SUMÁRIO:
1. Face ao conceito de prestações acessórias, definido pela jurisprudência do TJUE, as consultas de nutrição/dietética, constituem prestações autónomas relativamente às prestações de serviços de actividade física;
2. A Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do IVA, deve ser interpretada, seguindo-se a jurisprudência que dimana do TJUE, constante do Acórdão de 4 de Março de 2021, Processo n.º C-581/19, no sentido que um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado mas realizado em instituições desportivas, não é, por regra, suscetível de ser abrangido pela isenção prevista no art.º 132.º, n.º 1, al c) daquela Directiva e nº 1 do art.º 9.º do Código do IVA;
3. As decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia constituem fonte de direito imediata, logrando-se, com isso, a desejável uniformidade e a harmonização na aplicação do direito da comunitário no espaço físico da União Europeia;
4. Por aplicação da jurisprudência do caso Tulică e Plavoşin, Acórdão do TJUE de 07.11.2013, quando um contrato tiver sido celebrado sem menção do IVA e o fornecedor, segundo o direito nacional, não poder recuperar junto do adquirente o IVA posteriormente exigido pela administração fiscal, deve o correspondente imposto ser retirado por dentro, determinando-se o respectivo valor tributável em conformidade com o determinado no art.º 49.º do CIVA;
5. O acto de liquidação enquanto acto divisível é susceptível de anulação parcial.
Os árbitros Manuel Luís Macaísta Malheiros (árbitro presidente), Fernando Marques Simões (árbitro vogal) e Eva Dias Costa (árbitro vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem este Tribunal Arbitral Coletivo, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO: (consultar versão completa no PDF)
1. A..., S.A., pessoa colectiva n.º ..., com sede na ..., ..., ..., ..., ..., ...-... ..., apresentou, em 4.11.2020, pedido de constituição de tribunal arbitral, invocando o disposto no n.º 2 do art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, de ora em diante apenas designado por RJAT) e ainda o disposto nos art.ºs 1º e 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
2. Pretendia a Requerente a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos seguintes actos tributários de liquidação de IVA e respectivos juros compensatórios, emitidos na sequência de haver dealbado acção inspectiva ao exercício de 2016: - Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de Liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/01; - Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração do liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/02; - Liquidação n.º 2020..., e respectiva demonstração do Liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/03; - Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de Liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/04; - Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/05; - Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/06; - Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de Liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/07; - Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/09; - Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de Liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/10; - Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/11; - Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/12. As liquidações de IVA totalizavam 147.850,03 € e as liquidações de Juros compensatórios elevavam-se a 22.278,39, num total sindicado que se cifrava em 170.128,42 €.
3. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro.
4. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro presidente e os árbitros vogais que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 28.12.2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.
6. Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 27.1.2021 para apreciar e decidir o objecto do processo.
7. Em 7.6.2021, a Requerente apresentou requerimento onde solicita a junção aos autos de parecer da autoria da Professora Doutora Clotilde Celorico Palma emitido na sequência do Acórdão proferido pelo TJUE no caso Frenetikexito, tirado no Processo n.º C-581/19, transcrevendo as conclusões retiradas naquele douto Parecer e que, no essencial, sustentam que os serviços de nutrição prestados pela Requerente são enquadráveis na isenção prevista no n.º 1) do art.º 9º do CIVA.
8. Em 26.3.2021, a Requerente volta a apresentar requerimento onde solicita a junção aos autos do documento “Posicionamento da Ordem dos Nutricionistas relativo à consulta de nutrição em estabelecimentos destinados à prática de exercício físico e desporto”, emitido pela aludida Ordem e datado de 18.3.2021 e onde se defende que a prática profissional exercida pelo nutricionista no âmbito da consulta de nutrição tem sempre e incontornavelmente finalidade terapêutica.
9. Em 7.6.2021, a Requerida apresentou Resposta defendendo-se por excepção e por impugnação, refutando os vícios imputados pela Requerente às liquidações de IVA e JC de 2016 colocadas em crise.
10. No artigo 154º do PPA, a Requerente, invocando o valor extraprocessual das provas e ancorada no n.º 1 do art.º 421.º do CPC, requereu fossem levados em consideração nos presentes autos os depoimentos produzidos no Processo Arbitral Tributário n.º 161/2019-T que igualmente tramitou no CAAD e onde se julgou questão com idênticos contornos à submetida a julgamento, sendo ali as partes as mesmas.
11. Por despacho de 11.5.2021, o Tribunal Arbitral Colectivo deferiu o requerido no aludido art.º 154º do PPA e designou o dia 16.6, pelas 14:00 horas, para inquirição das testemunhas arroladas.
12. Em 11.6.2021, a Requerente apresentou requerimento invocando o n.º 2 do art.º 265.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art.º 2º do CPPT, onde solicita a ampliação do pedido formulado no PPA, requerendo ainda a dispensa da reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, atendendo ao deferido aproveitamento da prova produzida no já referido Processo Arbitral Tributário n.º 161/2019-T e tendo em conta a jurisprudência unânime que sobre o Thema Decidendum vem sendo emanada do CAAD, nomeadamente, as decisões já proferidas naquele Tribunal Arbitral em processos que tinham como Requerentes empresas do grupo a que pertence a impetrante.
13. Por despacho de 25.6.2021 e tendo em conta os desenvolvimentos acima relatados na tramitação processual, foi dispensada a reunião prevista no art.º 18º do RJAT, convidando-se as partes a apresentarem alegações sucessivas no prazo de 10 dias, começando o prazo da AT depois da junção das alegações da Requerente.
14. Em 30.6.2021, a Requerente apresentou alegações escritas repristinando ali a hermenêutica sustentada no PPA e que no essencial defendia que as consultas de nutrição não eram acessórias do serviço de ginásio e ainda que tais prestações têm, todas, finalidade terapêutica e foram efectivamente realizadas, ancorando-se, além do mais, nos pareceres emitidos pela Professora Doutora Clotilde Celorico Palma e ainda no documento emitido pela Ordem dos Nutricionistas denominado “Posicionamento da Ordem dos Nutricionistas relativo à consulta de nutrição em estabelecimentos destinados à prática de exercício físico e desporto”. Nas alegações a Requerente traz ainda à colação a questão de que a prova da finalidade terapêutica associada às prestações de serviços de nutrição realizadas pela impetrante e cuja aplicabilidade da isenção prevista no n.º 1 do art.º 9º do CIVA foi colocada em causa pela AT não havia sido suscitada pela Requerida até à apresentação da sua resposta, donde não podia sequer ser objecto de discussão nos presentes autos, devendo limitar-se a discussão à questão da acessoriedade das prestações. E nessa conformidade, termina a Requerente pedindo a sejam as liquidações de IVA e JC sindicadas declaradas ilegais e consequentemente anuladas, porquanto, ficou demonstrado e provado que os serviços de nutrição não são acessórios dos serviços de prática de exercício físico e ainda, nos termos do art.º 104.º da LGT, a condenação da Requerida em litigante de má-fé por invocar a Requerida factos novos que não foram objecto de contraditório, tentando, à revelia de todos os princípios norteadores de um Estado de direito, tributar a aqui Requerente quando esta solicitou parecer vinculativo sobre a questão sub judicio, para além de fazer do processo um uso reprovável ao vir alegar factos contrários aos constantes do relatório de inspecção e que estão a ancorar, fundamentando-os, os actos tributários de liquidação de IVA e JC sindicados.
15. Em 16.7.2021, a Requerida apresentou igualmente alegações escritas.
16. Fundamentando o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:
I.A) BREVE SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DA REQUERENTE NO PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL:
16.1. Como fundamento da sua pretensão começa a Requerente por alegar, a dado passo do seu PPA, no sentido de que “Os atos tributários consubstanciados nas notas de liquidação adicionais (...) foram emitidos pela AT na sequência de uma inspecção tributária ao exercido do 2016, por ter considerado a AT que alguns serviços de nutrição praticados pela Requerente não se subsumem no artigo 9.° alínea 1) do Código do IVA e por conseguinte entender que estão sujeitos a IVA, resultando daí acertos às declarações do IVA mensais entregues pela Requerente com a consequente emissão das referidas notas de liquidação.” Não deixando, no entanto, de assacar às referidas liquidações que elas “(...) padecem do vício de ilegalidade, porquanto todos os serviços de nutrição prestados pela Requerente se subsumem no artigo 9.º alínea 1) do Código do IVA e, por conseguinte, estão isentos de IVA.”
16.2. Aduz a Requerente, no art.º 10º do PPA, no sentido de que “Entende a AT que apenas as consultas avulsas de nutrição faturadas pela Requerente estão isentas de IVA, enquanto as consultas anuais que são faturadas mensalmente não estão, no entendimento da AT, isentas do IVA”. E partindo daqui, refuta aquele entendimento da AT sustentando que “(...) todas as consultas de nutrição disponibilizadas pela Requerente são prestadas pelos mesmos técnicos especializados (nutricionistas) e nas mesmas instalações, pelo que a forma de faturação ou a designação que lhe é dada não pode influenciar o seu enquadramento para efeitos do IVA.” Retirando a Requerente asserção de que assim sendo “(...) as notas de liquidação de IVA e respetivas liquidações de juros são ilegais por violação do artigo 99. ° alínea a) do CPPT, por erro na qualificação dos rendimentos na interpretação do artigo 9. ° alínea 1) do Código do IVA.”
16.3. Entendendo ainda a Requerente que a AT violou, por errada interpretação e aplicação da lei, os princípios da justiça, da proporcionalidade fiscal e da prevalência da substância sob a forma, ao emitir tais actos de liquidação, fazendo uma interpretação extensiva da lei, o que justifica a declaração da sua ilegalidade e respetiva anulação.
16.4. A Requerente não concorda com os argumentos aduzidos pela AT (no seu RIT) tendentes à justificação da não aplicação da isenção prevista no n.º 1 do art.º 9º do CIVA aos serviços de nutrição previstos nos “Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos”.
16.5. Aduz a Requerente no artigo 41º do PPA no sentido de que “[A] AT entende que as 4 consultas iniciais de nutrição (2 presenciais e 2 por telefone), previstas nos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos estão fora do âmbito da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9. ° do Código do IVA, por entender que as mesmas são acessórias do serviço principal (ginásio), ao contrário das consultas subsequentes (adquiridas pelos sócios), que entende serem isentas de IVA.” E contrariando tal hermenêutica advogada pela AT, diz a Requerente que todos os serviços de nutrição (consultas iniciais e subsequentes) realizados por aquela, independentemente da denominação que lhes seja dada, por serem prestados pelos mesmos profissionais qualificados, nas mesmas condições e com os mesmos objetivos, são sempre subsumíveis na isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA. Acrescentando como segue: “[D]e facto, as prestações de serviços em causa, por serem prestadas por nutricionistas, têm sempre fins terapêuticos e são prestações de serviços autónomas da prestação de serviços de ginásio, pelo que estão isentas de IVA.” ancorando tal posição interpretativa no Parecer da autoria da Professora Doutora Clotilde Celorico Palma, de 28 de Abril de 2018, solicitado pela AGAP - Associação de Empresas de Ginásios e Academias de Portugal e junto ao PPA como Documento n.º 8.
16.6. Retirando a Requerente a asserção de que todos os serviços de nutrição praticados pela Requerente: i) São prestados por profissionais qualificados com fins terapêuticos e de prevenção, pelo que se enquadram na alínea 1) do artigo 9. ° do Código do IVA; ii) São efetivos; iii) São autónomos do serviço principal ginásio. Alinhando como consequência que, assim sendo, as liquidações adicionais de IVA (e respetivos juros compensatórios), emitidas pela AT são ilegais e devem ser totalmente anuladas, com todas as consequências legais.
16.7. A Requerente, no ponto A do seu PPA, artigos 47.º a 70.º, empreende a subsunção da prestação de serviços de nutrição posta em causa pela AT na isenção prevista no n.º 1 do art.º 9º do CIVA. Para o efeito, traz à colação a letra daquele normativo do CIVA; explicita a alínea c) do art.º 132º da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE); e ainda o Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de Julho, bem como o Decreto-lei n.º 320/99, de 11 de Agosto, que contêm os requisitos a observar para o exercício das respectivas actividades paramédicas (e no que aqui releva da Dietética) e delimitam as regras de acesso às profissões paramédicas; traz ainda à discussão a informação vinculativa n.º 9215 que junta ao PPA como Documento 9, emanada dos Serviços do IVA e averbada com despacho concordante do Subdirector-Geral de 19 de Agosto de 2015, dizendo a Requerente que ela considera que a actividade de nutricionista se enquadra na descrição prevista para o exercício da atividade de dietética prevista no Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de Julho e Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de Agosto, e, como tal, podem ser abrangidas pela isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que estejam cumpridas as condições enumeradas nos referidos diplomas e se refiram a operações abrangidas pelo item 5 do Anexo ao Decreto-Lei n.º 262/93.
16.8. Quanto à verificação do requisito legal da finalidade terapêutica, tendente à aplicabilidade da isenção prevista no n.º 1 do art.º 9º do CIVA, começa a Requerente por aduzir que a AT, na página 20 do seu RIT refere que “daqui se retira que as isenções previstas nas alíneas 1) e 2) do artigo 9.º do CIVA, respeitam a atividades que tenham por objeto diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde”, como forma de excluir os serviços de nutrição da isenção por não terem por objeto diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde. E insurgindo-se contra tal hermenêutica, convoca a Requerente a jurisprudência do TJUE que dimana da decisão tirada no Processo C-106/05 - Caso L.u.p. GmbH e ainda o explicitado no Value Added Tax Committee (Working Paper n.º 842) e até consabidas recomendações médicas e da Organização Mundial de Saúde que sugerem a prática do exercício físico regular e a alimentação saudável, concluindo no sentido de que tal requisito legal da finalidade terapêutica está verificado porquanto, para além daqueles objectivos enunciados pela AT - diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde - também as actividades que tenham por objecto prevenir a doença se podem incluir na referida isenção, pelo que, defende a Requerente, todos os argumentos referidos pela AT no seu Relatório são retóricos e não podem de forma nenhuma proceder, sob pena de se subverterem as regras e natureza do IVA, donde, todos os serviços do nutrição prestados pela Requerente se subsumem no n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA.
16.9. No ponto B do PPA, artigos 71.º a 84.º, desenvolve a Requerente a temática da efectividade dos serviços prestados.
16.10. Começando por transcrever o seguinte, constante de fls. 23 do RIT: “Caso os serviços não se insiram no conceito de prestação de serviços médicos definido na jurisprudência comunitária, ou seja, se tais serviços não tiverem em vista a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento dos doenças ou de qualquer anomalia de saúde, mas apenas a disponibilização do direito de usufruir de um conjunto de serviços (nos quais se podem inserir os serviços médicos ou paramédicos), os mesmos ficam afastados do campo de aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, configurando operações sujeitas a imposto e dele não isentas, passíveis de tributação à taxa normal prevista no artigo 18.º do CIVA”.
16.11. Afronta a Requerente o acabado de transcrever dizendo que “Todos os serviços prestados pela Requerente na área da nutrição são prestados da mesma forma pelos mesmos profissionais, através de consultas de nutrição, quer sejam vendidas aos sócios através dos Contratos de Prestação do Serviços Dietéticos (2 consultas presenciais por ano) quer sejam vendidas isoladamente ou em packs de várias consultas, mudando apenas a forma de faturação das mesmas.” Aduzindo ainda como segue: “Ao contrário do que pretende fazer entender a AT no seu Relatório, arguindo sem apresentar qualquer prova em contrário, as consultas do pack inicial (consultas base) são efetivamente prestadas aos clientes, pelos mesmos profissionais e nas mesmas instalações que as consultas de nutrição adquiridas por estes após esgotar as consultas iniciais, sendo os serviços prestados exatamente os mesmos. Ou seja, estes serviços (consultas base) são efetivamente prestados, da mesma forma e com as mesmas condições que as consultas premium (subsequentes ou avulsas) que os sócios adquirem, isoladamente, ou em packs, e em relação às quais a AT não contesta que sejam isentas de IVA ao abrigo da alínea 1) do artigo 9. ° do Código do IVA.”
16.12. Levantada no RIT a problemática que se consubstancia no facto das consultas de nutrição subjacentes aos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos e as consultas de nutrição vendidas em separado terem códigos de facturação diferentes (SDIET e NUT), diz a Requerente que não faz sentido inferir (dos referidos códigos de facturação diferentes) estarmos perante serviços diferentes e, por isso, com enquadramento em sede de IVA eventualmente diferente. Mais dizendo a Requerente que “(...) O modo como é facturado não pode influenciar a natureza do serviço.” e ainda que o facto de o Contrato de Prestação de Serviços dietéticos estar associado ao contrato de adesão não pode igualmente influenciar a qualificação do serviço para efeitos de IVA.
16.13. Não obstante (e como visto) a Requerente afirmar que as consultas do pack inicial (consultas base) são efetivamente prestadas aos clientes, traz aquela à discussão o Parecer da Professora Doutora Clotilde Celorico Palma, de 28 de Abril de 2018, pág. 43, na parte a seguir transcrita: “No caso em apreço não estamos, à partida, perante uma prestação única. A prestação de serviços de nutricionismo é um fim em si mesmo, existindo inclusive utentes que apenas frequentem consultas de nutricionismo, sendo livres de escolher qual a entidade a quem devem recorrer para o efeito. Assim, há utentes que apenas praticam actividades físicas, outros que apenas frequentam as consultas de nutricionismo e outros que frequentam ambas. E diga-se que o facto de o ginásio eventualmente incluir num pacote único ambas as prestações de serviços em nada poderá alterar tal conclusão. Nem tão pouco, no caso de o utente não usufruir das consultas de nutricionismo se poderá concluir que os serviços não foram prestados recusando-se a aplicação da isenção. A partir do momento em que o serviço de nutrição é disponibilizado e faturado, deve, como tal, de acordo com as regras do IVA, ser considerado como prestado, independentemente de o utente não vir a frequentar alguma consulta (à semelhança do que se verifica, por exemplo, em relação aos serviços de prática de actividades físicas). Com efeito, tal como o TJUE já decidiu, por exemplo no Caso Air France-KLM, o IVA é exigível mesmo no caso de o viajante não utilizar o bilhete de avião dado, como concluiu, o serviço ter sido disponibilizado ao utente” (sublinhados nossos).”
16.14. Quanto à questão da mera disponibilização dos serviços de nutrição versus da sua realização efectiva e do impacto que tal circunstancialismo terá em sede de IVA, transcreve a Requerente excerto da decisão arbitral tirada no Processo n.º 161/2019-T (e também excerto da decisão arbitral prolatada no Processo n.º 454/2017-T) em que foi parte a aqui Requerente em processo similar aos presentes autos (a mesma matéria de facto e de direito, mas onde estavam em discussão correcções que deram origem a liquidações adicionais de IVA e JC respeitantes aos anos de 2013 e 2014) e que aqui se devem considerar reiteradas, mas que, em síntese, admitem que os serviços de nutrição se devem considerar prestados com a sua mera disponibilização, independentemente, por isso, da sua efectiva utilização por parte dos respectivos clientes.
16.15. Concluindo a Requerente no sentido de que todos os serviços de nutrição por aquela prestados são efetivos e mesmo que não fossem não seriam desqualificados para efeitos de aplicação da isenção da alínea 1) do artigo 9. ° do Código do IVA.
16.16. No ponto C do PPA, artigos 85.º a 141.º, discorre a Requerente sobre a questão da não acessoriedade das prestações de serviços de nutrição relativamente às prestações de serviços de ginásio. Depois de trazer à discussão abundante jurisprudência comunitária e arbitral e até entendimentos administrativos firmados pela AT ali melhor identificados e que aqui se devem considerar reiterados, conclui no sentido de que todos os serviços de nutrição prestados pela Requerente são autónomos da prestação de serviços do ginásio, sendo-lhe aplicável a isenção do IVA prevista no n.º 1 do art.º 9º do CIVA.
16.17. Em jeito de pedido subsidiário, entende a requerente que o imposto liquidado adicionalmente pela Requerida deveria ter sido liquidado por dentro em conformidade com o disposto no art.º 49.º do CIVA.
16.18. O valor correspondente foi determinado pela Requerente como segue: “(...) o apuramento da base tributável correspondente seria obtido através da divisão do valor recebido dos clientes por 123 (taxa normal de IVA de 23%) e multiplicando o quociente por 100. Assim, teríamos: Base Tributável = [valor recebido dos utentes/123] x 100, ou seja, Base Tributável = [€ 653.725,75 Euros /123] x 100 = € 531.484,35, sendo o montante global do IVA devido de € 122.241,40 (€ 531.484,35 x 23%) e não € 150.356,92.”
