havia aplicado, erradamente, a percentagem de dedução de 8% do IVA, subsequentemente corrigida para 18%, na decorrência do trânsito em julgado da decisão proferida pelo CAAD no âmbito do Processo n.º 354/2019-T. (Cfr. acordo das partes);
F) A Requerente procedeu à aquisição de serviços de solicitadoria junto de Sociedades de Advogados, de Solicitadores e de Agentes de Execução que, posteriormente, refacturou aos seus clientes, tendo nessa circunstância procedido à liquidação do IVA que influenciou o apuramento do imposto dos respectivos períodos de tributação e foi suportado pelos respectivos destinatários das operações de refacturação e que são os consumidores finais de tais serviços de solicitadoria. (Cfr. Doc. nº 3 junto ao PPA);
G) Existe uma conexão directa e exclusiva entre a aquisição dos serviços de solicitadoria e as operações activas a que os correspondentes serviços estão ligados por via da refacturação dos mesmos aos clientes finais da aqui Requerente (Cfr. Doc. nº 3 junto ao PPA);
H) Do IVA suportado com as referidas aquisições de serviços apenas 10.146,78 € foi deduzido por aplicação do prorata específico que fez imputar ao sector de actividade tributado os, à data, custos de utilização mista relacionados com os serviços de solicitadoria, sendo que, o valor efectivamente passível de dedução, na medida dos redébitos, por aplicação do método da afectação real e por imputação directa, seria de 56.371,00 € (correspondente a 100% do imposto suportado), resultando numa diferença de 46.224,22 € correspondente a IVA dedutível que não foi deduzido (Cfr. acordo das partes);
I) Em 8.1.2018, a Requerente apresentou reclamação graciosa dirigida aos actos de autoliquidação reportados ao ano de 2016, nos termos e em conformidade com o disposto no art.º 131º e art.º 97º do CPPT, já que a dedução meramente parcial do IVA suportado na aquisição de serviços de solicitadoria consequenciou entrega de prestação tributária em excesso (Cfr. Doc. nº 1 junto ao Pedido de pronúncia arbitral e fls. 2 de 61 do Processo Administrativo);
J) A AT considerou que o requerimento de reclamação é tempestivo por ter sido entregue a 8 de Janeiro de 2018, ou seja, dentro do prazo de 2 anos contados da data de entrega da declaração periódica referente ao período de tributação de Dezembro de 2016 (2017.02.10) em conformidade com o estabelecido no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT conjugado com o artigo 97º do CIVA (Cfr. subponto 6. do Ponto IV do Doc. nº 1 junto ao Pedido de Pronúncia Arbitral – fls. 3 de 12 e ainda fls. 51 de 61 do Processo Administrativo Tributário);
K) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 21.7.2020 (Cfr. Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e ainda fls. 49 do Processo Administrativo Tributário) do Exmº Senhor Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) por delegação e subdelegação de competências – Despacho n.º 5596/2019 – Diário da república n.º 112/2019, Série II, de 2019.06.12, que manifestou concordância com a proposta apresentada na Informação n.º 65-ADP/2020, de 14.7.2020, cujo teor se dá como reproduzido, e donde consta, além do mais, tudo quanto acima foi transcrito na parte que nesta peça se reporta à posição sustentada pela Requerida por remissão para o aludido despacho final de indeferimento;
L) A notificação a coberto da qual veio a decisão de indeferimento está datada de 23.7.2020. Tal como está a fls. 61 do Processo Administrativo Tributário e no Doc. n.º 1 junto ao PPA, a notificação foi empreendida através da plataforma VIACTT. Admitindo que a data de registo de disponibilização no VIACTT coincidia com a data da notificação, ou seja, 23.7.2020, nos termos do estatuído no n.º 10 do art.º 39º do CPPT, a notificação de indeferimento da Reclamação Graciosa considera-se efectuada no 15º dia posterior ao registo de disponibilização, o que, como visto, terá ocorrido em 23.7.2020, sendo que a contagem só se inicia no 1º dia útil seguinte à efectivação da notificação, ou seja, em 24.7.2020. Contados os 15 dias desde aquela data, a Requerente considera-se notificada em 7.8.2020;
M) O dies a quo para apresentação do PPA era, nos termos do n.º 1 do art.º 10º do RJAT, o dia 8.8.2020 e o dies ad quem, o dia 5.11.2020;
N) Em 30.10.2020, 11:38 horas, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD).
III.B) FACTOS NÃO PROVADOS:
13. Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.
III.C) FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:
14. Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
15. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art.º 596.º do CPC).
16. A convicção sobre os factos assim dados como provados (acima explicitados) fundou-se nas posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados; na prova documental junta aos autos e no Processo Administrativo Tributário junto aos autos pela entidade demandada, nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro; e ainda nas alegações aduzidas pelas partes, Requerente e Requerida, que não foram impugnadas pela parte contrária.
III.D) DO DIREITO:
III.D1) DA (IN)COMPETÊNCIA MATERIAL:
17. A Requerente, no PPA, a fls. 5 de 31, aventa a questão da competência material do Tribunal Arbitral para a arbitrabilidade de pretensões relativas à legalidade de actos de autoliquidação de tributos, precedidos da apresentação de reclamação graciosa.
18. A Requerente pede que em consequência do eventual decretamento da ilegalidade os actos de autoliquidação lhe seja reconhecido o direito à dedução incorrido na aquisição dos aludidos serviços de solicitadoria no montante de 46.224,22 €, com referência ao ano de 2016. O pedido (imediato) formulado pela Requerente dirige-se à condenação da Administração Tributária ao reconhecimento do direito à dedução incorrido na aquisição dos aludidos serviços de solicitadoria no montante de 46.224,22 €, com referência ao ano de 2016.