16.19. Fundamentando tal posição interpretativa alinham o seguinte argumentário: i) Os serviços de nutrição foram prestados a consumidores finais e, como tal, o valor cobrado pela Requerente aos seus clientes constituiu o preço final que retribui as referidas prestações de serviços; ii) aplicando-se IVA sobre o preço final cobrado aos clientes, os respectivos consumidores finais teriam de suportar o imposto liquidado adicionalmente, criando distorções ao nível do seu bem-estar económico com o emergente encargo adicional; iii) em termos práticos essa repercussão de imposto para os consumidores finais seria impossível; iv) a Requerente teria de suportar a final o IVA liquidado adicionalmente, o que violaria os mais elementares princípios de funcionamento do imposto, nomeadamente o da neutralidade.
17. A Requerida apresentou resposta, na qual, em escorço, alega:
I.B) BREVE SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DA REQUERIDA NA RESPOSTA:
17.1. Louvando-se a Resposta apresentada pela Requerida nos fundamentos enunciados no RIT para fundamentar as correcções ali propostas que vieram a dar origem às liquidações sub judicio, começa aquela por sustentar que não se verificavam, relativamente aos serviços de nutrição cuja aplicabilidade da isenção prevista no n.º 1 do art.º 9.º do CIVA se colocava em causa, “(...) os fins terapêuticos que constituem requisito para a aplicação da isenção e, bem assim, que ao serem os serviços de nutrição meramente disponibilizados e, não tendo logrado a Requerente demonstrar ter prestado os serviços que facturou (ou até pelo contrário assumindo não os ter prestado), não pode o serviço de mera disponibilização da nutrição beneficiar da isenção em questão, por não verificada a finalidade terapêutica, por um lado e, por outro, por considerar tais serviços acessórios dos serviços de ginásio prestados em conjunto aos clientes da Requerente.”
17.2. Trazendo à discussão o Acórdão do TJUE de 4 de Março de 2021, processo C-581/19, caso Frenetikexito, que transcreve na íntegra.
17.3. E partindo daquela decisão do TJUE defende a requerida na sua resposta que se devem dar por verificados os requisitos para a aplicação da segunda excepção das referidas nos pontos 40 a 42 do Acórdão, concluindo-se estarmos perante prestações de serviços únicas, cuja decomposição reveste um carácter artificial, nas quais o ginásio é a prestação principal e a nutrição acessória daquela.
17.4. Não obstante e para a eventualidade do Tribunal vir a entender que as prestações de serviços de nutrição são autónomas relativamente aos serviços de ginásio, aduzem, subsequentemente, com o sentido da decisão do TJUE de 4 de Março de 2021, processo C-581/19, caso Frenetikexito, que fixou jurisprudência que sustenta que “(...) um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem estar físico, constitui uma prestação de serviços [...] [que] não é susceptível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.°, n.º 1, alínea c) (...) [da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006].
17.5. No que tange ao requisito objectivo da finalidade terapêutica, cuja verificação é imperativa tendo em vista a aplicação da isenção prevista no n.º 1 do art.º 9º do CIVA, começa a Requerida por dizer que defende a Requerente que, tal isenção não deve ser interpretada de forma restrita e, assim, a finalidade terapêutica deve ser considerada de forma ampla. Referindo, ademais, que no entender da Requerente os serviços de nutrição prestados por uma nutricionista profissionalmente habilitada, tem sempre uma finalidade terapêutica, o que a impele à conclusão de que todos os serviços de nutrição podem beneficiar da isenção prevista no n.º 1 do art.º 9º do CIVA.
17.6. Contudo, no entendimento da Requerida, assim não é e di-lo ancorada, na mais uma vez, na decisão do TJUE de 4 de Março de 2021, processo C-581/19, caso Frenetikexito, que abundantemente transcreve, aduzindo, nos artigos 55º a 58 do PPA e fundada na referida decisão, no sentido de que “(...) o TJUE esclarece que, ainda que os serviços de nutrição possam promover a saúde em geral e que possam, de forma indirecta, prevenir patologias, para efeitos da aplicação da isenção, tal não se considera um fim terapêutico e, como tal, obsta à aplicação da isenção. Mesmo que prestados por profissionais habilitados e certificados, em estabelecimentos registados na Entidade Reguladora da Saúde. Isto porque, na interpretação que o TJUE faz da Directiva, o fim terapêutico, apenas se verifica quando o serviço seja prestado para fins de prevenção, diagnostico, ou tratamento de uma doença e regeneração da saúde. Afirmando explicitamente que, na falta de indicação de que o serviço é prestado para fins de prevenção, diagnostico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde, não se verifica a finalidade terapêutica.” E ainda que “O TJUE, afirma explicitamente que, serviços de nutrição como os em apreço nos presentes autos, “apresenta[m], portanto, em princípio, uma finalidade sanitária, mas não, ou não necessariamente, uma finalidade terapêutica.”
17.7. Prossegue a Requerida dizendo que “Os serviços em questão, até podem ter num ou noutro caso, uma finalidade terapêutica (na acepção do TJUE), mas em muitos casos, terá́ outros objectivos como sejam a obtenção da silhueta desejada, ou melhor performance desportiva, etc.” e ainda que “E, bem assim, por maioria de razão, tal como bem assinalam os SIT, num regime de mera disponibilização, no qual, os serviços são facturados independentemente de serem ou não prestados, não se pode concluir que os serviços facturados tenham, sempre e necessariamente, finalidade terapêutica.”
17.8. Ainda a respeito da verificação ou não do requisito objectivo da finalidade terapêutica tendente à aplicação da isenção prevista no n.º 1 do art.º 9º do CIVA, entende a Requerida que a impetrante, seguindo o entendimento vertido no parecer da Exma. Sra. Professora Doutora Clotilde Celorico Palma, prestado a solicitação da AGAP, considerou apenas necessário proceder à verificação da finalidade terapêutica da nutrição de um modo geral, como requisito bastante para a aplicação da isenção.
17.9. Contraditando-se demoradamente o aludido Parecer e até o novo Parecer a Exma. Sra. Professora Doutora Clotilde Celorico Palma, prestado subsequentemente à publicitação da jurisprudência Frenetikexito e junto aos autos pela Requerente, bem como o documento igualmente junto aos autos por aquela e emitido pela Ordem dos Nutricionistas, o que aqui se deve considerar reiterado.
17.10. Atirando a Requerida como segue: “Em suma, dentro do quadro em apreço, parece resultar que a Requerente entende que por nalguns casos se verificar a finalidade terapêutica (na acepção do TJUE no que concerne à aplicação da isenção), deve poder aplicar a isenção em todos os serviços facturados, enquanto o TJUE conclui que, não se dando por verificada tal finalidade em todos os casos, não se pode aplicar a isenção a nenhum deles.”
17.11. Não deixando de enfocar a passagem daquele Acórdão do TJUE donde infere a mais significativa divergência interpretativa entre a posição da Requerente e a jurisprudência que dimana daquele Acórdão do TJUE e que diz: “Qualquer outra interpretação teria como consequência alargar o âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 132.°, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112 para além da ratio legais que traduzem a redacção desta disposição, bem como a epigrafe do capitulo 2 do titulo IX desta diretiva. Com efeito, qualquer serviço efetuado no âmbito do exercício de uma profissão medica ou paramédica, que tenha por efeito, mesmo de forma muito indireta ou longínqua, prevenir certas patologias, estaria abrangido pela isenção prevista nessa disposição, o que não corresponde à intenção do legislador da União e à exigência de interpretação estrita dessa isenção, recordada no n.º 22 do presente acórdão. Como salientou a advogada geral no n.º 61 das suas conclusões, uma ligação incerta com uma patologia, sem risco concreto de prejuízo para a saúde, não é suficiente a este respeito.”
17.12. E partindo daquela que diz ser a posição interpretativa da Requerente (que, diz a Requerida, defende que sendo os serviços prestados por profissionais de saúde habilitados e, promovendo os serviços de nutrição a saúde em geral, estariam verificados os requisitos para a aplicação da isenção), considera que, não obstante, o TJUE foi explicito ao afirmar que se assim fosse então todos os serviços prestados por esses profissionais habilitados, no caso, os nutricionistas, estariam abrangidos pela isenção, quando segundo o próprio TJUE, esses serviços não tem, ou não tem necessariamente, fins terapêuticos na acepção da Jurisprudência do TJUE relativamente à aplicação da isenção.
17.13. Discorrendo a Requerida como segue: “E, tendo esta sido a interpretação da norma de isenção, feita pelo próprio TJUE, não a respeitar, (...), seria uma violação das regras que regem este imposto ao nível do Direito da EU.” e ainda: “Isto porque, atentos, a supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional e, bem assim, que nos termos do previsto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia; o entendimento do TJUE no processo C-581/19, tem caracter vinculativo e tem de ser aplicado aos presentes autos.”
17.14. Concluindo a Requerida no sentido de que “(...) não se acatar o afirmado pelo TJUE, significaria para além de tudo mais, uma violação do Principio da Neutralidade (principio basilar do imposto), (...) na medida em que não se acatando o entendimento do TJUE, se permitiria à Requerente beneficiar de uma isenção, que de acordo com a interpretação da isenção feita pelo TJUE, não beneficiam os demais agentes económicos do sector, com as consequentes desigualdades económicas que a aplicação do IVA determinaria nos vários agentes económicos do sector.”
17.15. Prosseguindo a Requerida ao dizer: “Para além da Inconstitucionalidade resultante do desrespeito do n.º 4 do art.º 8.º da CRP, na medida em que o entendimento ora propagado pelo TJUE relativamente à aplicabilidade da isenção num caso com contornos exactamente iguais aos dos presentes autos e em sentido oposto ao entendimento da Requerente, (...), tem efeito «EX-UNHA» (e não «EX-UNHA»), pelo que a interpretação veiculada é obrigatoriamente aplicável com efeitos retroativos, isto é, desde que a(s) normas(s) interpretada(s) vigora(m) no ordenamento Juridico. (Só́ assim não é nos casos em que o TJUE, de forma expressa e com um carater absolutamente excecional, permite vir a limitar no tempo os efeitos do acórdão - o que quase nunca sucede, e não sucedeu no presente caso.)”
17.16. Retirando a Requerida a seguinte asserção final: “Face a todo o exposto, importa pois concluir que os SIT, atento o acórdão do TJUE proferido no processo n.º C-581/19, aplicaram correctamente o Direito da União Europeia, sendo as correcções em apreço consentâneas com o quadro Juridico vigente atenta a interpretação do TJUE vertida naquele aresto, com a consequente improcedência do Pedido Arbitral apresentado, com que se fará justiça e se respeitará o Direito da União Europeia e a Constituição da Republica Portuguesa.”
ICC) ALEGAÇÕES DA REQUERENTE EM REQUERIMENTOS SUPERVENIENTES:
18. A Requerente apresentou requerimento superveniente que foi junto aos autos em 23.3.2021, onde requer a junção do parecer da Professora Doutora Clotilde Celorico Palma na sequência do Acórdão proferido pelo TJUE no Processo C-581/19, caso Frenetikexito, onde conclui: “a) A atividade de aconselhamento/consultas de nutricionismo prestadas em ginásios, quando realizadas por profissionais devidamente habilitados que envolvam a prática de atos de prevenção e/ou de tratamento de patologias relacionadas com a saúde praticados em conformidade com a Norma de Atuação Profissional da Ordem dos Nutricionistas (NOP 002/2019)11, como o aconselhamento nutricional, a elaboração de um plano alimentar personalizado, análise da composição corporal, do historial clínico e do modo de vida utente, bem como medições biométricas só pode ser visto como um ato terapêutico isento de IVA nos termos do disposto no n.º 1) do artigo 9.º do CIVA. b) Só assim se pode respeitar o entendimento que, como vimos, tem vindo a ser adotado pelo TJUE na área da saúde em geral, bem como pelos nossos tribunais e pela Administração Tributária, fazendo-se respeitar o princípio da neutralidade em sede deste imposto que, nomeadamente, postula que prestações de serviços idênticas devem ter um tratamento idêntico.
19. O parecer da Professora Doutora Clotilde Celorico Palma deve considerar-se aqui reiterado na integra.
20. A Requerente apresentou um segundo requerimento superveniente que foi junto aos autos em 26.3.2021, onde requer a junção do Parecer da Ordem dos Nutricionistas relativo à consulta de nutrição em estabelecimentos destinados à prática de exercício físico e desporto, emitido pela Ordem dos Nutricionistas e onde conclui: “Com efeito, e no espírito técnico do supra enunciado, a Ordem dos Nutricionistas considera que a prática profissional do nutricionista no âmbito da consulta de nutrição, tem sempre um fim terapêutico, quer seja no âmbito da prevenção de uma patologia e promoção da saúde, quer seja no âmbito do tratamento de uma doença, e independentemente do local onde exerce e o contexto do mesmo. Assim, e para que este serviço de saúde assuma uma finalidade terapêutica, não é necessária a indicação expressa de que é prestado para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde.”
21. O parecer da Ordem dos Nutricionistas relativo à consulta de nutrição em estabelecimentos destinados à prática de exercício físico e desporto deve também considerar-se aqui reiterado na integra.
II. THEMA DECIDENDUM:
22. Considera este Tribunal Arbitral Colectivo que o thema decidendum se reporta a saber:
22.1. Se a Requerida estava obrigada a seguir o entendimento administrativo sancionado na informação vinculativa n.º 9215, por despacho de 19.8.2015 do Subdirector-Geral do IVA, no que tange ao enquadramento em sede de IVA dos serviços dietéticos/nutrição realizados pela aqui Requerente?
22.2. Se as prestações de serviços realizadas pela Requerente aos seus Clientes, na parte referente aos serviços dietéticos/nutrição, devem ou não beneficiar da isenção prevista no n.º 1 do art.º 9.º do CIVA?
22.3. Se a prestação de serviços da Requerente aos Clientes, no que a nutricionismo
se refere, reveste autonomia em face da sua prestação de serviços aos Clientes no que à actividade
de ginásio se refere?
22.4. Qual o valor a tomar para base de cálculo do IVA a liquidar, ou seja, no pressuposto de que improcedem as pretensões anulatórias da Requerente relativamente aos actos tributários de IVA e JC sindicados, saber se o IVA se deveria retirar por dentro ou se, ao invés, o valor tributável relevante para efeitos de correcções deveria partir do valor das prestações de serviços de nutrição cuja isenção do n.º 1 do art.º 9º se deveria considerar inaplicável, fazendo-se acrescer ao mesmo a respectiva taxa de imposto?
22.5. A requerida actuou em litigância de má-fé?
III. SANEAMENTO:
23. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos actos tributários de liquidação adicional de IVA e JC, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
23.2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (Cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
24. A ação é tempestiva, porque apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
25. A cumulação de pedidos é admissível, em conformidade com o preceituado no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT. Dispõe o art.º 104º do CPPT, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, no sentido de que: “1 - Na impugnação judicial é admitida a cumulação de pedidos, ainda que relativos a diferentes atos, e a coligação de autores, desde que, cumulativamente: a) Aos pedidos corresponda a mesma forma processual; e b) A sua apreciação tenha por base as mesmas circunstâncias de facto ou o mesmo relatório de inspeção tributária, ou sejam suscetíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo. 2 - Não obsta à cumulação ou à coligação referida no número anterior a circunstância de os pedidos se reportarem a diferentes tributos, desde que todos se reconduzam à mesma natureza, à luz da classificação prevista do n.º 2 do artigo 3.º da Lei Geral Tributária. 3 - Quando forem cumulados pedidos para cuja apreciação sejam territorialmente competentes diversos tribunais, o autor pode escolher qualquer deles para a propositura da ação, mas se a cumulação disser respeito a pedidos entre os quais haja uma relação de dependência ou de subsidiariedade, a ação deve ser proposta no tribunal competente para apreciar o pedido principal. 4 - Ao processo impugnatório é igualmente aplicável o disposto no artigo 57.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. (Aditado pela Lei n.º 2/2020, de 31 de Março).” O PPA sindica liquidações adicionais de IVA e JC, estando nós, por isso, perante tributo com a natureza de imposto, decorrendo as liquidações aqui em causa da mesma factualidade e baseando-se a causa de pedir e o pedido de anulação das liquidações nos mesmos fundamentos de facto e de direito, sendo ainda o mesmo o tribunal competente para conhecer de todos os pedidos, bem como, a mesma entidade recorrida, pelo que exigências de racionalidade de meios, de celeridade da decisão e até para se evitarem decisões contraditórias, apontam no sentido daquelas liquidações deverem ser analisadas na mesma acção, assim se justificando a cumulação de pedidos a que se refere o art.º 104º do CPPT.
26. A Requerida defendeu-se por excepção sustentando a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido formulado pela Requerente na parte respeitante à extinção do processo executivo n.º ...2020... e apensos e ainda à extinção do processo de contra-ordenação n.º ...2020.... Relega-se para final o conhecimento da aludida excepção.
12.6 O processo não enferma de nulidades.
IV. DECISÃO:
27. Com relevo para a decisão são os seguintes os factos que se consideram provados:
A. O Grupo B..., no qual a Requerente se insere, existe actualmente em oito países e reúne mais de 275.000 sócios. Iniciou a sua actividade na Península Ibérica há 20 anos e no exercício de 2012 passou a integrar um grupo empresarial hoje denominado C... que é constituído por 16 empresas. Uma dessas empresas é a Requerente (Cfr. art.º 16º do PPA e prova testemunhal produzida no Processo Arbitral Tributário n.º 161/2019-T cujo aproveitamento foi peticionado e deferido).
B. A Requerente é uma sociedade anónima que tem por objecto a “Criação, promoção exploração de health clubs, gestão, formação e consultoria em desporto, manutenção física e bem estar, serviço de nutrição e outras atividades de saúde pública, incluindo tratamentos de fisioterapia, cedência de espaço de imóveis próprios ou alheios e serviços conexos; arrendamento, compra e venda de propriedades, Incluindo prédios e revenda dos adquiridos para esse fim, bem como a gestão, exploração e manutenção de imóveis; e ainda o comércio a retalho e de produtos médicos e ortopédicos em estabelecimentos especializados.” (Cfr. certidão permanente com o Código..., consultada em 17.8.2021 no sítio da internet seguinte:
https://eportugal.gov.pt/empresas/Services/Online/Pedidos.aspx?service=CCP e ainda Relatório de Inspecção Tributária junto pela requerente como Documento n.º 2 e constante do PA).
C. A Requerente desenvolve a sua actividade societária no estabelecimento comercial (ginásio) que explora sob a insígnia D..., no ..., sito na Rua..., ..., ... em Lisboa. (Cfr. Ponto III.1.1.1, a fls. 14 do Relatório de Inspecção Tributária junto ao PA e artigo 18º do PPA).
D. No ginásio são colocadas à disposição dos sócios não apenas as instalações desportivas necessárias à prática da actividade física, mas, indo além da mera prática de exercício físico, proporciona aos seus clientes ainda outros serviços. O clube tem 4.130m2 e conta com ginásio, zona de treino funcional, 5 estúdios, uma piscina, saunas e banho turco, Zona de restauração, 2 gabinetes dedicados à Fisioterapia e 2 gabinetes de nutrição. (cfr. artigo 20º do PPA e prova testemunhal produzida no Processo Arbitral Tributário n.º 161/2019-T cujo aproveitamento foi peticionado e deferido);
E. A Requerente encontra-se registada no cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira com a atividade principal de “Outras actividades desportivas, N.E.” - CAE 93192), e com as seguintes atividades secundárias: i) outras atividades de saúde humana, N. E. (CAE secundário 1 - 86906); ii) institutos de beleza (CAE secundário 2 - 96022); iii) formação profissional (CAE secundário 3 - 85591) (Cfr. Ponto III.1.1.1, a fls. 14 [in fine] e 15 do Relatório de Inspecção Tributária junto ao PA e igualmente junto ao PPA como Documento n.º 2).
F. A Requerente é sujeito passivo de IVA e está enquadrada no regime normal de tributação, periodicidade mensal (Cfr. Ponto II.3.1.2, a fls. 9 do Relatório de Inspecção Tributária junto ao PA e artigo 19º do PPA).
G. A Requerente dedica-se principalmente à actividade de ginásio e no exercício em causa prestou serviços de actividade física em ginásio (fitness), abrangendo um variado leque de aulas de grupo, treino personalizado, prestando ainda como actividade societária secundária serviços de estética, massagem, fisioterapia e nutrição (cf. artigo 20º do PPA e prova testemunhal produzida no Processo Arbitral Tributário n.º 161/2019-T cujo aproveitamento foi peticionado e deferido);
H. Os clientes da requerente que pretendessem aceder ao ginásio e usufruir dos serviços nele disponibilizados e de entre os quais os aqui em causa de nutrição ao abrigo do “Contrato de prestação de serviços dietéticos”, tinham de se tornar sócios do ginásio mediante a assinatura de contrato individual de adesão e proceder ao pagamento de uma “taxa de inscrição” e ao pagamento antecipado de uma mensalidade cujo valor é variável de acordo com o numero de frequências semanais e/ou serviços utilizados. (Cfr. Ponto III.1.1.1, a fls. 15 do Relatório de Inspecção Tributária junto ao PA).