19. Atento o disposto no artigo 2.º do RJAT, no leque de competências dos tribunais arbitrais não está contemplada a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária. Consequentemente, o pedido formulado nos presentes autos tendente ao reconhecimento do direito à dedução incorrido na aquisição dos aludidos serviços de solicitadoria no montante de 46.224,22 €, com referência ao ano de 2016, poderia consubstanciar a existência de uma excepção dilatória que determinaria a incompetência material do tribunal arbitral, obstando ao conhecimento do pedido e, por isso, poderia determinar a absolvição da Requerida da instância.
20. O âmbito de competência material dos tribunais constitui matéria de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, cumprindo por isso, antes de tudo o mais, proceder à sua apreciação (cfr. artigos 16.º do CPPT, 13.º do CPTA e 96.º e 98.º do CPC, subsidiariamente aplicáveis por remissão, respetivamente, das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).
21. Importa então começar por atentar no pedido formulado pela Requerente que, visto o petitório, se materializa como segue: “Termos em que, à face dos fundamentos expostos, se requer a Vossas Excelências, a procedência do presente pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, o reconhecimento à Requerente do direito à dedução do IVA incorrido na aquisição de serviços de solicitadoria, no montante global de 46.224,22 €, com referência ao ano de 2016.”
22. Intuindo-se daqui que decorre com meridiana clareza da literalidade do pedido que o que a Requerente efetivamente pretende é a declaração de ilegalidade e a anulação parcial dos actos de autoliquidação de IVA dos vários períodos de tributação do ano de 2016, por via da declaração de ilegalidade e anulação do acto que indeferiu a reclamação graciosa oportuna e previamente apresentada.
23. Nessa medida, o pedido formulado pela Requerente está compreendido no âmbito das competências dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, pois nele está incluída a apreciação de pretensões de “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, como decorre do estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
24. E assim o advoga o Tribunal Arbitral Singular, louvado na decisão proferida no processo n.º 117/2013-T do CAAD que a dado passo diz: “(…) a fórmula “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade. A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos arts. 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art. 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.”
25. Aceitando-se a hermenêutica advogada pela Requerente quando a dado passo diz que o CAAD “(...) tem competência para apreciar pretensões atinentes à legalidade de actos de autoliquidação de tributos, (mesmo) quando tais pretensões tenham sido precedidas da apresentação de Reclamação Graciosa.” Aduzindo ainda como segue: “(...) Tal competência se encontra restringida à apreciação de pretensões relativas à legalidade de actos de autoliquidação de tributos, precedidos da apresentação de Reclamacão Graciosa, quando a decisão de indeferimento da referida Reclamação tenha comportado a apreciação do acto de autoliquidação acima referido.” Sendo que, no sentido de demonstrar que o indeferimento da Reclamação comportou a apreciação da legalidade do acto de autoliquidação objecto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral, aduz ainda a Requerente no artigo 24º do PPA que a AT entendeu “(...) ser de indeferir a Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente com referência aos actos tributários de autoliquidação de IVA do ano 2016, uma vez que, de acordo com o seu entendimento, não existe qualquer erro nos referidos actos tributários.” Sustentou a AT, na decisão em apreço, que “[a] Reclamante dispunha de todas as informações, sendo que nenhuma alteração legislativa ocorreu quanto a este tipo de encargos, não se vislumbrando qualquer razão que motivasse o alegado erro. Do não exercício da faculdade que lhe é concedida, não pode resultar a ilegalidade da autoliquidação por ocorrência de erro.” consubstanciando tudo isto uma clara apreciação da legalidade dos actos de autoliquidação sindicados, o que aqui igualmente se acolhe.
26. Nestes termos, o Tribunal Arbitral Singular considera-se materialmente competente para apreciar e decidir o presente processo.
III.D2) DA CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO:
27. Tal como visto a Requerente advoga que o PPA é tempestivo, já que o indeferimento da Reclamação graciosa foi notificado à Requerente em 7.8.2020, sendo que o dies a quo para apresentação do PPA se fixaria em 8.8.2020, nos termos do n.º 1 do art.º 10º do RJAT e o dies ad quem, em 5.11.2020, tendo o PPA sido apresentado exactamente em 30.10.2020, 11:38 horas, tal como se pode intuir dos pontos K), L), M) e N) do probatório.
28. A Requerida não se pronunciou sobre esta temática na sua resposta.
29. A Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu a reclamação graciosa, abordando, previamente, a questão da tempestividade e concluindo que o requerimento que a consubstanciou foi apresentado em tempo (Cfr. ponto J) do probatório).
30. A Requerente vem sindicar todos os actos de autoliquidação reportados ao ano de 2016 (sendo certo que está enquadrada como sujeito passivo misto, cumprindo obrigações declarativas com periodicidade mensal (Cfr. Docs n.ºs 2.1 e 2.2 juntos ao PPA).
31. Tendo constatado o Tribunal Arbitral Singular que as despesas de solicitadoria que foram oneradas com IVA foram incorridas ao longo de todo o ano de 2016.
32. Assim, o erro aqui em causa influenciou certamente todos os actos de autoliquidação reportados ao ano de 2016.
33. Atendendo a que o indeferimento da reclamação graciosa apresentado reabre a via contenciosa, in casu a arbitral, e sendo expresso esse indeferimento, o Tribunal Arbitral Singular tem necessariamente de avaliar se estavam preenchidos os pressupostos processuais legalmente exigidos para que a AT conhecesse do mérito da causa.
34. No caso de actos de autoliquidação, a lei exige, nos termos e em conformidade com o disposto no art.º 131º do CPPT, a apresentação de reclamação graciosa necessária previamente à abertura da via contenciosa no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração periódica onde foi praticada a ilegalidade que está a enfermar a respectiva autoliquidação.
35. A Requerente apresentou reclamação graciosa em 8.1.2018.
36. Para o período de tributação de 2016.01M, a apresentação da declaração periódica de IVA impugnada, ocorreu, certamente, até ao dia 10.3.2016. Atendendo a que a Requerente apresentou reclamação graciosa em 8.1.2018, o ataque à autoliquidação de 2016.01M era perfeitamente tempestivo, já que apresentado antes de decorrido o aludido prazo de 2 anos contado da entrega da declaração periódica onde foi efectivada a autoliquidação. Mutatis mutandis para todos os restantes e posteriores períodos de tributação de 2016, concluindo-se assim que a reclamação graciosa apresentada e que atacava todos os actos de autoliquidação de 2016, era rigorosamente tempestiva.
37. Partindo da acima aventada possibilidade de apresentação perante a AT do meio gracioso de ataque aos actos de autoliquidação de IVA reportados ao ano de 2016 e tendo a Requerente constatado que as correspondentes autoliquidações se encontravam enfermadas por erro de direito e excesso de quantificação do IVA liquidado por desconsideração indevida de IVA dedutível, tinha o direito de reclamar graciosamente das enfermadas autoliquidações, no prazo de dois anos, com fundamento em qualquer ilegalidade .
38. Isto dito se conclui com meridiana clareza que, em 8.1.2018, ou seja, quando a Requerente apresentou a reclamação graciosa que estava a controverter os actos de autoliquidação aqui em causa, aquela estava em tempo para apresentar tal pedido.
39. Pelo exposto, a decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa não enferma de vício de erro sobre os pressupostos de direito, ao sustentar a tempestividade daquele meio de discussão da legalidade das autoliquidações aqui em causa para os vários períodos de tributação de 2016.
40. Nessa conformidade, o Tribunal Arbitral Singular decide julgar não procedente a aventada excepção peremptória da caducidade do direito de acção, desde logo, porquanto, a reclamação graciosa foi apresentada à AT em tempo e em face estatuído na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT e nos pontos M) e N) do probatório igualmente foi apresentado em tempo o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem aos presentes autos, pelo que, assim sendo, nada obsta a que o Tribunal Singular se pronuncie sobre o mérito da questão que lhe foi submetida para julgamento.
III.D3) DA (IN)COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL PARA APRECIAR O PEDIDO DE RECONHECIMENTO DO DIREITO À DEDUÇÃO DA TOTALIDADE DO IVA INCORRIDO NA AQUISIÇÃO DOS SERVIÇOS DE SOLICITADORIA OBJECTO DE REFACTURAÇÃO AOS SEUS CLIENTES LOUVADOS NA DECISÃO ARBITRAL DE 16.12.2019, PROLATADA NO PROCESSO N.º 436/2019-T E QUE AQUI SEGUIREMOS DE PERTO:
41. A Requerente pede, além do mais, que em consequência do eventual decretamento da ilegalidade os actos de autoliquidação lhe seja reconhecido o direito à dedução incorrido na aquisição dos aludidos serviços de solicitadoria, no montante de 46.224,22 €, com referência ao ano de 2016.
42. A este propósito, a Autoridade Tributária e Aduaneira nada diz na sua Resposta.
43. De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, "restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito", o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que "a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão".
44. Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão "declaração de ilegalidade" para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários.
45. O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação e declaração de nulidade ou inexistência de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido" e do art.º 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que "se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea".
46. O n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que "é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário", deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
47. Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de um montante a reembolsar, que é a sua base de cálculo, tem de se concluir que a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrange a condenação no pagamento de quantias indevidamente pagas na sequência de anulação dos actos de liquidação ou de autoliquidação que foram fundamento do pagamento.
48. Relativamente à fixação/correcção da matéria tributável nos vários actos de autoliquidação sindicados, que é o que está em causa na correcção do IVA dedutível pretendida pela Requerente, a letra do RJAT não é clara quanto à possibilidade de proferir decisões condenatórias naquele sentido, mas, pelo menos, é seguro que cabe nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD fixar os “exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo”, se for caso disso.
49. Na verdade, o n.º 1 do artigo 24.º refere expressamente que são esses “exactos termos” que devem ser observados pela Autoridade Tributária e Aduaneira na execução de julgado, o que pressupõe que esses termos sejam indicados na decisão arbitral com exactidão, sempre que tal seja possível, inclusivamente quando está em causa a fixação da matéria tributável, que é matéria que manifestamente se inclui nas competências arbitrais, pois está expressamente prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
50. Interpretado com este alcance de declaração na decisão arbitral dos exactos termos em que, se for o caso, a Autoridade Tributária e Aduaneira fica vinculada a fixar a matéria tributável, o pedido referido insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD. Por isso, insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD proferir decisões condenatórias que se possam consubstanciar no eventual reconhecimento do direito à dedução da totalidade do IVA incorrido na aquisição dos serviços de solicitadoria objecto de refacturação aos seus clientes.
51. A pretensão que se consubstancie no reconhecimento do direito à dedução do IVA incorrido na aquisição de serviços de solicitadoria no montante de 46.224,22 €, com referência ao ano de 2016 e que não foi imediata e integralmente deduzido porquanto ligado a actividades tributadas, tendo, ao invés, sido só objecto de desoneração meramente parcial por aplicação do prorata de dedução utilizado para a imputação do IVA suportado em custos de utilização mista, é, pois, uma consequência da eventual declaração de ilegalidade, no âmbito do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, estatuído na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, pelo que tal pretensão não contende com a competência dos tribunais tributários que funcionam no CAAD, tanto mais que pressupõe a prévia declaração de ilegalidade parcial dos atos de autoliquidação entretanto praticados.
52. Termos em que se julga improcedente a aventada excepção de incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de reconhecimento do direito à dedução da totalidade do IVA incorrido na aquisição dos serviços de solicitadoria objecto de refacturação aos seus clientes.