I. A partir do ano de 2013, a Requerente, no âmbito da denominada campanha “move well, eat well e feel well”, passou a proporcionar aos seus sócios serviços de dietética e nutrição, mediante a subscrição de um contrato que se decidiu denominar “Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos”. (Cfr. artigo 22º do PPA e ainda Considerando B) ínsito nas cópias dos contratos de prestação de serviços dietéticos que estão no Anexo 2 do Relatório de Inspeção junto aos autos pela Requerida no PA e igualmente junto pela Requerente como Doc. 2 anexo ao PPA);
J. Nem todos os sócios aceitaram a disponibilização dos serviços de nutrição. (Cfr. artigo 23º do PPA);
K. Pela celebração do “Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos”, a Requerente obrigava-se a prestar serviços e aconselhamento dietético e nutricional, composto por duas sessões presenciais e dois acompanhamentos telefónicos anuais, a realizar por técnicos especializados, com vista à aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde geral e na educação dos indivíduos, designadamente do domínio da promoção e tratamento e gestão de recursos alimentares. (Cfr. Cópias dos contratos de prestação de serviços dietéticos que estão no Anexo 2 do Relatório de Inspeção junto aos autos pela Requerida no PA e igualmente junto pela Requerente como Doc. 2 anexo ao PPA);
L. Como contraprestação pelos serviços de nutrição e dietética as partes acordavam o pagamento pelos sócios aderentes aos serviços de nutrição e dietética de 20,00 €, isento de IVA nos termos do art.º 9º do CIVA. (Cfr. Cópias dos contratos de prestação de serviços dietéticos que estão no Anexo 2 do Relatório de Inspeção junto aos autos pela Requerida no PA e igualmente junto pela Requerente como Doc. 2 anexo ao PPA);
M. Os sócios subscritores do “Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos” viam aplicado um desconto comercial na mensalidade que se encontrava a ser paga pelo respectivo membro do clube referente à utilização das instalações desportivas. (Cfr. artigo 23º do PPA e ainda cópias dos contratos de prestação de serviços dietéticos que estão no Anexo 2 do Relatório de Inspeção junto aos autos pela Requerida no PA e igualmente junto pela Requerente como Doc. 2 anexo ao PPA e fls. 17 do RIT);
N. No ano a que se reportam os factos, ou seja, em 2016, esse desconto cifrava-se em 20,00 €, donde, rigorosamente coincidente com o valor da contraprestação fixada pelas partes para a disponibilização dos serviços de nutrição e dietética. (Cfr. artigo 23º do PPA e ainda cópias dos contratos de prestação de serviços dietéticos que estão no Anexo 2 do Relatório de Inspeção junto aos autos pela Requerida no PA e igualmente junto pela Requerente como Doc. 2 anexo ao PPA);
O. Sempre que os sócios pretendessem mais do que duas consultas de nutrição e dietética por ano, podiam adquirir consultas de nutrição, vendidas quer isoladamente, quer em pacotes de consultas, sendo as consultas prestadas pelos mesmos profissionais que prestam as consultas iniciais do contrato de prestação de serviços dietéticos. (Cfr. artigo 28º do PPA. Cfr. ainda RIT e prova testemunhal produzida no Processo Arbitral Tributário n.º 161/2019-T cujo aproveitamento foi peticionado e deferido);
P. Era ainda realizado o acompanhamento dos clientes através de e-mail, contabilizando-se estas como consultas realizadas (Cfr. Documento 6 junto ao PPA e ainda prova testemunhal produzida no Processo Arbitral Tributário n.º 161/2019-T cujo aproveitamento foi peticionado e deferido);
Q. Os clientes podiam usufruir apenas da prestação de serviços de actividade física em ginásio sem adesão ao contrato de serviços dietéticos, donde, sem a disponibilização das consultas de nutrição e acompanhamento nutricional. O inverso era igualmente verdadeiro, i.e., era possível aceder aos serviços de nutrição sem se ser sócio da requerente, pesa-embora em condições financeiras menos favoráveis. (Cfr. artigo 29º do PPA. Cfr. ainda RIT e prova testemunhal produzida no Processo Arbitral Tributário n.º 161/2019-T cujo aproveitamento foi peticionado e deferido);
R. A expressão material dos serviços de nutrição contratados com quem não tinha o estatuto de sócio da Requerente era mínima ou nula. (Cfr. Prova testemunhal produzida no Processo Arbitral Tributário n.º 161/2019-T cujo aproveitamento foi peticionado e deferido);
S. Os serviços de nutrição e dietética eram prestados em gabinetes individualizados, próprios para o efeito. Nesses gabinetes apenas eram realizadas consultas de nutrição, não servindo os mesmos para qualquer outro fim. Encontram-se ali máquinas com medidores de gordura corporal, ou seja, balanças de bioimpedância (tanitas). (Cfr. artigo 24º e 25º do PPA e Doc. 4 junto ao PPA pela Requerente);
T. A Requerente disponibilizou aos seus clientes os serviços na área da nutrição através de paramédicos, nutricionistas, que integram o seu quadro de pessoal. No exercício de 2016, a requerente tinha ao seu serviço 3 nutricionistas, a saber: i) E...; ii) F...; e iii) G... . Cada uma delas laborava segundo um período normal de trabalho semanal de 40 horas e tinham, igualmente cada uma delas, como remuneração base o montante de 782,91 €, ao qual acresciam o subsídio de refeição de 134,74 € e o subsídio por turno de 117,39 €. (Cfr. Doc. n.º 5 junto ao PPA pela Requerente);
U. A nutricionista, Dr.ª E..., encontra-se inscrita na Ordem dos Nutricionistas, com o n.º de cédula profissional ...N; a nutricionista, Dr.ªF..., encontra-se inscrita na O.N. com o n.º de cédula profissional ...N; e, finalmente, a nutricionista, Dr.ªG..., encontra-se inscrita na O.N. com o n.º de cédula profissional ...N (cf. site da Ordem dos Nutricionistas in https://www.ordemdosnutricionistas.pt/registoNacional.php,consultado em 28.5.2020).
V. O grupo C... em Portugal tem programas de estágios remunerados com base num protocolo firmado com a Ordem dos Nutricionistas, ao abrigo do qual são recebidos estagiários nos clubes da C... para aí completarem a sua formação. A Requerente recebeu, em 2019, uma estagiária que nas suas instalações cumpriu ao abrigo do protocolo com a O.N. o respectivo estágio profissional. A Requerente, em 2013, proporcionou a uma outra estagiária um estágio profissional no âmbito da Portaria n.º 225-A/2012, de 31 de Julho, alterada pela Portaria n.º 65-B/2013, de 13 de Fevereiro, que regulamentam a Medida Passaporte Emprego 0382/IE/13. O estágio iniciou em 15.11.2013 e terminou em 14.11.2014. à data a que se reportam os factos a Requerente não teve ao seu serviço qualquer estagiária. (Cfr. artigo 35º do PPA e Doc. n.º 7 ali junto);
W. Nesse ano de 2016, o número médio de sócios da Requerente situou-se bem acima dos 3.500. (Cfr. artigo 31º do PPA);
X. Em 2016, a Requerente realizou 4.622 consultas de nutrição. Destas 4.077 (1.530 consultas denominadas de base presencial e 2.547 consultas denominadas base send mail – as previstas no contrato de prestação de serviço dietéticos). Realizou ainda 545 consultas Premium. (Cfr. Documento 6 junto ao PPA);
Y. As consultas Premium representam 11,7% do total das consultas realizadas pela Requerente.
Z. Tendo a Requerente só realizado 1530 consultas denominadas de base presencial, há consultas que não foram realizadas, mas tão-só disponibilizadas, não tendo os respectivos beneficiários fruído das mesmas. (RIT e prova testemunhal produzida no Processo Arbitral Tributário n.º 161/2019-T cujo aproveitamento foi peticionado e deferido).
AA. Os serviços contratualizados com a outorga dos contratos de prestação de serviços dietéticos são facturados mensalmente a todos os signatários daqueles vínculos, independentemente de usufruírem ou não dos serviços contratualizados.
BB. A mera disponibilização dos serviços leva à facturação dos mesmos independentemente da sua efectiva realização. (RIT e prova testemunhal produzida no Processo Arbitral Tributário n.º 161/2019-T cujo aproveitamento foi peticionado e deferido).
CC. A prestação de serviços de nutrição era disponibilizada, podendo ser usufruída pelos clientes no momento que lhes fosse mais conveniente (RIT e prova testemunhal produzida no Processo Arbitral Tributário n.º 161/2019-T cujo aproveitamento foi peticionado e deferido).
DD. Todos os serviços prestados pela Requerente na área da nutrição são realizados da mesma forma e pelos mesmos paramédicos nutricionistas, nas respectivas consultas de nutrição, quer sejam outorgadas com os sócios através dos contratos de prestação de serviços dietéticos (duas consultas presenciais por ano) quer sejam vendidas isoladamente ou em pacotes de várias consultas.
EE. Alguns sócios subscreveram contratos de prestação de serviços dietéticos e fruíram as duas consultas de nutrição a que tinham direito nos termos daquele vínculo contratual (consultas base) e adquiriram posteriormente consultas adicionais de nutrição (consultas Premium). (Cfr. artigo 73º da PPA e Doc. n.º 10 anexo ao PPA);
FF. A disponibilização dos serviços de nutrição visa possibilitar aos clientes da Requerente melhor alcançar os objectivos que têm ao aderir ao ginásio (i.e., aos serviços de ginásio – fitness), a perda de peso é o principal desses objectivos e o serviço prestado pelo ginásio – fitness - faz sentido em conjugação com serviços de nutrição e de treino personalizado (Cfr. RIT e prova testemunhal produzida no Processo Arbitral Tributário n.º 161/2019-T cujo aproveitamento foi peticionado e deferido);
GG. A Autoridade Tributária e Aduaneira iniciou e dirigiu procedimento inspectivo externo à Requerente, de âmbito parcial, IRC e IVA, fundado na Ordem de Serviço n.º OI2017..., tendo sido elaborado o correspondente Relatório de Inspeção Tributária (RIT) que consta no processo administrativo e ainda do PPA como Doc. n.º 2.
HH. Por Ofício da Requerida n.º..., de 1.7.2020, foi a Requerente notificada do RIT no qual aquela concluiu que as prestações de serviços dietéticos realizadas pela impetrante, enquanto atividade de aconselhamento nutricional disponibilizada aos utentes que subscrevem um contrato de adesão ao ginásio, não reúnem as condições para beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, por não visarem “diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde” dos sócios, devendo ser consideradas acessórias em relação à prestação de serviços principal, constituída pela utilização das instalações desportivas (ginásio) ( Cfr. RIT que integra o Processo Administrativo e ainda do PPA como Doc. n.º 2).
II. O RIT, fundamentando os actos de liquidação entretanto emergentes e aqui sindicados, diz: III. - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL: III.1- EM SEDE DE IVA: III. 1.1 – Do IVA não liquidado – (prestação de serviços dietéticos): III.1.1.1 Dos Factos: O SP tem como objeto social o D..., no..., sito na Rua..., ..., Lisboa. Atualmente, nesse estabelecimento são colocadas à disposição dos sócios, não apenas as instalações desportivas necessárias à pratica de atividade física, mas também uma serie de outras valências, das quais os sócios podem usufruir caso estejam interessados, ou seja, para além da atividade principal (CAE), o SP desenvolve uma serie de atividades secundarias, a saber:
Tipo Código Designação Data de Início
CAE Principal 93192 Outras Atividades Desportivas, N.E. 06-03-2008
CAE secundário 1 86906 Outras Atividades de Saúde Humana, N.E. 09-03-2015
CAE Secundário 2 96022 Institutos de Beleza 09-03-2015
CAE Secundário 3 85591 Formação Profissional 09-03-2015
Quem pretender ser cliente daquele ginásio e usufruir dos serviços neles disponibilizados, tem de se tornar socio do ginásio explorado pelo SP mediante a assinatura de um contrato individual de adesão - Anexo 2, páginas _ a _, proceder ao pagamento de uma «taxa de inscrição» e ao pagamento antecipado de uma mensalidade cujo valor é variável de acordo com o número de frequências semanais e/ou serviços utilizados. Por outro lado, e a partir de dados recolhidos em acções inspectivas anteriores foi possível verificar que a partir de 2013, nos atos de inscrição como sócios, passou a haver a possibilidade dos clientes passarem a subscrever um «Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos» (embora também possa ser subscrito à posteriori). Essa possibilidade é, contudo, extensível aos sócios que já se encontravam, àquela data, com contratos em vigor. Logo apos o início da Acão de inspecção, notificamos o sujeito passivo em 27/11/2019 – Anexo 3, solicitando o envio de diversos elementos e esclarecimentos [...]. Em resposta a esta notificação, o sujeito passivo enviou, em 27 de Dezembro de 2019 - Anexo 4 de duas páginas, os primeiros elementos de entre os solicitados, tendo-se procedido à respetiva análise, verificando-se a conformidade entre os ficheiros, as declarações periódicas e a contabilidade. Por outro lado, constatamos que a natureza das vendas e das prestações de serviços (facturação) se distribui, resumidamente, por três grandes áreas de actuação, a saber: ➢ MSI – Facturação (anual); ➢ Sporstudio (SS) – Loja (anual); ➢ Sporstudio (GE) – Gestão de Espaços (anual); ➢ Agresso - Facturação intra-grupo. Da análise a todos estes ficheiros, concluímos sobre as actividades que o sujeito passivo desenvolve, bem como os respectivos enquadramentos em sede de IVA. O ficheiro «MSI – Facturação (anual)» engloba a disponibilização das instalações e equipamentos desportivos para a prática de exercício físico – Ginásio (atividade principal) – atividade sujeita a IVA e dele não isenta – e algumas outras atividades associadas, tais como a Nutrição (NUT) – atividade isenta de IVA. A título de exemplo, solicitámos algumas das faturas referentes às mensalidades (Anexo 2) e verificámos que nas faturas emitidas aos clientes que subscreveram o “Contrato de prestação de serviços dietéticos” para além da rúbrica “Utilização das instalações desportivas” (atividade sujeita e não isenta), podem surgir outras rubricas, tais como “Personal Training” (também atividade sujeita e não isenta). Contudo, a esta ou estas, surge sempre associada a rubrica “Prestação de Serviços Nutrição”, à qual correspondem códigos tais como “SDIET”, “SIDIET1” e SIDIETB, consideradas pelo sujeito passivo como isentas de IVA nos termos da alínea 1), do artigo 9.º do CIVA. Acontece que nas referidas faturas (as das mensalidades de quem subscreveu o contrato de prestação de serviços dietéticos), para além das duas rubricas – a referente à utilização das instalações desportivas e a referente à prestação de serviços dietéticos – surge, ainda, uma terceira rubrica. Trata-se de um desconto por subscrição deste serviço, ou seja: - “Utilização das instalações desportivas” (sujeita a IVA à taxa normal – 23%); - “Prestação de serviços dietéticos” (isenta de IVA nos termos da alínea 1) do Art.º 9.º do CIVA) Uma terceira rúbrica: - “Desconto por subscrição de acompanhamento dietético” (sujeito a IVA à taxa normal – 23%). Note-se que o SP sujeita o desconto à taxa normal, quando o faz depender da subscrição de um serviço que considera isento e quando ambos os valores são exatamente iguais o que, na prática, transforma este serviço num serviço gratuito. Ora, como se constata, o valor da prestação de serviços dietéticos, incluído na facturação, é considerado isento pelo sujeito passivo, nos termos da alínea 1) do art.º 9.º do CIVA, enquanto o desconto, de montante igual ao do serviço dietético, é objeto de regularização de IVA a favor do sujeito passivo à taxa de 23%, donde decorre que o valor de imposto a ser entregue ao Estado, proveniente da facturação ao cliente da atividade principal desenvolvida (utilização de instalações desportivas), sofre uma diminuição por via da regularização na fatura a favor do sujeito passivo, no valor de 23% aplicado ao montante faturado com isenção: “Prestação de serviços dietéticos”. Através da respetiva facturação, constata-se que o SP entende que todos os serviços que presta na área da nutrição se encontram isentos de IVA. Não é esse, contudo, o nosso entendimento. Efetivamente, na área da nutrição, o sujeito passivo desenvolve a sua atividade em duas vertentes: - Prestação de Serviços Dietéticos (SDIET); - Consultas de Nutrição, isoladas, ou em packs que podem ir até 6 consultas (vários códigos NUT). Se o próprio SP faz esta distinção (SDIET e NUT) é porque esses dois códigos encerram conteúdos diferentes e, de facto, de toda a análise efectuada, apurámos que o código NUT se refere a consultas de nutrição, enquanto o código SDIET se refere, unicamente, a “Prestação de Serviços Dietéticos”. Esta “Prestação de Serviços Dietéticos” surge sempre associada à “Utilização das Instalações desportivas”, constituindo, assim, uma atividade acessória a esta. A prová-lo, estão os “Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos” (Anexo 2) de cujas clausulas, respetivamente, primeira e terceira, se retira o carácter “acessório” desta vertente dos serviços dietéticos, relativamente ao ginásio, já́ que o acesso à mesma só́ é “permitido” enquanto durar o “Contrato de Adesão»” (contrato para “Utilização das instalações desportivas” - Ginásio) (Anexo 2).
Cláusulas 1.ª e 3.ª:
Carácter acessório:
“Pelo presente a primeira obriga-se a prestar serviços de aconselhamento dietético e nutricional, composto por duas sessões presenciais e dois acompanhamentos telefónicos anuais (...) – (in Clausula 1.ª);
“O termino do contrato de adesão referente à utilização de atividades desportivas implica automaticamente a cessação do presente contrato (...) – (in Clausula 3.ª – ponto 3.3)
Note-se que é, exatamente, no carácter acessório destas prestações de serviços que focamos a nossa posição e não na falta de cumprimento dos requisitos para a prática das mesmas, uma vez que, nessa matéria, solicitámos elementos e pudemos assim comprovar a conformidade com os requisitos exigidos no Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho.
Assim, é sobre a demonstração deste carácter acessório da “Prestação de serviços dietéticos” (por contraponto com as consultas de nutrição) e sobre os respetivos enquadramentos em sede de IVA, que nos iremos debruçar no ponto que se segue. III.1.1.2. Dos fundamentos das correcções meramente aritméticas: III.1.1.2.1 Enquadramento fiscal: III.1.1.2.1.1 Direito comunitário: ➢ A Diretiva do IVA estabelece, no n.º 1 do seu artigo 132.º, a isenção de determinadas prestações de serviços na área da saúde. ➢ Beneficiam de isenção, nos termos da alínea b), “a hospitalização e a assistência medica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito publico ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência medica e de diagnostico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos”.
➢ Por seu turno, a alínea c) isenta “as prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões medicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado Membro em causa”.
➢ A este respeito, o TJUE (Tribunal de Justiça da União Europeia) declarou que o conceito de prestações de serviços de assistência medica que figura na alínea c), do n.º 1, do artigo 132.º da Sexta Diretiva 2006/112/CE, do Conselho de 28 de novembro de 2006, visa as prestações que tenham por finalidade “diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde” (acórdão de 06-11-2006, Dornier, Processo C-45/01).
➢ A acepção de que a isenção prevista na alínea c), do no 1, do artigo 132o da diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006 opera independentemente da forma jurídica do sujeito passivo que fornece as prestações medicas ou paramédicas, isto é, tanto é aplicável às pessoas singulares como às pessoas coletivas, decorre necessariamente da interpretação desta disposição imposta pelo TJUE. ➢ No acórdão de 10 de Setembro de 2002, proferido no processo C-141/00 (caso Kugler, Colet. P. I-6833, n.º 26) é afirmado, a respeito dessa disposição comunitária, que a mesma tem um carácter objetivo, definindo as operações isentas em função da natureza dos serviços prestados, sem mencionar a forma jurídica do prestador, pelo que basta tratarem-se de prestações de serviços médicos ou paramédicos e que sejam fornecidas por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.
➢ Segundo a jurisprudência do TJUE, nomeadamente o referido Acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no processo c-141/00, referente ao caso Kugler, as alíneas b) e c), do n.º 1, do artigo 132.º, da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006, embora visem regular a totalidade das isenções aplicáveis às prestações medicas em sentido estrito, têm âmbitos muito distintos. ➢ Assim, a alínea b), do no 1, do artigo 132 da Diretiva isenta todas as prestações efetuadas em meio hospitalar.
➢ Já́ a alínea c), do n.º 1, do artigo 132.º da Diretiva, destina-se a isentar as prestações medicas fornecidas fora desse âmbito, tanto no domicilio privado do prestador como no domicilio do doente, ou em qualquer outro lugar, ou seja, aplica-se a prestações efetuadas fora de organismos hospitalares e no quadro de uma relação de confiança entre o paciente e o prestador de serviços, relação que normalmente tem lugar no consultório deste último.
III.1.1.2.1.2 Direito interno
➢ Aquelas isenções previstas nas alíneas c) e b), do nº 1, do artigo 132º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, foram transpostas para o Direito interno:
- Para a alínea 1), do artigo 9.º do CIVA (tendo por base a alínea c), do n.º 1, do artigo 132.º da Diretiva 2006/112/CE) – FORA DE MEIO HOSPITALAR
- Para a alínea 2), do artigo 9.º do CIVA (tendo por base a alínea b), do n.º 1, do artigo 132.º da mesma Diretiva 2006/112/CE). – EM MEIO HOSPITALAR
➢ Na sequência dessa transposição, a alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, isenta do imposto, “As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas.” – FORA DE MEIO HOSPITALAR
➢ A alínea 2, do mesmo artigo prevê̂ ainda estarem isentas de imposto, “As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clinicas, dispensários e similares”.
➢ Daqui se retira que as isenções previstas nas alíneas 1) e 2), do artigo 9.º do CIVA, respeitam a “atividades que tenham por objeto diagnosticar, tratar e, de possível, curar as doenças ou anomalias de saúde”.
➢ Ambas se aplicam independentemente de os serviços serem prestados por uma pessoa singular ou coletiva, assim como da finalidade lucrativa ou não do exercício dessas atividades.
➢ A alínea 2), do artigo 9.º do CIVA, destina-se a isentar os serviços de assistência efetuados no meio hospitalar.
➢ O sujeito passivo isenta as suas atividades de prestação de serviços dietéticos com base na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA (fora do meio hospitalar), conforme se pode verificar pela inscrição em rodapé́ nas respetivas faturas (Anexo 2), pelo que nos vamos abster de dissecar aqui o conceito de estabelecimento hospitalar, dado não se aplicar a esta situação.
➢ Assim sendo, passamos a analisar a isenção aplicada pelo sujeito passivo à prestação de serviços de nutrição, com base na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA.
➢ Ora estabelece a alínea 1) do artigo 9.º do CIVA que “estão isentas as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”.
➢ Uma vez que não existe no CIVA um conceito que defina o que são atividades paramédicas, teremos que nos socorrer de legislação avulsa para proceder ao seu enquadramento:
- Decreto-lei 261/93, de 24 de julho, que, basicamente, define os requisitos académicos exigidos para o exercício da função e
- Decreto-lei 320/99, de 11 de agosto, mais especificamente o n.º 1 do seu artigo 3.º, que refere o conteúdo funcional que terá́ de, necessariamente, compreender a “realização das atividades constantes do anexo ao já́ referido Decreto-Lei 261/93, de 24 de julho, tendo como matriz a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnostico e tratamento da doença, ou de reabilitação.” (dessa lista consta, designadamente, a atividade de «dietista»).
➢ Ainda a propósito do conceito de prestação de serviços médicos, previsto na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, importa relembrar que o Acórdão do TJUE, de 14 de setembro de 2000, Processo 384/98, considera como tais as que consistam em “prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando uma doença ou qualquer outra anomalia de saúde” (Processo n.º 3251, despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Diretor- Geral, em 2012-06-28).
➢ E continua: “Tal significa que as prestações de serviços que não tenham este objetivo terapêutico (diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde) ficam excluídas do âmbito de aplicação da isenção, sendo sujeitas a imposto e dele não isentas.” (sublinhado nosso)
➢ Ora a isenção aqui aplicada à Prestação de Serviços Dietéticos, com base na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, não é lícita por não se tratar, efetivamente, de consultas de nutrição, procuradas pelo utente em razão de alguma necessidade que sinta nessa matéria, mas tão-só́ a «disponibilização» de um serviço com características de aconselhamento ao utente o qual apenas ocorre no caso de o utente «procurar» esse serviço. Caso não o procure, por dele não sentir necessidade, é-lhe igualmente faturado, nos termos em que já analisámos.
➢ Tal significa que as prestações de serviços que não tenham tal objetivo terapêutico, mesmo que efetuadas por paramédicos devidamente habilitados para o efeito, encontram-se excluídas do âmbito de aplicação da isenção. Enquadram-se aqui as atividades de mera elaboração de dietas integradas em planos alimentares. (Lembramos que o contrato prevê̂ apenas «duas sessões presenciais» (e não consultas) e “dois acompanhamentos telefónicos anuais”, os quais surgem designados por “aconselhamento dietético”).
➢ De facto, se alguém necessitar de uma intervenção terapêutica ao nível nutricional, procurará um profissional nessa área, não se inscreverá num ginásio, isto é, o propósito da frequência de um ginásio (ou health club) não será́, certamente, o de ser consultado por um nutricionista.
➢ A prová-lo está o facto de esse serviço ser faturado mensalmente a todos os utentes, sem excepção, independentemente de usufruírem ou não da referida consulta, significando isso que todos os utentes veem uma parte da mensalidade que pagam pela frequência do ginásio estar sujeita a IVA à taxa normal e outra parte dessa mensalidade estar isenta de IVA, quando a generalidade desses utentes, durante o mês a que essa fatura respeita, não tem qualquer contacto com o nutricionista (embora lhe tenha sido informado que existe um ao seu dispor).
➢ Assim, a facturação da prestação de serviços de nutrição não beneficia da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, estando sujeita a tributação nos termos gerais do CIVA, uma vez que os serviços de aconselhamento nutricional, disponibilizados em complemento da atividade física, não se enquadram no conceito de prestações de serviços médicos nem visam a assistência medica, diagnostico, tratamento de doenças ou quaisquer anomalias de saúde.
➢ Ora não sendo aplicável a isenção prevista na alínea 1) do art.º 9.º do CIVA, daqui resulta que não pode ser separado na fatura a prestação de serviços de ginásio, da prestação de serviços de nutrição, uma vez que estes últimos fazem parte da prestação de serviços do ginásio, devendo-lhe ser aplicada a liquidação do imposto à taxa normal.
➢ Efetivamente, o serviço de nutrição é um serviço acessório da prestação de serviço principal que constitui o serviço de ginásio, nos termos a seguir desenvolvidos.
Prestação principal vs acessória
➢ Decorre do espírito da redacção do artigo 2.º, n.º 1, c) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente e de que a prestação constituída por um único serviço, no plano económico, não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do IVA.
➢ Na esteira deste entendimento vem a jurisprudência comunitária confirmar que uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar de melhores condições do serviço principal prestado. Assim, quando existem prestações de serviços que visam melhorar as finalidades prosseguidas pelos ginásios, tornam-se susceptíveis de constituir operações «puramente acessórias» ou «estreitamente conexas».
Este conceito resulta da jurisprudência comunitária nos seguintes acórdãos:
- Acórdão de 22 de outubro de 1998 “T.P.Madgett, R.M. Baldwin e The Howden Court Hotel”, Processos apensos C-308/96 e C-94/97, onde o Tribunal considerou que poderia haver prestações que, embora relacionadas com a prestação principal, “não constituem (...) um fim em si, mais um meio de beneficiar das melhores condições do serviço principal.”, concluindo nesse contexto que se trata de “prestações (...) puramente acessórias relativamente às prestações [efetuadas a título principal.]”.
- Acórdão de 25 de fevereiro de 1999, “Card Protection Plan Ltd”, Processo C-349/96, através do qual o TJCE firmou o entendimento de que “uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador»”
- Acórdão de 27 de setembro de 2012, “Field Fisher Waterhouse LLP”, processo C- 392/11, o Tribunal de Justiça declarou que se está em presença de uma prestação única quando uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e a outra ou as outras prestações constituem uma ou várias prestações acessórias, a que se aplica o tratamento fiscal da prestação principal. Em particular, uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador. Neste sentido, vide os seguintes acórdãos: a) CPP – Processo n.º C-349/96, Colet., p. I-973, n.º 30, de 25 de Fevereiro de 1999; b) Part Service, C-425/06, Colet., p. I-897, n.º 52 de 21 de Fevereiro de 2008; c) Bog e outros, Processos n.ºs C-497/09, C-499/09, C-501/09 e C-502/09, Colet., p. I-1457, n.º 54, de 10 de Março de 2011).
- Acórdão de 17 de Janeiro de 2013, “BGZ Leasing Sp.z o.o”, Processo C-224/11, onde se refere que está “em causa uma operação única, nomeadamente, quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tao estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria um carácter artificial” e que “a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA”. Continua, ainda, referindo que “para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa», designadamente «uma determinada conexão entre si”.
Ainda segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, designadamente no n.º 30 deste acórdão que se vem referindo (processo C-224/11), “uma prestação é considerada acessória em relação a uma prestação principal, nomeadamente, quando não constitua para a clientela um fim em si, mas sim um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador”.
Este acórdão é particularmente relevante, na medida em que reforça a ideia de que, para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa.
III.1.1.3 Da análise dos factos
No âmbito da presente Ordem de Serviço, e como já́ foi referido, verificou-se que nas faturas emitidas pelo sujeito passivo aos seus clientes (os quais efetuam contratos de adesão e, acessoriamente, contratos de prestação de serviços dietéticos), para além da rubrica “Utilização das instalações desportivas” (atividade sujeita), podem surgir outras rubricas, tais como “Personal Training” ou “Ginástica em Grupo” (atividade também sujeita), contudo, surge sempre associada a rubrica “Prestação de Serviços Dietéticos”, à qual correspondem códigos tais como «SDIET», «SDIET1», consideradas pelo sujeito passivo como isentas de IVA nos termos da alínea 1), do artigo 9.º do CIVA. Surge, ainda, uma terceira rúbrica: “Desconto por subscrição de acompanhamento dietético»” (sujeito a IVA à taxa normal - 23%).
Ainda tendo em conta o enquadramento fiscal dos serviços de dietética e nutrição (Pontos III.1.1.2.1.1/2 – Comunitário e Interno), é de salientar que a atividade de “Dietética”, não obstante estar prevista no ponto 5 da lista anexa ao D.L. n.º 261/93 de 24.07, esse facto determina, tao só́, que se trata de uma atividade paramédica cuja isenção está prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que o seu exercício tenha como objetivo terapêutico diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar (génese da alínea c) do artigo 132.º da diretiva do IVA que, por transposição, deu origem à alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, esta sim, determinante das condições de aplicabilidade de isenção de IVA em matéria de prestação de serviços de saúde).
Assim sendo, é determinante para a aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, que estejam em causa serviços que se consubstanciem na administração direta dos cuidados de saúde ao utente, pressupondo que os mesmos sejam efetivamente realizados. Caso os serviços não se insiram no conceito de prestações de serviços médicos definido na jurisprudência comunitária, ou seja, se tais serviços não tiverem em vista a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento das doenças ou de qualquer anomalia de saúde, mas apenas a disponibilização do direito de usufruir de um conjunto de serviços (nos quais se podem inserir os serviços médicos ou paramédicos), os mesmos ficam afastados do campo de aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, configurando operações sujeitas a imposto e dele não isentas, passiveis de tributação à taxa normal prevista no artigo 18.º do CIVA.
Ora, de facto, a referência, na fatura, à prestação de serviços médicos ou paramédicos como fazendo parte do valor de uma mensalidade previamente contratualizada, independentemente de os mesmos serem prestados, ou não, demonstra que não estamos perante serviços prestados no âmbito da assistência medica.
Da análise a diversos “Contratos de Adesão” e “Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos” (Anexo 2) se retira, designadamente a partir das suas clausulas primeira, terceira e quinta, que o acesso aos serviços dietéticos só́ é possível enquanto existir o contrato de adesão para a utilização das instalações desportivas. De facto, e não obstante a cláusula quinta estabelecer que a extinção do contrato de prestação de serviços dietéticos não implica a anulação do contrato de adesão para a utilização das instalações desportivas, nem qualquer alteração às condições subscritas pelo utente, já́ o inverso, ou seja, o fim do contrato de adesão referente à utilização de atividades desportivas implica automaticamente a cessação de contrato de prestação de serviços dietéticos, o que confere um carácter acessório à prestação de serviços em causa, uma vez que a mesma nunca está dissociada do contrato de adesão que tem em vista a utilização das instalações desportivas (ginásio).
Ora, uma prestação é considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua, para a clientela, um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador.
Assim, considerando a analise efetuada à atividade efetivamente exercida pela entidade, nomeadamente por via da analise dos contratos, da facturação e face aos critérios enunciados no presente relatório sobre o enquadramento fiscal das operações praticadas, considera-se que as consultas de nutrição “avulso”, faturadas diretamente ao utente, deverão ser consideradas isentas de IVA, nos termos da alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, enquanto os serviços dietéticos disponibilizadas aos utentes, faturados enquanto uma rubrica da fatura referente à mensalidade do ginásio não merecem acolhimento na isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, por se tratar de uma prestação de serviços acessória da prestação de serviços de ginásio, sendo de lhes aplicar o tratamento fiscal da prestação principal.
Fica assim demonstrado o carácter acessório da “Prestação de serviços dietéticos” (identificada pelo sujeito passivo por diversos códigos como; «SDIET») enquanto atividade de aconselhamento nutricional disponibilizada aos utentes que subscrevem um contrato de adesão ao ginásio, em oposição às consultas de nutrição, efetivamente prestadas por profissionais especializados. Estas consultas são adquiridas pelos utentes, isoladamente ou em pacotes que podem ir até 6 consultas, sendo que, nestes casos, estamos perante situações que visam, claramente, “diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde» daqueles sócios do sujeito passivo que sentem fragilidades ou mesmo problemas ao nível físico que podem estar relacionados com questões nutricionais e de alimentação e que recorrem à compra deste serviço que lhes é faturado através do código «NUT» ou variantes do mesmo, conforme o número de consultas adquiridas.
Assim, o sujeito passivo deveria ter procedido à liquidação de IVA sobre a “Prestação de Serviços Dietéticos” (códigos “SDIET”), uma vez que, relativamente às mesmas – e tao só́ a essas – não se mostram reunidas as condições para beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do art.º 9.º do CIVA.
III.1.1.4 Das propostas de correcção (ao IVA não liquidado)
Como já́ foi referido ao longo deste relatório, a nossa análise baseou-se nos elementos e esclarecimentos que nos foram facultados.
Para determinação do valor a corrigir, em sede de IVA, resultante da não consideração da “Prestação de serviços dietéticos” como atividade isenta nos termos da alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, foi trabalhado, o ficheiro “ALV III f) Prest Serv_2016»” evidenciando-se os códigos dos artigos relativos àquela prestação de serviços (códigos «SDIET»). Estes ficheiros incluem as mensalidades pagas pelos utentes pela utilização das instalações desportivas e serviços secundários relacionados.
[...]
Relembramos que, por vezes, ao invés do Artigo: “SDIET” surgem designações tais como: “SDIET1”, ou outras, todas elas significando “Prestação de Serviços Dietéticos”.
De tudo o exposto, elaboramos os quadros que se seguem, os quais servem de base às correcções propostas:
Ano - 2016 Correção Proposta
Período IVA Faturação - Artigo SDIET(a) - Prestação de Serviços Dietéticos: Gr; Fact; Subs; Subfam; NUTS (1) Valor IVA*
jan-16 €53.455,00 €12.294,65
fev-16 €56.010,00 €12.882,30
mar-16 €56.580,00 €13.013,40
abr-16 €56.468,02 €12.987,64
mai-16 €56.758,02 €13.054,34
jun-16 €56.153,02 €12.915,19
jul-16 €53.728,02 €12.357,44
ago-16 €48.443,02 €11.141,89
set-16 €51.430,72 €11.829,13
out-16 €53.703,16 €12.351,73
nov-16 €55.752,57 €12.823,04
dez-16 €55.244,20 €12.706,18
Total Geral €653.725,75 €150.356,93
(1) - Valores retirados do ficheiro SAFT da facturação MSI fornecido pelo sujeito passivo
* A taxa de IVA de 23%, nos termos do art.º 18.º do CIVA, tendo sido calculado imposto a liquidar documento a documento (fatura a factura), estando os cálculos que serviram de base ao quadro supra constantes de ficheiro informático anexo (anexo 5).
JJ. O ponto III.1.2 do RIT, a fls. 26, tem por epígrafe: “Do IVA dedutível nos Inputs (Prestação de Serviços Dietéticos)”. Depois de ali se discorrer sobre o direito à dedução em sede de IVA e de se explicitar a metodologia de cálculo do IVA dedutível levada à prática pelo sujeito passivo, para o exercício de 2016, foi apurado IVA dedutível adicional a favor da Requerente (ligado à realização das actividades de nutrição e que no entender da AT não podiam beneficiar da isenção de IVA prevista no n.º 1 do art.º 9º do CIVA, donde, tributadas e não isentas, conferindo tal possibilidade de dedução do imposto suportado a montante para a sua realização) que se cifrava em 2.506,98 €, importância que foi deduzida ao montante da proposta de correcção do IVA não liquidado de 150.356,93 €, cifrando-se a correcção global ao valor do IVA devido pela Requerente no montante líquido de 147.849,95 €. (Cfr. RIT que integra o Processo Administrativo e ainda do PPA como Doc. n.º 2).
KK. Na sequência da inspecção, foram emitidas e notificadas à Requerente as seguintes liquidações adicionais (imposto e juros compensatórios), que perfazem no total 170.128,42 €, sendo o IVA de 147.850,03 e os Juros Compensatórios de 22.278,39 €, com data limite para pagamento voluntário, todas, até 31.8.2020: - Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de Liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/01; - Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração do liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/02; - Liquidação n.º 2020..., e respectiva demonstração do Liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/03; - Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de Liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/04; - Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/05; - Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/06; - Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de Liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/07; - Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/09; - Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de Liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/10; - Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/11; - Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/12;
LL. Os Serviços do IVA, com despacho concordante do Subdiretor-Geral, de 19 de Agosto de 2015, emitiram uma informação vinculativa (processo n.º 9215) que conclui que os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.ºdo CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (cf. Documento 9 junto ao PPA).
MM. Em 4.11.2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (Cfr. Sistema de gestão Processual do CAAD).
28. Factos não provados:
NN. Não ficou provado que os serviços de nutrição prestados tivessem fins terapêuticos, além dos objetivos genéricos de promoção da saúde. Da prova produzida resultou que os destinatários das consultas de nutrição visavam com a sua efectiva disponibilização, em geral e quando muito, finalidades de perda de peso e de alimentação saudável, sem que inerente às mesmas estivesse o tratamento ou a cura de uma concreta doença ou a prevenção de uma doença específica.
OO. Não existem outros factos alegados com relevo para a decisão que devam considerar-se não provados.
29. Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:
PP. Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa, perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e art.º 596.º do CPC), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cf. art.º 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.º 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC).
QQ. Os factos foram dados como provados e/ou como não provados com base: i) nos documentos juntos aos autos, incluindo com o PPA; ii) nos Requerimentos supervenientes enviados aos autos pela Requerente; e ainda iii) no Processo Administrativo (“PA”), tendo sido criticamente apreciados todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos, e, bem assim, provados com base nas posições manifestadas pelas Partes nas alegações orais, bem como na prova testemunhal produzida no Processo Arbitral Tributário n.º 161/2019-T cujo aproveitamento foi peticionado e deferido e criticamente apreciada.
RR. No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se, essencialmente, na análise crítica da prova documental junta aos autos. Foram, de igual modo, tidos em conta, os depoimentos prestados no Processo Arbitral Tributário n.º 161/2019-T cujo aproveitamento foi peticionado e deferido.
SS. Em relação ao facto dado como provado no ponto Z. do probatório, o Tribunal Arbitral Colectivo considerou que acaso todos os seus clientes (em média mais de 3.500 mensais) houvessem fruído das duas consultas de nutrição a que teriam direito por outorga do contrato de prestação de serviços dietéticos no ano de 2016 e no pressuposto, inverosímil, de que todos os clientes se vincularam assinando o aludido contrato, a Requerente teria de ter realizado 7.000 consultas de nutrição. Inferindo-se daqui que tendo a Requerente só realizado 1530 consultas denominadas de base presencial, há consultas que não foram realizadas, mas tão-só disponibilizadas não tendo os respectivos beneficiários fruído das mesmas.
TT. Não se deram como provadas ou não provadas alegações das Partes apresentadas como factos, mas consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja validade será de aferir em face da matéria de facto considerada assente.
V.D) DO DIREITO:
V.D.1) ORDEM DO CONHECIMENTO DOS VÍCIOS IMPUTADOS ÀS LIQUIDAÇÕES SINDICADAS:
30. O art.º 124.º do CPPT estatui: “1 – Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação. 2 – Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte: a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos; b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Publico ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”
31. Tal normativo estabelece regras sobre a ordem de conhecimento de vícios em processo de impugnação judicial, que são subsidiariamente aplicáveis ao processo arbitral, por forca do que dispõe o artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
32. No caso de vícios geradores de anulabilidade (como os que estão em causa nos presentes autos), a alínea b) do n.º 2 daquele art.º 124.º do CPPT refere que se deve atender prioritariamente à ordem indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade
33. A Requerente imputa aos actos de liquidação sub judicio, como visto, vícios suscetíveis de determinarem a respetiva anulação e já não vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade dos actos impugnados.