III.D4) DA ILEGALIDADE PARCIAL QUE ESTÁ A ENFERMAR AS AUTOLIQUIDAÇÕES DE IVA, REFERENTES AO ANO DE 2016, FUNDADA EM ERRO DE DIREITO CONSUBSTANCIADO NA DESADEQUADA APLICAÇÃO DE LIMITAÇÕES AO DIREITO À DEDUÇÃO DO IMPOSTO SUPORTADO EM RECURSOS UTILIZADOS EXCLUSIVAMENTE EM ACTIVIDADE TRIBUTADA E NÃO ISENTA:
APRECIAÇÃO DO MÉRITO DA CAUSA
53. As Instituições bancárias efectuam operações isentas sem direito a dedução e, simultaneamente, operações sujeitas a IVA que conferem esse direito.
54. Ora, isso gera um direito à dedução incompleto e, consequentemente, obriga-as à disciplina do disposto no art.º 23º do CIVA, para efeitos da determinação do montante de imposto dedutível.
55. O artigo 23.º do CIVA, sob a epígrafe “Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista”, dispõe sobre métodos de dedução quando o sujeito passivo de IVA efetuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito a dedução. De acordo com o método de afetação real o sujeito passivo efetua a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados (artigo 23.º n.º 1 al. a) e nº 2). Partindo da aplicabilidade do método de percentagem de dedução (prorata), o sujeito passivo efetua a dedução na percentagem correspondente ao montante anual das operações que deem lugar a dedução (artigo 23.º n.º al. b) e n.º 2). Nos termos do n.º 4 do referido artigo 23.º, a percentagem de dedução resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução e no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma atividade económica. A especificidade do método de percentagem de dedução, prevista no n.º 1 alínea b), resulta do facto de o direito à dedução ser proporcional ao valor das operações tributáveis e isentas com direito à dedução sobre o total do volume de negócios.
56. Adequado se mostrando trazer aqui à colação o quadro normativo que delimita o momento em que a dedução do imposto pode ser efectuada pelo sujeito passivo e impede que tal exercício possa ser efectivado em momento diferente do que está ali previsto.
57. Partindo do direito interno, diz o n.º 2 do art.º 22º do CIVA: “[S]em prejuízo do disposto no artigo 78º, a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das facturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação.”
58. Sopesando-se agora, convenientemente, o normativo comunitário em vigor sobre esta temática da delimitação do momento da efectivação da dedução, traga-se aqui o disposto no n.º 1 do art.º 179.º da Directiva do IVA que estatui: “[O] sujeito passivo efectua a dedução subtraindo do montante total do imposto devido relativamente ao período de tributação o montante do IVA em relação ao qual, durante o mesmo período, surgiu e é exercido o direito à dedução por força do disposto no artigo 178.º.(...).” E ainda o art.º 180.º da Directiva do IVA dispõe: “[O]s Estados-Membros podem autorizar o sujeito passivo a proceder a deduções que não tenham sido efectuadas em conformidade com os artigos 178.º e 179.º.”
59. Assim sendo, em princípio, o exercício do direito à dedução deve ser efectivado na declaração do período de tributação correspondente ao da recepção e relevação contabilística do documento que suporta a respectiva dedução, ou seja, a factura.
60. Em conformidade com aquele normativo, a dedução pode ainda ser efectuada na declaração de período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas.
61. Inferindo-se daqui que o quadro normativo acima explicitado não deixa ao sujeito passivo qualquer margem de escolha quanto ao momento da desoneração do imposto suportado, ou seja, recebida a factura ou o recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação, a sua relevação contabilística é obrigatória e, por via dessa relevação, a concretização da dedução é igualmente uma imposição, não deixando o normativo em vigor qualquer possibilidade ao sujeito passivo de deferimento dessa dedução.
62. Manifesta-se aqui concordância absoluta com João Canelhas Duro, in “Dedução de IVA, regularizações e revisão da Autoliquidação”, Cadernos IVA 2015, Almedina, pág. 330, quando a dado passo diz: “[A]ssim, a dedução do imposto considera-se exercida com a apresentação da declaração do período, tendo por base o registo contabilístico em que os documentos de suporte estão refletidos, independentemente do encargo ter sido considerado na integra, parcialmente ou mesmo desconsiderado na autoliquidação.” Aliás, trazida à discussão pela Requerida na sua resposta empreendida por remissão para a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, por sua vez, desta, novamente por remissão, para a informação n.º 65-ADP/2020, de 14.7.2020.
63. Ora, é exactamente esta a situação sub judice, já que, a aqui Requerente, no momento em que de posse dos documentos que estavam a titular os serviços de solicitadoria pretendeu efectivar a dedução do IVA suportado com tais aquisições de serviços, fê-lo, tendo-se, no entanto, limitado a aplicar um prorata específico de dedução, tendente à desoneração do IVA suportado nos inputs de utilização mista, inicialmente de 8% e subsequentemente de 18%.
64. Prosseguindo João Canelhas Duro ao aduzir como segue: [A]pós esse momento, qualquer correcção à dedução assim exercida constitui uma regularização de imposto. Tais correções podem incidir, designadamente, sobre o facto tributário, a fatura, o registo contabilístico ou a declaração periódica.”
65. Retirando-se daqui que há efectivamente erros que têm de ser corrigidos por via do art.º 78.º do CIVA, mas há também erros que estão fora da subsunção naquele normativo e que, ainda assim, não podem deixar de ser levados em conta, nomeadamente, quando a dedução houver sido inferior à que o sujeito passivo tinha direito a efectivar. Vejamos,
66. Antes de mais adequado se mostra começarmos por dizer que os requisitos temporais aplicáveis à desoneração, por via da concretização do exercício do direito à dedução, e aplicáveis igualmente às operações de regularização do imposto previstas no art.º 78º do CIVA, assumem, face à letra da lei em vigor, complexidade assinalável.