34. A Impetrante, no PPA apresentado e até no requerimento superveniente onde peticiona a ampliação do pedido ali formulado, não estabeleceu, em termos de relação de subsidiariedade, qualquer ordem de prioridade quanto ao respetivo conhecimento.
35. Assim sendo, cabe iniciar a apreciação jurídica das questões submetidas a julgamento pelo vício ou vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, a mais estável ou eficaz tutela dos interesses pretensamente ofendidos, tal como resulta da aplicação conjugada da parte final da alínea b) do n.º 2 do art.º 124º do CPPT com a alínea a) do n.º 2 do mesmo normativo
36. E partindo daquele critério entende o Tribunal arbitral dever começar a análise dos vícios apontados nos articulados apresentados pela Requerente pela questão da eventual ilegalidade dos atos de liquidação por contradição com o conteúdo da informação vinculativa tirada no Processo n.º 9215, averbada com despacho concordante do Subdirector-Geral de 19.8.2015 e referida no ponto LL) do probatório, por ser aquele que, verificando-se, assegura mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos como se torna prejudicial ao conhecimento dos restantes vícios apontados.
V.D.2) DA (I)LEGALIDADE DOS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO POR CONTRADIÇÃO COM O CONTEÚDO DA INFORMAÇÃO VINCULATIVA TIRADA NO PROCESSO N.º 9215, AVERBADA COM DESPACHO CONCORDANTE DO SUBDIRECTOR-GERAL DE 19.8.2015 E REFERIDA NO PONTO LL) DO PROBATÓRIO:
37. Neste ponto e porque não descortinamos razão para divergir (ou aditar o que quer que seja) da decisão prolatada no Processo n.º 380/2020-T que tramitou no CAAD e foi junta aos autos pela requerida com as alegações finais, vamos reproduzir ipsis verbis tudo quanto a tal propósito foi ali doutamente explicitado.
38. Diz a dado passo a aludida decisão arbitral: “A Requerente refere na sua petição a existência de uma informação vinculativa – Ficha Doutrinária emitida por despacho de 19.08.2015 do Diretor-Geral do IVA, no processo de informação vinculativa n.º 9215 – emitida a pedido não da Requerente mas de uma empresa do mesmo grupo – Grupo B...– ao qual pertence a Requerente e em que a Autoridade Tributária declara o seu entendimento de que “os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (Decretos-Lei n.ºs 261/93 de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto)”. O regime das informações vinculativas está previsto no artigo 68.º da LGT. Em particular, releva o n.º 14 deste preceito, que estabelece que “[A] administração tributária, em relação ao objeto do pedido, não pode posteriormente proceder em sentido diverso da informação prestada, salvo em cumprimento de decisão judicial.” Conforme a jurisprudência tem destacado, a consequência resultante de a AT proceder em sentido diferente do definido pela informação vinculativa é a configuração de um específico vício de violação da lei, gerador de anulabilidade do ato praticado (acórdão arbitral de 05-09-2020, proc. n.º 740/2019 e a jurisprudência aí citada: TCA Sul de 22.11.2011, proc. n.º 03013/09 e de 10.07.2014, proc. n.º 07558/14, onde se diz: “se a Fazenda Pública proceder de forma diversa do sentido que constar de informação vinculativa prestada, o ato que praticar enfermará de vício de violação de lei, sendo gerador da sua anulabilidade”; v. ainda o acórdão proferido no proc. n.º 474/2019-T do CAAD). Para que uma atuação desconforme com uma informação vinculativa da AT se traduza no específico vício de violação de lei previsto no n.º 14 do artigo 68.º, é necessária uma identidade objetiva da situação fáctica, ou seja, é necessário que os atos ou factos sobre os quais a informação vinculativa se pronunciou sejam iguais aos atos ou factos sobre os quais incidiu a atuação da administração tributária, isto de acordo com os n.ºs 1, 3, 8, 9, 12 e 14 do artigo 68.º (Decisão arbitral de 05-09-2020, proc. n.º 740/2019). Conforme se diz no acórdão do TCA Sul de 22.11.2011, proc. n.º 03013/09, citado no acórdão arbitral de 05-09-2020, proc. n.º 740/2019, a informação vinculativa tem “dois termos de referência. Por um lado, ela reporta-se aos factos enunciados pelo contribuinte; por outro, reporta-se ao enquadramento jurídico que deles fazem os serviços. Assim, a informação prestada perde qualquer validade se os factos ocorrerem em termos diversos daqueles que foram apresentados aos serviços, nomeadamente se ocorrerem com contornos que lhe tenham sido ocultados. Do mesmo modo, a informação prestada perde validade se as normas jurídicas que serviram à qualificação tributária dos factos vierem, entretanto, a ser alteradas” (no mesmo sentido se pronunciaram os acórdãos do TCA Sul de 10.07.2014, proc. n.º 07558/14 e do TCA Norte de 10.5.2018, proc. n.º 00101/2002.TFPRT.21, ambos citados no acórdão arbitral de 05-09-2020, proc. n.º 740/2019). Deixando para ponto ulterior da análise a questão subjetiva, ie, a questão da intocabilidade, por parte da Requerente, da informação vinculativa aqui em causa, analisemos para já o aspeto da identidade objetiva entre a situação fáctica que deu origem à liquidação impugnada e a situação considerada na “Informação Vinculativa”. “Informação Vinculativa” descreve do seguinte modo os factos a enquadrar: “1.A requerente é uma sociedade comercial, sob a forma de sociedade anonima, que tem como objeto social, entre outros, a exploração e gestão de health clubs, clubes de fitness e ginásios. 2.Pretendendo prestar serviços de aconselhamento nutricional nos estabelecimentos que explora já procedeu, conforme se verifica pela análise à certidão permanente (cujo código facultou), à alteração do seu objeto social, tendo incluído a "prestação de serviços e consultas de nutrição". 3.Com a implementação destes serviços a requerente tem como objetivo garantir uma diminuição do número de cancelamentos das inscrições nos clubes e ginásios que, de acordo com os dados constantes em duas tabelas referentes aos anos de 2013 e 2014, que anexa ao presente pedido, ocorrem em número mais elevado nos meses de Verão, resultando numa diferença negativa entre o número de adesões e o de cancelamentos. 4.Assim, perspetivando garantir, através da realização dos serviços de aconselhamento nutricional, o incremento da retenção de clientes, a requerente refere que estes serviços serão prestados através de profissionais contratados para o efeito, devidamente credenciados, ou seja, que detenham uma licenciatura em nutricionismo e se encontrem inscritos na Ordem dos Nutricionistas, ou licenciatura em dietética. 5.Vem, assim, solicitar esclarecimento acerca do enquadramento a conferir, em sede de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), aos serviços de aconselhamento de nutrição e dietética, que pretende prestar, nomeadamente se os mesmos beneficiam da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA (CIVA).” A situação fáctica descrita é totalmente coincidente com a situação fáctica sobre a qual incidiram as liquidações impugnadas: − A Requerente dedica-se à exploração e gestão de health clubs, clubes de fitness e ginásios (ponto n.º 1 da “Informação Vinculativa” e facto provado A); − Presta serviços de aconselhamento nutricional nos estabelecimentos que explora e inclui essa prestação no seu objeto social (ponto n.º 2 da “Informação Vinculativa” e facto provado D); − Os serviços de aconselhamento nutricional são materialmente realizados por profissionais contratados para o efeito, devidamente credenciados, ou seja, detentores de uma licenciatura em nutricionismo e inscritos na Ordem dos Nutricionistas, ou possuidores de licenciatura em dietética (ponto n.º 4 da “Informação Vinculativa” e facto provado G). De acordo com o RIT que serve de fundamentação aos atos impugnados, e para o enquadramento das prestações de serviços de aconselhamento dietético como “não isentos”, foi considerado relevante pelos serviços de inspeção, como já se viu, que: − Os serviços em causa não são “consultas de nutrição, procuradas pelo utente em razão de alguma necessidade que sinta nessa matéria, mas tão só a «disponibilização» de um serviço com características de aconselhamento ao utente, o qual apenas ocorre no caso de o utente «procurar» esse serviço”; − As prestações de serviços não têm objetivo terapêutico, mesmo sendo efetuados por paramédicos devidamente habilitados para o efeito; Que as prestações de serviços não têm objetivo terapêutico, mesmo sendo efetuados por paramédicos devidamente habilitados para o efeito, é ainda indiciado pelas seguintes circunstâncias, sempre de acordo com o RIT: − Algumas prestações de serviços dietéticos traduzem-se na mera elaboração de dietas integradas em planos alimentares; − O contrato prevê apenas «duas sessões presenciais» e «dois acompanhamentos telefónicos anuais», os quais surgem designados por aconselhamento dietético; − Se alguém necessitar de uma intervenção terapêutica ao nível nutricional, procurará um profissional nessa área, não se inscreverá num ginásio; e o propósito da frequência de um ginásio não é o de ser consultado por um nutricionista; − O serviço é faturado mensalmente, a todos os utentes, sem exceção, independentemente de usufruírem ou não da referida consulta, significando isso que todos os utentes veem uma parte da mensalidade que pagam pela frequência do ginásio estar sujeita a IVA à taxa normal e outra parte dessa mensalidade estar isenta de IVA, quando a generalidade desses utentes a que essa fatura respeita não tem qualquer contacto com o nutricionista. Ora, dos aspetos elencados, nenhum é referido na “Informação Vinculativa” como sendo impeditivo da isenção que a mesma reconhece aos serviços em causa. Não é dito, especificamente, que os serviços devam ter uma “finalidade terapêutica”, e nem que, para que se verifique tal finalidade terapêutica, os mesmos devam ser procurados por parte dos utentes de forma autónoma e independente dos serviços de ginásio, health club e fitness club. Além disso, como referido na citada Informação (processo n.º 9215), no pedido que lhe serve de base é expressamente dito que: − A atividade a desenvolver se traduz na “prestação de serviços e consultas de nutrição”, o que pressupõe a prestação de serviços de nutricionismo ou dietética que não são “consultas de nutrição”; − A “implementação dos serviços tem como objetivo garantir uma diminuição do número de cancelamentos das inscrições nos clubes e ginásios”, e a “realização dos serviços de aconselhamento nutricional perspetiva garantir o incremento da retenção de clientes”, o que deixa patente que a atividade é organizada em relação de dependência das restantes prestações de serviços específicas dos clubes e ginásios. Em face da descrição que a “Informação Vinculativa” faz dos factos que lhe servem de base, conclui-se que a factualidade que a Informação assumiu como relevante é em tudo coincidente com a factualidade verificada na atividade da aqui Requerente. Conclui-se, assim, que, em termos objetivos, ie, entre a situação que serviu de base à “Informação Vinculativa” e a situação que deu origem às liquidações impugnadas nos presentes autos existe a identidade fáctica necessária para que o enquadramento tributário efetuado pela “informação” seja válido e aplicável à situação da Requerente. Quanto ao enquadramento dessa mesma situação fáctica em termos de tributação em IVA, a “Informação Vinculativa” diz o seguinte: “10. No que respeita às atividades paramédicas, dado que não existe no CIVA um conceito que as defina, há́ que recorrer ao Decreto-Lei n.º 261/93 de 24 de julho, bem como ao Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto (ambos do Ministério da Saúde), uma vez que são estes dois diplomas que contêm em si os requisitos a observar para o exercício das respetivas atividades. 11. Em conformidade com o estabelecido no preambulo do Decreto-Lei 320/99, de 11 de Agosto, ambos os diplomas visam prosseguir a protecção da saúde dos cidadãos, enquanto direito social constitucionalmente consagrado "(...) através de uma regulamentação das atividades técnicas de diagnostico e terapêutica que condicione o seu exercício em geral, quer na defesa do direito à saúde, proporcionando a prestação de cuidados por quem detenha habilitação adequada, quer na defesa dos interesses dos profissionais que efetivamente possuam os conhecimentos e as atitudes próprias para o exercício da correspondente profissão". 12. Neste sentido determina o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 261/83, de 24 de julho, que as atividades paramédicas são as constantes da lista anexa ao citado diploma, do qual faz parte integrante, e compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção de saúde e de prevenção, diagnostico e tratamento da doença, ou da reabilitação. 13. É, ainda, condição essencial para o exercício destas atividades profissionais de saúde e determinante para a atribuição da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, a verificação de determinadas condições, nomeadamente a titularidade de curso, obtido nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto. 14. A referida lista anexa ao Decreto-Lei n.º 261/83, de 24 de julho, prevê̂ no seu item 5, a atividade de Dietética. De acordo com a descrição aí prevista, esta atividade compreende a "Aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares". 15. A atividade de nutricionista enquadra-se na descrição prevista para o exercício da atividade de "dietética" prevista nos Decretos-Lei anteriormente citados, pelo que, tem sido entendimento da AT que as prestações de serviços efetuadas por nutricionistas podem ser abrangidas pela isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que estejam cumpridas as condições enumeradas nos referidos diplomas e se refiram a operações abrangidas pelo item 5 do Anexo ao Decreto-Lei n.º 261/93. 16. Nesse pressuposto, os serviços prestados por dietistas, bem como, por nutricionistas, quer sejam prestados diretamente ao utente quer sejam prestados a uma qualquer entidade com quem contratualizem os seus serviços, são abrangidos pela isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.o do CIVA. 17. Esta isenção refere-se ao exercício objetivo das atividades e não à forma jurídica que o caracteriza, encontrando-se, assim, as atividades descritas, isentas ainda que desenvolvidas no âmbito das sociedades. Tal entendimento decorre da interpretação desta disposição legal pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nomeadamente no Acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no âmbito do processo C-141/00 (caso Kugler, Colect. P. I- 6833, n.º 26), que resume o carácter objetivo da isenção no preenchimento de duas condições: se trate de serviços médicos ou paramédicos e que estes sejam fornecidos por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas. 18. Deste modo, as prestações de serviços de nutrição que venham a ser realizadas pela requerente, sendo por esta faturados diretamente aos utentes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam asseguradas por profissionais (dietistas e nutricionistas) habilitados para o exercício dessa atividade, nos termos da legislação aplicável. Neste caso, nas faturas a emitir aos utentes deve constar a referência à citada isenção.“ Colocado em termos normativos, retira-se da “Informação Vinculativa” que estão isentas de IVA, pela al. 1) do artigo 9.º do CIVA, as prestações de serviços de aconselhamento nutricional, em estabelecimento de exploração e gestão de health clubs, clubes de fitness e ginásios, por entidades titulares desses estabelecimentos, consistindo tais serviços em “serviços e consultas de nutrição”, sendo tais atividades desenvolvidas em dependência dos serviços específicos dos ginásios, health clubs e clubes de fitness e de modo a reter os clientes destes últimos serviços, na condição de que tais “serviços e consultas de nutrição” sejam prestados por nutricionistas ou dietistas credenciados. E assim sendo, deve-se concluir que, em relação à Requerente, a Autoridade Tributária atuou, praticando os atos de liquidação impugnados, num sentido que é contrário à doutrina interpretativa veiculada pela mesma Autoridade Tributária através da Informação Vinculativa proferida no processo n.º 9215. Analisemos agora a questão da possibilidade de invocação da doutrina interpretativa constante da “Informação Vinculativa” por parte da Requerente. De acordo com o n.º 14 do artigo 68.º da LGT, já anteriormente citado, “[a] administração tributária, em relação ao objeto do pedido, não pode posteriormente proceder em sentido diverso da informação prestada, salvo em cumprimento de decisão judicial.” A jurisprudência tem, de forma consistente, interpretado este preceito no sentido de que a informação vinculativa apenas “vincula” a administração quanto ao mesmo sujeito passivo que a solicitou. Assim o diz acórdão arbitral que vimos citando (acórdão de 05-09-2020, proc. n.º 740/2019), nos seguintes termos: “[O] regime da informação vinculativa, atento o disposto no citado n.º 14 do artigo 68.º da LGT, muito embora apenas em relação ao sujeito passivo beneficiário da informação prestada e aos atos e factos identificados no pedido (...) faz prevalecer a proteção da confiança e a segurança jurídica do sujeito passivo em causa sobre a exata interpretação da lei (...). A decisão arbitral cita, por sua vez, em apoio da mesma doutrina, os acórdãos do TCA Sul de 10.07.2014, proc. n.º 07558/14 e do TCA Norte de 13.10.2016, proc. n.º 00089/11.7BEBRG e de 10.5.2018, proc. n.º 00101/2002.TFPRT.21 em que se diz: “A Administração Tributária, com a emissão de uma informação vinculativa, não fica obrigada ao seu cumprimento em relação a todas as situações que se lhe colocam dentro do objeto dessa mesma orientação. Pelo contrário, a vinculação da Administração Tributária ao teor das mesmas é uma vinculação inter-partes, pois somente em relação ao caso em concreto objeto do pedido a Fazenda Pública não pode proceder em sentido diverso da informação prestada, ressalvado o cumprimento de decisão judicial”. Tomando em consideração esta orientação jurisprudencial, da qual este tribunal não vê razão para se afastar, a atuação da Autoridade Tributária no caso dos presentes autos, em contradição com a interpretação veiculada na “Informação Vinculativa”, não é de molde a originar o vício de violação de lei específico previsto no n.º 14 do artigo 68.º da LGT, uma vez que a informação vinculativa em causa não foi prestada à aqui Requerente.”
39. Apropriando-se do argumentário vindo de transcrever, o presente tribunal arbitral colectivo também considera que, in casu, a atuação da Autoridade Tributária em contradição com a interpretação sancionada na informação vinculativa tirada no Processo n.º 9215, averbada com despacho concordante do Subdirector-Geral de 19.8.2015 e referida no ponto LL) do probatório, não é de molde a originar o vício de violação de lei específico previsto no n.º 14 do artigo 68.º da LGT.
V.D.3) DA VALIDADE SUBSTANCIAL DA FUNDAMENTAÇÃO QUE ESTÁ A ANCORAR OS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO SINDICADOS:
40. Neste ponto também não descortinamos razão para divergir (ou aditar o que quer que seja) da decisão prolatada no Processo n.º 380/2020-T que tramitou no CAAD e foi junta aos autos pela requerida com as alegações finais, pelo que, vamos reproduzir ipsis verbis tudo quanto a tal propósito foi ali doutamente explicitado.
41. Diz a dado passo a aludida decisão arbitral: “Cabe, neste âmbito, ao tribunal apreciar se o ato de liquidação se fundamenta na falta de finalidade terapêutica e o faz de modo suficientemente congruente e claro, de modo a possibilitar à Requerente, no momento apropriado, defender-se com base nessa fundamentação. Verificando-se esta primeira condição, cabe ao tribunal, em segundo lugar, apreciar se a Requerente logrou invalidar essa fundamentação, demonstrando que as prestações de serviços em causa tiveram finalidade terapêutica. Ora, apesar de alguma inconsistência, que, como já notámos anteriormente, se nos afigura encontrar-se na fundamentação do ato tributário, parece-nos poder-se afirmar que a Administração Tributária inequivocamente funda a liquidação na inexistência de fim terapêutico, quando diz: “(...) «Tal significa que as prestações de serviços que não tenham este objetivo terapêutico (diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde) ficam excluídas do âmbito de aplicação da isenção, sendo sujeitas a imposto e dele não isentas.» Ora a isenção aqui aplicada, com base na al. 1) do art.º 9.º do CIVA, não é lícita por não se tratar, efetivamente, de consultas de nutrição, procuradas pelo utente em razão de alguma necessidade que sinta nessa matéria, mas tão só a «disponibilização» de um serviço com características de aconselhamento ao utente, o qual apenas ocorre no caso de o utente «procurar» esse serviço. Caso não o procure, por dele não sentir necessidade, é-lhe igualmente faturado (...). (...) As prestações de serviços que não tenham (...) objetivo terapêutico, mesmo que efetuados por paramédicos devidamente habilitados para o efeito, encontram-se excluídas do âmbito de aplicação da isenção. Enquadram-se aqui as atividades de mera elaboração de dietas integradas em planos alimentares. (Lembramos que o contrato prevê apenas «duas sessões presenciais» e «dois acompanhamentos telefónicos anuais», os quais surgem designados por aconselhamento dietético. De facto, se alguém necessitar de uma intervenção terapêutica ao nível nutricional, procurará um profissional nessa área, não se inscreverá num ginásio, isto é, o propósito da frequência de um ginásio (...) não será, certamente, o de ser consultado por um nutricionista. A prová-lo está o facto de esse serviço ser faturado mensalmente, a todos os utentes, sem exceção, independentemente de usufruírem ou não da referida consulta, significando isso que todos os utentes veem uma parte da mensalidade que pagam pela frequência do ginásio estar sujeita a IVA à taxa normal e outra parte dessa mensalidade estar isenta de IVA, quando a generalidade desses utentes a que essa fatura respeita não tem qualquer contacto com o nutricionista (...). Nomeadamente, a administração tributária justifica a falta de finalidade terapêutica com o facto de o contrato de prestação de serviços dietéticos apenas disponibilizar a possibilidade de consulta, e o preço faturado o ser por causa dessa disponibilização, e não por causa de uma consulta efetiva; e também com o facto de essa disponibilização se verificar sempre em associação com um contrato de utilização de equipamentos desportivos, reforçando a ideia de que não terá uma finalidade autónoma. Ora, tendo sido notificada dos fundamentos que a Autoridade Tributária apresentava para os atos de liquidação, quer no projeto de relatório de inspeção, quer no relatório de inspeção definitivo, e assentando essa fundamentação na falta de finalidade terapêutica dos serviços de nutrição/dietética prestados, a Requerente não logrou provar a existência dessa finalidade terapêutica, pressuposto do regime de isenção que aplicou, tal como não o fez em sede de processo arbitral, no sentido em que tal termo foi interpretado pelo Tribunal de Justiça.”