67. No que tange à eventual aplicabilidade da limitação temporal prevista no n.º 6 do art.º 78.º do CIVA, de dois anos, para se corrigir um erro de dedução indevida por aplicabilidade de um prorata de dedução de 18%, consideramos que tal limitação simplesmente inexiste.
68. O que está essencialmente em causa nos presentes autos é saber se a Requerente pode desonerar-se de 100% do imposto suportado na aquisição de serviços de solicitadoria e no pressuposto de que pode, saber se ainda está em tempo para concretizar a parte de dedução não efectivada.
69. Sendo que, importa enfocá-lo, tal como se deu por provado nos pontos F), G), e H) do probatório, tal pretendida dedução, não resulta de qualquer uma das situações subsumíveis no art.º 23º do CIVA; ou até subsumíveis em qualquer uma das disposições para diante dessa norma respeitantes a regularizações; nem mesmo respeitantes, como veremos, em qualquer das hipóteses de regularização previstas no art.º 78º do CIVA, já que ela emergiu por não ter sido aplicado o método da imputação directa relativamente ao imposto incorrido na aquisição de serviços de solicitadoria que foram refacturados pela aqui Requerente aos seus clientes e consumidores finais com liquidação de IVA, ou seja, estamos aqui, incontornavelmente, perante erro no enquadramento daquelas operações.
70. E quanto a saber se a aqui Requerente pode desonerar-se totalmente do IVA que suportou, parece poder retirar-se com meridiana clareza do quadro normativo em vigor que, atenta a conexão directa e exclusiva entre a aquisição dos serviços de solicitadoria e a refacturação dos mesmos, e porque se pode perspectivar uma clara ligação entre os inputs incorridos e as operações activas realizadas que estão ligadas àqueles mesmos inputs (a refacturação), a desoneração de 100% do valor do IVA suportado parece inatacável e, por isso, parece ter de ser aceite em face da qualidade da Requerente e do que estatui a tal propósito o art.º 23.º do CIVA.
71. Ainda assim e agora quanto à segunda questão aventada, ou seja, quanto a saber se a Requerente ainda está em tempo para concretizar a parte de dedução não efectivada, sopesando convenientemente o que a tal propósito foi aduzido pelas partes, cuja posição é diametralmente oposta, dizendo a Requerente que a regra que prevê a caducidade da dedução é a que se encontra no n.º 2 do art.º 98º do CIVA e a Requerida que essa mesma regra é in casu inaplicável, sempre se dirá, como afirmação de princípio, que nos propendemos a considerar que a Requerente tem efectivamente razão. Vejamos,
72. Traga-se, então, à colação o quadro normativo que aqui está em confronto.
73. Dispõe o art.º 98º do CIVA: “1 - Quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária. 2 - Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente. 3- (...).”
74. Donde se infere que, caso a aplicabilidade de norma especial de caducidade do direito à dedução se possa aplicar, o n.º 2 do art.º 98º do CIVA, que tem um prazo mais largo de caducidade do que os prazos constantes dos normativos previstos nos art.ºs 23.º, 24.º a 26.º e 78.º do CIVA, deve ceder, não devendo sequer suscitar-se a sua aplicabilidade.
75. Atendendo a que na sua resposta, empreendida por remissão para a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, por sua vez, desta, novamente por remissão, para a informação n.º 65-ADP/2020, de 14.7.2020, foi implicitamente invocada a norma de caducidade da dedução prevista no n.º 6 do art.º 76º do CIVA( )( ), adequado se mostra trazer-se aqui a sua letra, o que faremos de seguida.
76. Diz o n.º 6 do art.º 78º do CIVA: “[A] correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.”
77. Tal norma trata dos erros materiais ou de cálculo cometidos: i) no registo contabilístico previsto nos art.ºs 44.º a 51.º e 65.º do CIVA; ii) no preenchimento das declarações periódicas a que se refere o art.º 41.º do CIVA; e iii) nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 67º do CIVA.
78. Quanto à conceituação de erros materiais, adequado se mostra trazer aqui à colação o disposto no art.º 95.ºA do CPPT que estatui: “[C]onsideram-se erros materiais ou manifestos, designadamente os que resultarem do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexactidão ou lapso.”
79. Intuindo-se das disposições acima transcritas que estamos perante erro material quando, por lapso, se inscreveu uma valor diferente na declaração do que seria correcto inscrever ou quando se relevou na contabilidade, erradamente, um determinado documento com valor incorrecto. Já no que tange ao erro de cálculo, estamos perante tal tipologia de erro quando estão apenas em causa as operações aritméticas de cálculo do IVA, necessárias ao seu correcto apuramento. Acompanhamos Serena Cabrita Neto, Leonardo Marques dos Santos e Priscila Santos quando dizem in “A regularização do IVA em caso de erro no apuramento do pro rata: Questões Processuais”, “Cadernos do IVA 2015”, Almedina, pp. 359 e seguintes como segue: “[A] distinção entre a aplicação do mecanismo do artigo 78.°, n.º 6 do Código do IVA e do artigo 98.°, n.°s 1 e 2 do mesmo Código reside, pois, na própria qualificação do erro subjacente: no primeiro mecanismo estamos perante a correcção de um mero erro na declaração, ao passo que no segundo estamos perante um verdadeiro erro-vício (de vontade dos sujeitos passivos). E, enquanto que no erro na declaração existe uma mera divergência entre a vontade real e a declarada (aliud dixit, aliud voluit), no erro-vício ou erro-motivo existe um verdadeiro erro na formação da vontade decorrente da falsa representação da realidade ou da ignorância de circunstâncias de facto ou de direito que intervieram nos motivos da declaração, com reflexos, naturalmente, na imperfeição da vontade declarada. Em conclusão, as alterações dos pressupostos do cálculo e aparamento do pro rata não consubstanciam a verificação de um erro de cálculo, contabilização ou aparamento, significando, antes, uma alteração dos critérios de selecção das verbas a constar no denominador/numerador da fracção relevante que, em consequência, implicaram uma alteração da percentagem dela resultante e, portanto, influenciaram directamente os pressupostos da tributação. Ou seja, o erro no apuramento do pro rata configura um verdadeiro erro na formação da vontade dos sujeitos passivos, decorrente de uma errónea representação da realidade, maxime da qualificação de determinadas operações no que ao direito à dedução respeita e, em consequência, dos valores que podem deduzir para efeitos do IVA na respectiva declaração periódica de IVA. Assim sendo, tratando-se de um verdadeiro e próprio erro nos pressupostos da tributação i.e. erro incorrido na qualificação de operações para efeitos de direito a dedução do imposto suportado a montante -, entendemos que os sujeitos passivos dispõem do prazo de quatro anos previsto no artigo 98.°, n.º 1 do Código do IVA (por remissão para o artigo 78.° da LGT), para solicitar a revisão da autoliquidação do imposto, não estando, por isso, limitados ao prazo de dois anos a que alude o artigo 78.° do Código do IVA.”
80. Sobre esta temática a Autoridade Tributária já se pronunciou, através do seu Ofício-Circulado n.º 30082/2005, de 17 Novembro, da Direcção de Serviços do IVA . No seu ponto 9.3, que tem por epígrafe: “Regularizações previstas no n.º 6 do art.º 71.° [actual n.º 6 do artigo 78.° do CIVA]”, sustenta a AT que “consideram-se erros materiais ou de cálculo aqueles que resultam de erros internos da empresa e não têm qualquer interferência na esfera de terceiros. Normalmente consistem em erros na transcrição de facturas para os registos ou dos registos para a declaração periódica, não compreendendo os que estão assinalados no ponto 8 do presente ofício-circulado.
A regularização deste tipo de erros é facultativa se for a favor do sujeito passivo e só pode ser efectuada no prazo de dois anos. Caso se trate da correcção de erros relacionados com imposto dedutível (p.e. erro na transcrição, para a declaração periódica, do imposto dedutível), o prazo é contado a partir do nascimento do direito à dedução (normalmente a data das facturas, mas no caso de não ter sido observado o prazo legal para a sua emissão, a data em que este termina). Para os erros verificados no preenchimento das declarações periódicas, a contagem do novo prazo far-se-á a partir da data da sua apresentação ou da data em que o prazo legal de apresentação termine, nos casos em que este não tenha sido observado. Tratando-se de regularização a favor do Estado, esta deve ser efectuada no prazo de quatro anos, devendo os valores a regularizar constar de declaração de substituição do período em que a regularização deveria ter sido efectuada.” E, no ponto 8 do mesmo Ofício-Circulado, entendeu a AT que “as regularizações previstas no artº 71º [actual art.º 78.° do CIVA] do CIVA destinam-se a corrigir, a favor do sujeito passivo ou a favor do Estado, o imposto já entregue ou já deduzido num determinado período de tempo de imposto, por diversas circunstâncias ocorridas após o envio da declaração periódica e que não estejam contempladas noutros normativos legais. Prossegue ainda o ponto 8. do Ofício-Circulado ao dizer: “Nesse sentido, os mecanismos previstos no artº 71º [actual art.º 78.° do CIVA] não poderão ser utilizados noutras situações, nomeadamente: - alteração do método de dedução do imposto nos sujeitos passivos mistos; - apuramento de prorata; - regularizações de IVA sobre imóveis e outros bens de activo imobilizado ou relativas à afectação de imóveis a fins distintos daqueles a que se destinam. Estas situações deverão ser regularizadas ao abrigo dos art.ºs 23.º, 24.º, 24.º-A e 25.º do CIVA, consoante o caso.”
81. Concluindo-se assim, aliás, com meridiana clareza, que a própria Autoridade Tributária e Aduaneira, através da Direção de Serviços do IVA, na interpretação que ela própria faz dos normativos aqui em causa, separa, nitidamente, o que considera serem erros materiais ou de cálculo, circunscrevendo-os, basicamente, a operações mecânicas (erros de transcrição ou de registo na declaração periódica) das não mecânicas, ou seja, das que implicam interpretação da lei para a utilização dos métodos de dedução do IVA, designadamente, alteração do método de dedução do imposto nos sujeitos passivos mistos ou o apuramento prorata de dedução.
82. O Ofício-Circulado n.º 30082/2005, de 17 Novembro, da Direcção de Serviços do IVA, dizendo, é certo, que as situações relacionadas com o apuramento do prorata de dedução não se podem subsumir na alçada do art.º 78.º do CIVA, não afirma, de forma peremptória, que normativo, prevendo uma eventual regra de caducidade do direito à dedução/regularização, deve ser aplicado.
83. João Canelhas Duro, in “Dedução de Iva, regularizações e Revisão da Autoliquidação”, “Cadernos do IVA 2015”, Almedina, pp. 327 e seguintes, traz a dado passo à colação a ideia de que aquela orientação administrativa deixa claro que tais situações se devem começar por resolver por aplicação do n.º 6 do art.º 23º do CIVA. Traz ainda à discussão o Parecer n.º 41/2013 do CEFA, onde se defende que decorre do n.º 6 do art.º 23º do CIVA “[q]ue as correcções ao cálculo da percentagem de dedução devem ser feitas no final do ano em causa e também que devem ser reflectivas na declaração referente ao último período do ano em causa. Remetendo-se ali, também, para a aplicabilidade do n.º 6 do art.º 23º do CIVA nas situações relacionadas com o apuramento do prorata de dedução. Aduz-se ainda ali, no Parecer n.º 41/2013 do CEFA, no sentido de que não é possível “proceder a correcções ao cálculo da percentagem de dedução definitiva apurada em determinado ano com fundamento no artigo 78.º do Código do IVA.” João Canelhas Duro, Ob. Cit., a fls. 449, refere ainda a posição advogada no Parecer n.º 66 da DSCJC, de 16.04.2012, onde se defende que “a exclusão do art.º 78.º propugnada na instrução administrativa se limita à correção do prorata provisório, enquadrando as correções do prorata definitivo na regularização de erros de cálculo prevista no n.º 6 desse preceito.” Finalmente refere ainda a posição sustentada por Afonso Arnaldo e Tiago Albuquerque Dias, in “Cadernos do IVA 2014”, Almedina, pp. 17 e seguintes, dizendo que estando em causa situações em que se afasta a possibilidade de correcção dos erros no apuramento do prorata através do n.º 6 do art.º 78.º, por considerarem estar em causa um erro de direito aí não enquadrável, preconizando a rectificação da declaração periódica no prazo de quatro anos previsto no n.º 2 do art.º 98.º.