42. Apropriando-se do argumentário vindo de transcrever, o presente tribunal arbitral colectivo também considera que, in casu, o ato de liquidação sub judicio se fundamenta na falta de finalidade terapêutica. Considera ainda que tal fundamentação foi feita de modo suficientemente congruente e claro, tendo possibilitado à Requerente, no momento apropriado, defender-se com base na ausência de finalidade terapêutica. O tribunal considera ainda que a Requerente não logrou provar a existência dessa finalidade terapêutica relativamente a todas as prestações de serviços de nutrição que realizou e cuja isenção aplicada ao abrigo do n.º 1 do art.º 9º do CIVA foi, entretanto, colocada em crise pela requerida.
V.D.4) ENQUADRAMENTO DAS PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS DE NUTRIÇÃO À LUZ DO ESTATUÍDO NO N.º 1 DO ART.º 9º DO CIVA:
V.D.4.1) ENUNCIAÇÃO DO QUADRO NORMATIVO QUE CONFORMA O ENQUADRAMENTO A DAR ÀS PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS DE NUTRIÇÃO:
43. O art.º 13. °, A, da Sexta Directiva tinha por fito isentar de imposto certas actividades de interesse geral, mas apenas as que nele são enumeradas e descritas de maneira muito detalhada .
44. O alcance da isenção aplicável a actividades nos domínios da medicina e da paramedicina, buscar-se-á na interpretação da alínea c) do n.º 1 do art.º 132º da Directiva IVA (tal como antes da sua revogação se deveria buscar na interpretação da alínea c) do n.º 1 do art.º 13. ° da Sexta Directiva), que deve ser determinada em respeito pela economia geral do sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado.
45. As isenções constituem noções autónomas do direito comunitário que devem ser inseridas no contexto geral do sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado são de interpretação estrita, dado que constituem derrogações ao princípio geral segundo o qual o imposto sobre o volume de negócios é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efectuada a título oneroso por um sujeito passivo .
46. Aquela disposição do instrumento legislativo comunitário vindo de referir exige que sejam preenchidas duas condições, a saber: i) que se trate de prestação de serviços de assistência e ii) que esta seja fornecida por uma pessoa que possua as qualificações profissionais exigidas para uma actividade médica ou paramédica. Neste sentido pode ver-se o Acórdão de 10 de Setembro de 2002, Kügler, Pº n.º C-141/00, considerando n.º 27, da respectiva fundamentação jurídica.
47. Prosseguindo a interpretatio legis tendente a esclarecer o alcance da isenção prevista alínea c) do n.º 1 do art.º 132º da Directiva IVA, i.e., da interpretação do conceito de “prestações de serviços de assistência”, ou seja, a condição enunciada em i).
47. Quanto à questão de saber se uma prestação de serviços médica ou paramédica está isenta de IVA ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do art.º 132º da Directiva IVA, o que releva, tal como resulta da jurisprudência anterior do TJCE relativa ao conceito de “prestações de serviços de assistência”, é o objectivo da actividade médica ou paramédica.
48. No Acórdão de 14 de Setembro de 2000, vulgarmente conhecido por Acórdão D., Pº n.º C-384/98, Colect., p. I-6795, o TJCE, nos seus considerandos 18 e 19 da respectiva fundamentação jurídica e com base numa comparação das diversas versões linguísticas daquela disposição, observou aquela Instituição comunitária que o conceito “não se presta a uma interpretação que inclua as intervenções médicas conduzidas com um objectivo que não o de diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde”.
49. Assim sendo, as prestações, “sem tal objectivo terapêutico” devem, tendo em conta o princípio da interpretação estrita de qualquer disposição que vise instituir uma isenção do imposto sobre o volume de negócios, ser excluídas do âmbito de aplicação da alínea c) do n.º 1 do art.º 132º da Directiva IVA. O Tribunal de Justiça confirmou esta jurisprudência no Acórdão Comissão/França, de 11 de Janeiro de 2001, Pº n.º C-76/99, Colect., p. I-249, considerando n.º 24 e Acórdão Kügler, de 10 de Setembro de 2002, Pº n.º C-141/00, considerandos n.ºs 38 e 39).
50. Resulta assim inequívoco da jurisprudência comunitária vinda de enunciar que o que é decisivo, visando saber se uma concreta prestação de serviços médicos ou paramédicos aproveita da isenção consignada no art.º 132º da Directiva IVA, é o objectivo da intervenção.
51. Donde se infere que a isenção não pode cobrir todas as actividades de um médico ou paramédico, mas, tão-somente, as que têm “objectivo terapêutico”.
52. Mostrando-se ainda assim adequado prosseguir na determinação do alcance do conceito de “prestações de serviços de assistência”, constante da alínea c) do n.º 1 do art.º 132º da Directiva IVA, devendo, doravante, atender-se à ratio legis da aludida isenção.
53. O estatuído nas alíneas b) e c) do art.º 132°, da Directiva IVA regulamenta in totum a isenção em sede de IVA aplicável às actividades médicas e paramédicas a realizar em meio hospitalar em ambulatório ou no domicílio.
54. Efectivamente, a alínea b) do n.º 1 do art.º 132º da Directiva IVA, tem aplicabilidade em relação às prestações efectuadas no meio hospitalar; ao passo que a alínea c) da disposição vinda de referir se aplica às prestações de serviços médicos e paramédicos efectuados fora desse âmbito, i.e., em ambulatório ou em regime de serviço domiciliário (A este propósito veja-se o Acórdão Kügler, de 10 de Setembro de 2002, Pº n.º C-141/00, considerando n.º 36).
55. Entre as actividades com “objectivo terapêutico” que devem ser consideradas prestações de serviços de assistência, donde, isentas de IVA nos termos das alíneas b) ou c) do art.º 132° da Directiva IVA, figuram também actividades que não têm por fito a cura, mas visam tão-só a prevenção. Isto mesmo foi confirmado pelo TJUE ao fixar como jurisprudência que podem beneficiar de isenção, ao abrigo do artigo 13. °, A, n.º 1, alínea c) da 6ª Directiva e numa interpretação actualista ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do art.º 132º da Directiva IVA, as actividades médicas (diríamos nós, bem como as paramédicas) efectuadas para fins de prevenção, de diagnóstico ou de cuidados (Cfr. Acórdão Kügler, de 10 de Setembro de 2002, Pº n.º C-141/00, considerando n.º 40).
56. A este propósito entendemos ainda adequado trazer-se aqui o referido nos considerandos n.ºs 57 e 58 do Acórdão do TJCE de 20.11.2003, Pº n.º C-307/01, Peter d’Ambrumenil, que referem: “57. Relativamente ao conceito de «prestações de serviços de assistência», o Tribunal já declarou, no n.º 18 do seu acórdão D., já referido, e reafirmou no n.º 38 do seu acórdão Kügler, já referido, que esse conceito não admite uma interpretação que inclua intervenções médicas efectuadas com uma finalidade diferente da de diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde. 58. Embora desta jurisprudência decorra que as «prestações de serviços de assistência» devam ter objectivo terapêutico, isto não implica necessariamente que a finalidade terapêutica de uma prestação deva ser entendida num sentido demasiado estrito (v., neste sentido, acórdão Comissão/França, já referido, n.º 23). Com efeito, do n.º 40 do acórdão Kügler, já referido, resulta que as prestações médicas efectuadas para efeitos de prevenção podem beneficiar de uma isenção ao abrigo do artigo 13. °, A, n.º 1, alínea c), da Sexta Directiva. Mesmo quando se revele que as pessoas que se submeteram a exames ou a outras intervenções médicas com carácter preventivo não sofrem de qualquer doença ou anomalia de saúde, a inclusão das referidas prestações no conceito de «prestações de serviços de assistência» está em conformidade com o objectivo de redução do custo dos cuidados de saúde, que é comum tanto à isenção prevista no artigo 13.°, n.º 1, alínea b), da Sexta Directiva como à prevista no mesmo número, alínea c) (v. acórdãos, já referidos, Comissão/França, n.º 23, e Kügler, n.º 29).
57. E já quanto à questão de saber se o facto do prestador dos serviços médicos ou paramédicos se apresentar como ente societário (e já não como profissional liberal) releva para efeitos da aplicabilidade da isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 132º da Directiva IVA (e também do n.º 1 do art.º 9º do CIVA que é a norma que faz a transposição para o direito interno daquela disposição do direito comunitário), o que dizer?
58. Mais uma vez a letra lapidar do Acórdão do TJCE de 10.9.2002, Kügler, Pº n.º C-141/00, nos considerandos 26 a 31 que a seguir se transcreverão, aborda e resolve a questão vinda de enunciar: “26. (…) há que salientar que o artigo 13. °, A, n.º 1, alínea c), da Sexta Directiva define as operações isentas em função da natureza das prestações de serviço fornecidas, sem mencionar a forma jurídica do prestador. 27. Segundo uma interpretação literal, esta disposição não exige, para que as prestações médicas sejam isentas, que estas últimas sejam fornecidas por um sujeito passivo dotado de uma forma jurídica particular. Basta que sejam preenchidas duas condições, a saber, que se trate de prestações médicas e que estas sejam fornecidas por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas. 28. Esta interpretação não é contrariada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual as isenções referidas no artigo 13. ° da Sexta Directiva são de interpretação estrita, dado que constituem derrogações ao princípio geral de que o IVA é cobrado sobre todas as prestações de serviços efectuadas a título oneroso por um sujeito passivo (v., nomeadamente, o acórdão SDC, já referido, n.º 20). 29. Com efeito, a isenção das prestações médicas fornecidas por pessoas colectivas está em conformidade com o objectivo de redução do custo dos cuidados médicos (v., neste sentido, acórdão de 11 de Janeiro de 2001, Comissão/França, C-76/99, Colect., p. I-249, n.º 23) e com o princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum de IVA, no respeito do qual as isenções previstas no artigo 13.° da Sexta Directiva devem ser aplicadas (v., nomeadamente, acórdão de 7 de Setembro de 1999, Gregg, C-216/99, Colect., p. I-4947, n.º 19). 30. Há que recordar, a este respeito, que o princípio da neutralidade fiscal se opõe, designadamente, a que operadores económicos que efectuem as mesmas operações sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança do IVA. Daqui resulta que o referido princípio seria ignorado se a possibilidade de invocar o benefício da isenção prevista para as prestações de cuidados pessoais mencionadas no artigo 13. °, A, n.º 1, alínea c), da Sexta Directiva estivesse dependente da forma jurídica sob a qual o sujeito passivo exerce a sua actividade (v., neste sentido, acórdão Gregg, já referido, n.º 20). 31. Por conseguinte, há que responder à primeira questão que a isenção referida no artigo 13. °, A, n.º 1, alínea c), da Sexta Directiva não depende da forma jurídica do sujeito passivo que fornece as prestações médicas ou paramédicas nele mencionadas.”
59. Aceitamos, por isso, a aplicabilidade, in casu, do n.º 1 do art.º 9º do CIVA às operações realizadas pela Requerente e que se consubstanciam na realização de prestações de serviços de nutrição.
60. Trazendo agora à colação o quadro normativo nacional sobre a questão sub judice diga-se que face ao que dispõe o n.º 1 do art.º 9º do CIVA, beneficiam da isenção de imposto “As prestações de serviços efectuadas no exercício das (…) profissões de “Médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas.”
61. Acresce que o n.º 2 daquela disposição isenta igualmente de imposto “As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares.”
62. Atenta a circunstância do CIVA aludir expressamente às actividades paramédicas (subsumindo-as na isenção prevista no n.º 1 do art.º 9º), mas não delimitar o respectivo conceito, impõe-se o recurso ao estatuído no Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de Julho, que regulamenta o exercício das actividades profissionais de saúde designadas por actividades paramédicas.
63. Tais actividades encontram-se elencadas na Lista Anexa ao referido diploma legal, que aqui se deve considerar reproduzida, sendo que quanto à dietética ali se diz o seguinte: “5. Dietética – Aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares.”
64. Claro está que a dietética/nutrição é umas das actividades paramédicas ali identificadas, donde, do ponto de vista meramente objectivo, estaria, em princípio, justificada a aplicabilidade da isenção, certo sendo que, do ponto de vista subjectivo, bastaria que os respectivos prestadores ostentassem a titularidade de habilitação legal para o efeito e a aplicabilidade de qualquer uma das isenções explicitadas passaria a ser incontornável, aliás, tal como expressamente admitido pela doutrina administrativa firmada sobre a matéria e enunciada pela Requerente no seu Pedido de Pronúncia Arbitral.
65. Sendo que não há dissídio entre as parte quanto à questão de que aqui estamos perante prestações de serviços realizadas por nutricionista que é uma das profissões paramédicas que integra a lista anexa ao citado Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de Julho, donde, os requisitos de ordem subjectiva previstos naquela norma estão incontornavelmente cumpridos.
V.D.4.2) AS PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS DE NUTRIÇÃO COMO AUTÓNOMAS VERSUS ACESSÓRIAS DAS PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS DE ACTIVIDADE FÍSICA:
66. A Requerente considera que as prestações de serviços de nutrição são claramente autónomas relativamente às prestações de serviços de actividade física.
67. Para aquela as prestações de serviços aqui em causa são distintas e independentes entre si.
68. Já a Requerida, ao invés, sustenta que as primeiras são acessórias relativamente às segundas e que aquelas não constituem um fim em si para os seus destinatários, mas antes uma forma de beneficiarem nas melhores condições da prestação de serviços principal que é a prestação de serviços de actividade física em ginásio.
69. Retirando a Requerida a asserção de que estamos perante prestações de serviços únicas, cuja decomposição reveste um carácter artificial, nas quais o ginásio é a prestação principal e a nutrição é acessória daquela.
70. Na sua resposta, a Requerida diz a dado passo: “No entanto, não se pode deixar de notar que nos presentes autos, se por um lado, quanto ao objectivo, como refere a Requerente, o move well (ginásio) e o eat well (nutrição), conduzem a um fim comum (o feel well) e que, por outro lado, na óptica do destinatário dos serviços a que o TJUE manda atender, o peso ponderado do valor dos serviços de nutrição no valor global dos serviços, é de zero euros, porque, tendo em conta o desconto concedido, os serviços de ginásio, com ou sem serviços de nutrição, custa ao cliente o mesmo montante.”
71. Por nós entendemos que o facto da prestação de serviços de actividade física realizada em contexto de ginásio e da prestação de serviços de nutrição poderem conduzir a um fim comum, consubstanciado numa sensação de bem-estar físico que provavelmente sem a realização de tais prestações o respectivo destinatário não experienciaria, não leva, ipso facto, a que se tenha necessariamente de qualificar a prestação de serviços de nutrição como acessória da actividade física.
72. Ou seja, a finalidade comum das prestações não pode redundar na sua qualificação como prestações de serviços únicas, cuja decomposição reveste um carácter artificial, nas quais os serviços prestados em ginásio são a prestação principal e a nutrição é acessória daquelas.
73. O que releva é a (in)existência de finalidade autónoma da prestação.
74. E se é certo que as prestações de serviços de nutrição contratadas mas não realizadas (e tão-só disponibilizadas aos respectivos destinatários que entendem não as fruir) não revelam a existência de qualquer finalidade autónoma, na medida em que os destinatários simplesmente delas prescindem, donde, não satisfazem qualquer necessidade daqueles, não constituindo para essa parte da clientela um fim em si mesmo, mas antes uma forma de beneficiarem da prestação de serviços de actividade física em condições mais favoráveis (que aliás e em face do probatório, nesse cenário, aparecem com uma contraprestação de valor inferior à alternativa que era contratualizar tão-só as prestações de serviços de actividade física sem a nutrição associada); já as contratadas e efectivamente realizadas, incontornavelmente, revelam a existência de tal finalidade autónoma.
75. Quanto ao argumento do peso ponderado do valor dos serviços de nutrição, por via do desconto concedido na prestação de serviços de actividade física corresponder exactamente ao valor dos serviços de nutrição e daí, para o destinatário das prestações, corresponder a zero euros, também não nos parece levar à qualificação dos serviços de nutrição como prestação acessória, desde logo, porquanto, independentemente da repartição da contraprestação pelas prestações realizadas e da forma como ela é determinada, o que é facto é que se não consegue perspectivar a existência de uma única prestação económica indissociável, mas antes e ao invés se perspetiva a existência incontornável de duas prestações de serviços que se justifica decompor para efeitos de enquadramento em sede de IVA.
76. Ademais e bem ao invés do que parece sustentar a Requerida, a forma como a Requerente concebeu e outorgou com os seus clientes a contraprestação pelas prestações que realiza não nos leva à conclusão de que a prestação de serviços de nutrição se cifra em valor zero na medida em que as partes contratualizaram um relevante valor para a realização ou mera disponibilização dos serviços de nutrição que só não redunda num relevante acréscimo de proveitos para a Requerente por via do desconto concedido na prestação de serviços de actividade física.
77. Isto dito, o Tribunal Arbitral Colectivo considera que, bem ao invés, estamos perante prestações de serviços autónomas, distintas e claramente independentes entre si.
78. E fá-lo ancorado no Acórdão do TJUE (Terceira Secção) de 4 de Março de 2021, Processo n.º C-581/19, disponível in
https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=238466&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=6682245 que tal propósito aduz como segue: “37. Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, quando uma operação económica é constituída por um conjunto de elementos e de atos, há́ que tomar em consideração todas as circunstancias em que se desenvolve a operação em questão para determinar se dela resulta uma ou mais prestações (v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 1999, CPP, C 349/96, EU:C:1999:93, n.º 28 e jurisprudência referida), especificando-se que, regra geral, cada prestação deve ser considerada uma prestação distinta e independente, como decorre do artigo 1.°, n.º 2, segundo paragrafo, da Diretiva 2006/112 [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C 231/19, EU:C:2020:513, n.º 23 e jurisprudência referida]. 38 Todavia, a título de excepção a esta regra geral, em primeiro lugar, a operação constituída por uma só́ prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA. É por isso que existe uma prestação única quando dois ou mais elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tao estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria carácter artificial [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C 231/19, EU:C:2020:513, n.º 23 e jurisprudência referida]. 39 Para este efeito, como salientou a advogada geral nos n.ºs 22 a 33 das suas conclusões, há́ que identificar os elementos característicos da operação em causa (Acórdãos de 29 de Março de 2007, Aktiebolaget NN, C 111/05, EU:C:2007:195, n.º 22, e de 18 de janeiro de 2018, Stadion Amsterdam, C 463/16, EU:C:2018:22, n. ° 30), da perspetiva do consumidor medio (Acórdão de 19 de julho de 2012, Deutsche Bank, C 44/11, EU:C:2012:484, n.º 21 e jurisprudência referida). O conjunto de indícios a que se recorre para esse objetivo inclui diferentes elementos, os primeiros, de ordem intelectual e de importância decisiva, destinados a demonstrar a indissociabilidade ou não dos elementos da operação em causa (Acórdão de 28 de fevereiro de 2019, Sequeira Mesquita, C 278/18, EU:C:2019:160, n.º 30) e o seu objetivo económico, único ou não [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C 231/19, EU:C:2020:513, n.º 34], os segundos, de ordem material e sem importância decisiva (v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 1999, CPP, C 349/96, EU:C:1999:93, n.º 31), que eventualmente vêm em apoio da analise dos primeiros elementos, como a acessibilidade separada (Acórdão de 17 de janeiro de 2013, BGŻ Leasing, C 224/11, EU:C:2013:15, n.º 43) ou conjunta (Acórdão de 8 de dezembro de 2016, Stock ’94, C 208/15, EU:C:2016:936, n.º 33) das prestações em causa ou a existência de uma facturação única (Despacho de 19 de janeiro de 2012, Purple Parking e Airparks Services, C 117/11, não publicado, EU:C:2012:29, n.º 34 e jurisprudência referida) ou distinta (Acórdão de 18 de janeiro de 2018, Stadion Amsterdam, C 463/16, EU:C:2018:22, n.º 27). 40 Em segundo lugar, uma operação económica constitui uma prestação única quando um ou mais elementos devem ser considerados como prestação principal, ao passo que, pelo contrário, outros elementos devem ser considerados uma prestação ou prestações acessórias que partilham do tratamento fiscal da prestação principal [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C 231/19, EU:C:2020:513, n.º 29 e jurisprudência referida]. 41 Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o primeiro critério a tomar em consideração a este respeito é a inexistência de finalidade autónoma da prestação do ponto de vista do consumidor medio. Assim, uma prestação deve ser considerada acessória de uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesma, mas o meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C 231/19, EU:C:2020:513, n.º 29 e jurisprudência referida]. 42 O segundo critério, que constitui, na realidade, um indício do primeiro, tem que ver com a tomada em consideração do valor respetivo de cada uma das prestações que compõem a operação económica, uma revelando-se mínima, ou mesmo marginal, relativamente à outra (v., neste sentido, Acórdão de 22 de outubro de 1998, Madgett e Baldwin, C 308/96 e C 94/97, EU:C:1998:496, n.º 24). (...) 44 Quanto à aplicabilidade a prestações como as que estão em causa no processo principal do primeiro tipo de excepção, referido no n.º 38 do presente acórdão, importa constatar, pela leitura da decisão de reenvio, que a recorrente no processo principal se dedica, entre outras, às atividades de gestão e exploração de instituições desportivas, bem como de manutenção e bem-estar físico, e que prestou, por intermédio de um profissional devidamente habilitado e certificado para esse efeito, serviços de acompanhamento nutricional nas suas instalações. 45. Além disso, resulta dos elementos indicados pelo órgão jurisdicional de reenvio que esses diferentes serviços prestados pela recorrente no processo principal eram objeto de facturação separada e que era possível usufruir de uns sem recorrer aos outros. 46. Assim, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, afigura se que os serviços de manutenção e bem-estar físico, por um lado, e de acompanhamento nutricional, por outro, como prestados pela recorrente no processo principal, não estão indissociavelmente ligados na acepção da jurisprudência recordada nos n.ºs 38 e 39 do presente acórdão. 47. Por conseguinte, em princípio, há́ que considerar que prestações como as que estão em causa no processo principal não constituem uma prestação única de carácter complexo. 48. Quanto à aplicabilidade do segundo tipo de excepção, referido nos n.ºs 40 a 42 do presente acórdão, a prestações como as que estão em causa no processo principal, importa, no caso em apreço, salientar, por um lado, a finalidade autónoma da prestação de acompanhamento dietético do ponto de vista do consumidor medio. Mesmo que tais prestações de acompanhamento dietético fossem realizadas ou susceptíveis de o ser nas mesmas instituições desportivas que as prestações de manutenção e bem-estar físico, não é menos verdade que a finalidade das primeiras não é de ordem desportiva, mas sanitária e estética, não obstante o facto de uma disciplina dietética poder ter por efeito contribuir para a performance atlética. Por outro lado, como salientou a advogada geral no n.º 56 das suas conclusões, no processo principal, de acordo com a facturação da recorrente, 40 % do valor global mensal a pagar pelo cliente era imputado ao aconselhamento nutricional, percentagem que, manifestamente, não pode ser qualificada de mínima ou, a fortiori, de marginal. Prestações de acompanhamento dietético como as que estão em causa no processo principal não podem, portanto, ser consideradas acessórias em relação às prestações principais que são constituídas pelas prestações de manutenção e bem-estar físico. 49. Daqui decorre que, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, há́ que considerar que prestações como as que estão em causa no processo principal são distintas e independentes umas das outras para efeitos da aplicação do artigo 2. °, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112.”