84. Claramente nos afastamos da posição defendida no Parecer n.º 66 da DSCJC, de 16.04.2012.
85. Acompanhamos a posição sustentada no Parecer n.º 41/2013 do CEFA que parece propugnar o afastamento da aplicabilidade do n.º 6 do art.º 78º do CIVA aos erros no apuramento do prorata de dedução, mas remete, naquelas circunstâncias, para a correcção do apuramento do imposto poder efectivar-se por aplicação da reclamação graciosa prevista no n.º 1 do art.º 131º do CPPT (e diríamos nós até mesmo do pedido de revisão oficiosa previsto no art.º 78º da LGT), ou seja, não sustenta a aplicabilidade concreta de uma norma de caducidade do exercício do direito à dedução aplicável às situações de erro no apuramento do prorata de dedução, mas advoga, indirectamente, a existência de uma limitação temporal para tal exercício decorrente dos prazos legais para a interposição da reclamação graciosa prevista no art.º 131º do CPPT, i.e., dois anos após a apresentação da declaração onde foi praticado erro.
86. Concluindo-se assim pela inexistência no ordenamento jurídico de norma que contemple um prazo especial de caducidade aplicável aos erros de direito como aquele em que laborou a aqui Requerente.
87. O que parece incontornável é que o âmbito de aplicação do n.º 6 do art.º 78º do CIVA está absolutamente limitado às circunstâncias vindas de referir e de descrever e que consubstanciam a incorrência de erros materiais ou de cálculo, afastando-se das situações em que o sujeito passivo cai na verificação de um erro de direito e, por via disso, origina, consequentemente, um apuramento de imposto diferente do que seria expectável determinar não fora laborar aquele no aludido erro de enquadramento.
88. É bem certo que o n.º 6 do art.º 78º do CIVA, sendo uma das “disposições especiais” a que alude a parte inicial do n.º 2 do art.º 98.º do CIVA, prevê um prazo de dois anos contados a partir do nascimento do direito a dedução para exercício do respectivo direito, mas, como visto, ele só tem a virtualidade de ser aplicado nas concretas situações aí previstas de erro material ou erro de cálculo, sendo que, só nessas situações (ou noutras previstas em normativo constante do CIVA que aqui não estão em equação e eventualmente com prazos de caducidade da dedução até diferentes dos dois anos) e estando aqui estritamente em confronto, tão-só, a aplicabilidade daqueles dois normativos, é que é aplicável o prazo específico ou especial de caducidade de dois anos e já não aplicável o prazo máximo e geral de caducidade de quatro anos após o nascimento do direito à dedução.
89. Resulta da factualidade dada como provada (Cfr. factos assentes nas alíneas E), F), G) e H) do probatório) que, in casu, o erro em que a Requerente laborou não foi um erro material ou de cálculo, mas antes erro de direito quanto à aplicação do regime de dedução parcial do IVA suportado por sujeito passivo misto, em conformidade com o disposto no art.º 23º do CIVA, por não ter sido aplicado o método da imputação directa, relativamente ao imposto incorrido em serviços de solicitadoria que foram refacturados aos seus clientes e consumidores finais com liquidação de IVA, mas sim, em erro, um prorata específico para imputação de custos comuns que consequenciou um apuramento de imposto nos vários períodos de tributação do ano de 2016 superior ao devido.
90. E não sendo o erro em que incorreu a aqui requerente um erro subsumível no n.º 6 do art.º 78º do CIVA, já que, como visto e demonstrado, não é um erro material ou de cálculo, não pode ser aqui aplicável o prazo especial de caducidade de dois anos previsto naquele normativo e face à inexistência no ordenamento jurídico de outra norma que contemple um prazo especial de caducidade aplicável aos erros de direito como aquele em que laborou a aqui Requerente, aplicar-se-á, supletiva e subsidiariamente, o prazo geral de caducidade que se encontra previsto no n.º 2 do art.º 98º do CIVA, ou seja, o direito à dedução o imposto ligado aos serviços de solicitadoria que deixou de ser completamente exercido por inadequada aplicação do prorata específico de dedução por via da imputação de custos comuns, podia ainda ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, o que, em face da factualidade dada como provada, foi efectivamente feito pela aqui Requerente sem que se possa perspectivar qualquer ilegalidade na sua conduta. Neste mesmo sentido julgou o Acórdão do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), proferido no Processo n.º 117/2013-T, de 6 de Dezembro de 2013 que pode ser lido in
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPageSize=100&listPage=3&id=442
e ainda o Acórdão do STA, 2ª Secção, de 28.6.2017, Processo n.º 01427/14, que pode ser lido in http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/70f5c0e6f5db496d80258153003120cb?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1
91. Dizíamos acima que acompanhávamos a posição sustentada no Parecer n.º 41/2013 do CEFA que parecia propugnar o afastamento da aplicabilidade do n.º 6 do art.º 78º do CIVA aos erros no apuramento do prorata de dedução, mas remetia, naquelas circunstâncias, para a correcção do apuramento do imposto poder efectivar-se por aplicação da reclamação graciosa prevista no n.º 1 do art.º 131º do CPPT e, dizíamos, até mesmo do pedido de revisão oficiosa previsto no art.º 78º da LGT.
92. E admitindo nós a aplicabilidade do regime da reclamação graciosa necessária prevista no art.º 131º do CPPT e até do regime da revisão oficiosa do acto tributário de autoliquidação previsto no art.º 78º da LGT, adequado se mostra voltar a trazer aqui os ensinamentos de João Canelhas Duro, ob. Cit., pág. 335, quando a dado passo diz: “[D]e salientar que, no que concerne ao IVA, estas questões assumem uma complexidade acrescida, porquanto o Código prevê diversas normas de regularização, inexistentes na generalidade dos impostos autoliquidados, que tem de ser articuladas com as garantias impugnatórias dos sujeitos passivos. Para conhecer a relação entre as prerrogativas de regularização e autoliquidação tem de se atentar no disposto no art.º 97.º o qual, na aparência de uma mera norma de remissão para as garantias gerais dos sujeitos passivos previstas no CPPT, se revela, contudo, determinante.”
93. Inferindo aquele do disposto no art.º 97º do CIVA o seguinte: i) “Da primeira parte do n.º 2 e do n.º 5 do art.º 97º do CIVA podem distinguir-se dois regimes diferentes de impugnação da autoliquidação consoante o erro alegado seja ou não retificável nos termos do art.º 78.° do CIVA”; ii) “Sendo enquadrável neste preceito e correndo ainda prazo para a regularização, existe uma preferência absoluta pela regularização aí prevista, pois “Os recursos hierárquicos, as reclamações e as impugnações não são admitidos se as liquidações forem ainda susceptíveis de correcção”; iii) “(...) decorre da primeira parte do n.º 2 do art.º 97.º que, não sendo o erro retificável nos termos do art.º 78.°, as Reclamações e impugnações são admitidas, nos termos gerais do CPPT designadamente do n.º 1 do art.º 131.° desse diploma.”
94. Concluindo aquele como segue: “Uma importante ilação pode ser extraída deste art.º 97º e decorre da primeira parte do n.º 2. Em caso de erro que incida na declaração periódica, ou seja, na autoliquidação, nomeadamente erro na dedução de imposto, o sujeito passivo beneficia do prazo de dois anos para reclamar, não podendo ser alegado que a eventual inexistência de uma norma de regularização daquela declaração, designadamente a impossibilidade de subsunção no n.º 6 do art.º 78.°, implique a improcedência dessa pretensão.”
95. Retirando-se daqui que não sendo o erro retificável nos termos do art.º 78.°, como não é no caso sub judice (tal como, aliás, acima se demonstrou à saciedade), a reclamação prevista no art.º 131º do CPPT era perfeitamente admissível.
96. Restando concluir, sem mais, que o despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela aqui requerente enferma de erro sobre os pressupostos de direito, por erro de interpretação do n.º 2 do art.º 98º do CIVA e também do n.º 6, do art.º 78.º do CIVA, que justifica a sua anulação, sendo que, nessa decorrência, os actos tributários de autoliquidação aqui em causa enfermam efectivamente de ilegalidade por violação de lei e errónea quantificação, devendo reconhecer-se à Requerente o direito à dedução do IVA incorrido na aquisição dos serviços de solicitadoria no montante em que aquela se não desonerou, ou seja, em 46.224,22 €, com referência aos vários períodos de tributação do ano de 2016.
IV. DECISÃO:
FACE AO EXPOSTO, O TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR DECIDE:
A) JULGAR-SE COMPETENTE PARA APRECIAR E DECIDIR SOBRE A QUESTÃO QUE LHE FOI SUBMETIDA PARA JULGAMENTO;
B) ANULAR A DECISÃO DE INDEFERIMENTO QUE RECAIU SOBRE A RECLAMAÇÃO GRACIOSA N.º ...2018... NA PARTE EM QUE É IMPUGNADA NO PRESENTE PROCESSO;
C) JULGAR PROCEDENTE O PRESENTE PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL, FUNDADO EM ILEGALIDADE PARCIAL DOS ACTOS DE AUTOLIQUIDAÇÃO REPORTADOS AOS ANO DE 2016 E NO MONTANTE DE 46.224,22 €, RECONHECENDO-SE O DIREITO À DEDUÇÃO DO IVA INCORRIDO NA AQUISIÇÃO DE SERVIÇOS DE SOLICITADORIA PELO VALOR CORRESPONDENTE À PARTE ANULADA DOS ACTOS DE AUTOLIQUIDAÇÃO.
V. VALOR DO PROCESSO:
FIXO O VALOR DO PROCESSO EM 46.224,22 € EM CONFORMIDADE COM O DISPOSTO NO ART.º 97.º-A DO CPPT, APLICÁVEL POR REMISSÃO DO ART.º 3º DO REGULAMENTO DAS CUSTAS NOS PROCESSOS DE ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA (RCPAT).
VI. CUSTAS:
FIXO O VALOR DAS CUSTAS EM 2.142,00 €, CALCULADAS EM CONFORMIDADE COM A TABELA I DO REGULAMENTO DE CUSTAS DOS PROCESSOS DE ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA EM FUNÇÃO DO VALOR DO PEDIDO E NÃO CONTRADITADO PELA AT, A CARGO DA REQUERIDA POR DECAIMENTO, NOS TERMOS DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 12.º, N.º 2 E 22.º, N.º 4 DO RJAT E AINDA ART.º 4.º, N.º 5 DO RCPAT E ART.º 527, NºS 1 E 2 DO CPC, EX VI DO ART.º 29.º, N.º 1, ALÍNEA E) DO RJAT.
NOTIFIQUE-SE.
Lisboa, 13 de Agosto de 2021.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
O árbitro,
(Fernando Marques Simões)