79. Em face da transcrição operada se conclui com meridiana clareza que a questão da acessoriedade das prestações aqui em causa está claramente resolvida na decisão tirada no Acórdão do TJUE (Terceira Secção) de 4 de Março de 2021, Processo n.º C-581/19, caso Frenetkexito, sendo que, no sentido da respectiva autonomização, donde, o Tribunal Arbitral Colectivo não acolhe a posição sustentada pela Requerida na sua defesa, negando estarmos perante prestações de serviços únicas nas quais a prestação de serviços de actividade física é a prestação principal e a prestação de serviços de nutrição é acessória daquela, revestindo a sua decomposição carácter artificial.
V.D.4.3) DO ENQUADRAMENTO PROPRIAMENTE DITO DAS CONSULTAS DE NUTRIÇÃO NA ISENÇÃO PREVISTA NO N.º 1 DO ART. 9.º DO CIVA:
80. A questão que agora importa trazer à colação e que foi colocada pela Requerida com muita acuidade é a de saber se, não obstante estarmos perante serviços prestados por nutricionista aos clientes da Requerente (que do ponto de vista meramente objectivo poderiam, em princípio e como visto, aproveitar a isenção prevista no n.º 1 do art.º 9º do CIVA), podem tais serviços beneficiar efectivamente daquela isenção, já que, tal como dito acima, só as prestações de serviços paramédicos que tenham finalidades terapêuticas podem subsumir-se na alçada da referida isenção.
81. Ou seja, garantido que esteja que as prestações que estão aqui em causa são levadas à prática com finalidades terapêuticas, teria de se admitir a aplicabilidade da isenção prevista no n.º 1 do art.º 9º do CIVA àquelas operações ainda que elas se pudessem configurar, tão-só, como operações para fins de prevenção da saúde.
82. Vejamos então se as prestações realizadas pela Requerente são passiveis de se subsumirem à previsão da aludida norma de isenção prevista no art.º 9º do CIVA que tem por matriz a alínea c) do art.º 132º da Directiva IVA.
83. Tal como já aduzido, o Acórdão do TJUE de 10.9.2002, Kügler, Pº n.º C-141/00, não deixa de enfaticamente aludir à finalidade terapêutica que deve conformar as prestações que podem subsumir-se na previsão da alínea c), do n.º 1, ponto A, do art.º 13º do Sexta Directiva (numa interpretação actualista, alínea c) do art.º 132º da Directiva IVA), mas e isso não é de somenos, no caso sub judice, inclui também na alçada daqueles normativos as prestações de serviços que tenham por finalidade a prevenção da doença e já não somente a finalidade de diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde.
84. É claro que no que tange às prestações de serviços de nutrição como as que estão em causa no processo sub judice se pode colocar à dúvida sobre se elas prosseguem finalidades já não terapêuticas mas ao menos finalidades de prevenção da doença, não devendo olvidar-se, no entanto, que outros objectivos podem estar presentes quando se contratam tais prestações de serviços em contexto de ginásio, a saber, v.g.: i) relacionados com níveis de massa muscular; ii) relacionados com objectivos de perda de peso; iii) ou até relacionados com objectivos puramente estéticos e de imagem corporal.
85. E tal como está no Relatório de Inspecção os Serviços de Inspecção Tributária foram exactamente por aí concluindo no sentido de que os serviços de nutrição em causa nos autos estão sujeitos a IVA e dele não isentos por não se verificar quanto aos mesmos a finalidade terapêutica que constitui requisito para aplicação da isenção e partindo ainda da mera disponibilização dos serviços (não tendo a Requerente logrado demonstrar ter prestado todos os serviços que facturou e bem ao invés tendo até assumido não os ter prestado), advogam a inaplicabilidade da isenção prevista no n.º 1 do art.º 9º do CIVA por não verificada a finalidade terapêutica que deve encerrar as prestações de serviços de nutrição que podem efectivamente beneficiar daquela isenção.
86. Claro está que a Requerida, na sua resposta, alinha pelo mesmo diapasão, ou seja, igualmente sustenta a ausência de finalidade terapêutica das prestações de serviços de nutrição em causa nos autos.
87. Adequado se mostrando trazer ainda à colação o Acórdão do TJUE (Terceira Secção) de 4 de março de 2021, Processo n.º C-581/19, disponível in
https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=238466&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=6682245 , sustentando-se que o mesmo versa sobre matéria de facto análoga à que está em apreciação no caso sub judice.
88. O referido Acórdão do TJUE, de 4 de Março de 2021, foi prolatado na sequência de pedido de decisão prejudicial, por decisão de 22.7.2019, firmado no Processo Arbitral que no CAAD tomou o n.º 504/2018-T é que deu entrada no TJUE em 30.7.2019.
89. O pedido de decisão prejudicial tinha por objeto a interpretação do art.º 2.º, n.º 1, alínea c), e do artigo 132. °, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (Directiva IVA).
90. O Tribunal Arbitral decidiu suspender a instância e submeter ao TJUE as seguintes questões prejudiciais: “1) Nas hipóteses em que, como sucede nos autos, uma sociedade: a) se dedica, a título principal, a atividades de manutenção e bem estar físico e, a título secundário, a atividades de saúde humana, entre elas nutrição, consultas de nutrição e de avaliação física, bem como realização de massagens; b) disponibiliza aos seus clientes planos que incluem apenas serviços de fitness e planos que incluem serviços de fitness e nutrição, deverá, para efeito do disposto no artigo 2.°, n.º 1, [alínea] c), da Diretiva [2006/112], considerar se que a atividade de saúde humana, designadamente nutrição, é acessória da atividade de manutenção e bem estar físico, devendo, assim, ter a prestação acessória o mesmo tratamento fiscal da prestação principal ou deverá considerar se, ao invés, que a atividade de saúde humana, designadamente nutrição, e a atividade de manutenção e bem estar físico são independentes e autónomas entre si, devendo ser lhes aplicável o tratamento fiscal previsto para cada uma dessas atividades? 2) A aplicação da isenção prevista no artigo 132. °, n.º 1, [alínea] c), da Diretiva [2006/112] pressupõe que os serviços aí consignados sejam efetivamente prestados ou a mera disponibilização dos mesmos, de forma a que a sua utilização esteja unicamente dependente da vontade do cliente, é suficiente para aplicação desta isenção?”
91. Como visto, o Tribunal Arbitral colocou a título prejudicial a questão da acessoriedade das actividades de saúde humana e de entre elas a nutrição, relativamente à actividade principal de manutenção e bem-estar físico e ainda a questão de saber se a aplicação da isenção prevista na alínea c) do artigo 132.°, da Directiva IVA, pressupunha que os serviços aí consignados fossem efetivamente prestados ou a mera disponibilização dos mesmos, de forma a que a sua utilização estivesse unicamente dependente da vontade do cliente, era suficiente para efeitos de aplicabilidade da aludida isenção.
92. Ainda assim e não obstante quer o TJUE quer mesmo a Advogada-Geral, (as conclusões estão disponíveis in
https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=232743&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=6682245) vão além do pedido e pronunciam-se sobre a aplicabilidade da isenção prevista na alínea c) do art.º 132º da Directiva IVA e no n.º 1 do art.º 9º do CIVA às prestações de serviços de nutrição, discorrendo sobre se devem ou não ser qualificadas como prestações de serviços de assistência para efeitos daqueles normativos.
93. Diz dado passo a Advogada-Geral Juliane Kokott como segue: “59. Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, saber se a isenção prevista no artigo 132.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva IVA também se aplica quando o acompanhamento nutricional, embora tendo sido pago, não tenha sido utilizado. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio parte manifestamente do princípio de que as prestações de serviços de acompanhamento nutricional da requerente estão abrangidas pela isenção prevista no artigo 132.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva IVA. 60. Isto é, contudo, duvidoso em consonância com o entendimento da Comissão. Para beneficiar dessa isenção, seria necessário que se verificasse uma prestação de serviços de assistência (58). Só são abrangidas pelo conceito de prestações de serviços de assistência as prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou problemas de saúde (59). É, portanto, condição que estas tenham uma finalidade terapêutica (60). 61. Isso não acontece num acompanhamento nutricional geral. É certo que o Tribunal de Justiça concebe a finalidade terapêutica de forma ampla, aceitando também medidas de prevenção destinadas a proteger ou a manter a saúde (61). Estas devem, todavia, destinar-se a impedir, evitar ou prevenir uma doença, uma lesão ou anomalias de saúde, ou detetar doenças latentes ou incipientes (62). Uma relação incerta, sem risco concreto de prejuízo para a saúde, é tão insuficiente neste caso (63) quanto uma finalidade puramente estética (64). Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a prestação de serviços de acompanhamento visa a prevenção de determinadas doenças e o seu tratamento, ou se visa apenas o bem-estar geral ou a aparência (65). 62. A questão de saber se a isenção prevista no artigo 132.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva IVA exige que se usufrua efetivamente da prestação só excecionalmente será relevante. A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou, noutro contexto, que a apreciação, para efeitos de IVA, de uma prestação de serviços não depende da questão de saber se o prestador se limita a colocá-la à disposição ou se a fornece efetivamente (66). 63. No entanto, não é de modo algum evidente que esta jurisprudência possa ser transposta para a isenção específica prevista no artigo 132.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva IVA. Com efeito, esta isenção pressupõe uma finalidade terapêutica da prestação, o que no contexto de um acompanhamento nutricional pago, mas não utilizado, se afigura bastante duvidoso. Esta questão pode ser deixada em aberto no presente processo. Só se colocaria se o órgão jurisdicional de reenvio tivesse chegado à conclusão, e explicasse porquê, de que o acompanhamento nutricional aqui em causa é uma prestação de serviços com finalidade terapêutica. Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio não formula essa conclusão.”
94. Já o TJUE, nos pontos 20 e 21 da fundamentação do Acórdão, diz: “20. Antes de mais, há que observar que o órgão jurisdicional de reenvio, ao colocar as suas questões, parece ter partido da premissa de que um dos tipos de serviços prestados no processo principal, a saber, o serviço de acompanhamento nutricional, era suscetível de ser abrangido pelo âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 132. °, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112. 21. Importa, portanto, a título preliminar, verificar a exatidão desta premissa, defendida pela recorrente no processo principal, mas contestada pelo Governo português e atenuada pela Comissão Europeia.”
95. Inferindo-se daqui, com meridiana clareza que quer a Advogada-Geral quer o TJUE foram para além das questões prejudiciais colocadas.
96. Tal como acima referido, a Advogada-Geral afirmava nas suas conclusões que o órgão jurisdicional de reenvio partiu do pressuposto da aplicabilidade da isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva IVA.
97. No entanto, a Advogada-Geral considerava duvidosa a verificação de tal pressuposto.
98. E partindo daí e tentando demonstrá-lo, chamou à discussão jurisprudência sobre a questão da interpretação que vem sendo dada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia sobre os contornos do conceito de assistência, dizendo que é condição que as respetivas prestações tenham finalidade terapêutica.
99. Admite, não obstante, que o tribunal vem interpretando o conceito de finalidade terapêutica de forma ampla, aceitando que ainda se podem subsumir naquele conceito operações de prevenção destinadas a proteger ou a manter a saúde.
100. Por outro lado, a Advogada-Geral diz ainda que o TJUE já declarou que a apreciação, para efeitos de IVA, de uma prestação de serviços não depende da questão de saber se o prestador se limita a coloca-la a disposição ou se a fornecê-la efetivamente.
101. E partindo daqui diz que não é de modo algum evidente que esta jurisprudência possa ser transposta para a isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 132º da Directiva IVA.
102. Inferindo o Tribunal Arbitral Colectivo daqui que uma coisa é a questão da exigibilidade e do facto gerador do IVA; outra, bem distinta, é a transposição da regra da mera disponibilização para a aplicabilidade da isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 132º da Directiva IVA e, portanto, a sua transposição para o direito interno, ou seja, para a isenção prevista no n.º 1 do art.º 9º do CIVA.
103. A questão da mera disponibilização das prestações de serviços de nutrição, i.e., a circunstância de alguns ou boa parte dos clientes da aqui Requerente não aceder sequer às prestações de serviços que lhes eram disponibilizadas, não pode deixar de ter reflexos na questão da avaliação sobre se em concreto a finalidade terapêutica associada às prestações de serviços de nutrição está ou não verificada.
104. Dito de outro modo, se as prestações de serviços de nutrição não são sequer realizadas, então, em princípio, não se lhes pode conferir finalidade terapêutica para efeitos da aplicabilidade da isenção prevista no n.º 1 do art.º 9º do CIVA.
105. Ademais, dos considerandos nºs 30 e 31 da fundamentação do Acórdão no Tribunal de Justiça da União Europeia de 4 de Março de 2021, parece resultar que a finalidade terapêutica dos serviços de acompanhamento nutricional tem de ser convenientemente demonstrada e provada, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
106. E em face do que está no probatório resultou clarividente para o Tribunal Arbitral Colectivo que a finalidade terapêutica das prestações em causa nos autos (todas) não ficou minimamente demonstrada.
107. Além de que do considerando n.º 32 da fundamentação do Acórdão resulta ainda que aquele tribunal (o TJUE) admite que há duas tipologias de serviços nutrição: i) Os prestados com uma finalidade terapêutica; ii) Os desprovidos de tal finalidade.
108. Sendo que os prestados como os que estão em causa no processo, ou seja, os prestados em ginásio (em instituições desportivas) e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, pertencem, no entendimento do TJUE, aos da segunda tipologia de serviços de nutrição identificados em ii).
109. Para o TJUE os serviços de acompanhamento nutricional como os prestados no processo C-581/19 não podem subsumir-se na isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 132º da Directiva IVA.
110. Não devendo olvidar-se que a interpretação sancionada pelo TJUE claramente afronta a que é defendida pela Requerente, ancorada além do mais em pareceres que estão junto aos autos da autoria da Professora Doutora Clotilde Celorico Palma.
111. A questão de finalidade terapêutica associada à realização (ou não) das prestações de serviços de nutrição é a questão determinante que entende o Tribunal Arbitral Colectivo se pode retirar da jurisprudência Fernetikexito.
112. A Professora Doutora Clotilde Celorico Palma diz no seu parecer que cumpre aos nutricionistas devidamente habilitados, no exercício da sua profissão, assegurar a assistência aos seus pacientes dentro dos parâmetros de qualidade exigidos na lei, sendo tal exercício objeto de adequada fiscalização.
113. O Tribunal Arbitral Colectivo concorda rigorosamente com esta conclusão, no entanto, a questão que se coloca é saber como é que isto se compagina com a falta de realização dalgumas das consultas.
114. No parecer datado de 19.3.2021, diz-se a dado passo que a jurisprudência da União Europeia em matéria de IVA é muito extensa, devendo os aplicadores da lei segui-la quando seja suficientemente clara de forma a que não deixe dúvidas quanto à respectiva interpretação, o que, no entendimento daquela, não sucede com a jurisprudência resultante do caso Frenetikexito.
115. O Tribunal Arbitral colectivo discorda frontalmente desta asserção.
116. A conclusão que se pode extrair da jurisprudência Frenetikexito de que as prestações de serviços de nutrição como as que são realizadas nos presentes autos não caem na alínea c) do nº 1 do artigo 132º da Directiva IVA é suficientemente clara e não deixa grandes dúvidas de interpretação.
117. Naquele parecer de 19.3.2021, aduz-se ainda no sentido de que a atividade de aconselhamento/consultas de nutrição prestada em ginásios, quando realizada por profissionais devidamente habilitados que envolvam a prática de atos de prevenção e/ou de tratamento de patologias relacionadas com a saúde, em cumprimento do disposto na norma de atuação profissional da Ordem dos Nutricionistas (NOP 02/2019) 11, como o aconselhamento nutricional, a elaboração de um plano alimentar personalizado, análise da composição corporal, do historial clínico e do modo de vida do utente, bem como medições biométricas, só pode ser vista como acto terapêutico isento IVA nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 9º do código do IVA. Diz-se ainda só assim se pode respeitar o entendimento que tem vindo a ser adotado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia na área da saúde em geral, bem como pelos nossos tribunais e pela Administração Tributária, fazendo-se respeitar o princípio da neutralidade em sede deste imposto que nomeadamente postula que prestações de serviços idênticas devem ter um tratamento idêntico.
118. O Tribunal Arbitral Colectivo concorda em parte com a Doutora Clotilde Celorico Palma.
119. Diverge, no entanto, na parte em que para este Tribunal as consultas não realizadas possam beneficiar de tal enquadramento.
120. Fundados nas conclusões da Advogada-Geral e até no Acórdão tirado no caso Frenetikexito, a questão que se deve trazer à colação é a de saber onde é que, sendo assim, está demonstrada a finalidade terapêutica?
121. A Doutora Clotilde Palma refere expressamente no seu parecer que não é o facto de tais serviços serem prestados em ginásios ou até de não serem realizados pela circunstância de os utentes faltarem às consultas que as conclusões a extrair devem ser distintas.
122. Discordamos veementemente desta asserção, já que, para nós, se as consultas se não realizarem não pode ficar demonstrada a finalidade terapêutica associada a tais operações e, por isso mesmo, está em causa a aplicabilidade da isenção prevista no artigo 9º do código do IVA.
123. No parecer de 19.3.2021 diz-se ainda que em conformidade com interpretação que o Tribunal de Justiça da União Europeia tem vindo a fazer das regras vindas de enunciar da Diretiva IVA, regra geral, a partir do momento em que o serviço de nutrição é disponibilizado e faturado, deve, como tal, ser considerado como prestado, independentemente de o utente vir materialmente a utilizá-lo.
124. O Tribunal não pode deixar de concordar, mas a questão que se coloca é a de saber se a ausência de realização da consulta tem interferência na questão do objetivo terapêutico e do ponto de vista do Tribunal, as consultas de nutrição não realizadas não podem ter associada tal finalidade terapêutica.
125. A ausência de realização das consultas tem interferência na finalidade terapêutica e, por isso, coloca em causa, liminarmente, a aplicabilidade da isenção.
126. Remata a Doutora Clotilde Palma no parecer de 19.3.2021 como segue: “no caso de um utente não usufruir das consultas de nutricionismo não se poderá concluir que os serviços não foram prestados, recusando-se a aplicação da isenção. A partir do momento em que o serviço de nutrição é disponibilizado e faturado, deve, como tal, de acordo com as regras do IVA, ser considerado como prestado, independentemente de o utente não vir a frequentar alguma consulta.” O Tribunal até podia aceitar a conclusão, no entanto, dirá: só não se pode aplicar a isenção por não verificação do objectivo terapêutico associado à prestação de serviços realizada.
127. Isto dito se conclui no sentido de que se os serviços de acompanhamento nutricional, como os que estavam em causa no processo C-581/19, não podem, para o TJUE, subsumir-se na isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 132º da Directiva IVA, donde, os que estão em causa nos presentes autos, porquanto rigorosamente iguais, não podem também subsumir-se na isenção prevista no n.º 1 do art.º 9º do CIVA.
128. E assim sendo o Tribunal Arbitral Colectivo não pode deixar de acompanhar tal asserção do TJUE, louvando-se, aliás, naquele arresto para decidir no sentido referido, ou seja, considerando também que os serviços de nutrição como os que estão em causa nos presentes autos não podem beneficiar da isenção prevista no n.º 1 do art.º 9º do CIVA, por manifesta ausência de verificação do requisito objectivo da finalidade terapêutica.
129. Não devendo olvidar-se que as decisões do TJUE constituem fonte de direito imediata, logrando-se, com isso, a desejável uniformidade e harmonização na aplicação do direito comunitário no espaço físico da união europeia.
130. E também que a jurisprudência do TJUE (aqui chamada à colação) não pode deixar de beneficiar do chamado “precedente vinculativo” na medida em que vincula todos os tribunal nacionais do Estados-membros tal como resulta do acórdão do TJUE de 15 de Julho de 1964, Pº Costa/Enel – 6/64, disponível in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:61964CJ0006&from=NL .
131. E ainda da vigência do princípio da interpretação conforme com o direito da União, que decorre da interpretação que o TJUE faz das disposições conjugadas dos artigos 4.º, n.º 3 do TUE e 288.º, n.º 3 do TFUE.
132. Tal princípio impõe que o intérprete ou aplicador do direito nacional atribua às disposições nacionais um sentido conforme ou compatível com as disposições do direito da União. E quanto ao sentido e alcance deste princípio, no acórdão Von Colson , o TJUE entendeu que a obrigação de interpretação da norma nacional que transpõe uma diretiva, em conformidade com o texto e objetivo daquela, obriga o juiz nacional a dar prioridade ao método – de entre os métodos de interpretação permitidos pela ordem jurídica interna – que lhe permita atribuir à disposição nacional em causa uma interpretação compatível com a Directiva.
133. Concluindo-se com meridiana clareza no sentido de que não apenas as prestações de serviços em causa não estão isentas de IVA, ao abrigo da al. 1) do artigo 9.º do CIVA, por ausência de demonstração de que presidiu à realização de tais prestações de serviços uma finalidade terapêutica, ónus que impendia sobre a Requerente nos termos e em conformidade com o disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, mas também que a legalidade dos atos tributários se encontra corretamente fundamentada, do ponto de vista material, com base nessa falta de demonstração do fim terapêutico das prestações de serviços aqui em causa.
V.E) PEDIDO SUBSIDIÁRIO:
134. Improcedendo o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido principal, há que apreciar o pedido subsidiário formulado pela Requerente.
135. De harmonia com o preceituado no artigo 554.º, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, «diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior».
136. A Requerente entende que o imposto liquidado adicionalmente pela Requerida deveria ter sido liquidado por dentro em conformidade com o disposto no art.º 49.º do CIVA.
137. O valor correspondente foi determinado pela Requerente como segue: “(...) o apuramento da base tributável correspondente seria obtido através da divisão do valor recebido dos clientes por 123 (taxa normal de IVA de 23%) e multiplicando o quociente por 100. Assim, teríamos: Base Tributável = [valor recebido dos utentes/123] x 100, ou seja, Base Tributável = [€ 653.725,75 Euros /123] x 100 = € 531.484,35, sendo o montante global do IVA devido de € 122.241,40 (€ 531.484,35 x 23%) e não € 150.356,92.”
138. Fundamentando tal posição interpretativa alinham o seguinte argumentário: i) Os serviços de nutrição foram prestados a consumidores finais e, como tal, o valor cobrado pela Requerente aos seus clientes constituiu o preço final que retribui as referidas prestações de serviços; ii) aplicando-se IVA sobre o preço final cobrado aos clientes, os respectivos consumidores finais teriam de suportar o imposto liquidado adicionalmente, criando distorções ao nível do seu bem-estar económico com o emergente encargo adicional; iii) em termos práticos essa repercussão de imposto para os consumidores finais seria impossível; iv) a Requerente teria de suportar a final o IVA liquidado adicionalmente, o que violaria os mais elementares princípios de funcionamento do imposto, nomeadamente o da neutralidade.
139. Sobre esta questão já se pronunciou o TJUE em decisão tirada nos processos n.ºs C-249/12 e C-250/12, caso Tulică e Plavoşin, Acórdão do TJUE de 07.11.2013, cujo sumério diz: “A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, nomeadamente os seus artigos 73.º e 78.º, deve ser interpretada no sentido de que, quando o preço de um bem tenha sido determinado pelas partes sem menção do imposto sobre o valor acrescentado e o fornecedor do referido bem seja o devedor do imposto sobre o valor acrescentado devido sobre a operação tributada, e caso o fornecedor não tenha a possibilidade de recuperar junto do adquirente o imposto sobre o valor acrescentado reclamado pela administração fiscal, se deve considerar que o preço convencionado já inclui o imposto sobre o valor acrescentado.”
140. Os pontos 32. a 38 da fundamentação do aludido Acórdão dizem: “32. A esse propósito, importa recordar que resulta dos artigos 1.º, n.º 2, e 73.º da diretiva IVA que o princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e aos serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço destes e que o valor tributável inclui tudo o que constitui a contraprestação recebida ou a receber pelo fornecedor de bens ou pelo prestador de serviços em relação às operações pretendidas pelo adquirente, destinatário ou por um terceiro. O artigo 78.º dessa diretiva enumera certos elementos que devem ser incluídos no valor tributável. Segundo o artigo 78.º, alínea a), da referida diretiva, o IVA não é deve ser incluído no referido valor. 33. Em conformidade com a norma geral enunciada no artigo 73.º da diretiva IVA, o valor tributável numa entrega de um bem ou numa prestação de um serviço, efetuadas a título oneroso, é constituído pela contraprestação realmente recebida para esse efeito pelo sujeito passivo. Essa contraprestação constitui o valor subjetivo, a saber, realmente recebido, e não um valor estimado segundo critérios objetivos (v., nomeadamente, acórdãos de 5 de fevereiro de 1981, Coöperatieve Aardappelenbewaarplaats, 154/80, Recueil, p. 445, n.º 13, e de 26 de abril de 2012, Balkan and Sea Properties e Provadinvest, C-621/10 e C-129/11, n.º 43). 34. Essa regra deve ser aplicada em conformidade com o princípio de base da referida diretiva, que reside no facto de o sistema do IVA ter como objetivo onerar unicamente o consumidor final (v., nomeadamente, acórdão Elida Gibbs, já referido, n.º 19, e despacho de 9 de dezembro de 2011, Connoisseur Belgium, C-69/11, n.º 21). 35. Ora, quando um contrato de compra e venda tiver sido celebrado sem menção do IVA, na hipótese de o fornecedor, segundo o direito nacional, não poder recuperar junto do adquirente o IVA posteriormente exigido pela administração fiscal, considerar que a totalidade do preço, sem dedução do IVA, constitui a base a que o IVA se aplica teria a consequência de o IVA onerar esse fornecedor e colidir, portanto, com o princípio de que o IVA é um imposto sobre o consumo, que deve ser suportado pelo consumidor final. 36. Essa tomada em consideração colidiria, por outro lado, com a regra segundo a qual a administração fiscal não poderá cobrar um montante de IVA superior ao que foi recebido pelo sujeito passivo (v., nomeadamente, acórdãos Elida Gibbs, já referido, n.º 24; de 3 de julho de 1997, Goldsmiths, C-330/95, Colet., p. I-3801, n.º 15, e Balkan and Sea Properties e Provadinvest, já referido, n.º 44).37. Em contrapartida, isso não sucederia se o fornecedor tivesse, segundo o direito nacional, a possibilidade de adicionar ao preço estipulado um suplemento correspondente ao imposto aplicável à operação e de o recuperar junto do adquirente do bem. 38. Além disso, importa sublinhar que uma das caraterísticas essenciais do IVA reside no facto de esse imposto ser exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços em causa. Isso implica que todos os fornecedores contribuem para o pagamento do IVA na mesma proporção face à totalidade do montante recebido pelos bens vendidos.”
141. A decisão jurisprudencial vinda de transcrever tem claramente aplicação no caso sub judicio.
142. É que, não pode olvidar-se, a Requerente contratou com os seus clientes um preço global, IVA incluído, pelos serviços prestados, sendo que a liquidação do IVA “fora" da contraprestação viola frontalmente o conceito de "contraprestação recebida".
143. Os Serviços de Inspeção Tributária, no seu RIT, calculam o imposto considerado em falta, com base num preço que, de modo algum, reflete o que foi contratualizado e efetivamente pago pelo consumidor final, atento o princípio da liberdade contratual e da autonomia da vontade.
144. A matéria coletável na entrega de um bem ou na prestação de um serviço, efetuadas a título oneroso, é constituída pela contrapartida realmente recebida paro o efeito pelo sujeito passivo, como resulta dos artigos 273.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28.11.2006, e 16.º, n.ºs 2 e 4, e 49.º , n.º 2, do CIVA, sendo que o tribunal arbitral considera que as razões aduzidas para a impossibilidade de repercussão hoje do imposto liquidado adicionalmente pela AT são ponderosas e devem ser aceites.
145. Inclusivamente, tratando-se mensalidades periódicas cobradas pela Requerente, já terá transcorrido integralmente o prazo legal de prescrição de cinco anos, previsto no artigo 310.º, alínea g), do Código Civil, relativamente a boa parte das prestações em causa.
146. Pelo exposto, aplicando-se a referida jurisprudência do TJUE, deve proceder o pedido subsidiário, sendo de anular parcialmente as liquidações impugnadas.
147. O Acórdão do Pleno do STA de 10.4.2013, tirado no Processo n.º 0298/12, fixa jurisprudência no sentido de que o acto de liquidação enquanto acto divisível é susceptível de anulação parcial.
148. Inferindo-se daquela decisão que a anulação parcial dos actos tributários é juridicamente admissível quando aqueles enfermem de ilegalidade meramente parcial, ou seja, quando o fundamento da anulação se aplique apenas a uma parte do acto e não à sua totalidade.
149. In casu, a AT liquidou IVA relativamente às operações ligadas à nutrição que no seu entender não poderiam beneficiar da isenção prevista no n.º 1 do art.º 9º do CIVA, mas, face à jurisprudência Tulică e Plavoşin só parte do valor tributável levado em consideração poderia ter sido relevado, ou seja, a AT, tendo apurado o valor tributável ligado às operações de nutrição aqui em causa, deveria ter “retirado por dentro” o respectivo imposto, aplicando o art.º 49º do CIVA, i.e., dividindo o valor da contraprestação recebida pelo sujeito passivo por 1,23 e, apurado o respectivo valor tributável, só aplicando IVA a tal base tributável e não, como fez, considerando todo o valor recebido como contraprestação pelos serviços de nutrição, fazendo acrescer àquele valor recebido o correspondente IVA que está a ser sindicado nos autos.
150. Assim sendo, considera o tribunal arbitral que a ilegalidade que está a afectar os actos de liquidação sindicados não os afecta no seu todo.
151. A redução do valor tributável das operações em causa facilmente se pode apurar pela divisão por 1,23 das bases tributáveis consideradas pela AT, não exigindo a prática de novos actos de liquidação, aceitando-se como bons os cálculos acima explicitados e produzidos pela Requerente.
152. Tudo ponderado, decide-se pela procedência meramente parcial do pedido subsidiário apresentado pela Requerente e só pela anulação parcial dos actos de liquidação sindicados. Devendo anular-se as liquidações de IVA sindicadas em 28.115,52 € e proporcionalmente, em valor correspondente, as liquidações de juros Compensatórios igualmente aqui sindicadas.
V.F) QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO:
153. Julgando-se improcedente o pedido principal e parcialmente o pedido subsidiário, tal como já se deixou antever, fica assegurada a tutela eficaz dos interesses da Fazenda, donde, fica prejudicada, por inútil, a apreciação da excepção da incompetência do tribunal suscitada pela Requerida para apreciar o pedido na parte relativa à anulação do processo executivo n.º ...2020... e Apensos e à anulação do processo contra-ordenacional n.º ...2020... em conformidade com o disposto nos artºs 130.º e 608.º, n.º 2 do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no art.º 29.º, n.º 1 do RJAT.
V.G) SOBRE O PEDIDO DE CONDENAÇÃO DA REQUERIDA COMO LITIGANTE DE MÁ-FÉ:
154. Neste ponto também não descortinamos razão para divergir (ou aditar o que quer que seja) da decisão prolatada no Processo n.º 380/2020-T que tramitou no CAAD e foi junta aos autos pela requerida com as alegações finais, pelo que, vamos reproduzir ipsis verbis tudo quanto a tal propósito foi ali doutamente explicitado.
155. Diz no seu ponto 4.3 a aludida decisão arbitral: “A LGT prevê̂ a condenação da AT em sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre a litigância de má-fé́, em caso de actuação em juízo contra o teor de informações vinculativas prestadas aos interessados, ou quando o seu procedimento divirja do habitualmente adotado em situações idênticas (v. artigo 104.º, n.º 1 da LGT, ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT). No mais, o regime da litigância de má-fé́ encontra-se regulado no Código de Processo Civil (“CPC”), subsidiariamente aplicável ao processo tributário e ao processo arbitral (v. artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT, artigo 2.º, al. d) da LGT, artigo 2.º, al. e) do CPPT, e acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de janeiro de 2020, processo n.º 0952/18.4BEPRT). De acordo com o disposto no artigo 542.º, n.º 2 do CPC, considera-se litigante de má-fé́ quem: i) deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; ii) alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a decisão da causa; iii) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; iv) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. No caso, a Requerente pede a condenação da Requerida em litigância de má-fé́, por considerar que esta invocou na sua Resposta factos novos, atinentes à prova da finalidade terapêutica dos serviços de nutrição, que, não tendo constituído fundamento das liquidações, nem poderia sequer ser discutida nesta fase. Contudo, como atrás se salientou, a questão da ausência de fim terapêutico específico dos serviços de nutrição – acompanhamento nutricional e consultas – é por diversas vezes mencionada no relatório de inspecção, pelo que não se trata de um argumento inovador, independentemente de existirem outros vertidos no mesmo relatório, como o tema da acessoriedade dos serviços de nutrição em relação à atividade de exercício físico (ginásio). Por outro lado, a informação vinculativa invocada pela Requerente foi prestada a outra entidade, a um outro sujeito passivo, pelo que não existe a obrigação (prevista no artigo 68.º n.º 14 da LGT) de a Requerida agir em conformidade com essa informação. Deste modo, não se verifica a violação de deveres de verdade e probidade por parte da Requerida, quer por esta não ter prestado à Requerente uma informação vinculativa que possa fundar a indemnização por litigância de má-fé́ prevista no artigo 104.º, n.º 1 da LGT, quer por não se identificar uma actuação processual [da Requerida] passível de enquadramento em qualquer das situações tipificadas no artigo 542.º, n.º 2 do CPC. Aliás, constando do relatório de inspecção diversas passagens alusivas ao facto de, no entender da Requerida, os serviços de nutrição em questão não terem objetivos terapêuticos, encontrando-se, por isso, excluídos do âmbito de aplicação da isenção de IVA, como resulta da transcrição parcial do mesmo na matéria de facto supra, o desvio da pauta da boa fé́, a existir, seria da Requerente e não da Requerida.”
156. Assim sendo e apropriando-se mais uma vez o presente Tribunal Arbitral colectivo do argumentário esgrimido na decisão acima melhor identificada, não pode deixar de improceder também o pedido de condenação da Requerida como litigante de má-fé́.
VI. DECISÃO:
FACE AO EXPOSTO, ACORDAM OS ÁRBITROS DESTE TRIBUNAL ARBITRAL EM:
A) JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO PRINCIPAL DE ANULAÇÃO DOS ACTOS TRIBUTÁRIOS DE LIQUIDAÇÃO DE IVA E DE JUROS COMPENSATÓRIOS SUPRA IDENTIFICADOS, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS;
B) JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO SUBSIDIÁRIO APRESENTADO PELA REQUERENTE, ANULANDO-SE PARCIALMENTE OS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO SINDICADOS;
C) JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO DE CONDENAÇÃO DA REQUERIDA COMO LITIGANTE DE MÁ-FÉ.
VII. VALOR DO PROCESSO:
FIXA-SE AO PROCESSO O VALOR DE € 170.128,42, CORRESPONDENTE AO VALOR DAS LIQUIDAÇÕES DE IVA E JUROS COMPENSATÓRIOS QUE SE PRETENDEM ANULAR, INDICADO PELA REQUERENTE E NÃO CONTRADITADO PELA REQUERIDA, DE HARMONIA COM O DISPOSTO NOS ARTIGOS 3.º, N.º 2 DO REGULAMENTO DE CUSTAS NOS PROCESSOS DE ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA (“RCPAT”), 97.º-A, N.º 1, ALÍNEA A) DO CPPT E 306.º, N.ºS 1 E 2 DO CPC, ESTE ÚLTIMO EX VI ARTIGO 29.º, N.º 1, ALÍNEA E) DO RJAT.
VIII CUSTAS:
CUSTAS NO MONTANTE DE € 3.672,00, A CARGO DA REQUERENTE E DA REQUERIDA EM FUNÇÃO DO RESPECTIVO DECAIMENTO QUE SE FIXA EM 81,30% PARA A PRIMEIRA E 18,70% PARA A SEGUNDA, EM CONFORMIDADE COM A TABELA I ANEXA AO RCPAT, E COM O DISPOSTO NOS ARTIGOS 12.º, N.º 2 E 22.º, N.º 4 DO RJAT, 4.º, N.º 5 DO RCPAT E 527.º, N.ºS 1 E 2 DO CPC, EX VI ARTIGO 29.º, N.º 1, ALÍNEA E) DO RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 13 de Setembro de 2021.
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 138º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do art.º 29º, do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
Os Árbitros
(Manuel Luís Macaísta Malheiros)
(Fernando Marques Simões)
(Eva Dias Costa)
(Vencida conforme declaração anexa)
DECLARAÇÃO DE VOTO
Acompanhando o Tribunal em tudo o mais, votei, no entanto, vencida quanto à decisão relativa ao pedido subsidiário e à respetiva consequência em matéria de custas.
Na verdade, a apesar de também acompanhar o Tribunal quanto à formula que a AT deveria ter adoptado para o apuramento do IVA nas correções efectuadas, i.e., que a AT, que a AT deveria ter “retirado por dentro” o respectivo imposto, aplicando o art.º 49º do CIVA, , dividindo o valor da contraprestação recebida pelo sujeito passivo por 1,23 e, apurado o respectivo valor tributável, só aplicando IVA a tal base tributável, considero que também este pedido deveria ter improcedido na totalidade, por entender que a respetiva procedência implica a prática de um ato de liquidação.
Na verdade, embora a anulação com este fundamento não inviabilize a emissão de novas liquidações, em sede de execução de julgados a anulação das liquidações impugnadas tem de ser total e os Tribunais têm de limitar-se a declarar a ilegalidade de actos, como decorre do artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.
Por isso, quando os actos assentam num fundamento ilegal, deve ser declarada a sua anulação, cabendo à Administração Tributária, em sede de execução do julgado, no âmbito do preceituado no artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, decidir se pode e deve ou não praticar novos actos com uma fundamentação diferente, assegurando aos contribuintes todos os direitos de defesa que a lei lhes reconhece e se não tiver, entretanto, sido ultrapassado o prazo de caducidade que a lei fixa para o exercício desse direito.
Não pode o Tribunal Arbitral substituir-se à Administração Tributária, mantendo parcialmente na ordem jurídica esses actos com uma fundamentação diversa daquela que neles consta, o que equivaleria à emissão de novos actos de liquidação com supressão da possibilidade de invocação pelo contribuinte de todos os meios de impugnação administrativa e contenciosa que lhe são assegurados pela lei.
O árbitro,
(Eva Dias Costa)